Limites e possibilidades para desenvolvimento de pesquisas em saúde pública no judiciário

Nayla Rochele Nogueira de Andrade Carlos Francisco Oliveira Nunes Felipe Braga Albuquerque Carmem E. Leitão Araújo Anderson Fuentes Ferreira Adriana da Silva dos Reis Alberto Novaes Ramos Jr.Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar as bases de dados dos tribunais de justiça do Brasil como potencial ferramenta para a pesquisa em Saúde Coletiva em suas interfaces com as ciências jurídicas.

MÉTODOS

Estudo transversal de natureza quantitativa e descritiva com foco em análise de gestão estratégica e sistemas judiciários.

RESULTADOS

Foram identificadas e analisadas bases de dados utilizadas pela Justiça Comum nas Unidades da Federação para sistematizar processos judiciais. Verificou-se um total de 123 bases de dados nos tribunais de justiça por unidade de federação, com destaque para as regiões Sul e Nordeste, em contraste à região Norte que apresenta menor número de sistemas. Esse grande número de sistemas judiciais limita o acesso a operadores do direito, e dificulta levantamento de evidências por pesquisadores em saúde e, consequentemente, com impactos na gestão estratégica do Poder Executivo. Constatou-se limitações desde o design à extração transparente e democrática de dados pelos próprios usuários, bem como restrita integração entre bases.

CONCLUSÕES

Embora avanços tenham sidos empreendidos nos últimos anos pelos tribunais de justiça para unificação dessas bases, a multiplicidade de sistemas de informação utilizados na Justiça Comum estadual complexifica a gestão do conhecimento, limita o desenvolvimento de pesquisas, mesmo quando realizados por advogados ou pesquisadores da área jurídica, gera lentidão na extração de dados para a gestão pública. Reconhece-se a necessidade de esforços adicionais para a padronização, bem como para aprimoramento dessas bases de dados, ampliando acesso, transparência e integração com vistas a um olhar transdisciplinar entre o campo do Direito e da Saúde Coletiva.

Decisões Judiciais; Jurisprudência; Recursos para a Pesquisa; Direito Sanitário; Saúde Pública

INTRODUÇÃO

Os caminhos para reflexão e pesquisa sobre potenciais conflitos entre sistema político e jurídico na gestão da saúde pública passam, necessariamente, pelo reconhecimento de aspectos que envolvem distribuição e alocação de recursos escassos na sociedade11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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. Particularmente em um país com a dimensão territorial do Brasil, com graves desigualdades sociais que repercutem em padrões epidemiológicos distintos e transicionais, torna-se ainda mais complexo determinar prioridades no sistema de saúde22. Barreto ML. Desigualdades em Saúde: uma perspectiva global. Cienc Saude Colet. 2017;22(7):2097-108. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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.

O número de ações no Judiciário requerendo bens e serviços em saúde tem crescido de modo significativo no Brasil, sobretudo após 2007, ensejando o fenômeno da judicialização do direito à saúde pública, que neste trabalho é sinônimo de ações judiciais em face de um ente estatal, demandando bens e/ou serviços em saúde33. Nunes CFO, Ramos Júnior AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet. 2016;24(2):192-9. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020070
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O maior envolvimento do Poder Judiciário concernente às políticas de saúde, compõe uma discussão maior sobre a “judicialização da política”, expressão equivalente a “politização da justiça”, reflexo da sua expansão no processo decisório das democracias contemporâneas. Nessa direção, a judicialização do direito à saúde surge como um conflito entre o sistema institucionalizado de ação política e o sistema jurídico44. Tate CN, Vallinder T, editors. The global expansion of Judicial Power. New York: New York University Press; 1995..

A judicialização do direito à saúde tem gerado debates cada vez mais frequentes tendo em vista seus múltiplos usos e sentidos55. Ramos RS, Gomes GAT, Oliveira DC, Marques SC, Spindola T, Nogueira VPF. O acesso às ações e serviços do Sistema Único de Saúde na perspectiva da judicialização. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2797. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1012.2689
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, por um lado reforça a dimensão jurídica da cidadania, materializando um direito assegurado na Constituição Federal de 1988, que em seu Artigo 196, afirma ser a saúde um direito de todos e um dever do Estado66. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [cited 2021 May 20]. Available from:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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; por outro, pode reforçar conflitos na governança federativa do Sistema Único de Saúde, limitando a capacidade do poder executivo de planejar, implantar e acompanhar as políticas de saúde por meio de critérios racionais e equitativos77. Menicucci T, Machado JA. Judicialization of health policy in the definition of access to public goods: individual rights versus collective rights. Braz Pol Sci Rev. 2010 [cited 2021 May 20];5 Selec ed. Avialable from: http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-38212010000100002#note
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. O caráter individual das intervenções e o privilégio de pessoas com maior conhecimento, recursos financeiros ou outras condições de acesso diferenciado à Justiça também são apontados como problemas críticos88. Araújo ICS, Machado FRS. A judicialização da saúde em Manaus: análise das demandas judiciais entre 2013 e 2017. Saude Soc. 2020;29(1):e190256. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190256
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.

Por certo, um dos efeitos do fenômeno dessa judicialização é a expansão das interfaces entre pesquisas nos campos das ciências da saúde e jurídicas. Verifica-se aumento no número de pesquisas e artigos publicados sobre o tema, com vistas ao dimensionamento e maior compreensão desse fenômeno33. Nunes CFO, Ramos Júnior AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet. 2016;24(2):192-9. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020070
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,99. Oliveira FL Cunha, LG. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Rev Direito GV. 2020;16(1):e1948. https://doi.org/10.1590/2317-6172201948
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. Por exemplo, há pesquisas com análise de bases de dados do Judiciário no estado do Rio de Janeiro sobre judicialização da saúde1010. Pepe VLE, Ventura M, Sant’ana JMB, Figueiredo TA, Souza VR, Simas L, et al. Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(3):461-71. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000300004
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,1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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, no estado do Ceará sobre o fenômeno com reconhecimento dos limites para análise à luz da epidemiologia33. Nunes CFO, Ramos Júnior AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet. 2016;24(2):192-9. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020070
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, e Distrito Federal com a análise da realidade da judicialização em saúde1212. Diniz D, Machado TRC, Penalva J. A judicialização da saúde no Distrito Federal, Brasil. Cienc Saude Colet. 2014;19(2):591-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232014192.23072012
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. Em uma abordagem mais ampliada para o país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscou caracterizar o fenômeno e trazer reflexões adicionais sobre o tema11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
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Ao passo que o fenômeno da judicialização cresce, verifica-se a fragilidade dos sistemas de informação do Judiciário na sistematização de dados e de sistemas de acesso público a vários tribunais com potencial de acesso e utilização dos sistemas de informação. Como resultado, pode impossibilitar ou limitar análises fundamentais para implementação de políticas públicas fundamentadas em evidências científicas, em virtude de limitações e inconsistências entre as bases de dados, além de subdimensionamento dos processos de judicialização da saúde11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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,99. Oliveira FL Cunha, LG. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Rev Direito GV. 2020;16(1):e1948. https://doi.org/10.1590/2317-6172201948
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,1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
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As críticas e limitações indicam a necessidade de repensar e conhecer melhor as diferentes bases de dados, muitas das quais sem acesso a pesquisadores33. Nunes CFO, Ramos Júnior AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet. 2016;24(2):192-9. https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020070
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,1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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. O presente estudo tem como objetivo caracterizar as bases de dados dos Tribunais de Justiça (TJ) do Brasil como potencial ferramenta para a pesquisa em Saúde Coletiva em suas interfaces com as ciências jurídicas. O reconhecimento da quantidade e qualidade das informações disponíveis é estratégico para análises mais consistentes e propositivas, o que inclui melhor delimitação do fenômeno da judicialização da política pública de saúde no Brasil.

MÉTODOS

Desenho do Estudo

Estudo transversal descritivo de abrangência nacional a partir de dados coletados junto aos Tribunais de Justiça Estaduais do país. O processo de coleta de dados foi realizado entre 2019 e 2021 com identificação e caracterização de bases de dados físicas e virtuais utilizadas para sistematização dos processos judiciais e para reconhecimento do processo de protocolo das ações relacionadas à saúde pública.

O estudo foi realizado em duas etapas, ambas fundamentadas em requerimentos formais de dados e informações junto às ouvidorias dos TJ via preenchimento de formulários eletrônicos disponíveis de cada um, processo complementado por meio de consultas sistemáticas a websites oficiais. Todas as manifestações seguiram as regras disponíveis nos endereços eletrônicos e nas diretrizes internas direcionadas por cada tribunal.

A primeira etapa junto às ouvidorias foi baseada em composição de demanda via e-mail, contato telefônico e formulário eletrônico específico disponível nos sites dos TJ, seguindo protocolos internos específicos em cada Unidade da Federação (UF). O acompanhamento da solicitação era realizado com o número de protocolo gerado no ato da solicitação.

Os TJ deveriam responder a três itens específicos:

  1. Quais os nomes e as datas de implementação dos sistemas utilizados pelos operadores do direito desta UF para registrar e acompanhar os processos judiciais físicos protocolizados?

  2. Quais os nomes e as datas de implementação dos sistemas utilizados pelos operadores do direito desta UF para registrar e acompanhar os processos judiciais virtuais protocolizados?

  3. Alguma observação que o TJ entenda pertinente.

Concluída a primeira etapa, optou-se por complementar os dados obtidos a partir de uma segunda etapa, que consistiu em enviar novas solicitações aos TJ para detalhamento adicional do processo de protocolo de ações que versam sobre saúde pública a partir de três questionamentos:

  1. Nos sistemas de informação disponíveis, sistemas referidos pelo tribunal na primeira etapa, qual a ramificação, na árvore de assuntos, para classificar e protocolar uma ação que trate de saúde? Existe diferença no protocolo quando se trata de saúde pública e saúde privada?

  2. É possível realizar o protocolo de um processo na competência da fazenda pública que seja da área da saúde, sem que no cadastro seja identificado que seja da saúde, por exemplo: cadastrar como “ato administrativo/anulação” – mas ser referente à oferta de medicamentos?

  3. O setor de distribuição faz adequação/compatibilização no cadastro de ações, corrigindo eventuais erros de peticionamento por parte dos profissionais que fazem os cadastros?

Análise de Dados

Para a primeira etapa, em posse das informações coletadas, os dados foram consolidados e organizados em tabelas, com análise descritiva preliminar. Nos poucos casos em que uma mesma base de dados foi informada pelos TJ, como contendo processos físicos e virtuais, computou-se esse dado apenas uma vez, para evitar superestimativas da realidade local.

Para a segunda etapa sobre o processo de protocolo das ações que versam sobre saúde pública, as três perguntas respondidas pelos TJ foram consolidadas e analisadas descritivamente.

Aspectos Éticos

Os dados deste estudo são secundários e públicos conforme princípio da publicidade do Art. 5º, inc. LX, da Constituição Federal de 1988, Art. 189 do Código de Processo Civil, e Lei 12.527/111111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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, e outros dispositivos.

Ademais, o projeto foi submetido na Plataforma Brasil, ao comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Ceará-CEP/UFC/PROPESQ, que teve como parecer, declaração dispondo “o projeto não se aplica à avaliação do comitê de ética em pesquisa, posto se tratar de pesquisa que utiliza informações de acesso livre e por utilizar banco de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual, de maneira similar ao disposto na Resolução CNS nº 510, de 07 de abril de 2016”.

RESULTADOS

Etapa 1

No estado do Ceará (CE) os dados foram coletados in loco, pela facilidade de acesso da equipe de pesquisadores.

Os TJ do Acre (AC), Amapá (AP), Amazonas (AM), Pará (PA), Rondônia (RO), Roraima (RR), Alagoas (AL), Bahia (BA), Maranhão (MA), Rio Grande do Norte (RN), Distrito Federal (DF), Mato Grosso (MT), Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP) e Rio Grande do Sul (RS) retornaram os contatos via e-mail, correspondendo a 59,2% do total.

Para os TJ do Tocantins (TO), Sergipe (SE), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Piauí (PI), Goiás (GO), Mato Grosso do Sul (MS), Rio de Janeiro (RJ), Paraná (PR) e Santa Catarina (SC), foram realizados contatos telefônicos diretos às ouvidorias, assim como para os setores responsáveis pelo serviço de tecnologia da informação dos tribunais. Adicionalmente, foram realizadas buscas sistematizadas em websites. Em todos os casos, foi possível compor perspectivas aos três itens de interesse nessa etapa.

O resultado da primeira etapa do estudo está sintetizado nas Tabelas 1 e 2. A Tabela 1 caracteriza as bases de dados existentes dos sistemas de informação em cada TJ das UF do país, assim como aquelas que se destinam ao registro de processos físicos (bases antigas) e ao registro de processos virtuais (bases modernas).

Tabela 1
Número e especificação por unidade de federação e região do Brasil das bases de dados em Tribunais de Justiça Estaduais, 2021.
Tabela 2
Descrição e frequência de sistemas dos Tribunais de Justiça Estaduais, 2021.

O TJ do Acre informou que utiliza somente processos eletrônicos, apresentando três bases de dados virtuais, enquanto o TJ de Sergipe indicou ter somente uma base de dados que serve para protocolo e acompanhamento de processos, tanto físicos quanto virtuais. Os TJ de Alagoas, Mato Grosso do Sul e Rondônia apresentaram duas bases de dados, indicadas tanto para processos físicos quanto para processos virtuais, uma para processos de primeiro grau e outra para aqueles de segundo grau. O TJ do Amazonas apresentou três bases de dados, também indicadas para protocolo e acompanhamento de processos físicos e virtuais.

Por outro lado, Rio Grande do Sul, Maranhão e Distrito Federal informaram bases em cada tipologia, sete no total. O estado do Piauí contabilizou duas bases de dados para processos físicos e seis para virtuais, totalizando oito bases. Os demais TJ apresentam diferentes características de funcionamento, a partir das quais se pode acompanhar os processos físicos e virtuais (Tabela 1).

Constatou-se o avanço dos sistemas eletrônicos para a modalidade de processos virtuais em detrimento aos autos de processos físicos, o fato justifica a repetição de algumas bases em relação a processos físicos e virtuais. Por exemplo, no estado do Amazonas, tem-se o sistema E-SAJ e Projudi, que tanto podem ser utilizados para acompanhamento de processos físicos quanto para processos virtuais.

Foram identificadas no país 141 bases de dados nos estados e DF, 44 (31,2%) para processos físicos e 97 (68,8%) para virtuais (Tabela 1). Há um predomínio de bases virtuais em todas as regiões do país, com destaque para as regiões Nordeste e Sul (Tabela 1).

Verificou-se um total de 123 bases de dados nos TJ, com destaque para as regiões Sul e Nordeste (Tabela 1). Ao se desconsiderar a existência de duplicidade de bases de dados, constatou-se um total de 48 sistemas pelo país (Tabela 2). Os sistemas mais frequentes foram: PJE1G (n = 17; 13,8%), PJE2G (n = 13; 10,5%), Projudi (n = 16; 13%), SEEU (n = 12; 9,7%) e E-SAJ PG (n = 10; 8,1%).

Etapa 2

Obteve-se respostas às solicitações dos TJ do Amapá (AP), Pará (PA), Rondônia (RO), Roraima (RR), Alagoas (AL), Ceará (CE), Maranhão (MA), Rio Grande do Norte (RN), Sergipe (SE), Distrito Federal (DF), Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP) e Paraná (PR) (Quadro).

Quadro
Respostas sobre o processo de protocolo e acompanhamento de processos de saúde nas bases de dados dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Com as informações de 14 tribunais de justiça participantes, percebeu-se que a ramificação para protocolos de ações relacionadas à saúde é estabelecida pelo CNJ, fundamentado no Sistema de Tabelas Processuais Unificadas (TPU), instituída pela Resolução no 46 de 2007 do CNJ.

Com base na resposta à pergunta [A] segundo classificação estabelecida pela tabela do CNJ, há diferenças na forma de registro e protocolo quando se trata de saúde pública ou privada. Além disso, a competência para processamento de causas relacionadas à saúde pública remete-se a varas e juizados especiais da fazenda pública, que julga processos cíveis de interesse do estado e municípios, enquanto para a saúde privada há varas e juizados especiais cíveis. Tais detalhamentos são importantes para extração de relatórios e futuros delineamentos de pesquisa.

Em outra perspectiva já trazida pela pergunta [B], de forma corriqueira, os operadores do direito responsáveis pela distribuição das ações judiciais incorrem em erro classificando-as em assunto diversos, como, por exemplo, “obrigação de fazer” (ação judicial que objetiva uma prestação de uma pessoa em relação a outra). Embora a unidade judicial tenha possibilidade de readequar a ação, esse aspecto reflete uma lacuna de competência a ser suprida.

Mencionou-se ainda, que não existem regras específicas que vinculem a competência aos assuntos. A atualização/correção, entretanto, pode ser feita a qualquer momento por usuários internos do sistema, com perfis diversos, como protocolo, distribuição, cartórios e/ou gabinetes.

Por fim, a pergunta [C] revelou que nos TJ tanto o setor de distribuição quanto os cartórios da vara e os núcleos de apoio técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus) podem fazer adequação/compatibilização, corrigindo eventuais erros cadastrais.

O TJ de Roraima complementou a informação de que o NAT-Jus “coleta” os dados, consolida-os, e faz acompanhamento das ações de saúde, especialmente nas varas e juizados da fazenda e infância, considerando o contexto, pedido a pedido. Mesmo que o assunto não seja “saúde” o tribunal analisa de acordo com o assunto, indicando maior rigor em relação às informações disponibilizadas das ações de saúde.

Constatou-se ainda que os websites dos TJ não dispõem de uma interface de dados padronizada para disponibilização de processos relativos à saúde pública, havendo também obstáculos distintos para o acesso a esse tipo de informação. Não foram encontradas informações sobre como o conteúdo dos processos deve ser disponibilizado na base de dados, ficando a critério de cada tribunal a forma como disponibiliza seus dados sobre os variados assuntos, como os processos da judicialização da saúde pública.

Ainda como resultado desta pesquisa, reconheceu-se que a maior dificuldade encontrada na atividade de coleta de dados sobre processos de saúde decorre de problemas nos modelos de acesso (Sistemas Judiciários), na disponibilização e organização dos websites dos vários TJ estaduais, ou seja, não há uniformidade para o devido acesso, o que requer o desenvolvimento de um sistema que alcance as demandas visando garantir, de fato, o acesso de todos os operadores do direito, bem como da sociedade, incluindo pesquisadores da saúde.

DISCUSSÃO

O estudo possibilitou evidências adicionais de que o grande número de bases de dados que armazenam ações individuais e coletivas envolvendo o SUS dificulta a realização de análises mais consubstanciadas e comparativas. Há limitação técnica para a extração sistemática de dados compilados em cada sistema, além de não haver integração entre eles, comprometendo o planejamento, a tomada de decisão e o desenvolvimento de pesquisas em saúde. Observou-se ainda que esses sistemas, em número superior à centena, ainda são de acesso limitado aos operadores do direito e pesquisadores, tanto no campo do direito quanto das ciências da saúde, particularmente a Saúde Coletiva, com impactos potenciais negativos para a pesquisa acadêmica nesses campos do conhecimento.

Apesar de a lei de informatização do processo judicial no 11.419 de 2006 e o projeto de Lei no 5.828 de 2001 terem em sua proposta original a previsão de que cada órgão do poder judiciário desenvolveria softwares necessários à utilização do processo digital criando sua própria base de acesso e que pudesse ser acessado de qualquer lugar do planeta1212. Diniz D, Machado TRC, Penalva J. A judicialização da saúde no Distrito Federal, Brasil. Cienc Saude Colet. 2014;19(2):591-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232014192.23072012
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, essa autonomia administrativa de cada TJ, previamente sem uma legislação orientadora, gerou multiplicidade de sistemas nos tribunais com falta de uniformização nas bases de dados e de interfaces entre as informações nos tribunais, evidenciado neste estudo.

Em 2005, o CNJ, órgão de controle da atuação administrativa e processual do Poder Judiciário, estabeleceu o sistema de estatística do Poder Judiciário (Resolução no 4 de agosto de 2005), tornando obrigatório que TJ do país enviassem dados consolidados de processos e sentenças prolatadas para serem centralizados no Conselho1818. Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 4 de 16 de agosto de 2005. Cria o Sistema de Estatística do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário Oficial da União. 23 ago 2005 [cited 2021 Mar 27];Seção 1:64. Available from: http://cnj.jus.br/atos-normativos?documento=188
http://cnj.jus.br/atos-normativos?docume...
. Todavia, estudos mostram que há limitados avanços concretos até a finalização desta pesquisa1919. Conselho Nacional de Justiça. PJe: equipe do CNJ discute adesão da Justiça fluminense à plataforma. Brasília, DF: Agência CNJ de Notícias; 2019 [cited 2021 May 26]. Available from: https://www.cnj.jus.br/pje-equipe-do-cnj-discute-adesao-da-justica-fluminense-a-plataforma/
https://www.cnj.jus.br/pje-equipe-do-cnj...
,2020. Repette PFR, Sell D, Bastos LC. Judiciário como plataforma: um caminho novo e promissor. Rev Eletron CNJ. 2020 [cited 2021 May 26];4(1):175-88. Available from: https://www.cnj.jus.br/ojs/index.php/revista-cnj/issue/view/5/4
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, as diferentes bases de dados limitam a produção de informações que traduzam a realidade, reduzindo o potencial de prestação jurisdicional99. Oliveira FL Cunha, LG. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Rev Direito GV. 2020;16(1):e1948. https://doi.org/10.1590/2317-6172201948
https://doi.org/10.1590/2317-6172201948...
. Portanto, comprometendo a descrição e entendimento amplo e preciso do fenômeno da judicialização da saúde, assim como o planejamento nas políticas públicas por parte do Poder Executivo11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads...
,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes...
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A automação do judiciário foi repensada com o surgimento do processo judicial eletrônico, proposta de integração das bases de dados e gerenciamento estratégico das informações do judiciário2121. Conselho Nacional de Justiça. Processo Judicial Eletrônico (PJe), 2020. Brasilia, DF: CNJ; 2020 [cited 2021 Jul 27]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/processo-judicial-eletronico-pje/implantacao-do-pje/
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. Atualmente representa importante ferramenta uniformizada pelo Judiciário comum, fato verificado neste estudo, a partir da constatação de que é utilizado por quase 20% dos TJ do país, reforçando a sua implantação estratégica como política pública do Judiciário prevista na Resolução CNJ n2222. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 185 de 18 de dezembro de 2013. Institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento. Brasília, CNJ; 2013 [cited 2020 Nov 14]. Available from: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1933
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Tal cenário aponta que o uso de bases de dados do judiciário é uma ferramenta potente para tramitação processual mais célere e qualificada2020. Repette PFR, Sell D, Bastos LC. Judiciário como plataforma: um caminho novo e promissor. Rev Eletron CNJ. 2020 [cited 2021 May 26];4(1):175-88. Available from: https://www.cnj.jus.br/ojs/index.php/revista-cnj/issue/view/5/4
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e realização de pesquisas empíricas em saúde11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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. Contudo, notou-se que sua existência por si não garante o fácil acesso, sem estar sujeita a limitações pessoais, estruturais e sociais, tendo em vista a multiplicidade, inconstância e falta de uniformização, além da limitação de acesso aos dados das análises possíveis, inviabilizando uma série de interfaces entre as distintas bases para superar eventuais inconsistências11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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,99. Oliveira FL Cunha, LG. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Rev Direito GV. 2020;16(1):e1948. https://doi.org/10.1590/2317-6172201948
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,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
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Outra preocupação remete à limitação ao acesso de pessoas que não têm atuação no campo do direito; com base nos achados deste estudo e experiência da coleta de dados vinculada, infere-se que a existência das barreiras estruturais limita de modo consistente o amplo acesso aos dados empíricos, objetos de pesquisas sobre a judicialização da saúde pública, fato intensificado pela grande variedade de bases de dados no Judiciário.

A importância da proposta de consolidação das bases de dados no Poder Judiciário promove o alinhamento ao objetivo de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, número 16 que versa sobre uma sociedade com acesso universal à Justiça, com instituições eficazes e inclusivas em todos os níveis2323. Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF: ONU; 2015. [cited 2021 Aug 30]. Available from: https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda2030-completo-pt-br-2016.pdf
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,2424. Conselho Nacional de Justiça, Comitê Interinstitucional. Propostas de Indicadores da Agenda 2030 do Poder Judiciário (LIODS). Brasília, DF: CNJ; 2020 [cited 2021 Aug 21]. Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/08/df16d3f36b0278af465368355a01329d.pdf
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Outro aspecto importante é classificação e protocolo de ações relacionadas à saúde (“tipos” de matérias que são objeto de litígio), pelo fato de alguns tribunais utilizarem como padrão os assuntos da tabela processual unificada do CNJ. Contudo, há outras modalidades de se proceder à ramificação, como se constata da resposta do TJ de Minas Gerais.

O protocolo das ações de saúde representa informação relevante, levando-se em conta o grande número de pesquisas sobre judicialização da saúde que requerem junto aos tribunais dados empíricos para fins de pesquisa11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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,99. Oliveira FL Cunha, LG. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Rev Direito GV. 2020;16(1):e1948. https://doi.org/10.1590/2317-6172201948
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,1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
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,1414. Vieira FS. Direito à Saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília, DF: IPEA; 2020 [cited 2021 Oct 16]. (Texto para Discussão; nº 2547). Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35360
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. Neste estudo, à indagação se é possível protocolar ações de saúde em outros assuntos, obteve-se como resposta “sim” pela maioria dos tribunais. Embora regulamentado o uso da gerencial intitulada “processos de saúde”, muitos representantes classificam a demanda de forma diversa. Por exemplo, na fazenda pública existem processos classificados com a gerencial “obrigação de fazer ou não fazer”, quando na verdade tratam-se de processos de saúde (fornecimento de medicamentos). Os motivos para essa imprecisa classificação podem estar relacionados à recente adoção de novas políticas para ações de saúde, inclusive a adoção de classificação específica (Quadro), que tem demonstrado limitações em virtude de cadastros errôneos referente ao ‘assunto’ quando da distribuição do processo11. Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça; 2019 [cited 2021 Oct 17]. (Série Justiça e Pesquisa). Available from: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf
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,1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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,1313. Conselho Nacional de Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Judicialização e sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade. Brasília, DF: CNJ; 2021 [cited 2021 Oct 16]. Available from: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/judicializacao-e-sociedade-acoes-para-acesso-a-saude-publica-de-qualidade/
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,1414. Vieira FS. Direito à Saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília, DF: IPEA; 2020 [cited 2021 Oct 16]. (Texto para Discussão; nº 2547). Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35360
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Tal cenário aponta um risco para o real número de processos de judicialização da saúde nos tribunais já pesquisados1111. Peçanha LO, Simas L, Luiza VL. Judicialização de medicamentos no Estado do Rio de Janeiro: evolução de 2010 a 2017. Saude Debate. 2019;43 (Nº Espec 4):61-70. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S406
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, mesmo os tribunais respondendo que é possível fazer a adequação. Questionam-se as incorreções e inclusões de dados imprecisos, fato constatado nas respostas dispostas no Quadro.

As limitações do estudo remetem-se ao grau de precisão e de sistematização das informações relacionadas aos sistemas de informação do judiciário que foram retornadas formalmente pelos TJ. A despeito dessas questões, a abrangência nacional e a abordagem diferenciada com interface de diferentes perspectivas do campo do Direito e da Saúde Coletiva reforça a sua relevância, dado o caráter inédito e estratégico para o país.

CONCLUSÃO

A multiplicidade de sistemas de informação no Judiciário brasileiro complexifica a sua utilização para análises com vistas à pesquisa em saúde, consistindo em óbice à atualização mais eficaz das políticas públicas do Executivo. Reconhece-se a necessidade de esforços adicionais não apenas para a padronização, mas também para aprimoramento dos fluxos e da estrutura das bases de dados judiciais, ampliando o acesso e a transparência, buscando um olhar transdisciplinar em pesquisas nos campos do Direito e da Saúde Coletiva.

A ausência de padronização na organização de dados ou de sistemas de acesso públicos aos vários TJ (e seus dados estatísticos) dificulta a pesquisa empírica da judicialização da saúde, que é fundamental para elaboração de políticas públicas. Enquanto as plataformas eletrônicas de base de dados do Poder Judiciário não forem oferecidas em caráter unificado, de modo igualitário, a virtualização dos processos não conseguirá garantir a ampliação do acesso à informação da Justiça, pelo contrário, poderá intensificar a disparidade existente entre o acesso público e privado à Justiça.

O futuro há de ser o processo digital e para que seja de modo eficaz, deve ser cautelosamente instituído, com análise de resultados, falhas e melhoramentos, adaptando os operadores e a sociedade como um todo. Abre-se um enorme potencial para análise e qualificação das políticas públicas, não apenas vinculadas ao setor saúde. Ressalta-se que esse movimento demanda políticas sociais estratégicas que promovam acesso irrestrito da sociedade e pesquisadores (as) em saúde, dentro dos limites das leis vigentes, inclusive com base em dados de fácil acesso em seus sítios eletrônicos.

Portanto, reforça-se a necessidade de aperfeiçoamento estratégico no sentido de padronizar os sistemas eletrônicos usados pelo Poder Judiciário para reger processos judiciais e pesquisas empíricas em saúde, haja vista que a configuração adotada, limita e dificulta pesquisas e análises que podem inclusive nortear a criação de políticas públicas voltadas para a identificação e controle do fenômeno da judicialização da saúde.

Referências bibliográficas

  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/PROAP – bolsa de doutorado para AFF). Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Ceará (FUNCAP- bolsa de mestrado para NRNA). Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – bolsa de produtividade em pesquisa 2 para ANRJ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2021
  • Aceito
    31 Out 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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