Utilização das unidades básicas de saúde da ESF conforme a cobertura por plano de saúde

Leonardo Ferreira Fontenelle Maria Beatriz Junqueira de Camargo Andréa Dâmaso Bertoldi Helen Gonçalves Ethel Leonor Noia Maciel Aluísio J D Barros Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Descrever a utilização de unidades básicas de saúde conforme a cobertura por cartão de desconto e plano de saúde.

MÉTODOS

Inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família de Pelotas, RS, entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008, incluindo pessoas de todas as faixas etárias. A frequência de busca por atendimento (médico ou não) nas unidades básicas de saúde nos últimos seis meses e a prevalência do uso das unidades básicas de saúde para a última consulta médica (caso esta tivesse sido realizada até seis meses atrás, e tivesse tido um motivo que não rotina) foram analisadas por regressão de Poisson ajustada para o delineamento amostral.

RESULTADOS

Das 1.423 pessoas, 75,6% não estavam cobertas por cartão de desconto ou plano de saúde. A frequência média da busca por atendimento (médico ou não) foi de 1,6 vezes em seis meses (IC95% 1,3-2,0); essa frequência foi 55,8% menor (p < 0,001) entre as pessoas cobertas por plano de saúde em comparação às pessoas sem cartão de desconto ou plano de saúde. Dentre as últimas consultas médicas, 35,8% (IC95% 25,4-47,7) tinham sido realizadas nas unidades básicas de saúde; essa prevalência foi 36,4% menor (p = 0,003) entre as pessoas cobertas por cartão de desconto e 87,7% menor (p = 0,007) entre as pessoas cobertas por plano de saúde em comparação às pessoas com ambas as coberturas.

CONCLUSÕES

A cobertura por plano de saúde e, em menor grau, a cobertura por cartão de desconto associam-se a uma menor utilização das unidades básicas de saúde. Isso pode ser utilizado para dimensionar a população sob a responsabilidade de cada equipe de Estratégia Saúde da Família, na medida em que os agentes comunitários de saúde sejam capazes de diferenciar cartão de desconto e plano de saúde durante o cadastramento das famílias.

DESCRITORES:
Necessidades e Demandas de Serviços de Saúde; Centros de Saúde; Serviços de Saúde, utilização; Saúde Suplementar; Sistemas Pré-Pagos de Saúde, utilização; Equidade na Alocação de Recursos

INTRODUÇÃO

Apesar de ser denominada “saúde suplementar”11. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Glossário temático: saúde suplementar. 2 ed. Brasília (DF); 2012 [cited 2017 Nov 30]. Available from: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/saudesup_glossario_site-1.pdf
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, a operação de planos privados de assistência à saúde tem efetivamente uma função “duplicada” no Brasil22. Santos IS, Ugá MAD, Porto SM. O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1431-40. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500009
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, seguindo a taxonomia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)33. Organisation for Economic Co-operation and Development. Private health insurance in OECD countries. Paris: OECD; 2004.. Uma consequência dessa função duplicada é que, em algum grau, as pessoas cobertas por plano de saúde utilizam serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) cobertos por seus planos de saúde. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) monitora a utilização do SUS para internações hospitalares e procedimentos ambulatoriais de alto custo por pessoas cobertas por plano de saúde. Em 2015, cobrou das operadoras o ressarcimento por volta de 500 mil atendimentos - cerca de um a cada 100 beneficiários44. Boletim Informativo: utilização do sistema público por beneficiários de planos de saúde e ressarcimento ao SUS. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar; 2016 [cited 2017 Nov 30];(1). Available from: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/boletim_ressarcimento.pdf
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.

Inquéritos encontram menor utilização da atenção primária do SUS entre pessoas cobertas por plano de saúde55. Bonello AADLM, Corrêa CRS. Acesso aos serviços básicos de saúde e fatores associados: estudo de base populacional. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(11):4397-406. https://doi.org/10.1590/1413-812320141911.13922013
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6. Bousquat A, Gomes A, Alves MCGP. Acesso realizado ao Programa de Saúde da Família em área com «alta» cobertura do subsistema privado. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(11):2913-21. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100008
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7. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Health service use in a population covered by the Estratégia de Saúde da Família (Family Health Strategy). Rev Saude Publica. 2009;43(4):595-603. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000040
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8. Garcia-Subirats I, Vargas Lorenzo I, Mogollón-Pérez AS, De Paepe P, Ferreira da Silva MR, Unger JP, et al. Determinantes del uso de distintos niveles asistenciales en el Sistema General de Seguridad Social en Salud y Sistema Único de Salud en Colombia y Brasil. Gac Sanit. 2014;28(6):480-8. https://doi.org/10.1016/j.gaceta.2014.05.010
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9. Oliveira LS, Almeida LGN, Oliveira MAS, Gil GB, Cunha ABO, Medina MG, et al. Acessibilidade a atenção básica em um distrito sanitário de Salvador. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(11):3047-56. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100021
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10. Pereira RJ, Cotta RMM, Franceschini SCC, Ribeiro RCL, Tinoco ALA, Rosado LEFPL, et al. Análise do perfil sociossanitário de idosos: a importância do Programa de Saúde da Família. Rev Med Minas Gerais. 2010 [cited 2017 Nov 30];20(1):5-15. Available from: http://rmmg.org/artigo/detalhes/377
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11. Santiago AX, Barreto ICHC, Sucupira ACSL, Lima JWO, Andrade LOM. Equitable access to health services for children aged 5 to 9 in a medium city of northeasth of Brazil: a result of Family Health Strategy. Rev Bras Epidemiol. 2014;17 Supl 2:39-52. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400060004
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-1212. Silva NN, Pedroso GC, Puccini RF, Furlani WJ. Desigualdades sociais e uso de serviços de saúde: evidências de análise estratificada. Rev Saude Publica. 2000;34(1):44-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000100009
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. É possível, no entanto, que as estimativas desses inquéritos estejam distorcidas por não terem tomado o cuidado de diferenciar planos de saúde de cartões de desconto. Em um inquérito domiciliar realizado em uma cidade de médio porte populacional (Pelotas, RS), quase metade das pessoas que se diziam cobertas por plano de saúde estava, na verdade, coberta por cartão de desconto1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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. Ao contrário dos planos de saúde, os cartões de desconto oferecem acesso a uma lista de serviços de saúde remunerados por meio do desembolso direto pelo próprio paciente, mediante mensalidades de baixo custo1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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. Apesar de não oferecerem nem pré-pagamento, nem compartilhamento de risco, os cartões de desconto são considerados concorrentes dos planos de saúde1414. Salvatori RT, Ventura CAA. A agência nacional de saúde suplementar - ANS: onze anos de regulação dos planos de saúde. Organ Soc. 2012;19(62):471-88. https://doi.org/10.1590/S1984-92302012000300006
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,1515. Santos FP, Malta DC, Merhy EE. A regulação na saúde suplementar: uma análise dos principais resultados alcançados. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1463-75. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500012
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.

O objetivo deste artigo foi descrever a utilização das unidades básicas de saúde (UBS) conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde entre pessoas cobertas pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

MÉTODOS

Analisaram-se os dados de um inquérito domiciliar realizado na área de abrangência da ESF, na zona urbana de Pelotas entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008. O plano amostral do inquérito consistiu na amostra sistemática de domicílios microárea a microárea, proporcionalmente ao número de famílias cadastradas na ESF. Dessa forma, era possível selecionar um domicílio mesmo que ele não estivesse cadastrado. Em cada domicílio selecionado, todos os moradores foram convidados a fazer parte do estudo, excluindo-se apenas moradores incapazes de participar, como os hospitalizados, os surdos sem tradutores ou os com demência. Os moradores ou, quando necessário, seus responsáveis, responderam a um questionário abrangendo múltiplos domínios: sociodemográfico, nível econômico, condições de saúde e interação com serviços públicos e privados de saúde. O questionário foi respondido preferencialmente pela própria pessoa (95% dos casos) a partir dos 15 anos, e pelo pai ou mãe (94% dos casos) entre os mais jovens. As entrevistas foram conduzidas por entrevistadoras com segundo grau completo, contratadas e treinadas especificamente para a pesquisa. Maiores detalhes do inquérito foram descritos em outro artigo1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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A utilização da UBS foi avaliada com relação à busca por atendimento (médico ou não médico) e à última consulta médica. Os participantes informaram o número de vezes que buscaram qualquer atendimento, médico ou não, na UBS de seu bairro nos últimos seis meses. Os participantes que buscaram atendimento na UBS ao menos uma vez nesse período relataram livremente o principal motivo para a busca de atendimento (codificado a posteriori), e avaliaram o atendimento numa escala de cinco níveis (de muito ruim a muito bom) que foi dicotomizada em bom (muito bom e bom) e regular ou ruim (regular, ruim, muito ruim).

Nos casos em que a última consulta médica tivesse sido realizada há seis meses ou menos e seu motivo não tivesse sido rotina (por exemplo, consulta de pré-natal, renovação de prescrição ou controle de doença crônica), os participantes informaram o local dessa última consulta médica, o principal motivo de escolha do local (codificado a posteriori) e sua satisfação com a consulta. A satisfação com a última consulta foi avaliada por 10 questões, adaptadas de Kloetzel et al.1616. Kloetzel K, Bertoni AM, Irazoqui MC, Campos VPG, Santos RN. Controle de qualidade em atenção primária à saúde. I - A satisfação do usuário. Cad Saude Publica. 1998;14(3):263-8. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000300020
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por meio de um pré-piloto (realizado na área de abrangência de uma equipe da ESF, que não foi incluída na amostra deste estudo1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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) a fim de garantir o entendimento das perguntas pela população do estudo. Cada uma das 10 questões admitia uma resposta em cinco níveis, de muito insatisfeito a muito satisfeito, codificadas numericamente de zero a 10 conforme descrito por Kloetzel et al.1616. Kloetzel K, Bertoni AM, Irazoqui MC, Campos VPG, Santos RN. Controle de qualidade em atenção primária à saúde. I - A satisfação do usuário. Cad Saude Publica. 1998;14(3):263-8. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000300020
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A satisfação de cada pessoa foi descrita na forma de um escore geral, composto pela média simples das 10 questões.

A exposição principal foi a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Conforme descrito anteriormente1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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, essa variável foi avaliada para cada pessoa com base nos nomes dos “planos de saúde” pelo qual a pessoa relatava estar coberta. Esses nomes foram categorizados como cartões de desconto nos casos em que a assistência à saúde fosse remunerada diretamente pela própria pessoa, mediante desembolso direto. As pessoas com um ou mais planos de saúde foram categorizadas como cobertas por plano de saúde mesmo que também contassem com cartão de desconto. Os participantes para os quais não foi possível verificar a natureza do “plano de saúde” relatado foram excluídos da análise.

As covariáveis da análise ajustada foram: a idade (zero a 14, 15 a 24, 25 a 44, 45 a 64, ou 65 anos ou mais), o sexo (masculino ou feminino), a cor da pele ou raça (separada em branca/amarela/indígena e parda/preta), o nível econômico (avaliado pelo Índice Econômico Nacional1717. Barros AJD, Victora Pesquisa CG. A nationwide wealth score based on the 2000 Brazilian demographic census. Rev Saude Publica. 2005;39(4):523-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102005000400002
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[IEN] e dividido em quintis conforme sua distribuição na amostra) e o estado de saúde autorreferido, dicotomizado em bom (muito bom e bom da resposta original) e regular ou ruim (regular, ruim, muito ruim). A cor da pele ou raça foi dicotomizada por causa do pequeno número de pessoas indígenas ou de cor amarela, da semelhança entre elas e as pessoas de cor branca com relação aos desfechos estudados, e de tratar-se de uma variável para ajuste, cuja associação com o desfecho não seria interpretada. A seleção das covariáveis pressupôs as variáveis sociodemográficas e o nível econômico como determinantes distais da utilização de serviços de saúde e o estado de saúde como determinante proximal, junto à cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde.

Na análise de desfechos categóricos ou dicotômicos, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson para testar a independência das variáveis, e a regressão de Poisson para estimar razões de prevalência. No caso da frequência de busca por atendimento (variável numérica discreta), foi utilizada a regressão de Poisson para estimar razões de taxa de busca por atendimento e para explorar a possibilidade de moderação da associação por características socioeconômicas e de saúde. Por fim, foi utilizada regressão linear para estimar diferenças de satisfação com a consulta médica na UBS (variável numérica contínua).

A análise foi realizada com o software estatístico Stata, versão 13 (StataCorp. College Station, Texas, EUA). As análises foram ajustadas para o efeito do delineamento amostral utilizando o prefixo svy, considerando a unidade básica de saúde como unidade primária de amostragem e atribuindo igual peso a todas as observações.

O inquérito foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Ofício 133/2006), mediante anuência da Secretaria Municipal de Saúde, que colaborou no planejamento do inquérito. Os participantes foram incluídos no inquérito após a assinatura de um termo de consentimento livre e consentido.

RESULTADOS

A pesquisa abordou 550 domicílios, onde residiam 1.491 pessoas. Depois de 22 recusas, 13 exclusões por incapacidade de participar e duas impossibilidades de contato, o inquérito incluiu 1.454 (97,5%) pessoas. Foram excluídas 31 pessoas para as quais não foi possível ter certeza da cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde, restando 1.423 (95,4%) participantes.

Os participantes tinham idade mediana de 32 anos, variando de zero a 95; pouco mais da metade (52,2%) era do sexo feminino, e dois terços (66,1%) relatavam bom estado de saúde (Tabela 1). A maioria (75,6%) dos participantes não estava coberta nem por cartão de desconto, nem por plano de saúde. A cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde variou com a idade e o nível socioeconômico.

Tabela 1
Características socioeconômicas e de saúde da amostra conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Área de abrangência da Estratégia Saúde da Família na área urbana de Pelotas, RS, 2008.

A frequência média da busca por atendimento (médico ou não médico) na UBS do bairro foi de 1,6 vezes em seis meses (IC95% 1,3-2,0) (Tabela 2). Essa frequência foi menor entre as pessoas cobertas por plano de saúde do que entre aquelas sem cartão de desconto ou plano de saúde (p < 0,01), mesmo após o ajuste para características socioeconômicas e de saúde (p < 0,01). A associação entre a frequência e a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde não variou conforme a faixa etária (p = 0,13), sexo (p = 0,38), cor da pele ou raça (p = 0,96), IEN (p = 0,39) ou estado de saúde autorreferido (p = 0,41).

Tabela 2
Frequência média de busca por atendimento na unidade básica de saúde do bairro nos últimos seis meses conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Área de abrangência da Estratégia Saúde da Família na área urbana de Pelotas, RS, 2008.

Dentre as pessoas que tinham buscado atendimento na UBS de seu bairro pelo menos uma vez nos últimos seis meses, 61,4% (IC95% 54,1-68,2) avaliaram o atendimento como bom (Tabela 3). Essa avaliação não variou com a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde (p = 0,07), mesmo na análise ajustada (p = 0,26).

Tabela 3
Avaliação do atendimento na unidade básica de saúde nos últimos seis meses conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Área de abrangência da Estratégia Saúde da Família na área urbana de Pelotas, RS, 2008.

O principal motivo para procurar a UBS para atendimento foi por ser o serviço mais próximo para 80,2% (IC95% 74,8-84,7) das pessoas que procuraram o serviço. Os outros motivos mais comuns foram atendimento de boa qualidade (7,0%; IC95% 4,9-9,9) e já ser conhecido ou costumar ser atendido no serviço (5,0%; IC95% 2,7-9,2). O principal motivo para procura da UBS para atendimento não variou conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde (p = 0,22).

Considerando consultas médicas em quaisquer locais, 65,2% (IC95% 61,7-68,6) das pessoas tinham tido uma ou mais consultas médicas nos últimos seis meses. Destas, 73,1% (IC95% 66,0-79,2) tinham um motivo que não de rotina para a última consulta médica. Ambas as proporções não variaram conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde (respectivamente, p = 0,11 e p = 0,18).

Dentre essas pessoas cuja última consulta médica tinha sido realizada nos últimos seis meses e possuíam um motivo que não rotina, 35,8% (IC95% 25,4-47,7) tiveram sua última consulta médica realizada na UBS de seu bairro (Tabela 4). Essa proporção foi menor tanto entre as pessoas cobertas por cartão de desconto quanto entre aquelas cobertas por plano de saúde em comparação àquelas sem cartão de desconto nem plano de saúde (p < 0,01).

Tabela 4
Local da última consulta médica conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Área de abrangência da Estratégia Saúde da Família na área urbana de Pelotas, RS, 2008.

As pessoas cuja última consulta médica tinha sido realizada na UBS tiveram um escore médio de satisfação de 8,0 pontos, numa escala de zero a 10 (Tabela 5). A satisfação com a última consulta médica na UBS não variou conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde (p = 0,58), mesmo após o ajuste da análise por características socioeconômicas e de saúde (p = 0,55).

Tabela 5
Satisfação com a consulta médica entre as pessoas cuja última consulta médica foi realizada na unidade básica de saúde do bairro, conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Área de abrangência da Estratégia Saúde da Família na área urbana de Pelotas, RS, 2008.

O principal motivo para a escolha da UBS como local para a consulta médica foi a proximidade para 73,9% (IC95% 62,2-83,0). Dentro os principais motivos, os mais comuns foram conhecer e ser conhecido no serviço para 8,5% (IC95% 3,9-17,5), só conseguir consulta naquele serviço para 5,7% (IC95% 2,9-10,7) e a boa qualidade do atendimento para 4,7% (IC95% 2,4-9,3). Esses motivos não variaram com a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde (p = 0,05).

DISCUSSÃO

Este estudo encontrou variações na utilização das UBS conforme a cobertura por plano de saúde e, em menor grau, cartão de desconto. Em uma população urbana coberta pela ESF, a prevalência de utilização da UBS para a última consulta médica foi cerca de 90% menor entre as pessoas cobertas por plano de saúde e cerca de 35% menor entre as pessoas cobertas por cartão de desconto, em comparação à utilização pelas pessoas sem ambas as coberturas. Além disso, a frequência de busca por atendimento (médico ou não) na UBS foi cerca de 55% menor entre as pessoas cobertas por plano de saúde. A direção dessas associações é compatível com inquéritos anteriores55. Bonello AADLM, Corrêa CRS. Acesso aos serviços básicos de saúde e fatores associados: estudo de base populacional. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(11):4397-406. https://doi.org/10.1590/1413-812320141911.13922013
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6. Bousquat A, Gomes A, Alves MCGP. Acesso realizado ao Programa de Saúde da Família em área com «alta» cobertura do subsistema privado. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(11):2913-21. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100008
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7. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Health service use in a population covered by the Estratégia de Saúde da Família (Family Health Strategy). Rev Saude Publica. 2009;43(4):595-603. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000040
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...

8. Garcia-Subirats I, Vargas Lorenzo I, Mogollón-Pérez AS, De Paepe P, Ferreira da Silva MR, Unger JP, et al. Determinantes del uso de distintos niveles asistenciales en el Sistema General de Seguridad Social en Salud y Sistema Único de Salud en Colombia y Brasil. Gac Sanit. 2014;28(6):480-8. https://doi.org/10.1016/j.gaceta.2014.05.010
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9. Oliveira LS, Almeida LGN, Oliveira MAS, Gil GB, Cunha ABO, Medina MG, et al. Acessibilidade a atenção básica em um distrito sanitário de Salvador. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(11):3047-56. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100021
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10. Pereira RJ, Cotta RMM, Franceschini SCC, Ribeiro RCL, Tinoco ALA, Rosado LEFPL, et al. Análise do perfil sociossanitário de idosos: a importância do Programa de Saúde da Família. Rev Med Minas Gerais. 2010 [cited 2017 Nov 30];20(1):5-15. Available from: http://rmmg.org/artigo/detalhes/377
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11. Santiago AX, Barreto ICHC, Sucupira ACSL, Lima JWO, Andrade LOM. Equitable access to health services for children aged 5 to 9 in a medium city of northeasth of Brazil: a result of Family Health Strategy. Rev Bras Epidemiol. 2014;17 Supl 2:39-52. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400060004
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-1212. Silva NN, Pedroso GC, Puccini RF, Furlani WJ. Desigualdades sociais e uso de serviços de saúde: evidências de análise estratificada. Rev Saude Publica. 2000;34(1):44-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000100009
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, mas não é possível comparar diretamente sua magnitude por se tratarem de diferentes estimativas.

A redução na utilização da UBS para a última consulta médica foi mais expressiva do que a redução da busca por qualquer tipo de atendimento na UBS. Uma possível explicação está no fato de as UBS oferecerem serviços que não necessariamente são oferecidos por planos de saúde ou cartões de desconto, como assistência odontológica e distribuição de medicamentos1818. Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF, Silva ZP. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS - PNAD 2003. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(4):1011-22. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000400022
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. Outra possível explicação é que, ainda que as pessoas com plano de saúde ou cartão de desconto utilizassem a UBS para consulta médica com a mesma frequência, elas teriam menor proporção de consultas realizadas na UBS pelo fato de utilizarem outros serviços de saúde com mais frequência do que outras pessoas22. Santos IS, Ugá MAD, Porto SM. O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1431-40. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500009
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,77. Fernandes LCL, Bertoldi AD, Barros AJD. Health service use in a population covered by the Estratégia de Saúde da Família (Family Health Strategy). Rev Saude Publica. 2009;43(4):595-603. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000040
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,1919. Barreto Jr IF, Ferreira MP, Silva ZP. Pesquisa de condições de vida 2006: acesso aos serviços de saúde em áreas vulneráveis à pobreza. São Paulo Perspect. 2008 [cited 2017 Nov 30];22(2):5-18. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_01.pdf
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20. Silva ZP, Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3807-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000016
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-2121. Farias LO, Melamed C. Segmentação de mercados da assistência à saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2003;8(2):585-98. https://doi.org/10.1590/S1413-81232003000200019
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. Mesmo que ambas as explicações sejam provavelmente válidas em algum grau, não foi possível quantificar neste estudo a importância relativa de cada uma devido à falta de informações sobre o número de consultas médicas nos últimos seis meses dentro e fora das UBS.

Outro achado deste estudo foi a boa avaliação das UBS pelas pessoas que de fato a utilizam. Três quintos das pessoas que buscaram atendimento na UBS avaliaram o atendimento como “bom” ou “muito bom”, e o escore geral de satisfação com a consulta médica foi de 8,0 em média (numa escala de zero a 10). Esse escore geral de satisfação está próximo à avaliação geral da consulta tanto no estudo que originalmente propôs o instrumento1616. Kloetzel K, Bertoni AM, Irazoqui MC, Campos VPG, Santos RN. Controle de qualidade em atenção primária à saúde. I - A satisfação do usuário. Cad Saude Publica. 1998;14(3):263-8. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000300020
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(numa unidade docente assistencial) quanto em um estudo subsequente realizado em vários serviços de Porto Alegre, RS2222. Zils AA, Castro RCL, Oliveira MMC, Harzheim E, Duncan BB. Satisfação dos usuários da rede de Atenção Primária de Porto Alegre. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2009;4(16):270-6. https://doi.org/10.5712/rbmfc4(16)233
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(fazendo-se a média entre os serviços com alto e baixo escore de orientação à atenção primária à saúde).

Essa boa avaliação do atendimento não variou conforme a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde. Isso sugere que a forma de avaliar as UBS não é influenciada pelo acesso ao atendimento em outros serviços. No entanto, dado o caráter transversal deste estudo, não se pode excluir a possibilidade de “causalidade reversa”: que as pessoas cobertas por cartão de desconto ou plano de saúde só busquem atendimento na UBS caso façam uma boa avaliação, já que essas pessoas têm maior facilidade para utilizar serviços privados de assistência à saúde. Além disso, no caso da consulta médica na UBS, não foi possível estimar com precisão a satisfação das pessoas cobertas por plano de saúde, uma vez que apenas quatro dessas pessoas informaram ter realizado ali sua última consulta médica.

Um terceiro achado deste estudo é que o principal motivo para a utilização das UBS é a proximidade do serviço, independentemente da cobertura ou não por cartão de desconto ou plano de saúde. Outros motivos frequentemente relatados, como vínculo com o serviço (conhecer ou ser conhecido no serviço), podem ser entendidos como outras faces do mesmo motivo, já que remetem a características preconizadas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) para os serviços de atenção primária à saúde2323. Ministério da Saúde (BR). Portaria no 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diario Oficial Uniao. 24 out 2011; Seção 1:48.. A PNAB estabelece a acessibilidade (que inclui proximidade geográfica) e o vínculo como alguns dos princípios da atenção primária à saúde, e estipula que as UBS tenham um território de atuação definido2323. Ministério da Saúde (BR). Portaria no 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diario Oficial Uniao. 24 out 2011; Seção 1:48.. Dessa forma, a UBS que as pessoas podem procurar é, geralmente, a mais próxima de seus domicílios. Isso tende a contribuir para que as pessoas sejam conhecidas pelos profissionais de sua UBS e vice-versa.

As limitações deste estudo precisam ser consideradas. Assim como em qualquer inquérito, a confiabilidade e a acurácia das estimativas dependem das informações fornecidas pelos participantes. Inquéritos tendem a subestimar a frequência da utilização de serviços de saúde, tanto em comparação a dados administrativos e prontuários médicos2424. Bhandari A, Wagner T. Self-reported utilization of health care services: improving measurement and accuracy. Med Care Res Rev MCRR. 2006;63(2):217-35. https://doi.org/10.1177/1077558705285298
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quanto em comparação a diários preenchidos pelos próprios participantes2525. Ansah EK, Powell-Jackson T. Can we trust measures of healthcare utilization from household surveys? BMC Public Health. 2013;13:853. https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-853
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. Essa subestimação aumenta com os extremos de idade, a frequência de utilização, a benignidade do problema de saúde e o período de referência da pergunta sobre utilização, entre outros fatores2424. Bhandari A, Wagner T. Self-reported utilization of health care services: improving measurement and accuracy. Med Care Res Rev MCRR. 2006;63(2):217-35. https://doi.org/10.1177/1077558705285298
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,2525. Ansah EK, Powell-Jackson T. Can we trust measures of healthcare utilization from household surveys? BMC Public Health. 2013;13:853. https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-853
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. É possível, portanto, que a utilização e sua associação com a cobertura por cartão de desconto ou plano de saúde tenham sido subestimadas. Para minimizar essa limitação, utilizou-se um período de referência relativamente curto (seis meses, em vez de 12), e a pergunta sobre utilização foi formulada informando o nome do mês de início do período de recordação2424. Bhandari A, Wagner T. Self-reported utilization of health care services: improving measurement and accuracy. Med Care Res Rev MCRR. 2006;63(2):217-35. https://doi.org/10.1177/1077558705285298
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.

Dado o delineamento transversal do estudo, não foi possível estabelecer com segurança a direção das associações. Embora seja razoável que as pessoas cobertas por plano de saúde ou cartão de desconto troquem em parte a utilização de serviços públicos de saúde (como as UBS) por serviços privados, também é possível que pessoas com uma visão mais crítica dos serviços públicos sejam mais propensas a aderir a cartão de desconto ou plano de saúde. Esta última possibilidade é reforçada pelo fato de que, em estudo anterior deste mesmo inquérito1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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, os principais motivos para adesão a plano de saúde ou cartão de desconto foram “segurança” e “qualidade no atendimento”. De qualquer forma, o objetivo deste estudo não foi investigar o motivo, mas sim descrever a utilização das UBS por pessoas cobertas por cartão de desconto ou plano de saúde.

A validade dos achados deste estudo é reforçada pelos cuidados em seu planejamento e execução. Seu plano amostral respeitou o território de abrangência das UBS, ao mesmo tempo em que permitiu a inclusão de domicílios que não estivessem cadastrados por quaisquer motivos. Além disso, foi realizado um extensivo controle de qualidade, passando por digitação dupla de questionários, verificação de consistência dos dados e verificação de 25% das entrevistas (5% presencialmente e 20% por telefone).

Apesar desses cuidados, é necessária cautela ao generalizar os resultados para populações diferentes daquela estudada. Neste estudo, os participantes residiam na área de abrangência da ESF, no perímetro urbano de um único município de médio porte e localizado no extremo sul do país. Não foi possível avaliar de que forma a utilização das UBS por pessoas cobertas por cartão de desconto ou plano de saúde variou com fatores como o modelo de atenção primária à saúde, a ruralidade ou características do município. Por outro lado, inquéritos domiciliares realizados na área urbana desse mesmo município apresentaram resultados comparáveis aos de inquéritos domiciliares de abrangência nacional2626. Mendoza-Sassi R, Béria JU, Barros AJD. Outpatient health service utilization and associated factors: a population-based study. Rev Saude Publica. 2003;37(3):372-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000300017
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27. Camargo MBJ, Dumith SC, Barros AJD. Uso regular de serviços odontológicos entre adultos: padrões de utilização e tipos de serviços. Cad Saude Publica. 2009;25(9):1894-906. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000900004
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-2828. Dilélio AS, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FCV, Piccini RX, et al. Padrões de utilização de atendimento médico-ambulatorial no Brasil entre usuários do Sistema Único de Saúde, da saúde suplementar e de serviços privados. Cad Saude Publica. 2014;30(12):2594-606. https://doi.org/10.1590/0102-311X00118713
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. Mesmo se as medidas de associação não se modificarem por essas características, espera-se que a utilização das UBS por sua população adscrita varie com a proporção de pessoas cobertas por plano de saúde e, em menor grau, cartão de desconto.

Os resultados deste estudo podem ser aplicados na gestão da atenção primária à saúde. A PNAB estabelece que cada equipe da ESF seja responsável em média por três mil pessoas, devendo esse número variar conforme a vulnerabilidade da população2323. Ministério da Saúde (BR). Portaria no 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diario Oficial Uniao. 24 out 2011; Seção 1:48.. Na medida em que pessoas sem cartão de desconto ou plano de saúde demandam mais atendimento pelas UBS, as equipes da ESF podem ser distribuídas de forma mais equitativa, atribuindo maior peso a essas pessoas. Na prática, essa aplicação dependerá da qualidade da informação sobre a proporção de pessoas cobertas por cartão de desconto ou plano de saúde. Enquanto as pessoas cobertas por plano de saúde pouco utilizam as UBS, as pessoas cobertas por cartão de desconto utilizam as UBS de forma semelhante às pessoas sem ambas as coberturas. Usualmente, a única informação disponível é a proporção de pessoas cobertas por plano de saúde, como no Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB) ou em inquéritos domiciliares como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) ou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). No entanto, parte das pessoas que se declararam cobertas por plano de saúde neste inquérito domiciliar estava efetivamente coberta apenas por cartão de desconto1313. Fontenelle LF, Camargo MBJ, Bertoldi AD, Gonçalves H, Maciel ELN, Barros AJD. Cobertura por plano de saúde ou cartão de desconto: inquérito domiciliar na área de abrangência da Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2017;33(10):e00141515. https://doi.org/10.1590/0102-311X00141515
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. Na gestão da atenção primária à saúde, a proporção de pessoas cobertas por plano de saúde estará tipicamente disponível pelo SISAB, cujos cadastros familiares são mantidos pelos agentes comunitários de saúde. Dessa forma, a efetiva utilização das UBS pelas pessoas supostamente cobertas por plano de saúde dependerá da capacidade dos agentes comunitários de saúde de diferenciar cartão de desconto de plano de saúde durante o cadastramento das famílias.

Pessoas cobertas por plano de saúde e (em menor grau) cartão de desconto utilizam menos as UBS, embora avaliem o atendimento de forma semelhante e relatem os mesmos motivos para a escolha do local, em comparação às pessoas sem ambas as coberturas. Isso pode ser utilizado para dimensionar a população sob a responsabilidade de cada UBS ou equipe da ESF, na medida em que os agentes comunitários de saúde sejam capazes de estabelecer com segurança a diferença entre cartão de desconto e plano de saúde durante o cadastramento das famílias.

  • Financiamento: Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT n° 26 de 2006. Edital FAPERGS/MS/CNPq/SESRS PPSUS/RS 07/0078.2. Edital CAPES n° 23/2014 (Minter/Dinter).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2016
  • Aceito
    20 Jun 2017
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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