Questionário de frequência alimentar para adultos da região Nordeste: ênfase no nível de processamento dos alimentos

Virginia Williane de Lima Motta Severina Carla Vieira Cunha Lima Dirce Maria Lobo Marchioni Clélia de Oliveira Lyra Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Desenvolver um Questionário de Frequência Alimentar (QFA) quantitativo para adultos da região Nordeste do Brasil, com o fim de identificar a frequência de consumo de alimentos considerados de proteção e risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), agrupando os itens alimentares por nível de processamento.

MÉTODOS

Para desenvolver o QFA foram utilizados dados de 7.516 adultos do Nordeste do Brasil, extraídos da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009. As listas de alimentos foram elaboradas segundo a metodologia da contribuição relativa do item, nas quais foram identificados os itens alimentares com maior contribuição relativa para macronutrientes, fibra, gordura saturada, gordura trans, sódio e potássio. Tais listas foram compostas de todos os alimentos cujo somatório de contribuição foi de até 90%. Na estrutura final do QFA, os itens alimentares foram organizados de modo a respeitar a imagem mental das refeições.

RESULTADOS

O QFA resultou em 83 itens alimentares, distribuídos em minimamente processados, processados e ultraprocessados. O ano anterior foi escolhido como tempo para estimar o consumo dos alimentos, e as opções de frequência variaram de “nunca” até “10 vezes”. O instrumento inclui orientações para preenchimento e colhe dados sobre o tamanho das porções (pequena, média, grande e extragrande), bem como informações complementares sobre as preparações culinárias. Registrou-se um percentual elevado de pessoas com excesso de peso (44,1%).

CONCLUSÃO

O estudo culminou em um QFA para identificar a frequência de consumo de alimentos considerados de proteção e risco para DCNT. O instrumento pode subsidiar estudos epidemiológicos que avaliem desfechos relacionados à dieta de adultos considerando o nível de processamento de alimentos, em consonância com o Guia alimentar para a população brasileira .

Adulto, Consumo de Alimentos; Alimentos Industrializados; Inquéritos e Questionários; Doenças não transmissíveis, prevenção & controle

INTRODUÇÃO

O Questionário de Frequência Alimentar (QFA) é um método de inquérito alimentar utilizado em investigações epidemiológicas para coletar informações sobre consumo alimentar e dietético. Seu objetivo é investigar a relação entre dieta e doença11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
.

O QFA, cujo precursor é o checklist desenvolvido por Burke22. Burke BS. The dietary history as a tool in research. J Am Diet Assoc. 1947;23:1041-6. , tem entre suas vantagens: capacidade de avaliar a dieta habitual sem alterar o padrão de consumo alimentar, baixo custo e tempo menor de preenchimento em comparação ao registro alimentar11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
. A limitação do instrumento, por outro lado, está no fato dele documentar a ingestão alimentar dos indivíduos dentro de um determinado período de tempo, o que pode levar a relatos distorcidos pelo viés de memória, apresenta também uma baixa precisão ao quantificar a dieta33. Shim JS, Oh K, Kim HC. Dietary assessment methods in epidemiologic studies. Epidemiol Health. 2014;36:e2014009. https://doi.org/10.4178/epih/e2014009
https://doi.org/10.4178/epih/e2014009...
.

Para minimizar as limitações de um QFA é necessário seguir com rigor a metodologia apropriada, a fim de se obter instrumentos precisos e economicamente viáveis. Conforme o objetivo do estudo, o pesquisador deve sistematizar os itens que compõem o questionário, como lista de alimentos, categorias de frequência de consumo e tipo de questionário: qualitativo, semiquantitativo ou quantitativo44. Cade J, Thompson R, Burley V, Warm D. Development, validation and utilisation of food-frequency questionnaires - a review. Public Health Nutr. 2002;5(4):567-87. https://doi.org/10.1079/PHN2001318
https://doi.org/10.1079/PHN2001318...
. O tipo qualitativo não inclui tamanho das porções, enquanto o semiquantitativo inclui. Já o quantitativo inclui tamanhos de referência: pequena, média e grande11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
.

No Brasil, a dieta tradicional é marcada pela ingestão de alimentos como arroz, feijão e frutas. Tem-se observado, no entanto, modificações nessa dieta, em todas as faixas etárias55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
. Alimentos in natura ou minimamente processados vêm sendo substituídos por alimentos ultraprocessados66. Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med. 2015;81:9-15. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07....
.

Estas alterações na dieta tradicional brasileira são acompanhadas pelo aumento da prevalência do diabetes, da obesidade e demais doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Uma dieta inadequada, com alto consumo de ultraprocessados (produtos ricos em sal, gorduras saturadas, gorduras trans e açúcares)77. GBD 2017 Diet Collaborators. Health effects of dietary risks in 195 countries, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2019;393(10184):1958-72. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30041-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30...
, é um dos fatores de risco modificáveis relacionados a DCNT em todo o mundo88. Marrón-Ponce JA, Flores M, Cediel G, Monteiro CA, Batis C. Associations between consumption of ultra-processed foods and intake of nutrients related to chronic non-communicable diseases in Mexico. J Acad Nutr Diet. 2019;119(11):1852-65. https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.04.020
https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.04.0...
.

Apesar de a região Nordeste, aqui estudada, destacar-se por sua culinária característica, com alimentos regionais considerados boas fontes de diversos nutrientes99. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Alimentos regionais brasileiros. 2. ed. Brasília, DF; 2014 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/alimentos_regionais_brasileiros_2ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, a população nordestina tem apresentado elevadas prevalências de DCNT1010. Araujo MC, Bezerra IN, Barbosa F S, Junger WL, Yokoo EM, Pereira RA, et al. Consumo de macronutrientes e ingestão inadequada de micronutrientes em adultos. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:177s-89s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700004
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201300...
. Por isso a importância de se desenvolver um questionário específico para a região, capaz de acompanhar a relação entre consumo alimentar e processo saúde-doença com foco no nível de processamento de alimentos.

O Guia alimentar para a população brasileira1111. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF; 2014 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
direciona as recomendações de consumo de alimentos de acordo com a classificação NOVA, neste âmbito o QFA poderia ser utilizado em estudos epidemiológicos com o propósito de avaliar a adesão das recomendações pela população. No entanto, ainda são limitados os estudos que buscam estabelecer a relação entre consumo de alimentos ultraprocessados e saúde, visto que não há instrumentos específicos para avaliar o consumo desses produtos, e os instrumentos tradicionais não foram desenvolvidos com esse propósito1212. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr. 2018;1(1):5-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
https://doi.org/10.1017/S136898001700023...
.

Assim, o objetivo deste estudo foi desenvolver um QFA quantitativo para adultos da região Nordeste do Brasil, com o fim de identificar a frequência de consumo de alimentos considerados de proteção e risco para DCNT. No instrumento, os itens alimentares foram agrupados por nível de processamento.

MÉTODOS

O presente estudo utiliza dados de consumo alimentar pessoal do Inquérito Nacional de Alimentação (INA) 2008–2009, um módulo da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de que participaram 34.003 indivíduos com 10 anos ou mais de idade. Por dois dias consecutivos, os participantes preencheram registros alimentares (RA) em que anotavam horário e local do consumo de alimento, quantidades em medidas caseiras e forma de preparo. Os demais detalhes sobre amostragem e coleta de dados da POF encontram-se publicados em documento oficial da pesquisa55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
.

Para compor a amostra deste estudo, foram consideradas as 7.516 pessoas da região Nordeste, entre 20 e 59 anos de idade, que preencheram os registros alimentares na POF. Gestantes e lactantes (n = 419) não foram incluídas. Como o estudo utilizou banco de dados secundário, de domínio público, a submissão a Comitê de Ética em Pesquisa não foi necessária.

Construção do Banco de Dados e Análise

Os dados da pesquisa foram obtidos no Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra), por meio de download de microdados com informações codificadas de todos os moradores dos domicílios que participaram da POF 2008–2009. Para importar e ler os dados, foi utilizado o pacote estatístico Data Zoom, versão Stata 12 para WindowsaaPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. DataZoom: simplificando o acesso aos microdados do Brasil [Internet]. Disponível em: http://www.econ.pucrio.br/datazoom/index.html9 .

Para obter a lista de alimentos foram acessados dois bancos de dados: um referente às características dos indivíduos (REGISTRO: PESSOAS - POF1) e outro com informações sobre o consumo alimentar individual (REGISTRO: CONSUMO ALIMENTAR - POF7). As quantidades consumidas dos alimentos foram transformadas em gramas ou mililitros, tomando como base a Tabela de Medidas Referidas para os Alimentos Consumidos no Brasil da POF 2008–20091313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: tabela de medidas referidas para os alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50000.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
.

As informações obtidas pela soma dos registros alimentares da amostra representaram 153.617 dados alimentares, ou seja, todos os alimentos consumidos pela amostra nos dois dias de registro. Optou-se por somar os alimentos registrados nos dois dias com o objetivo de incluir o maior número possível de alimentos mais frequentemente consumidos pela população em questão. Foram identificados, então, 1.149 alimentos, em suas diversas formas de preparo (por exemplo, “frango cozido” e “frango assado”).

O consumo de energia, macronutrientes, fibra, gordura saturada, gordura trans, sódio e potássio foi calculado a partir da Tabela de Composição Nutricional dos Alimentos Consumidos no Brasil da POF1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: tabelas de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50002.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Os nutrientes foram escolhidos considerando características dos alimentos relacionadas a proteção ou risco para DCNT1515. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO; 2003 [cited 2020 Mar 19]. (WHO Technical Report Series; vol. 916). Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42665/WHO_TRS_916.pdf;jsessionid=2D2F60FB60E66C2D49ED851D2625B7B6?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
, 1616. Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC: OPAS; 2016. . Além dos nutrientes citados anteriormente, um componente considerado crítico para DCNT são os açúcares livres1515. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO; 2003 [cited 2020 Mar 19]. (WHO Technical Report Series; vol. 916). Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42665/WHO_TRS_916.pdf;jsessionid=2D2F60FB60E66C2D49ED851D2625B7B6?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
, 1616. Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC: OPAS; 2016. . Nos dados da POF, no entanto, não constam informações sobre esse componente. Não sendo possível sua avaliação.

Na etapa seguinte, atribuiu-se um código por alimento, independentemente das formas de preparo, com exceção das carnes fritas, que permaneceram separadas. Apesar das limitações da Tabela de Composição Nutricional, especialmente quanto à falta de informações sobre gordura trans de acordo com o preparo, optou-se por manter as preparações fritas separadas, dada a diferença no teor de gordura.

Posteriormente, foram somados os valores dos nutrientes de interesse de alimentos com códigos iguais. Por exemplo: as calorias do frango cozido foram somadas às calorias do frango assado, e ambas codificadas como frango. Ao final desse processo, os 1.149 alimentos foram reduzidos a 778 alimentos.

Alimentos que não apresentavam descrição específica (p. ex., refrigerante não especificado), ou apresentavam descrição similar à de outro alimento (p. ex.: carne moída e almôndega), foram incluídos em um único item, por equivalência. Identificou-se também a necessidade de agrupar alimentos pouco consumidos (citados menos de 20 vezes1717. Block G, Dresser CM, Hartman AM, Carroll MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II Survey: II. Macronutrients and fats. Am J Epidemiol. 1985;122(1):27-40. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
) em um só item, considerando a similaridade entre eles. Assim, foram criados três novos grupos: “Outras frutas”, “Outros queijos” e “Outras bebidas alcoólicas”. Em relação às carnes de boi e de frango, estas foram agregadas segundo a característica “com osso” e “sem osso”, dada a diferença na quantidade de gordura. Após todos os ajustes, 421 alimentos foram considerados para a lista do QFA ( Figura 1 ).

Figura 1
Fluxograma da organização do banco de dados para construção de um Questionário de Frequência Alimentar.

Lista de Alimentos

Para construir as listas de alimentos com base nos nutrientes de interesse, optou-se pela metodologia de Block et al., que considera a contribuição relativa do item1717. Block G, Dresser CM, Hartman AM, Carroll MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II Survey: II. Macronutrients and fats. Am J Epidemiol. 1985;122(1):27-40. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
, identificando os itens com maior contribuição relativa para macronutrientes, fibra, gordura saturada, gordura trans, sódio e potássio. As listas foram compostas por todos os alimentos cuja soma de contribuição foi de até 90%, como estabelecido em outros estudos1818. Anjos LA, Wahrlich V, Vasconcellos MTL, Souza DR, Olinto MTA, Waissmann W, et al. Development of a food frequency questionnaire in a probabilistic sample of adults from Niterói, Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2196-204. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001100021
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000...
, 1919. Fisberg RM, Colucci ACA, Morimoto JM, Marchioni DML. Food frequency questionnaire for adults from a population-based study. Rev Saude Publica. 2008;42(3):550-4. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000020
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200800...
.

Neste estudo não foram selecionados mais do que 100 alimentos para compor o QFA, visando evitar a fadiga do entrevistado ao preencher o instrumento. Considerando o tipo de processamento e de acordo com a Classificação NOVA2020. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutr. 2016;7(1-3):28-38. , os alimentos foram divididos em três grupos: alimentos in natura ou minimamente processados; ingredientes culinários e alimentos processados; e alimentos ultraprocessados. Os ingredientes culinários processados foram unidos aos alimentos processados, pois havia apenas um alimento no grupo dos ingredientes culinários: a manteiga.

Definir o nível de processamento foi uma tarefa complexa, visto que nos dados da POF não é possível distinguir se certos alimentos são industrializados ou não. Para minimizar a falta de dados, levou-se em conta os hábitos alimentares da região, considerando a forma como o alimento é mais consumido. Por exemplo, foram consideradas preparações industriais alimentos como lasanha, pizza, pão de forma, sanduíche tipo hambúrguer e iogurtes com sabor (considerados uma bebida láctea, já que, por terem sabor, provavelmente contêm corantes). Por outro lado, como na região é mais habitual que se consuma café filtrado e farofa preparada em domicílio, esses produtos, que podem ter versões industrializadas, foram considerados minimamente processados. Para preparações, considerou-se o alimento-base, com espaço para incluir informação referente à adição de outros alimentos. No caso da feijoada, por exemplo, o alimento-base é o feijão, minimamente processado, mas poderiam ser incluídas informações referentes à adição de carnes processadas ou embutidos.

Os itens alimentares foram organizados no QFA de acordo com as refeições em que são consumidos diariamente. Por exemplo, alimentos presentes no desjejum da região Nordeste, como tapioca, ovo de galinha e café com leite, apareceram em sequência, para otimizar a memória do respondente. De acordo com a literatura e considerando que o processamento cognitivo é complexo, a organização da lista dos alimentos em um QFA deve respeitar a imagem mental das refeições2121. Hunter DJ, Sampson L, Stampfer MJ, Colditz GA, Rosner B, Willett WC. Variability in portion sizes of commonly consumed foods among a population of women in the United States. Am J Epidemiol. 1988;127(6):1240-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
.

Tamanho das Porções

O QFA desenvolvido é de tipo quantitativo, com perguntas fechadas sobre o tamanho das porções, definidas como P, M, G ou EG. Pede-se ao indivíduo que indique sua porção de consumo no ano anterior, considerando como referência a porção média (M). O respondente então seleciona P caso o consumo seja menor que o de referência; M se for igual; G se for maior; e EG se bem maior que a porção de referência.

Para calcular o tamanho das porções foram utilizados os percentis 25, 50, 75 e 95, estabelecidos para cada um dos alimentos da lista final, considerando as porções dos dois dias do RA de cada indivíduo, separadamente. Para os alimentos agrupados, os itens foram considerados separadamente, para calcular os percentis do agrupamento. Nos itens agregados (por exemplo, “Outros queijos”), os percentis foram calculados considerando os percentis das quantidades consumidas dos tipos de queijo correspondentes ao item (búfala, reino, minas, canastra, ricota, provolone, cream cheese ).

Para alguns alimentos, os percentis calculados (25, 50, 75 e 95) coincidiram devido à baixa variação no tamanho das porções consumidas. Nestes casos, utilizou-se a regra de três para calcular apenas os percentis coincidentes. Assim, por exemplo, na preparação “baião de dois”, o resultado encontrado apontava que os percentis 25 e 50 eram coincidentes (75 gramas). Neste caso, o percentil 25 foi calculado por regra de três, considerando como referência o percentil 50:

As categorias de frequências foram definidas em variação de “nunca” a 10, e o tempo pregresso para estimar a frequência de consumo dos alimentos foi o ano anterior, abrangendo as variações sazonais no consumo alimentar. Devido à amplitude da frequência de consumo adotada, a diagramação escolhida foi a mesma utilizada por Cardoso e Stocco2222. Cardoso MA, Stocco PR. Desenvolvimento de um questionário quantitativo de freqüência alimentar em imigrantes japoneses e seus descendentes residentes em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2000;16(1):107-14. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200000...
em um QFA para imigrantes japoneses.

Uma seção inicial traz instruções, desenvolvidas por nutricionista, para preencher o instrumento, com ou sem auxílio de entrevistador. Ao final do QFA, há sete perguntas extras que visam obter informações mais detalhadas sobre refeições cárneas, como ingestão de pele e gordura aparente e forma de preparo (tendo em vista a grande variedade de preparações desse item alimentar). O entrevistado é questionado, ainda, sobre adição de sal nas refeições já preparadas, frequência com que adoça as bebidas e tipo de substância utilizada para adoçá-las. As respostas a estas questões são fechadas, com a opção, para algumas perguntas, de assinalar a resposta “Outra forma” e responder: “Qual?”.

Categorização dos Dados da População Estudada

A população de estudo foi descrita por meio das variáveis idade e escolaridade. Em idade, os participantes foram classificados como “jovem adulto” (entre 20 e 39 anos de idade) ou “adulto” (entre 40 e 59 anos). Quanto à escolaridade, a classificação se deu por faixas de anos de estudo: até o 1º ciclo do ensino fundamental (≤ 4 anos); 2º ciclo do fundamental completo (5 a 8 anos de estudo); ensino médio incompleto (9 a 11 anos de estudo); e superior completo ou incompleto (12 ou mais anos de estudo).

A renda foi definida considerando o valor médio do salário mínimo vigente à época do estudo (2008-2009): R$440,00. O Índice de Massa Corporal foi classificado segundo o critério da Organização Mundial da SaúdebbWorld Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organ Tech Rep Ser [Internet]. 1995;854:1–452. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8594834 . As análises estatísticas foram descritivas, apresentando frequência absoluta, percentual e intervalos de confiança de 95%.

RESULTADOS

A média de idade da amostra foi de 36,5 anos (DP = 10,9 anos), e 53,4% das pessoas eram do sexo feminino. A maioria dos adultos tinha entre 20 e 39 anos de idade, aproximadamente 60% tinham até oito anos de estudo, 67,4% contavam com renda per capita de até um salário mínimo, e 44,1% apresentavam sobrepeso ou obesidade ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Caracterização da amostra de adultos do Nordeste brasileiro, POF 2008–2009.

Como já descrito, após análise dos RA preenchidos e feitos os agrupamentos detalhados na metodologia, definiu-se uma lista de alimentos com 421 itens. Depois da aplicação do método de contribuição percentual na lista do consumo de energia, macronutrientes e micronutrientes, restaram 83 desses itens na lista final do QFA, com contribuição de até 90% do consumo alimentar. O tamanho das porções de alimentos componentes da lista se encontra descrito na Tabela 2 .

Tabela 2
Itens alimentares do Questionário de Frequência alimentar quantitativo segundo o tamanho das porções em percentis (gramas) de adultos do Nordeste, Brasil, 2008−2009.

Na Figura 2 , sugere-se um formato de apresentação de parte do QFA, considerando item alimentar, frequência de consumo, unidade de tempo e tamanho da porção.

Figura 2
Parte de um questionário de frequência alimentar quantitativo construído para adultos, em uma região do Brasil, composta de alimentos in natura ou minimamente processados.

DISCUSSÃO

É difícil registrar a ingestão alimentar de um indivíduo, visto que as medidas de consumo alimentar são subjetivas e há diversas variáveis a considerar, como hábitos alimentares, variabilidade intrapessoal, complexidade da dieta, qualidade da informação obtida, idade, memória do entrevistado, status socioeconômico e fatores de exposição11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
. Por isso é necessário rigor metodológico ao se desenvolver instrumentos de inquérito alimentar.

Acompanhar as tendências de consumo alimentar a longo prazo é importante, pois com essa informação se pode compreender a relação do fator dietético com as doenças33. Shim JS, Oh K, Kim HC. Dietary assessment methods in epidemiologic studies. Epidemiol Health. 2014;36:e2014009. https://doi.org/10.4178/epih/e2014009
https://doi.org/10.4178/epih/e2014009...
. O tipo de instrumento escolhido deve considerar as especificidades do estudo e da população-alvo. O QFA desenvolvido pode ser utilizado, por exemplo, para estimar o consumo habitual dos nutrientes relacionados às DCNT entre a população-alvo.

O QFA inova ao considerar as modificações nos hábitos dos brasileiros e categorizar os alimentos por tipo de processamento ao invés de grupo alimentar. O instrumento foi construído especificamente para a população do estudo, com a ciência de que a dieta pode ser influenciada por etnia, cultura, perfil socioeconômico e preferências dos indivíduos2323. Pérez Rodrigo C, Aranceta J, Salvador G, Varela-Moreiras G. Food frequency questionnaires. Nutr Hosp. 2015;31 Suppl 3:49-56. https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3.8751
https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3....
. O QFA é constituído de uma lista com os principais itens alimentares que contribuem com os nutrientes-alvo do estudo. Essa lista deve ser reduzida ao máximo, devendo selecionar um dos diversos métodos descritos na literatura11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
, 1717. Block G, Dresser CM, Hartman AM, Carroll MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II Survey: II. Macronutrients and fats. Am J Epidemiol. 1985;122(1):27-40. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
, que variam desde identificação de alimentos com base no conteúdo do nutriente e seleção com a ajuda de um nutricionista até análise múltipla stepwise 11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
.

Na busca por incluir os alimentos mais representativos da ingestão alimentar da população, no presente estudo optou-se pela metodologia de Block et al.1717. Block G, Dresser CM, Hartman AM, Carroll MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II Survey: II. Macronutrients and fats. Am J Epidemiol. 1985;122(1):27-40. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
. O ponto de corte para a contribuição relativa do item, em todas as listas, foi de 90%, o recomendado pela literatura. Com esse ponto de corte, a lista resultou em 83 itens alimentares, abaixo portanto do número de 100 alimentos, que não é recomendado ultrapassar11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
.

Os itens alimentares foram organizados no QFA de acordo com as refeições em que são consumidos diariamente. A organização da lista respeitou a imagem mental das refeições, visto que, dada a complexidade do processamento cognitivo, a disposição dos itens pode ajudar os entrevistados a recordar as refeições consumidas no intervalo de tempo considerado2121. Hunter DJ, Sampson L, Stampfer MJ, Colditz GA, Rosner B, Willett WC. Variability in portion sizes of commonly consumed foods among a population of women in the United States. Am J Epidemiol. 1988;127(6):1240-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
.

Optou-se por desenvolver um instrumento quantitativo, que incluísse, portanto, o tamanho das porções. Essa inclusão é controversa, uma vez que a porção consumida pelo indivíduo pode divergir dos padrões estabelecidos no questionário, o que geraria imprecisão2121. Hunter DJ, Sampson L, Stampfer MJ, Colditz GA, Rosner B, Willett WC. Variability in portion sizes of commonly consumed foods among a population of women in the United States. Am J Epidemiol. 1988;127(6):1240-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
. Porém, em estudo de caso-controle que aplicou um QFA direcionado ao consumo de vitamina A pré-formada e betacaroteno, observou-se que questões referentes ao tamanho das porções são úteis, pois fornecem informações adicionais sobre o consumo alimentar2424. Samet JM, Humble CG, Skipper BE. Alternatives in the collection and analysis of food frequency interview data. Am J Epidemiol. 1984;120(4):572-81. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a113919
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
.

A fim de obter dados mais detalhados, foi estabelecida uma amplitude de frequência de consumo variando de 1 a 10 vezes, além da opção “nunca”, conforme proposto também por Cardoso e Stocco2222. Cardoso MA, Stocco PR. Desenvolvimento de um questionário quantitativo de freqüência alimentar em imigrantes japoneses e seus descendentes residentes em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2000;16(1):107-14. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200000...
. O período de referência varia de acordo com o estudo e a população-alvo, mas o ano anterior é mais frequentemente utilizado para propósitos epidemiológicos2323. Pérez Rodrigo C, Aranceta J, Salvador G, Varela-Moreiras G. Food frequency questionnaires. Nutr Hosp. 2015;31 Suppl 3:49-56. https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3.8751
https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3....
, visto que dietas tendem a se correlacionar de um ano para outro11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
.

Estudos têm apontado aumento da quantidade de alimentos ultraprocessados, ricos em calorias, gorduras, sal e açúcar na dieta dos brasileiros, enquanto o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados tem se mantido, mas em menor proporção66. Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med. 2015;81:9-15. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07....
, 2525. Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201500...
. Os alimentos da lista do QFA desenvolvido confirmam essa tendência no caso específico dos nordestinos, em cuja dieta há tanto alimentos minimamente processados e tradicionais, como arroz e feijão, quanto itens como sorvete, biscoitos e bolos industrializados, classificados como ultraprocesssados.

Um estudo mostrou que alimentos ultraprocessados aumentam a densidade energética da dieta e o consumo de gordura saturada, gordura trans e açúcar, além de reduzir a ingestão de fibra dietética e micronutrientes como ferro, zinco e vitamina A2626. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Impact of ultra-processed foods on micronutrient content in the Brazilian diet. Rev Saude Publica. 2015;49:45. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006211
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20150...
. Assim, os ultraprocessados estão associados a perfis nutricionais dietéticos não saudáveis e DCNT2727. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington, DC: PAHO; 2015 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7699/9789275118641_eng.pdf
http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/han...
.

No Brasil estratégias têm sido adotadas, para prevenir doenças e promover a saúde e o bem-estar da população. Um exemplo é o atual Guia alimentar para a população brasileira , que traz informações e recomendações sobre alimentos, refeições e práticas alimentares. Com base na Classificação NOVA, o guia categoriza os alimentos de acordo com grau de processamento: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados1111. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF; 2014 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
.

O QFA aqui apresentado busca coletar dados de consumo alimentar que permitam avaliar a adesão às recomendações do Guia alimentar para a população brasileira . A escolha por considerar o tipo de processamento advém justamente dessa nova ênfase, pois a classificação convencional dos alimentos, de acordo com nutrientes, muitas vezes agrupa numa mesma categoria itens com efeitos muito diferentes sobre a saúde1212. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr. 2018;1(1):5-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
https://doi.org/10.1017/S136898001700023...
.

No presente estudo, as categorias “ingredientes culinários” e “alimentos processados” foram unidas, pois o único ingrediente culinário que entrou na lista foi a manteiga. Como ingredientes culinários consistem em alimentos processados1212. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr. 2018;1(1):5-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
https://doi.org/10.1017/S136898001700023...
, as duas categorias foram unidas. As duas primeiras páginas do QFA apresentam orientações para o preenchimento do instrumento, e uma seção final traz perguntas extras. Instrumentos desse tipo podem incluir essa seção a fim de colher dados sobre forma de cocção dos alimentos, consumo de gorduras e condimentos, adição de sal e até mesmo marca dos produtos consumidos2828. Elorriaga N, Irazola VE, Defagó MD, Britz M, Martínez-Oakley SP, Witriw AM, et al. Validation of a self-administered FFQ in adults in Argentina, Chile and Uruguay. Public Health Nutr. 2015;18(1):59-67. https://doi.org/10.1017/S1368980013003431
https://doi.org/10.1017/S136898001300343...
.

O estudo assume as limitações advindas da pesquisa original, como uso do RA, instrumento que pode gerar certa imprecisão, visto que o indivíduo tem conhecimento de que está sendo avaliado. Ademais, o registro alimentar, por ser preenchido pelo próprio participante, exclui indivíduos não alfabetizados. Por outro lado, cabe destacar a vantagem da minimização do viés de memória, uma vez que o registro é feito no momento do consumo11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
. A tabela de composição nutricional dos alimentos utilizada foi o compilado da própria POF, que apresenta limitações como falta de dados sobre nutrientes para alguns alimentos e repetição de dados idênticos para alimentos com diferentes formas de preparo, o que dificulta a classificação dos alimentos segundo nível de processamento. Uma outra limitação foi a impossibilidade de avaliar os açúcares livres também por conta da falta de dados. O açúcar proveniente de alimentos processados e ultraprocessados, no entanto, vem substituindo o açúcar de mesa como principal fonte de consumo de açúcares nas últimas décadas2929. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008–2009. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:190s-9s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700005
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201300...
.

O desenvolvimento de QFA para as regiões Norte e Nordeste do país ainda é ínfimo quando comparado às demais regiões, e os questionários desenvolvidos até o momento são direcionados a estados ou cidades específicas2121. Hunter DJ, Sampson L, Stampfer MJ, Colditz GA, Rosner B, Willett WC. Variability in portion sizes of commonly consumed foods among a population of women in the United States. Am J Epidemiol. 1988;127(6):1240-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
, 2929. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008–2009. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:190s-9s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700005
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201300...
. Até o presente momento, não se tem conhecimento de um instrumento elaborado para avaliar o consumo alimentar de adultos de toda a região Nordeste do país. Assim, o QFA aqui apresentado destaca-se tanto como original quanto relevante, visto que seu desenho permite discriminar diferenças na alimentação entre populações3030. Pedraza DF, Menezes TN. Questionários de frequência de consumo alimentar desenvolvidos e validados para população do Brasil: revisão da literatura. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(9):2697-720. https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.12602014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015209...
.

Por ser um instrumento barato, bastante utilizado em grandes estudos epidemiológicos e capaz de estimar o consumo habitual em um dado período de tempo11. Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
http://www.oxfordscholarship.com/view/10...
, o QFA pode ser utilizado para captar as mudanças no consumo alimentar dos brasileiros55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
. Ademais, o instrumento inova ao classificar os alimentos de acordo com o nível de processamento. Dado o crescente consumo de processados e ultraprocessados, a proposta aqui apresentada pode servir de modelo para desenvolver outros questionários, inclusive para outras regiões do Brasil ou até outros países, visto que a tendência de consumo alimentar de industrializados é global.

Por fim, destaca-se que o QFA desenvolvido ainda deve passar por um teste-piloto para verificar a coerência das perguntas e o tempo de aplicação, seguindo posteriormente para o processo de validação e reprodutibilidade, após o qual poderá ser utilizado em estudos epidemiológicos com a população-alvo.

Referências bibliográficas

  • 1
    Willett W. Nutritional epidemiology. 3. ed. New York: Oxford University Press; 2012 [cited 2020 Mar 19]. Chapter 5, Food frequency methods; p. 70-95. Available from: http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
    » http://www.oxfordscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199754038.001.0001/acprof-9780199754038
  • 2
    Burke BS. The dietary history as a tool in research. J Am Diet Assoc. 1947;23:1041-6.
  • 3
    Shim JS, Oh K, Kim HC. Dietary assessment methods in epidemiologic studies. Epidemiol Health. 2014;36:e2014009. https://doi.org/10.4178/epih/e2014009
    » https://doi.org/10.4178/epih/e2014009
  • 4
    Cade J, Thompson R, Burley V, Warm D. Development, validation and utilisation of food-frequency questionnaires - a review. Public Health Nutr. 2002;5(4):567-87. https://doi.org/10.1079/PHN2001318
    » https://doi.org/10.1079/PHN2001318
  • 5
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
    » http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
  • 6
    Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med. 2015;81:9-15. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
    » https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
  • 7
    GBD 2017 Diet Collaborators. Health effects of dietary risks in 195 countries, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2019;393(10184):1958-72. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30041-8
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30041-8
  • 8
    Marrón-Ponce JA, Flores M, Cediel G, Monteiro CA, Batis C. Associations between consumption of ultra-processed foods and intake of nutrients related to chronic non-communicable diseases in Mexico. J Acad Nutr Diet. 2019;119(11):1852-65. https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.04.020
    » https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.04.020
  • 9
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Alimentos regionais brasileiros. 2. ed. Brasília, DF; 2014 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/alimentos_regionais_brasileiros_2ed.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/alimentos_regionais_brasileiros_2ed.pdf
  • 10
    Araujo MC, Bezerra IN, Barbosa F S, Junger WL, Yokoo EM, Pereira RA, et al. Consumo de macronutrientes e ingestão inadequada de micronutrientes em adultos. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:177s-89s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700004
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700004
  • 11
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF; 2014 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
  • 12
    Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr. 2018;1(1):5-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
    » https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
  • 13
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: tabela de medidas referidas para os alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50000.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50000.pdf
  • 14
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008–2009: tabelas de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 [cited 2020 Mar 19]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50002.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50002.pdf
  • 15
    World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO; 2003 [cited 2020 Mar 19]. (WHO Technical Report Series; vol. 916). Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42665/WHO_TRS_916.pdf;jsessionid=2D2F60FB60E66C2D49ED851D2625B7B6?sequence=1
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42665/WHO_TRS_916.pdf;jsessionid=2D2F60FB60E66C2D49ED851D2625B7B6?sequence=1
  • 16
    Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC: OPAS; 2016.
  • 17
    Block G, Dresser CM, Hartman AM, Carroll MD. Nutrient sources in the American diet: quantitative data from the NHANES II Survey: II. Macronutrients and fats. Am J Epidemiol. 1985;122(1):27-40. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
    » https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114084
  • 18
    Anjos LA, Wahrlich V, Vasconcellos MTL, Souza DR, Olinto MTA, Waissmann W, et al. Development of a food frequency questionnaire in a probabilistic sample of adults from Niterói, Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2196-204. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001100021
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010001100021
  • 19
    Fisberg RM, Colucci ACA, Morimoto JM, Marchioni DML. Food frequency questionnaire for adults from a population-based study. Rev Saude Publica. 2008;42(3):550-4. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000020
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000020
  • 20
    Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutr. 2016;7(1-3):28-38.
  • 21
    Hunter DJ, Sampson L, Stampfer MJ, Colditz GA, Rosner B, Willett WC. Variability in portion sizes of commonly consumed foods among a population of women in the United States. Am J Epidemiol. 1988;127(6):1240-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
    » https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a114916
  • 22
    Cardoso MA, Stocco PR. Desenvolvimento de um questionário quantitativo de freqüência alimentar em imigrantes japoneses e seus descendentes residentes em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2000;16(1):107-14. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100011
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100011
  • 23
    Pérez Rodrigo C, Aranceta J, Salvador G, Varela-Moreiras G. Food frequency questionnaires. Nutr Hosp. 2015;31 Suppl 3:49-56. https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3.8751
    » https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.sup3.8751
  • 24
    Samet JM, Humble CG, Skipper BE. Alternatives in the collection and analysis of food frequency interview data. Am J Epidemiol. 1984;120(4):572-81. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a113919
    » https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a113919
  • 25
    Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
  • 26
    Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Impact of ultra-processed foods on micronutrient content in the Brazilian diet. Rev Saude Publica. 2015;49:45. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006211
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006211
  • 27
    Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington, DC: PAHO; 2015 [cited 2020 Mar 19]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7699/9789275118641_eng.pdf
    » http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7699/9789275118641_eng.pdf
  • 28
    Elorriaga N, Irazola VE, Defagó MD, Britz M, Martínez-Oakley SP, Witriw AM, et al. Validation of a self-administered FFQ in adults in Argentina, Chile and Uruguay. Public Health Nutr. 2015;18(1):59-67. https://doi.org/10.1017/S1368980013003431
    » https://doi.org/10.1017/S1368980013003431
  • 29
    Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008–2009. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:190s-9s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700005
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700005
  • 30
    Pedraza DF, Menezes TN. Questionários de frequência de consumo alimentar desenvolvidos e validados para população do Brasil: revisão da literatura. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(9):2697-720. https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.12602014
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.12602014

  • Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes - Código de Financiamento 001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2020
  • Aceito
    6 Out 2020
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br