Participação social no processo de incorporação de tecnologias em saúde no Sistema Único de Saúde

Aline Silveira Silva Maria Sharmila Alina de Sousa Emília Vitória da Silva Dayani Galato Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Descrever o atual processo de participação social na incorporação de tecnologias em saúde no Brasil, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).

MÉTODOS

Realizou-se um estudo descritivo baseado na análise de registros oficiais das ações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e do seu sítio eletrônico, desde o início de suas atividades em janeiro de 2012 até dezembro de 2017.

RESULTADOS

Os achados indicam que no Brasil existem instrumentos legais relacionados à participação social na saúde, inclusive no que se refere à avaliação de tecnologias em saúde. No entanto, sua implantação é relativamente recente e tem sido realizada gradualmente. Além dos instrumentos legais (participação de representante do Conselho Nacional de Saúde, realização de consulta pública e previsão de audiência pública), outras estratégias de informação e transparência têm se mostrado aliadas à participação social na incorporação de tecnologias em saúde. Contudo, atividades como audiências públicas, previstas legalmente, ainda não foram realizadas.

CONCLUSÕES

Diversas ações de fomento à participação social foram desenvolvidas ao longo do período analisado, as quais, porém, carecem de avaliação para que ocorra sua manutenção ou aprimoramento. Além disso, percebe-se a necessidade de uma participação social mais qualificada nos vários espaços existentes, incluindo os previstos por lei.

Avaliação da Tecnologia Biomédica; Participação da Comunidade; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

A avaliação de tecnologias em saúde (ATS) é um campo multidisciplinar de análise de políticas públicas, que estuda as implicações clínicas, sociais, éticas e econômicas do desenvolvimento, difusão e uso de tecnologia em saúde, levando-se em consideração aspectos como eficácia, efetividade, segurança, custos, custo-efetividade, entre outros11. Banta HD, Luce B. Health care technology and its assessment. London: Oxford University Press; 1993. cap. 1-6. , 22. Goodman CS; The Lewin Group. TA 101: introduction to health care technology assessment. Bethesda, MD: National Library of Medicine; 1998. Available from: https://www.nlm.nih.gov/nichsr/ta101/ta101.pdf
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. Entretanto, os impactos éticos, legais e sociais, direcionados à perspectiva social, são muitas vezes desconsiderados em função dos achados clínicos e econômicos33. Gagnon M-P, Desmartis M, Lepage-Savary D, Gagnon J, St-Pierre M, Rhainds M, et al. Introducing patients’ and the public’s perspectives to health technology assessment: a systematic review of international experiences. Int J Technol Assess Health Care. 2011;27(1):31-42. https://doi.org/10.1017/S0266462310001315
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Membros do Fórum Global de Políticas da Associação Internacional de ATS ( Health Technology Assessment International Global Policy Forum) relataram que há alguns anos os profissionais dessa área focavam na produção de relatórios e processos internos, interagindo de maneira limitada com a sociedade; atualmente, porém, essa perspectiva tem mudado. Os profissionais de ATS têm buscado cada vez mais evidências coloquiais, um termo que abrange diferentes tipos de opinião informal44. Facey K, Hansen HP, Single A, ditors. Patient Involvement in health technology assessment. Singapura: Springer; 2017. p. 11-15, 44. , para complementar os dados de ensaios clínicos randomizados. O objetivo é enfocar vários aspectos, não apenas os clínicos, e, assim, adaptar cada vez mais os processos de ATS aos contextos reais onde essas tecnologias são ou serão utilizadas55. Sampietro-Colom L, Thomas S. Rethinking stakeholder engagement and technology access in health technology. assessment: reactions to policy forum discussions. Int J Technol Assess Health Care. 2016;32(4):200-2. https://doi.org/10.1017/S0266462316000325
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A literatura propõe diferentes termos para se referir aos vários grupos de usuários finais de ATS, como pacientes, consumidores, cidadãos e público. O modelo desenvolvido por Gauvin et al.66. Gauvin FP, Abelson J, Giacomini M, Eyles J, Lavis JN. “It all depends”: conceptualizing public involvement in the context of health technology assessment agencies. Soc Sci Med. 2010;70(10):1518-26. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2010.01.036
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agrupou esses usuários em duas categorias. O público que constitui a primeira categoria fornece uma perspectiva social ou leiga sobre tecnologias em saúde, que inclui cidadãos, grupos de cidadãos ou representantes eleitos. A segunda categoria compreende aqueles diretamente afetados por uma determinada condição ou tecnologia em saúde e inclui os pacientes, usuários do serviço e entidades que os representam.

O modelo descrito anteriormente enfatiza três principais aspectos: domínios do envolvimento (política organizacional e pesquisa), tipo de público (leigo e diretamente afetados) e nível de envolvimento (informação, consulta e participação)77. Gagnon MP, Lepage-Savary D, Gagnon J, St-Pierre M, Simard C, Rhainds M, et al. Introducing patient perspective in health technology assessment at the local level. BMC Health Serv Res. 2009;9:54. https://doi.org/10.1186/1472-6963-9-54
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Com o crescente engajamento dos pacientes, cada vez mais interados de seus direitos à saúde e participativos no cuidado da própria saúde, há a necessidade de estabelecer meios eficazes para envolver a sociedade civil nos processos de decisão sobre a incorporação de tecnologias. Muitas agências de ATS, em diferentes países, têm considerado diversas maneiras de incorporar as perspectivas dos pacientes em seus modelos e métodos de engajamento social, exigindo assim, uma ATS centrada no paciente77. Gagnon MP, Lepage-Savary D, Gagnon J, St-Pierre M, Simard C, Rhainds M, et al. Introducing patient perspective in health technology assessment at the local level. BMC Health Serv Res. 2009;9:54. https://doi.org/10.1186/1472-6963-9-54
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, 88. Silva AS, Biella CA, Petramale CA. Envolvimento do público na avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e do Brasil. Rev Eletron Gestao Saude. 2015 [citado 01 de junho de 2017];6 Supl 4:3313-37. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3340
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.

Existe falta de consenso terminológico sobre esse envolvimento. Estudos internacionais que abordam o tema utilizam com frequência os termos “envolvimento do público e do paciente”, “envolvimento do público” ou “engajamento de pacientes”44. Facey K, Hansen HP, Single A, ditors. Patient Involvement in health technology assessment. Singapura: Springer; 2017. p. 11-15, 44. . Neste trabalho, adotou-se o termo “participação social”, pois é como a legislação brasileira se refere ao tema, inclusive ao tratar da ATS99. Brasil. Decreto N° 9.795, de 17 de maio de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Saúde, remaneja cargos em comissão e funções de confiança, transforma funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Brasília, DF; 2019 [citado 01 de agosto de 2019]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9795.htm#art8
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No Brasil, a participação social é uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) presentes na Constituição Federal1010. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contém as emendas constitucionais posteriores. Brasilia, DF: 1988. e um dos princípios descritos nas Leis 8.080/19901111. Brasil. Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasilia, DF; 1990 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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e 8.142/19901212. Brasil. Lei Nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Brasília, DF; 1990 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm
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. A sociedade construiu o controle social no SUS, com os conselhos e conferências de saúde, definindo espaços de participação social na formulação e deliberação da política pública de saúde1313. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Política nacional de educação permanente para o controle social no Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília, DF; 2006 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/miolo_pep.pdf
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. No entanto, essa participação nas sociedades democráticas contemporâneas é fato recente1414. Dallari SG, Barber-Madden R, Torres-Fernandes MC, Abdel Qader Shuqair NSMS, Watanabe HA. Advocacia em saúde no Brasil contemporâneo. Rev Saude Publica.1996;30(6):592-601. https://doi.org/10.1590/S0034-89101996000600014
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. Embora a participação da comunidade seja assegurada constitucionalmente, os exemplos brasileiros de experiência democrática em saúde nesse âmbito ainda são pontuais1515. Delduque MC, Bardal PAP. Advocacia em saúde: prática cidadã para a garantia do direito à saúde:o caso do Projeto de Lei Complementar nº 01/2003. Rev Direito Sanit. 2008;9(1):107-22. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v9i1p107-122
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, 1616. Silva AS, Marcondes WB, Elias FTS. O envolvimento do público no processo de avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013. . Além disso, segundo Delduque e Bardal (2008)1515. Delduque MC, Bardal PAP. Advocacia em saúde: prática cidadã para a garantia do direito à saúde:o caso do Projeto de Lei Complementar nº 01/2003. Rev Direito Sanit. 2008;9(1):107-22. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v9i1p107-122
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, a participação social da qual se fala não se restringe ao controle social da saúde. Ou seja, não se refere apenas à formação dos conselhos ou às conferências de saúde, mas sim, a uma participação mais ampla, aquela inerente ao pleno cumprimento da cidadania, permitindo que cidadãos participem verdadeiramente, no sentido habermasiano1717. Habermas J. The theory of communicative action. Vol. 1: Reason and the rationalization of society. Boston, MA: Beacon Press; 1984. , 1818. Habermas J. The philosophical discourse of modernity: twelve lectures. Cambridge, Mass: MIT Press; 1987. (Studies in Contemporary German Social Thought). da ação comunicativa, dos processos de tomada de decisão em saúde1515. Delduque MC, Bardal PAP. Advocacia em saúde: prática cidadã para a garantia do direito à saúde:o caso do Projeto de Lei Complementar nº 01/2003. Rev Direito Sanit. 2008;9(1):107-22. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v9i1p107-122
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A Lei 12.401/2011 define que a incorporação, exclusão ou alteração no SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT), são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec)1919. Brasil. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasilia, DF; 2011 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm
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. A estrutura de funcionamento da Conitec é composta por dois fóruns: plenário e secretaria-executiva. Uma das atribuições da secretaria-executiva, exercida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde (DGITIS), é promover ações que favoreçam e estimulem a participação social na incorporação de tecnologias em saúde no SUS99. Brasil. Decreto N° 9.795, de 17 de maio de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Saúde, remaneja cargos em comissão e funções de confiança, transforma funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Brasília, DF; 2019 [citado 01 de agosto de 2019]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9795.htm#art8
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; essa atribuição dialoga com a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social2020. Brasil. Decreto Nº 8.243, de 23 de maio de 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, e dá outras providências. Brasília, DF; 2014. .

A mesma lei1919. Brasil. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasilia, DF; 2011 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm
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também oficializou a participação social no processo de incorporação de tecnologias, que, anteriormente, não contava com essa previsão legal, tendo havido escassas tentativas de envolvimento do público e do paciente antes da Conitec1616. Silva AS, Marcondes WB, Elias FTS. O envolvimento do público no processo de avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013. . Essa participação, portanto, ocorre atualmente por meio do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que representa os usuários do SUS como membro do plenário da Conitec; da realização de consulta pública (CP) para todas as recomendações emitidas; e de audiência pública antes da tomada de decisão final, nos casos em que o secretário da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde determinar que a relevância da matéria justifique a sua realização.

Contudo, recentemente, houve a publicação do Decreto 9.759/2019, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”, medida esta que vai na contramão dos avanços sociais, causando insegurança quanto à manutenção da participação social em diversos cenários em nosso país.

Este estudo se propõe a descrever o estado atual da participação social nos processos de gestão de tecnologias em saúde desenvolvidos pela Conitec.

MÉTODOS

Este trabalho se caracteriza como um estudo de caso sobre a participação social no processo de incorporação de tecnologias desenvolvido pela Conitec no contexto do SUS. Para isso, fizeram-se análise documental2121. Richardson RJ. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas; 1999. e descrição das ações que promoveram a participação social na avaliação e incorporação das tecnologias em saúde, entre janeiro de 2012 e dezembro de 2017. Todas as ações desenvolvidas pela Conitec que tiveram como objetivo alcançar a sociedade e estimular a sua participação foram descritas e seus resultados analisados. Elas foram apresentadas em uma linha do tempo, com a descrição do momento de sua publicação, realização ou implantação, no caso de ações contínuas.

Para a descrição das ações realizadas, foi computado o número de relatórios para a sociedade publicados pela Conitec, o número de consultas públicas realizadas, bem como a contagem e classificação dos autores das contribuições recebidas. A classificação dos autores dessas contribuições foi realizada segundo o modelo de Gauvin et al. (2010)66. Gauvin FP, Abelson J, Giacomini M, Eyles J, Lavis JN. “It all depends”: conceptualizing public involvement in the context of health technology assessment agencies. Soc Sci Med. 2010;70(10):1518-26. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2010.01.036
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, indicando aqueles diretamente afetados por uma determinada condição ou tecnologia em saúde, e de acordo com o registro do formulário do SUS (FormSUS).

Para obtenção dos dados relacionados aos resultados das ações da Conitec, foram consultadas as planilhas e o sistema de gestão e informações gerenciais do DGITIS, bem como o portal eletrônico da comissão (www.conitec.gov.br).

Este trabalho integra o projeto de pesquisa intitulado “O envolvimento do público e do paciente no processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil”, que foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília, sob o parecer 2.225.660.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta uma linha do tempo com os eventos relacionados à participação social no processo de incorporação de tecnologias em saúde no SUS. As ações estão detalhadamente descritas conforme a seguinte classificação: consulta pública (CP); representação de pacientes no plenário; enquetes; e informação e transparência.

Figura 1
Linha do tempo das ações de envolvimento do público e do paciente nos processos de avaliação e incorporação de tecnologias no SUS desenvolvidas desde a criação da Conitec até dezembro de 2017. Fonte: Conitec, 2018.

Consulta Pública

De acordo com a Política Nacional de Participação Social, consulta pública é um “mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação”2020. Brasil. Decreto Nº 8.243, de 23 de maio de 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, e dá outras providências. Brasília, DF; 2014. .

Na incorporação de tecnologias em saúde no SUS, o objetivo da CP é ampliar a discussão sobre as matérias em análise, perpassando aspectos técnicos, científicos, econômicos e logísticos já identificados. São agregadas também à discussão a visão e as vivências de pacientes, profissionais de saúde, cidadãos e outros atores sociais. Desse modo, após elaborar um relatório técnico, a Conitec o disponibiliza em seu sítio eletrônico para receber contribuições da sociedade por 20 dias. Todas as contribuições são compiladas e levadas ao plenário para análise antes da emissão da recomendação final sobre a incorporação2222. Rabelo RB, Petramale CA, Silveira LC, Santos VCC, Gonçalves HC. A comissão nacional de incorporação de tecnologias no SUS: um balanço dos primeiros anos de atuação. Rev Eletron Gestão Saude. 2015; 6 Supl 4:3225-40 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5560377.pdf
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.

Com o intuito de aprimorar as contribuições da CP, em 2014, foi criado um novo formulário para diferenciar os relatos de experiências e perspectivas de pacientes, cuidadores e profissionais de saúde daqueles relatos técnicos e cientiíficos.

Em 2015, iniciou-se a produção de relatórios para a sociedade, que são versões resumidas dos relatórios técnicos da Conitec, disponibilizados junto a estes na CP. São elaborados em linguagem simplificada visando a melhorar a compreensão dos usuários sobre as tecnologias que estão em análise, além de estimular sua participação no processo de ATS. Até dezembro de 2017, foram publicados 76 relatórios para a sociedade.

No período investigado, foram realizadas 257 CP, com 42.630 contribuições, dos diversos atores sociais, principalmente de familiares, amigos ou cuidadores de pacientes; profissionais de saúde; pacientes/usuários do SUS; e atores com interesse no tema ( Figura 2 ). Na análise dos autores das contribuições segundo a classificação de Gauvin et al.66. Gauvin FP, Abelson J, Giacomini M, Eyles J, Lavis JN. “It all depends”: conceptualizing public involvement in the context of health technology assessment agencies. Soc Sci Med. 2010;70(10):1518-26. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2010.01.036
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, observa-se que quase metade dos participantes (44,6%, n = 19.006) encaixa-se na categoria dos diretamente afetados por uma determinada condição ou tecnologia em saúde (pacientes e usuários do SUS; familiares, amigos ou cuidadores; e grupos, organizações ou associações de pacientes).

Figura 2
Tipo de público participante das consultas públicas realizadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS (conforme autodeclarado nos formulários das consultas públicas), no período de 2012 a 2017. Fonte: Conitec, 2018.

A partir de 2014 ( Figura 1 ), a secretaria-executiva da Conitec objetivou ampliar a informação das CP por meio de algumas mídias sociais digitais, como o Twitter institucional, canais de parceiros, LinkedIn institucional (que foi criado e encerrado em 2017), sítio eletrônico e listas de e-mail . Após a implementação dessas estratégias, a participação social nas CP passou de 2.584 contribuições em 2014 para 13.619 contribuições em 2015 e 16.514 contribuições em 2017 ( Figura 3 ). Além da estratégia de informação adotada, observou-se que temas de grande apelo popular também interferiram no aumento das consultas, como: “Exclusão da betainterferona para o tratamento da esclerose múltipla” (4.846 contribuições) e “Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana” (3.706 contribuições) em 2015; e “PCDT de profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP)” (3.773 contribuições) e “Fumarato de dimetila para esclerose múltipla” (1.813 contribuições) em 2017.

Figura 3
Número de consultas públicas e contribuições recebidas, por ano, até dezembro de 2017. Fonte: Conitec, 2018.

Em alguns casos, as considerações recebidas durante as CP influenciaram a tomada de decisão da comissão, alterando a recomendação inicial de não incorporação para uma recomendação final de incorporação, seja por fornecerem novas evidências científicas e propostas de preço, seja por terem trazido necessidades e preferências dos pacientes que não haviam sido contempladas nos desfechos definidos anteriormente ( Tabela 1 ). No entanto, até o momento, não foram publicadas informações sobre a qualidade ou análise de conteúdo das contribuições, o que poderia orientar a qualificação dessa ferramenta de participação.

Tabela 1
Temas que tiveram a recomendação “não incorporação” alterada para “incorporação” após análise de contribuições recebidas nas consultas públicas, até dezembro de 2017.

Representação de Pacientes no Plenário da Conitec

O plenário da Conitec possui como um dos membros um representante do CNS. Contudo, a participação de outros representantes da sociedade e de pacientes pode ainda ocorrer de outras formas, as quais, embora escassas, têm importância sob a perspectiva da qualidade das contribuições – evidências coloquiais – para apoiar a tomada de decisão no plenário.

Em alguns momentos, quando solicitado pelo plenário, representantes de pacientes e especialistas no assunto foram convidados para participar das sessões plenárias. Essa participação forneceu à Conitec evidências coloquiais bastante informativas sobre a experiência de pacientes e especialistas no tema44. Facey K, Hansen HP, Single A, ditors. Patient Involvement in health technology assessment. Singapura: Springer; 2017. p. 11-15, 44. , 2323. Silva AS. Involving public and patients in the process of evaluation of health technologies in Brazil. ISPOR News Across Latin America. 2017 Sept 13 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://press.ispor.org/LatinAmerica/2017/09/involving-public-and-patients-in-the-process-of-evaluation-of-health-technologies-in-brazil/
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, 2424. Silva AS. Participação do público e do paciente na avaliação de tecnologias de saúde no Brasil. In: Toma TS, Pereira TV, Vanni T, Barreto JOM, organizadores. Avaliação de tecnologias de saúde e políticas informadas por evidências. São Paulo: Instituto de Saúde; 2017. (Temas em Saúde Coletiva, 22). p. 361-72. .

É importante pontuar que, em outros momentos, em reuniões do plenário foi aceita a presença de representantes da sociedade (profissionais ou pacientes) quando solicitada por estes. Nesses casos, os presentes puderam apenas acompanhar a apresentação técnica do tema, mas não a discussão posterior do plenário. Todavia, a legislação prevê a realização de audiência pública quando a relevância da matéria justificar1919. Brasil. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasilia, DF; 2011 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm
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. De acordo com a Política Nacional de Participação Social, a audiência pública é um “mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais”2020. Brasil. Decreto Nº 8.243, de 23 de maio de 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, e dá outras providências. Brasília, DF; 2014. . No entanto, no período investigado, não foi encontrado registro de utilização desse mecanismo.

Enquetes

Em 2015, visando a investigar as necessidades e preferências dos usuários do SUS e dar continuidade ao processo de aprimoramento da participação social e transparência dos processos da Conitec, o DGITIS anunciou a realização de enquetes relacionadas aos PCDT. Elas são disponibilizadas no sítio eletrônico da Conitec, normalmente por 20 dias, como consulta prévia, ainda na primeira etapa de construção do PCDT. Assim, a secretaria-executiva pode discutir a proposta inicial do documento e melhorá-la, identificando aspectos que podem não ter sido considerados anteriormente. Essa foi a maneira que a própria comissão encontrou para implementar outras formas de participação social desde o início do processo de elaboração do PCDT, e não apenas na CP.

Dessa forma, quaisquer atores da sociedade podem sugerir informações sobre determinados aspectos das doenças com as quais têm experiência (pessoal ou profissional), melhoras no cuidado de saúde e apelo por novas tecnologias que deveriam ser abordadas. Como essa participação ocorre antes do documento ser elaborado, a sociedade contribui para a construção do escopo do protocolo em questão. Durante o período analisado, foram realizadas 17 enquetes sobre os mais diversos temas ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Enquetes relacionadas aos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT) realizadas pela Conitec, até dezembro de 2017.

Informação e Transparência

As estratégias adotadas para promover informação e transparência estão apresentadas na Figura 1 .

O sítio eletrônico da Conitec, criado no final do ano de 2014, foi eleito por sua secretaria-executiva como a base das iniciativas de informação e transparência2424. Silva AS. Participação do público e do paciente na avaliação de tecnologias de saúde no Brasil. In: Toma TS, Pereira TV, Vanni T, Barreto JOM, organizadores. Avaliação de tecnologias de saúde e políticas informadas por evidências. São Paulo: Instituto de Saúde; 2017. (Temas em Saúde Coletiva, 22). p. 361-72. , pois permite acessar todos os relatórios técnicos e as contribuições recebidas nas CP já realizadas, bem como as pautas e atas das reuniões do plenário. De acordo com a análise de acesso institucional, utilizando o Google Analytics , de janeiro de 2015 a dezembro de 2017 o portal da Conitec teve 482.524 sessões.

Na seção de Participação Social desse sítio eletrônico, criada em junho de 2016, é possível acessar, por exemplo, as enquetes e CP em andamento e encerradas, os relatórios para a sociedade e os clippings mensais sobre as atividades da Conitec. De acordo com a análise de acesso institucional feita utilizando o Google Analytics , essa seção obteve 2.306 visualizações (até dezembro de 2017).

Em 2016, a Conitec lançou o guia Entendendo a incorporação de tecnologias em saúde no SUS: como se envolver 2525. Ministério da Saúde (BR). Entendendo a incorporação de tecnologias em saúde no SUS: como se envolver. Brasília, DF; 2016 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/entendendo_incorporacao_tecnologias_sus_envolver.pdf
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direcionado ao público leigo e disponibilizado na seção de Participação Social do sítio eletrônico, a fim de informar e facilitar o engajamento da sociedade. O documento também foi impresso e distribuído em eventos, além de ter sido enviado para diversas instituições.

No segundo semestre de 2017, ocorreu o fórum “Entendendo a incorporação de tecnologias em saúde”. Esse evento foi direcionado a representantes de pacientes, que tiveram a oportunidade de discutir o processo de participação social da Conitec com os membros da secretaria-executiva. Estiveram presentes 103 representantes de pacientes, provenientes de associações dos mais diversos agravos e regiões do país, os quais puderam conhecer melhor os pontos previstos para participação social e fornecer sugestões de melhoria, que foram inclusive apresentadas ao plenário da Conitec posteriormente. Todo o material relativo ao evento foi disponibilizado na seção de Participação Social do sítio eletrônico da Conitec.

Ademais, o DGITIS realizou quinzenalmente, entre agosto de 2016 e dezembro de 2017, videoconferências por meio de um programa denominado “Conitec em evidência”, que teve como finalidade debater e aprofundar temas de relevância da área de gestão e avaliação de tecnologias com os mais diversos atores da área, além de difundir o conteúdo produzido pela Conitec e pelos Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS). Além da participação de várias instituições, via videoconferência, qualquer cidadão pôde acompanhar a transmissão do conteúdo em tempo real e realizar perguntas via e-mail e Twitter institucional. Apesar de o programa ter sido encerrado em 2017, seu conteúdo permanece disponível no sítio eletrônico da Conitec. No período analisado, foram realizados 25 programas sobre diversas questões relacionadas à ATS, sendo um deles a “Participação social para o fortalecimento da ATS: avanços e desafios”.

DISCUSSÃO

Existem inúmeros estudos relatando experiências de participação e o aumento da atenção ao envolvimento de pacientes na ATS ao redor do mundo33. Gagnon M-P, Desmartis M, Lepage-Savary D, Gagnon J, St-Pierre M, Rhainds M, et al. Introducing patients’ and the public’s perspectives to health technology assessment: a systematic review of international experiences. Int J Technol Assess Health Care. 2011;27(1):31-42. https://doi.org/10.1017/S0266462310001315
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, 55. Sampietro-Colom L, Thomas S. Rethinking stakeholder engagement and technology access in health technology. assessment: reactions to policy forum discussions. Int J Technol Assess Health Care. 2016;32(4):200-2. https://doi.org/10.1017/S0266462316000325
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, 88. Silva AS, Biella CA, Petramale CA. Envolvimento do público na avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e do Brasil. Rev Eletron Gestao Saude. 2015 [citado 01 de junho de 2017];6 Supl 4:3313-37. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3340
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.

Os processos de envolvimento diferem entre as agências de ATS no mundo, principalmente no que se refere aos domínios e tipos de envolvimento, aos tipos de público e a quanto esse envolvimento influencia as decisões sobre incorporação de tecnologias em sistemas de saúde2626. Kreis J, Schmidt H. Public engagement in health technology assessment and coverage decisions: a study of experiences in France, Germany, and the United Kingdom. J Health Polit Policy Law. 2013;38(1):89-122. https://doi.org/10.1215/03616878-1898812
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.

A experiência brasileira, ainda inicial, mostra ser capaz de se adaptar perante o contexto e as particularidades da ATS nacional. No entanto, apesar dos avanços já obtidos com a oficialização da participação social na ATS88. Silva AS, Biella CA, Petramale CA. Envolvimento do público na avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e do Brasil. Rev Eletron Gestao Saude. 2015 [citado 01 de junho de 2017];6 Supl 4:3313-37. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3340
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, 1919. Brasil. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasilia, DF; 2011 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm
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, 2222. Rabelo RB, Petramale CA, Silveira LC, Santos VCC, Gonçalves HC. A comissão nacional de incorporação de tecnologias no SUS: um balanço dos primeiros anos de atuação. Rev Eletron Gestão Saude. 2015; 6 Supl 4:3225-40 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5560377.pdf
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, 2727. Silva HP, Petramale CA, Elias FTS. Avanços e desafios da política nacional de gestão de tecnologias em saúde. Rev Saude Publica. 2012;46 Supl 1:83-90. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000060
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, engajar a sociedade nessas atividades continua sendo desafiador.

Além dos mecanismos de participação previstos legalmente, principalmente os relacionados às CP, observamos a experimentação de diversas estratégias pela secretaria-executiva da Conitec desde a sua implementação.

Dado que a representação do CNS enquanto membro da comissão é insuficiente, em razão da impossibilidade de representar o público envolvido em todos os temas avaliados, e ainda que se observem tentativas de representar os pacientes nas sessões plenárias da Conitec quando solicitado pelo plenário, sugerimos que esse mecanismo de participação (ativa) durante as plenárias, com metodologia adequada e previamente definida, seja fortalecido. Outra estratégia a ser explorada seria a audiência pública, um mecanismo previsto1919. Brasil. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasilia, DF; 2011 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12401.htm
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, mas ainda não utilizado. Amplamente mencionada na legislação brasileira como um dos principais mecanismos de participação social na gestão pública, tem caráter consultivo e permite que a sociedade expresse seus anseios e opiniões, fornecendo subsídios para a tomada de decisão2828. Maia AA. Importância da audiência pública como mecanismo de participação social em projetos de transportes [dissertação]. Brasília, DF: Faculdade de Tecnologia, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília; 2015. .

A implementação de estratégias de participação, transparência, tradução e apropriação social do conhecimento desenvolvidas pela Conitec parece estimular o público a participar do processo de incorporação de tecnologias em saúde. Para corroborar essa afirmação, constatou-se um aumento de mais de 400% no número de contribuições anuais nas CP de 2014 para 2015. Pontua-se que algumas ações de comunicação foram descontinuadas no ano de 2017, como o LinkedIn e o programa de videoconferências “Conitec em evidência”; porém, não foram encontrados registros de avaliação dessas estratégias que tenham justificado sua interrupção.

Ressalta-se também que a apropriação social do conhecimento deve ser aprimorada, tendo como referência a participação de todos, inclusive em um possível processo de reformulação, considerando suas perspectivas para que esse aprimoramento derrube potenciais barreiras e reconheça facilitadores apontados como de importância pelos próprios usuários do SUS. Nesse sentido, ambas iniciativas constituíram importantes estratégias: o lançamento do guia Entendendo a incorporação de tecnologias em saúde no SUS: como se envolver e o evento de mesmo nome.

Um levantamento internacional mostrou que, entre as instituições de ATS que envolvem a sociedade, os mecanismos de consulta e informação são os mais comuns2929. Whitty JA. An international survey of the public engagement practices of health technology assessment organizations. Value Health. 2013;16(1):155-63. https://doi.org/10.1016/j.jval.2012.09.011
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. Uma vez que a principal estratégia de participação social adotada pela Conitec é a CP2323. Silva AS. Involving public and patients in the process of evaluation of health technologies in Brazil. ISPOR News Across Latin America. 2017 Sept 13 [citado 01 de junho de 2017]. Available from: http://press.ispor.org/LatinAmerica/2017/09/involving-public-and-patients-in-the-process-of-evaluation-of-health-technologies-in-brazil/
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e que há um esforço em melhorar a participação e transparência, concluímos que a instituição brasileira possui estratégias alinhadas àquelas utilizadas pela maioria das agências de ATS internacionais.

A obrigatoriedade de submeter à CP todas as propostas, estabelecida com a criação da Conitec, abre, em tese, a possibilidade de participação social (passiva). Entretanto, de acordo com Petramale et al.2727. Silva HP, Petramale CA, Elias FTS. Avanços e desafios da política nacional de gestão de tecnologias em saúde. Rev Saude Publica. 2012;46 Supl 1:83-90. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000060
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– técnicos e analistas responsáveis pela implementação dos processos de participação social e ATS no contexto do Ministério da Saúde do Brasil –, é pouco provável que essa iniciativa isolada eleve a participação social.

Em 2013, Silva et al.1616. Silva AS, Marcondes WB, Elias FTS. O envolvimento do público no processo de avaliação de tecnologias em saúde: experiências mundiais e proposições para sua ampliação no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2013. desenvolveram propostas para aprimorar o envolvimento do público e dos pacientes nos processos de ATS e de incorporação de tecnologias em saúde no contexto brasileiro, sob a perspectiva do SUS. Observou-se que algumas dessas propostas foram implantadas pelo DGITIS, como: criação de relatórios em linguagem adequada ao público; ampliação da divulgação das consultas públicas; uso de ferramentas de tecnologia da informação e comunicação e capacitação para pacientes.

No entanto, ressalta-se a essencialidade do desenvolvimento de estratégias para uma participação mais precoce e ativa durante todas as etapas do processo de ATS desenvolvidas e implementadas pela Conitec. Um exemplo disso são as enquetes, realizadas logo no início dos processos de elaboração dos PCDT e que têm incluído a perspectiva da sociedade desde a elaboração do escopo desses documentos. Contudo, merecem ser mais bem divulgadas, visto que algumas tiveram pouca ou nenhuma contribuição, conforme explicitado na Tabela 2 .

De acordo com nossos achados e experiência de outras agências33. Gagnon M-P, Desmartis M, Lepage-Savary D, Gagnon J, St-Pierre M, Rhainds M, et al. Introducing patients’ and the public’s perspectives to health technology assessment: a systematic review of international experiences. Int J Technol Assess Health Care. 2011;27(1):31-42. https://doi.org/10.1017/S0266462310001315
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, 66. Gauvin FP, Abelson J, Giacomini M, Eyles J, Lavis JN. “It all depends”: conceptualizing public involvement in the context of health technology assessment agencies. Soc Sci Med. 2010;70(10):1518-26. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2010.01.036
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, 2929. Whitty JA. An international survey of the public engagement practices of health technology assessment organizations. Value Health. 2013;16(1):155-63. https://doi.org/10.1016/j.jval.2012.09.011
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, as estratégias para a participação social nos processos da Conitec que parecem ter maior potencial de implementação atualmente são: participação de representantes de pacientes dos temas avaliados em todas as plenárias da Conitec; formação de comitês de pacientes especialistas; implantação de metodologias de participação ativa (por exemplo, júri de cidadãos) sobre os diversos temas avaliados; realização de audiências públicas; treinamento e apoio para os usuários das consultas públicas, além do aprimoramento da metodologia de análise das contribuições.

Sabe-se que é possível uma aproximação cada vez maior com a sociedade e deve-se levar em conta que os espaços de participação são relativamente novos do ponto de vista institucional. Os resultados permitem afirmar que a Conitec avançou no desenvolvimento e na implementação de uma variedade de estratégias de participação social na incorporação de tecnologias em saúde no SUS, embora estas necessitem de aprimoramento.

Para que a sociedade esteja cada vez mais envolvida no processo de incorporação de tecnologias em saúde no Brasil, é importante que formuladores de políticas, gestores e aqueles que os apoiam planejem e avaliem cuidadosamente as estratégias a serem usadas. Esta é uma das fragilidades identificadas no processo da Conitec: a falta de avaliacão do impacto das estratégias e da qualidade das contribuições recebidas nas CP. É importante, ainda, defender e qualificar os espaços estabelecidos, os atores implicados e pensar novas metodologias, a fim de que muitos dos desafios sejam resolvidos ou amenizados com a prática, em especial no momento atual brasileiro, em que um decreto recém-publicado pode trazer impactos negativos de maneira significativa à participação social no país.

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  • Financiamento

    Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), processo número 88881.188553/2018-01 de 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2018
  • Aceito
    25 Abr 2019
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br