Tendência dos padrões de atividade física de gestantes residentes nas capitais brasileiras

Ana Elisa Madalena Rinaldi Janaína Aparecida de Paula Maiara Aparecida Miálich Almeida José Eduardo Corrente Maria Antonieta Barros Leite Carvalhaes Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVOS

Descrever a tendência da atividade física (AF) em quatro domínios realizada por gestantes residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal (DF) e verificar a associação entre fatores sociodemográficos e a prática de atividade física de lazer entre 2007 e 2017.

MÉTODOS

Estudo de tendência temporal realizado com dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel). Foram estudadas 3.730 gestantes no período, considerando as variáveis sociodemográficas (idade, macrorregião, trabalho, estado civil, escolaridade, cor) e de atividade física nos quatro domínios (lazer, trabalho, deslocamento, doméstico – sim/não). Para as gestantes que realizavam atividade física de lazer, foi questionada a duração, expressa na variável AF ≥ 150 minutos/semana (sim/não). A tendência temporal foi avaliada por regressão linear ponderada pela variância (variação anual média foi expressa em pontos percentuais – p.p.) e a associação de fatores sociodemográficos com a atividade física de lazer por regressão de Poisson, com estimativa da razão de prevalência (RP).

RESULTADOS

A prevalência de gestantes com 12 anos ou mais de estudo aumentou no período analisado (+1,37 p.p./ano), assim como a prevalência de gestantes com mais de 35 anos (+1,11 p.p./ano) e aquelas que trabalham (+0,75 p.p./ano). A prevalência de atividade física de lazer pelas gestantes aumentou de 29,3%, em 2007, para 37,6%, em 2017 (+1,37 p.p./ano), e de AF ≥ 150min/semana de 2,3% para 20,6% (+2,33 p.p./ano), respectivamente, e houve redução de atividades físicas domésticas de 63,9% para 38,9% (-1,65 p.p./ano). A prevalência da prática de atividade física de lazer foi superior entre as gestantes com mais de 12 anos de estudo (RP = 2,22; IC95% 1,73–2,84), quando comparadas àquelas com menos de 8 anos, e menor entre gestantes pretas/pardas/indígenas, comparadas às brancas/amarelas (RP = 0,87; IC95% 0,78–0,97). A prevalência da AF ≥ 150min/semana aumentou conforme os anos de escolaridade e idade.

CONCLUSÕES

A prevalência da prática de atividade física de lazer e sua realização por ≥ 150minutos/semana aumentou no período analisado, e ambas se associaram diretamente à maior escolaridade.

Gestantes; Exercício Físico; Atividades de Lazer; Fatores Socioeconômicos; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

A recomendação atual para prática de atividade física (AF) de intensidade moderada, de pelo menos 150 minutos semanal, da Organização Mundial da Saúde (OMS)11 World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva (CH): WHO; 2010 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/
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, endossada pelo Ministério da Saúde brasileiro, tem se mostrado benéfica também para gestantes, desde que não haja contraindicações22. Physical Activity and Exercise During Pregnancy and the Postpartum Period: ACOG Committee Opinion, Number 804. Obstet Gynecol. 2020;135(4):e178-88. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003772
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. Preconiza-se que esses 150 minutos sejam distribuídos ao longo da semana durante os três trimestres da gestação22. Physical Activity and Exercise During Pregnancy and the Postpartum Period: ACOG Committee Opinion, Number 804. Obstet Gynecol. 2020;135(4):e178-88. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003772
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, 33 U.S. Department of Health and Human Services. Physical activity guidelines for Americans. 2. ed. Washington, DC: DHHS; 2018 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://health.gov/sites/default/files/2019-09/Physical_Activity_Guidelines_2nd_edition.pdf
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Os benefícios decorrentes da prática de atividade física envolvem a proteção contra desfechos obstétricos e neonatais adversos, como ganho de peso gestacional excessivo44 Wang C, Wei Y, Zhang X, Zhang Y, Xu Q, Sun Y, et al. A randomized clinical trial of exercise during pregnancy to prevent gestational diabetes mellitus and improve pregnancy outcome in overweight and obese pregnant women. Am J Obstet Gynecol. 2017;216(4):340-51. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2017.01.037
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, hipertensão arterial55 Di Mascio D, Magro-Malosso ER, Saccone G, Marhefka GD, Berghella V. Exercise during pregnancy in normal-weight women and risk of preterm birth: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Obstet Gynecol. 2016;215(5):561-71. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2016.06.014
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, diabetes mellitus gestacional44 Wang C, Wei Y, Zhang X, Zhang Y, Xu Q, Sun Y, et al. A randomized clinical trial of exercise during pregnancy to prevent gestational diabetes mellitus and improve pregnancy outcome in overweight and obese pregnant women. Am J Obstet Gynecol. 2017;216(4):340-51. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2017.01.037
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, 66 Magro-Malosso ER, Saccone G, Di Mascio D, Di Tommaso M, Berghella V. Exercise during pregnancy and risk of preterm birth in overweight and obese women: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(3):263-73. https://doi.org/10.1111/aogs.13087
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, parto cirúrgico55 Di Mascio D, Magro-Malosso ER, Saccone G, Marhefka GD, Berghella V. Exercise during pregnancy in normal-weight women and risk of preterm birth: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Obstet Gynecol. 2016;215(5):561-71. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2016.06.014
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e macrossomia44 Wang C, Wei Y, Zhang X, Zhang Y, Xu Q, Sun Y, et al. A randomized clinical trial of exercise during pregnancy to prevent gestational diabetes mellitus and improve pregnancy outcome in overweight and obese pregnant women. Am J Obstet Gynecol. 2017;216(4):340-51. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2017.01.037
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. Dentre os tipos de AF durante a gestação mais frequentemente estudados na literatura, considerados seguros e benéficos, estão os exercícios aeróbicos, os de resistência e alongamento, ciclismo em cicloergômetro, natação e hidroginástica, dança, pilates77 Berghella V, Saccone G. Exercise in pregnancy! Am J Obstet Gynecol. 2017;216(4):335-7. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2017.01.023
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A relação entre a AF ocupacional da gestante e desfechos de saúde materno-fetal ainda precisa ser investigada, devido aos resultados divergentes e limitados dos estudos publicados22. Physical Activity and Exercise During Pregnancy and the Postpartum Period: ACOG Committee Opinion, Number 804. Obstet Gynecol. 2020;135(4):e178-88. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003772
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. Os efeitos da AF ocupacional durante a gestação nos desfechos de saúde parecem ser dependentes da carga de peso manipulado ao longo do dia, sendo que levantamento de peso superior à 20 kg, mais de 10 vezes/dia, apresentou risco aumentado de prematuridade. A recomendação do National Institute for Occupational Safety and Health pode ser utilizada para estimar o limite máximo de peso aceitável para uma gestante, considerando atividade ocupacional e idade gestacional88 Runge SB, Pedersen JK, Svendsen SW, Juhl M, Bonde JP, Andersen AMN. Occupational lifting of heavy loads and preterm birth: a study within the Danish National Birth Cohort. Occup Environ Med. 2013;70(11):782-8. https://doi.org/10.1136/oemed-2012-101173
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, 99 Waters TR, MacDonald LA, Hudock SD, Goddard DE. Provisional recommended weight limits for manual lifting during pregnancy. Hum Factors. 2014;56(1):203-14. https://doi.org/10.1177/0018720813502223
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.

O percentual de gestantes que praticam atividade física de lazer regularmente é baixo, segundo estudos regionais brasileiros, realizados nas décadas de 2000 e de 20101010 Carvalhaes MABL, Martiniano ACA, Malta MB, Takito MY, Benício MHD. Atividade física em gestantes assistidas na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(5):958-67. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004689
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. Em Pelotas (RS) (2004), 12,9% das gestantes relataram praticar algum tipo de AF e houve redução da sua prática no último trimestre1111 Domingues MR, Barros AJD. Leisure-time physical activity during pregnancy in the 2004 Pelotas Birth Cohort Study. Rev Saude Publica. 2007;41(2):173-80. https://doi.org/10.1590/s0034-89102007000200002
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. No interior de São Paulo, o percentual de gestantes entrevistadas em 2010 e no período de 2011–2014 que afirmou fazer AF moderada variou de 12,5%1010 Carvalhaes MABL, Martiniano ACA, Malta MB, Takito MY, Benício MHD. Atividade física em gestantes assistidas na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(5):958-67. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004689
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a 7,6%1212 Nascimento SL, Surita FG, Godoy AC, Kasawara KT, Morais SS. Physical activity patterns and factors related to exercise during pregnancy: a cross sectional study. PloS One. 2015;10(6):e0128953. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0128953
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, respectivamente. Com esse quadro, nota-se que nas recomendações do Manual de Atenção ao Pré-natal de Baixo Risco, do Ministério da Saúde (2012)1313 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos. Cadernos de Atenção Básica; n° 32). , vigentes até a atualidade, há pouca ênfase à promoção da atividade física na gestação e nenhum destaque a seu potencial como comportamento protetor às complicações obstétricas e neonatais1313 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos. Cadernos de Atenção Básica; n° 32). .

Não existem dados representativos da população brasileira de gestantes e, consequentemente, e não é conhecida a tendência temporal da prática de AF na gestação, embora o monitoramento da atividade física da população em geral figure como uma das ações prioritárias da Política Nacional de Promoção da Saúde1414 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde - PNaPS: revisão da Portaria MS/GM n° 687, de 30 de março de 2006. Brasília, DF; 2014. . Identificou-se um estudo brasileiro que comparou dois grupos (2004 e 2015) de gestantes em Pelotas (RS). Foi observado aumento do percentual de gestantes ativas antes de engravidar, estabilidade dos percentuais de gestantes ativas nos dois primeiros trimestres gestacionais e redução da proporção ativa no terceiro trimestre1515 Coll CVN, Domingues MR, Hallal PC, Silva ICM, Bassani DG, Matijasevich A, et al. Changes in leisure-time physical activity among Brazilian pregnant women: comparison between two birth cohort studies (2004–2015). BMC Public Health. 2017;17:119. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4036-y
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.

O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel) disponibiliza dados sobre atividade física. A presença de gestantes nas amostras anuais do Vigitel constitui oportunidade para conhecer o panorama da prática de AF em todas as regiões brasileiras, mesmo restringindo àquelas que residem nas capitais e no Distrito Federal (DF). Dessa forma, nossos objetivos foram descrever a tendência temporal de AF das gestantes residentes nas capitais brasileiras e no DF, entre 2007 e 2017, e verificar a associação entre fatores sociodemográficos e o alcance da recomendação de AF de lazer por gestantes a partir dos dados do Vigitel.

MÉTODOS

Desenho do Estudo, Fonte dos Dados e Amostra

Trata-se de estudo de tendência temporal com dados anuais do Vigitel, no período de 2007 a 2017, sendo cada inquérito com desenho transversal. O objetivo do Vigitel é monitorar de forma contínua e frequente a distribuição dos fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).

O Projeto Vigitel foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para Seres Humanos do Ministério da Saúde (Parecer 355590, CAAE: 16202813.2.0000.0008) e as bases de dados são públicas e estão disponíveis no website do Ministério da Saúde.

A amostra anual é obtida por sorteio de cinco mil linhas telefônicas por cidade, de forma sistemática e estratificada por CEP. A seguir, as linhas passam por segundo sorteio e são divididas em réplicas de 200 linhas, com exclusão de linhas correspondentes a empresas, que se encontram fora de serviço ou que não atendem a seis tentativas de chamadas feitas em dias e horários variados. As elegíveis passam por uma segunda etapa com sorteio de um morador adulto para responder ao questionário1616 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2017: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2017. Brasília, DF; 2018 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2017_vigilancia_fatores_riscos.pdf
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. A adoção do método rake para obtenção do peso pós-estratificação permite inferência das estimativas para a população adulta residente nas capitais brasileiras e no DF, independentemente de o domicílio possuir ou não linha telefônica. Esse método foi adotado inicialmente a partir de 2012, porém foram calculados e disponibilizados também a partir de 20061717 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Ponderação pelo método rake. Brasília, DF; [cited 2020 Jun 26]. Available from: http://svs.aids.gov.br/bases_vigitel_viva/dic_var/vigitel/Ponderacao_Metodo-Rake.pdf
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Informaram estarem grávidas 3.730 mulheres entre 2007 e 2017. Em função da amostra ser composta por gestantes, foi construído novo peso rake a partir da variável “peso interno”, já disponível nos bancos de dados (essa variável é construída pela multiplicação do inverso da probabilidade de adultos no domicílio pelo inverso da probabilidade de linhas telefônicas no domicílio), da faixa etária das gestantes (< 20 anos; 20–34,9 anos e ≥ 35 anos) e da capital onde residiam. Construiu-se uma variável correspondendo ao número de gestante por faixa etária e por capital. Posteriormente, o peso rake foi gerado a partir dessas três variáveis. A necessidade de novo peso se deve ao número pequeno de gestante na amostra de cada inquérito no período analisado e, também, em função da queda da taxa de fecundidade (de dois pontos em 2006 para aproximadamente 1,75 em 2015)1818 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em síntese: taxa de fecundidade total. Rio de Janeiro: IBGE; c2021 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-fecundidade-total.html
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e de natalidade (15,8 nascimentos/mil habitantes em 2006 para 13,8 nascimentos/mil habitantes em 2016)1919 Ministério da Saúde (BR), DATASUS. SINASC. Nascidos Vivos. Rio de Janeiro: IBGE; [cited 2020 Jun 26]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvbr.def
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Variáveis Sociodemográficas

As variáveis sociodemográficas selecionadas foram: idade (< 20 anos, 20 a 34,9 anos, ≥ 35 anos); escolaridade (zero a oito anos, nove a 11, ≥ 12 anos de estudo); trabalho (sim/não); estado civil (solteiras; viúvas/divorciadas; e casadas/união estável), macrorregião (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e cor (brancas, amarelas, pretas, pardas ou indígenas). Nas análises, optamos pelo agrupamento das gestantes em duas categorias, uma é das mulheres que se autodeclararam brancas e amarelas e a outra reunindo aquelas que se autodeclararam como pretas, pardas e indígenas2020 Caregnato CE, Oliven AC. Educação superior e políticas de ação afirmativa no Rio Grande do Sul: desigualdades e equidade. Educ Rev. 2017;(64):171-87. https://doi.org/10.1509/0104-4060.47764
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Variáveis da Atividade Física

As variáveis disponíveis nos bancos de dados do Vigitel e analisadas neste estudo referem-se à realização de atividade física em quatro domínios: ocupacional, doméstica, deslocamento e lazer. Para os domínios AF ocupacional, doméstica e de deslocamento foram utilizadas as variáveis indicadoras previamente disponíveis em todos os bancos de dados (2007 a 2017) e cuja configuração foi “não/sim”.

A categoria sim para AF ocupacional corresponde à gestante ter trabalhado nos últimos três meses e ter relatado andar bastante e/ou carregar peso no trabalho. A categoria sim para AF no deslocamento, corresponde à gestante ter caminhado 30 minutos ou mais entre o trabalho e/ou curso/escola. A categoria sim para AF doméstica corresponde realizar a faxina sozinha e/ou fazer sozinha a parte pesada da faxina.

A AF no lazer foi configurada pelos autores a partir da variável “Nos últimos três meses, a sra. praticou algum tipo de exercício físico ou esporte?” (sim/não). A variável tipo de AF de lazer só estava disponível para as gestantes que responderam praticar algum tipo de exercício físico ou esporte nos últimos três meses e tê-lo feito mais de uma vez por semana. As diversas modalidades de AF foram agrupadas em quatro categorias, segundo a classificação da intensidade do gasto energético em múltiplos de equivalentes metabólicos (MET)2121 Ainsworth B, Haskell WL, Whitt MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, et al. Compendium of physical activities: an update of activity codes and MET intensities. Med Sci Sports Exerc. 2000;32(9 Suppl):S498-516. https://doi.org/10.1097/00005768-200009001-00009
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: caminhada na rua e na esteira; dança, ginástica, hidroginástica, musculação, natação; bicicleta, futebol, lutas marciais, voleibol, tênis; corrida na rua e em esteira.

A variável AF de lazer ≥ 150min por semana (AF ≥ 150min/semana) foi configurada pelos autores a partir da combinação de duas variáveis: frequência semanal da AF (número de dias/semana) e a duração da AF (minutos/seção). Foram incluídas na categoria “sim” as gestantes que relataram praticar algum exercício físico/esporte nos últimos três meses com frequência acima de uma vez por semana e cuja soma da frequência semanal e duração resultasse em ≥ 150min/semana. As gestantes que não faziam atividade física ou que faziam somente uma vez na semana foram classificadas como “não” para essa variável. Assim, foi possível estimar a prevalência da prática de atividade física conforme recomendação da OMS11 World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva (CH): WHO; 2010 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://www.who.int/dietphysicalactivity/factsheet_recommendations/en/
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Análise dos Dados

Os dados foram descritos em prevalência por ano do inquérito e a análise da tendência temporal foi realizada por regressão linear ponderada pela variância. A taxa média de aumento ou redução (expressos em pontos percentuais – p.p.) da prevalência entre 2007 e 2017 corresponde ao valor do coeficiente de inclinação da regressão com o respectivo p-valor de tendência (nível de significância menor de 5%).

A prevalência da prática de atividade física no lazer (sim/não) e da prática de AF ≥ 150min/sem (sim/não), segundo a escolaridade, foram ilustradas em um gráfico definido como equiplot .

A associação entre a escolaridade da gestante e a realização da atividade física de lazer e AF ≥ 150min/sem foi estimada por análise de regressão de Poisson, ajustada por faixa etária, cor, macrorregião geográfica e estado civil. Foram ajustados dois modelos para cada desfecho: a) modelo 1 com a inclusão de todos os anos dos inquéritos (2007 a 2017) e b) modelo 2 com divisão da amostra em três períodos (2007 a 2009; 2010 a 2014 e 2015 a 2017). A opção por analisar os modelos nesses três períodos deve-se à redução da amostra ao longo dos anos, levando ao aumento dos intervalos de confiança nas análises e redução da precisão das estimativas. Todas as análises foram realizadas no programa Stata SE 13.0®.

RESULTADOS

A amostra total coletada no período de 2007 a 2017 foi de 3.730 gestantes (variação de 2% a 1,38% da amostra total de mulheres entrevistadas em cada inquérito), com tamanhos semelhantes e maiores no período de 2007 (n = 462 gestantes) a 2011 (n = 396 gestantes) e redução a partir de 2012 (n = 317 em 2012 a n = 188 em 2017).

Observamos aumento do percentual de gestantes com ≥ 35 anos no período analisado, porém a maioria das gestantes tinha entre 20 e 34,9 anos ao longo do período. Houve aumento significativo da prevalência de gestantes com ≥ 12 anos, sendo que a maioria em 2017 foi classificada nessa faixa de escolaridade, em oposição à 2007, quando a categoria de nove a 11 anos de estudo foi mais prevalente. A prevalência de gestantes que relataram estar trabalhando aumentou de 58,6% para 67,8% entre 2007 e 2017. As maiores prevalências de gestantes no período de 2007 a 2017 foram identificadas nas regiões Norte e Nordeste, com aumento, no mesmo período, de gestantes residentes na região Nordeste e redução no Centro-Oeste e Sul. A maioria das gestantes relatou estar casada ou em união estável. Houve maior prevalência, em todo o período analisado, das gestantes que se autodeclararam pretas, pardas e indígenas (59% em 2007 e 61,3% em 2017) ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Características sociodemográficas das gestantes brasileiras residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, segundo ano do inquérito. Vigitel, 2007–2017.

A prevalência de gestantes que relataram prática de alguma atividade física no trabalho (AF ocupacional) foi estável ao longo do período, em torno de 32%. Houve discreto aumento da AF no deslocamento entre domicílio e trabalho/estudo ao longo do período (+0,34 p.p./ano) e redução expressiva da atividade física realizada no trabalho doméstico (-1,65 p.p./ano). Observamos aumento da AF classificada como de lazer (+1,37 p.p./ano), assim como do percentual de gestantes que relataram praticar AF ≥ 150min/sem (+2,33 p.p./ano) ( Tabela 2 ). Verificamos que, em 2007, a AF doméstica foi a mais prevalente, com dados semelhantes aos das AF no lazer e ocupacional. Entretanto, em 2017, as prevalências de AF doméstica e de AF lazer foram virtualmente iguais e superiores às AF ocupacional e de deslocamento.

Tabela 2
Tendência da prática de AF nos quatro domínios (lazer, trabalho, deslocamento e doméstico) e prática de AF segundo recomendação OMS (150 min/semana) de gestantes brasileiras residentes nas capitais brasileiras e Distrito Federal, segundo ano do inquérito. Vigitel, 2007–2017.

Os tipos de AF de lazer praticados pelas gestantes foram semelhantes em todos os anos, dessa forma, optamos por descrever os resultados de todo o período. As atividades mais prevalentes foram caminhada na rua e na esteira (57,8%); seguidas da categoria “dança, ginástica, hidroginástica, musculação e natação” (32,7%); com menores prevalências das categorias “bicicleta, futebol, lutas marciais, tênis e voleibol” (7,2%) e “corrida na rua e na esteira” (2,3%).

As prevalências de AF de lazer e da AF ≥ 150min/sem foram maiores entre as gestantes com ≥ 12 anos de escolaridade no período analisado. Para essas duas variáveis, a prevalência foi superior a 30% entre as gestantes com maior escolaridade. Entre as gestantes com menos de oito anos de escolaridade, a prevalência de AF ≥ 150min/sem foi inferior a 10% em quase todos os anos do período analisado ( Figura ).

Figura
Equiplot da prática da atividade física (AF) de lazer e da prática de AF por 150 min/semana ou mais segundo escolaridade em gestantes residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Vigitel, 2007–2017.

Houve aumento da prática das atividades físicas de lazer e da AF ≥ 150min/sem no período de 2007 a 2017 ( Tabela 3 ). Verificamos que a prática de AF no lazer foi 2,22 vezes mais prevalente entre as gestantes com ≥ 12 anos de escolaridade em comparação àquelas com menos de oito anos (modelo 1). Esse padrão se repetiu nos três períodos analisados (modelo 2). As gestantes que se autodeclararam pretas/pardas/indígenas relataram menor prevalência de atividade física no modelo 1 e no período de 2015 a 2017 (modelo 2). Não observamos diferença de prevalência segundo região geográfica e idade (modelos 1 e 2).

Tabela 3
Associação entre escolaridade e prática de AF de lazer nos últimos 3 meses e AF por 150min/semana ou mais em gestantes residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, no período de 10 anos (modelo 1) e intervalos anuais (modelo 2). Vigitel, 2007–2017.

A prática da AF ≥ 150min/sem foi 2,36 vezes mais prevalente entre as gestantes com ≥ 12 anos de escolaridade em comparação àquelas com menos de oito anos (modelo 1), sendo que os valores da razão de prevalência foram mais elevados especialmente no período de 2007 a 2009. Observamos também maior prevalência de AF nas gestantes com idade > 20 anos (modelo 1) e aquelas que residiam nas regiões Centro-Oeste e Sul (modelo 1, modelo 2 – 2010 a 2014) ( Tabela 3 ).

DISCUSSÃO

Neste estudo, observamos redução expressiva do número de gestantes que relataram fazer AF domésticas, aumento de gestantes que faziam AF no lazer e que alcançaram 150min/semana no período analisado. Entretanto, observamos também que a prática de AF no lazer, bem como a realização da AF ≥ 150min/sem são superiores entre as gestantes com maior escolaridade, apontando importante desigualdade social entre as gestantes brasileiras.

A AF ocupacional se manteve estável ao longo da década analisada e a AF no deslocamento apresentou pequeno aumento. Já o percentual de gestantes que relatou fazer atividades físicas domésticas reduziu pela metade. O aumento mais expressivo no período foi no domínio AF no lazer, componente do conjunto de AF mais modificável pelas ações de promoção de saúde.

A relação entre atividades físicas domésticas e ocupacionais com o risco de prematuridade, baixo peso ao nascer e restrição de crescimento intrauterino dominou as pesquisas das décadas de oitenta e noventa, em especial em países de baixa renda, onde tais desfechos eram e ainda são um problema de saúde pública. Os resultados daquela época indicavam que o excesso de horas em pé, subindo e descendo escadas e carregando peso, cotidianamente, reduz o crescimento do conceito e a idade gestacional no parto2222 Takito MY, Benício MHD, Neri LCL. Atividade física de gestantes e desfechos ao recém-nascido: revisão sistemática. Rev Saude Publica. 2009;43(6):1059-69. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000074
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. Esses resultados ainda continuam aceitos e, portanto, a redução das gestantes ativas nesses domínios pode ser vista como positiva22. Physical Activity and Exercise During Pregnancy and the Postpartum Period: ACOG Committee Opinion, Number 804. Obstet Gynecol. 2020;135(4):e178-88. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003772
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.

É possível que os efeitos dos diferentes domínios de atividades físicas variem conforme o contexto de vida das gestantes, como apontaram dois estudos recentes2323 Waerden J, Nakamura A, Pryor L, Charles MA, El-Khoury F, Dargent-Molina P, et al. Domain-specific physical activity and sedentary behavior during pregnancy and postpartum depression risk in the French EDEN and ELFE cohorts. Prev Med. 2019;121:33-9. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2019.02.012
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, 2424 Ha AVV, Zhao Y, Pham NM, Nguyen CL, Nguyen PTH, Chu TK, et al. Physical activity and sedentary behaviour during pregnancy are associated with gestational weight gain in Vietnamese women. Asia Pac J Clin Nutr. 2020;29(1):136-43. https://doi.org/10.6133/apjcn.202003_29(1).0018
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. Em dois estudos de coortes com gestantes francesas, altos níveis de AF domésticas e de atividades sedentárias no terceiro trimestre gestacional aumentaram as chances de depressão pós-parto, enquanto exercícios e atividades esportivas não se associaram a esse desfecho2323 Waerden J, Nakamura A, Pryor L, Charles MA, El-Khoury F, Dargent-Molina P, et al. Domain-specific physical activity and sedentary behavior during pregnancy and postpartum depression risk in the French EDEN and ELFE cohorts. Prev Med. 2019;121:33-9. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2019.02.012
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. Em coorte vietnamita, maiores níveis de atividades domésticas e ocupacionais associaram-se com menor ganho de peso gestacional. No contexto local, esse resultado foi considerado favorável à prevenção do diabetes gestacional, problema frequente nessa população, mas negativo para a ocorrência de recém-nascidos com baixo peso2424 Ha AVV, Zhao Y, Pham NM, Nguyen CL, Nguyen PTH, Chu TK, et al. Physical activity and sedentary behaviour during pregnancy are associated with gestational weight gain in Vietnamese women. Asia Pac J Clin Nutr. 2020;29(1):136-43. https://doi.org/10.6133/apjcn.202003_29(1).0018
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.

Por outro lado, a literatura contém evidências sólidas sobre os benefícios da prática regular de AF de lazer e exercícios durante a gestação22. Physical Activity and Exercise During Pregnancy and the Postpartum Period: ACOG Committee Opinion, Number 804. Obstet Gynecol. 2020;135(4):e178-88. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003772
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, reforçando os aspectos positivos das tendências observadas. Contudo, o aumento médio foi maior no início do período (2007–2009) (4,5 p.p./ano) e menor no final (0,55 p.p./ano) 2015 e 2017.

Não há meta nacional ou internacional para alcance de determinado percentual de gestantes realizando AF de lazer ≥ 150 minutos/semanais. É possível estimar que o ritmo de aumento observado no período 2007–2017 é baixo se levarmos em conta que, mantendo-se esse padrão, levará mais de 40 anos para que metade das gestantes brasileiras alcance a recomendação. Esse tempo poderá ser ainda maior se o ritmo de aumento for o observado nos anos mais recentes (2014 a 2017). Esse quadro indica o tamanho do desafio a ser enfrentado no Brasil para promover e apoiar as mulheres a serem fisicamente ativas durante a gestação. Essa situação ressalta a importância de, além do monitoramento, identificar os determinantes da prática de atividade física no lazer de mulheres durante a gestação, visando fornecer evidências para a condução de intervenções.

As barreiras à realização da AF de lazer por gestantes têm sido objeto de investigações2424 Ha AVV, Zhao Y, Pham NM, Nguyen CL, Nguyen PTH, Chu TK, et al. Physical activity and sedentary behaviour during pregnancy are associated with gestational weight gain in Vietnamese women. Asia Pac J Clin Nutr. 2020;29(1):136-43. https://doi.org/10.6133/apjcn.202003_29(1).0018
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, 2525 Todorovic J, Terzic-Supic Z, Bjegovic-Mikanovic V, Piperac P, Dugalic S, Gojnic-Dugalic M. Factors associated with the leisure-time physical activity (LTPA) during the first trimester of the pregnancy: the cross-sectional study among pregnant women in Serbia. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(4):1366. https://doi.org/10.3390/ijerph17041366
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. Uma revisão da literatura com 26 estudos qualitativos e quantitativos sobre barreiras para a realização de atividade física na gestação identificou em todos eles fatores intrapessoais de impedimento da prática, incluindo cansaço e desconfortos físicos, além do excesso de atividades e responsabilidades com trabalho e o cuidado com a família. Também foram frequentes fatores interpessoais, com destaque para a falta de conhecimento e orientação sobre a importância e segurança da atividade física nesse período2626 Coll CVN, Domingues MR, Gonçalves H, Bertoldi AD. Perceived barriers to leisure-time physical activity during pregnancy: a literature review of quantitative and qualitative evidence. J Sci Med Sport. 2017;20(1):17-25. https://doi.org/10.1016/j.jsams.2016.06.007
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. Essas barreiras poderiam ser removidas pelos profissionais responsáveis pelo pré-natal. Barreiras relacionadas ao ambiente organizacional, político e ao clima (muito frio ou muito quente, chuvoso) também foram identificadas pelos estudos, em especial a insegurança nas ruas, a falta de espaços públicos para a realização de atividade física e o alto custo das academias2727 Mudd LM, Nechuta S, Pivarnik JM, Paneth N; Michigan Alliance for National Children’s Study. Factors associated with women’s perceptions of physical activity safety during pregnancy. Prev Med. 2009;49(2-3):194-9. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2009.06.004
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2009.06....
.

Assim, para superar as barreiras, cabem ações nos serviços de saúde e ações intersetoriais que vão além do aconselhamento realizado por profissionais de saúde. Remover tais barreiras implica também novas perspectivas para planejamento urbano, ambientes de trabalho, divisão do trabalho doméstico, entre outras esferas da vida humana que precisam se tornar mais facilitadoras do desempenho da atividade física por todos, inclusive as gestantes. Políticas públicas em todas essas esferas são necessárias, principalmente, para apoiar as gestantes autodeclaradas pretas, pardas e indígenas e aquelas com menor escolaridade.

O aumento da escolaridade de gestantes tende a ser favorável ao alcance da recomendação de AF no lazer, conforme estudos prévios também verificaram1212 Nascimento SL, Surita FG, Godoy AC, Kasawara KT, Morais SS. Physical activity patterns and factors related to exercise during pregnancy: a cross sectional study. PloS One. 2015;10(6):e0128953. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0128953
https://doi.org/10.1371/journal.pone.012...
, 2828 Lynch KE, Landsbaugh JR, Whitcomb BW, Pekow P, Markenson G, Chasan-Taber L. Physical activity of pregnant Hispanic women. Am J Prev Med. 2012;43(4):434-9. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2012.06.020
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. A associação positiva entre maior escolaridade e AF lazer pode ser explicada pela condição socioeconômica mais favorável, o que proporciona trabalharem em atividades que exigem menos esforço físico, obterem ajuda com os serviços domésticos e com o cuidado de crianças, ou seja, ter mais tempo e disposição de se exercitarem no tempo de lazer31. Além disso, gestantes com maior nível educacional podem ter mais acesso a informações técnicas sobre atividade física durante a gravidez, ter acesso facilitado a locais mais seguros e com melhor infraestrutura para prática de AF lazer. As diferenças de AF lazer entre gestantes brancas/amarelas e pretas/pardas/indígenas, apontam para a desigualdade relacionada ao racismo institucional, independente da escolaridade, na prática da AF no lazer.

Destacamos como pontos positivos do nosso estudo a produção de dados inéditos sobre o perfil da atividade física de gestantes das capitais brasileiras, ampliando assim o conhecimento desse perfil para as cinco macrorregiões. Até o presente momento, os estudos prévios sobre atividade física de gestantes eram provenientes de dados regionais1010 Carvalhaes MABL, Martiniano ACA, Malta MB, Takito MY, Benício MHD. Atividade física em gestantes assistidas na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2013;47(5):958-67. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004689
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, 1111 Domingues MR, Barros AJD. Leisure-time physical activity during pregnancy in the 2004 Pelotas Birth Cohort Study. Rev Saude Publica. 2007;41(2):173-80. https://doi.org/10.1590/s0034-89102007000200002
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, 1515 Coll CVN, Domingues MR, Hallal PC, Silva ICM, Bassani DG, Matijasevich A, et al. Changes in leisure-time physical activity among Brazilian pregnant women: comparison between two birth cohort studies (2004–2015). BMC Public Health. 2017;17:119. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4036-y
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. Outro ponto positivo é a utilização dos dados de um sistema de monitoramento (Vigitel) disponível com as mesmas questões em todos os anos dos inquéritos, o que permitiu comparabilidade entre os anos analisados.

Identificamos como principal limitação a ausência de algumas variáveis específicas e relevantes ao realizarmos estudos com gestantes, especialmente a idade gestacional. Essa variável nos permitiria identificar diferenças relativas à prática de atividade física por trimestres gestacionais e estado nutricional. O Vigitel não tem como foco as gestantes e sim a população adulta residente nas capitais brasileiras e no DF. Ainda assim, sugerimos que a idade gestacional seja indagada nos inquéritos futuros, uma vez que o Vigitel é o único inquérito de base populacional disponível no Brasil atualmente que permite analisar atividade física de gestantes. Essa simples informação permitirá avanços no monitoramento de comportamentos de risco e de proteção também para gestantes e o delineamento de intervenções específicas a cada fase da gestação.

Podemos destacar também que a amostra de gestantes deste estudo não é representativa da população de gestantes que residem nas capitais brasileiras, uma vez que a população a ser representada são indivíduos com 18 anos ou mais. Uma das possíveis explicações para a redução do tamanho da amostra é queda da fertilidade ao longo dessa década, especialmente nas capitais.

Outra limitação a ser considerada é o autorrelato da atividade física em comparação às medidas diretas da AF, realizadas por pedômetros e/ou acelerômetros. No entanto, são comparáveis os estudos de tendência e monitoramento que utilizam as mesmas formas de coleta das informações. Ressalvamos que ao classificar as gestantes quanto à frequência e duração semanal da AF de lazer consideramos todas as modalidades como moderadas, já que estudo prévio1212 Nascimento SL, Surita FG, Godoy AC, Kasawara KT, Morais SS. Physical activity patterns and factors related to exercise during pregnancy: a cross sectional study. PloS One. 2015;10(6):e0128953. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0128953
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indica baixa frequência de gestantes que realizam atividades de intensidade vigorosa.

Em síntese, verificamos tendência de aumento da atividade física entre as gestantes nos domínios lazer e no deslocamento e redução expressiva das atividades domésticas. Adicionalmente, houve tendência de aumento daquelas que alcançaram a recomendação de ≥ 150min/semana. Entretanto, esse aumento foi decrescente no período e desigual entre as gestantes, de acordo com a escolaridade, sendo superior entre as gestantes com 12 anos de estudo ou mais e entre aquelas que se autodeclararam brancas/amarelas em todo o período analisado.

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  • Financiamento: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig - Demanda Universal APQ - 01557). Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2020
  • Aceito
    13 Maio 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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