Saúde ambiental no campo: o caso dos projetos de desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais do Estado de São Paulo

Environmental health at the country side: the case of sustainable development projects in rural settlements of the state of São Paulo

Resumos

No Brasil, algumas iniciativas voltadas ao desenvolvimento rural sustentável vêm sendo implementadas no âmbito de assentamentos rurais. A pesquisa teve como objetivo levantar os problemas de saúde ambiental em assentamentos tradicionais e em assentamentos de desenvolvimento sustentável, visando compreender como são percebidos os problemas de saúde ambiental enfrentados por parte de populações de assentados rurais que constituem alvo de políticas públicas inspiradas em princípios de desenvolvimento sustentável. Estudo de casos explanatório e descritivo, abordando quatro “projetos de desenvolvimento sustentável” e dois convencionais em assentamentos rurais das regiões Central e Nordeste do Estado de São Paulo e desenvolvido, de modo comparativo, mediante oficinas de trabalho discutindo aspectos de saúde ambiental. O trabalho de coleta de informações foi iniciado após prévia aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Os assentados nos dois tipos de assentamento indicaram problemas de saúde ambiental similares, relacionados, sobretudo, à falta de saneamento básico, manejo inadequado de resíduos, dificuldades no controle de pragas e problemas de saúde do trabalhador. Há um grande distanciamento entre o discurso propositivo de algumas políticas públicas inspiradas nos princípios da sustentabilidade e a realização objetiva de sua prática, sobretudo na incorporação da dimensão dos aspectos de saúde pública. Todavia, no caso dos projetos de desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais no Estado de São Paulo, tal dissociação não se manifesta no âmbito de percepção dos sujeitos, público-alvo dos projetos. Para estes a construção de um modo de vida sustentável não pode prescindir da atenção primária aos aspectos de saúde ambiental como fator de desenvolvimento humano.

Desenvolvimento Sustentável; Saúde Ambiental; Populações Rurais; Assentamentos Rurais; Políticas Públicas


Introdução

Dentre as diversas atividades exercidas pela humanidade, a agricultura exerce papel primordial. Tal importância se manifesta especialmente pela centralidade da produção de alimentos limpos, saudáveis, suficientes e acessíveis para as camadas crescentes da população mundial; por seu papel potencial como atividade geradora de emprego e renda; pela produção de energia de biomassa; e, ainda, em razão das consideráveis interfaces entre as atividades agrícolas e as mais emergentes questões ambientais.

Os avanços na produção agropecuária mundial, nos últimos 50 anos, podem ser explicados em parte pela expansão da base de produção e também pelo incrível aumento na produtividade, fortemente influenciado pelas inovações tecnológicas trazidas à agricultura, em especial com a motomecanização, a química agrícola, a genética e as tecnologias da informação.

Ao lado desse avanço, observa-se o incremento de problemas decorrentes do modelo hegemônico de agricultura concebido na matriz do que passou a ser conhecido como “segunda revolução agrícola”. Alterações significativas experimentadas pela estrutura agrícola em todo o mundo, ao longo do século XX, levaram a profundas modificações nas relações de produção, na base técnica adotada e na gestão dos recursos naturais.

Entretanto, tais alterações começaram a manifestar suas limitações traduzidas por crises surgidas de problemas ligados às esferas econômicas, sociais e ambientais. Os assentamentos brasileiros de reforma agrária não ficaram distantes dessa realidade. Da parte do poder público também havia o reconhecimento da necessidade de se prestigiar a formalização de práticas ecologicamente corretas, no contexto da reforma agrária, com vistas a um melhor aproveitamento do potencial de exploração racional dos recursos oferecidos pelos territórios, os quais requerem os cuidados da preservação ambiental. Assim, a modalidade dos assentamentos PDS (Projetos de Desenvolvimento Sustentável) surgiu como norteadora na busca de compatibilização do desenvolvimento de atividades produtivas aliadas aos imperativos de conservação, preservação e, mesmo, recomposição dos recursos naturais que servem de base para a existência de assentamentos humanos naqueles respectivos locais (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional dos Seringueiros. Metodologia para implantação dos projetos de desenvolvimento sustentável - PDS. Brasília, DF, 2000.).

A presente pesquisa teve como objetivo conhecer o cenário de saúde ambiental nos projetos de desenvolvimento sustentável em assentamentos de reforma agrária no Estado de São Paulo, a partir da própria percepção das famílias assentadas.

Tomou-se como pressuposto a ideia de que a percepção da questão ambiental, para além do impacto objetivo das condições reais sobre os indivíduos, é resultante da maneira como são vivenciados tais impactos, os quais são mediados por interveniências sociais e valores culturais (Jacobi, 1991JACOBI, P. Cidade e meio ambiente: percepções e práticas em São Paulo. São Paulo: Annablume, 1991.).

A pergunta geral que orientou o trabalho investigativo foi explicitar como são entendidos os aspectos de saúde ambiental em projetos de assentamentos rurais (PA) tradicionais e em assentamentos definidos como projetos de desenvolvimento sustentável (PDS) em seis municípios paulistas.

Agricultura sustentável; desenvolvimento sustentável; e projetos de desenvolvimento sustentável

Desde o início da concepção e da prática de um modelo de sistema agrícola, altamente monocultor, baseado em tecnologias nas áreas de motomecanização, química e genética, e antes da sua expansão aos países periféricos, denominada como Revolução Verde, alguns pesquisadores e estudiosos das questões agrícolas e ambientais já alertavam para as consequências indesejáveis deste modelo.

Um exemplo foi o alerta que fez Sir Albert Howard, em seu estudo desenvolvido na década de 1930, o qual culminou na publicação de destacado livro nomeado sugestivamente como Um testamento agrícola. Nele, o autor previu a inviabilidade de qualquer sistema agrícola que não tomasse em consideração, com a importância devida, o papel fundamental dos processos biológicos na manutenção da fertilidade dos solos. Preconizava um olhar holístico para o processo de produção agrícola, contribuindo para o estabelecimento dos primeiros alicerces de uma ainda incipiente busca de mudança de paradigma na pesquisa e prática agrícolas de sua época (Howard, 2007HOWARD, A. S. Um testamento agrícola. São Paulo: Expressão Popular, 2007.).

Assim, em conjunto com as discussões mais amplas sobre os rumos do desenvolvimento socioeconômico, nos mais variados setores das atividades humanas, também na agricultura o conceito de sustentabilidade encontrou terreno fértil. Para alguns autores, a ideia de sustentabilidade associada ao crescimento ou desenvolvimento econômico seria apenas uma extensão de um conceito que já vinha sendo construído em torno dos estudos da atividade agrícola: “Tudo indica que o lançamento da expressão desenvolvimento sustentável tenha tido como fonte de inspiração a noção de agricultura sustentável, pois esta já contava com alguma tradição nos debates dos agrônomos e dos agroeconomistas” (Ehlers, 1996EHLERS, E. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996., p. 125).

As ideias iniciais que contribuíram para a construção da noção de desenvolvimento sustentável tiveram suas origens na década de 1960, a partir, dentre outros, do trabalho de Rachel Carson, bióloga e escritora norte-americana dedicada aos problemas relacionados à conservação da natureza, preservação ambiental e à qualidade de vida (Carson, 1999CARSON, R. Silent spring. London: Penguin, 1999.).

Alguns anos mais tarde, ao início da década de 1970, o chamado Relatório de Founex,11 Os trabalhos desenvolvidos na Conferência de Estocolmo, em 1972, foram precedidos de um importante seminário organizado como evento preparatório, ocorrido em Founex, na Suíça, em 1971 (United Nations Environment Programme, 1981). produzido como documento preparatório para a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, atraiu a atenção internacional para as questões ambientais e expôs um debate de posições extremas. A busca era construir uma visão intermediária entre aqueles denominados, por Sachs (1993)SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e ambiente. São Paulo: Studio Nobel: FUNDAP, 1993., como “malthusianos” – para os quais o mundo já estaria com população acima dos limites da sua capacidade de suporte e, portanto, condenado ao desastre pela exaustão ambiental – e os “cornucopianos”, os crédulos do “ajuste tecnológico” como a saída para os constrangimentos ao crescimento.

Os resultados iniciais dos esforços de mudanças de paradigma foram ampliados e potencializados ao longo da década de 1980. A publicação do Relatório Brundtland,22 World Commission on Environment and Development. Our Common Future; Oxford: Oxford University Press, 1987. Seu conteúdo foi publicado no Brasil, em versão traduzida do inglês, sob o título de “Nosso futuro comum” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991). em 1987, constituiu um indicativo robusto de tal difusão do conceito. Seu conteúdo foi aprofundado e ampliado nas reflexões subsequentes desenvolvidas pela comunidade internacional, a exemplo dos documentos resultantes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a RIO-92, com destaque para a Agenda 21 (United Nations Conference on Environment and Development, 1992UNITED NATIONS CONFERENCE ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Agenda 21 - Rio Declaration. Rio de Janeiro, 1992. Disponível em: <http://www.un-documents.net/agenda21.htm>. Acesso em: 15 maio 2009.
http://www.un-documents.net/agenda21.htm...
).

Nas duas décadas seguintes à Conferência do RIO-92, se observou uma crescente ampliação dos debates e das tentativas de aplicações conceituais e operacionais de uma agenda ambiental, em âmbitos locais e globais, envolvendo o desafio de sua inserção indissociável dos rumos e das decisões afetas às esferas dos planos de desenvolvimento econômico e social.

Foi nesse contexto que o conceito de desenvolvimento sustentável começou a ser estabelecido, preconizando uma perspectiva inovadora no pensamento econômico e social: a premência de uma nova visão sobre o desenvolvimento humano, diante da constatação concreta de insuficiência das estratégias, políticas e práticas socioeconômicas baseadas nas premissas de que o crescimento econômico, como condição única, poderia criar bases de superação dos crescentes problemas de natureza social e ambiental que afligem a humanidade.

O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica (Sachs, 1993SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e ambiente. São Paulo: Studio Nobel: FUNDAP, 1993., p. 7).

A obediência a critérios simultâneos na conceituação do desenvolvimento sustentável foi observada por Constanza e colaboradores (1991)CONSTANZA, R.; DALY, H. E.; BARTHOLOMEW, J. A. Goals, agenda, and policy recommendations for ecological economics. In: CONSTANZA, R. (Ed.). Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia Univerty, 1991. p. 1-20. Disponível em: <http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sustainability/files/Costanza,%20Daly,%20Barth%201991.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.
http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sus...
, para os quais a ideia de sustentabilidade pode ser definida como um relacionamento a envolver sistemas econômicos dinâmicos e sistemas ecológicos maiores e também dinâmicos, não obstante mais lentos na mudança. Esses relacionamentos envolvem ao menos quatro objetivos: a possibilidade de continuidade da vida humana; a possibilidade de prosperidade dos indivíduos; o desenvolvimento das culturas humanas; e a obediência a limites impostos às atividades exercidas pelos homens, evitando-se a destruição da diversidade, da complexidade, e da função do sistema ecológico de apoio à vida.

[...] precisamos explorar alternativas promissoras para os nossos atuais comandos e sistemas de gestão e controle ambiental, e modificar as agências governamentais e demais instituições em acordo com tais mudanças. As imensas incertezas sobre os impactos ambientais locais e transnacionais devem ser levadas em consideração nos processos de tomadas de decisão. Precisamos também entender melhor os critérios sociológicos, culturais, e políticos presentes na aceitação ou rejeição dos instrumentos de políticas (Constanza e col., 1991CONSTANZA, R.; DALY, H. E.; BARTHOLOMEW, J. A. Goals, agenda, and policy recommendations for ecological economics. In: CONSTANZA, R. (Ed.). Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia Univerty, 1991. p. 1-20. Disponível em: <http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sustainability/files/Costanza,%20Daly,%20Barth%201991.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.
http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sus...
, p. 14).

Mesmo após sua legitimação ampla, a partir da grande visibilidade adquirida no âmbito das discussões da RIO-92, a noção de sustentabilidade sofreu algum tipo de restrição sobre sua aplicação precisa. O adjetivo sustentável passou a ser aplicado nas mais diferentes situações, por vezes exprimindo vagos sentidos de perenidade e continuidade, dentre outros significados, sempre remetidos a ambições futuras. Por conta de tais possibilidades variadas de uso e significação, muitos advogam a necessidade de uma definição precisa para a noção sobre o que seria “sustentável”. Todavia, para outros, o entendimento do vocábulo – sustentável – diz respeito exatamente a uma questão de valor e, como tal, pode prescindir de definição exata e, ainda assim, vir a ser amplamente aceito por largo consenso (Veiga, 2010VEIGA, J. E. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. São Paulo: Senac São Paulo, 2010.).

Um ponto crucial para que se possa colher ações eficientes e eficazes desse debate, transformando e criando políticas públicas que traduzam o princípio da sustentabilidade em realidades práticas, diz respeito a alguns pressupostos básicos dessa abordagem: aceitar a complexidade da noção de desenvolvimento sustentável que transcende a visão disciplinar da economia convencional; avançar para um entendimento do fenômeno econômico como decorrência de um “metabolismo socioambiental” (Cechin e Veiga, 2010CECHIN, A. D.; VEIGA, J. E. O fundamento central da economia ecológica. In: MAY, P. (Ed.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2010. p. 33-48.); e agregar a interlocução social, a política e a ética como ingredientes inescapáveis desse processo de construção conceitual e de sua aplicação.

A inserção de tal agenda de construção de políticas públicas globais, inspiradas pela ideia de sustentabilidade, não se configura desafio facilmente conquistável. É o que se pode observar, por exemplo, no caso da iniciativa de implantação de assentamentos rurais no Estado de São Paulo, concebidos dentro dos parâmetros de projetos de desenvolvimento sustentável ou, ainda, assentamentos PDS.

A modalidade de assentamento rural denominada como – PDS, criada pela Portaria/INCRA nº 477, de 04 de novembro de 1999 (Brasil, 1999BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Portaria nº 477, de 4 de novembro de 1999. Cria a modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 nov. 1999. Disponível em: <http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislacao/arquivos/6116.rtf>. Acesso em: 2 fev. 2008.
http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislac...
), e regulamentada pela Portaria/INCRA nº 1032, de 25 de outubro de 2000 –, surgiu como resultado das demandas dos movimentos sociais organizados, na região Norte do país, com vistas à garantia do acesso à terra das populações não tradicionais, em áreas de interesse ambiental (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional dos Seringueiros. Metodologia para implantação dos projetos de desenvolvimento sustentável - PDS. Brasília, DF, 2000.).

Essa modalidade de assentamentos foi concebida para ser destinada às populações que mantêm sua sobrevivência, basicamente, por meio de atividades do extrativismo e da agricultura familiar, dentre outras de baixo impacto ambiental.

Atualmente, no contexto do II PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária (Brasil, 2005BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. II Plano Nacional de Reforma Agrária: paz, produção e qualidade de vida no meio rural. Brasília, DF, 2005.), implantado em 2003 – as modalidades atuais, prioritariamente implementadas pelo INCRA em áreas obtidas por desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, são: a) para assentamentos tradicionais – o projeto de assentamento (PA); e b) para assentamentos ambientalmente diferenciados – o projeto de assentamento agroextrativista (PAE), o PDS e o projeto de assentamento florestal (PAF).

Com uma atitude inovadora em relação aos termos de vocação original de implantação dos assentamentos PDS, São Paulo agregou uma experiência pioneira, em 2004, a partir da criação, no Estado, do primeiro projeto de assentamento PDS. O diálogo com os movimentos sociais e ambientalistas atuantes no território paulista inaugurou um processo de encaminhamento de demandas por parte do poder público local, responsável pela implementação da política agrária do governo federal, no sentido da criação de assentamentos agroambientais (Julio, 2006JULIO, J. E. Dinâmicas regionais e questão agrária no estado de São Paulo. São Paulo: INCRA, 2006.).

Assim, em novembro daquele ano, foi implantada no município de Serrana a primeira experiência de aplicação da metodologia PDS de projetos de assentamentos rurais: o assentamento Sepé Tiarajú.

Na sequência dessa implantação outros projetos PDS foram sendo estabelecidos em diferentes regiões do estado de São Paulo e com diferentes histórias de construção, muitas vezes como alternativa para remediar conflitos pendentes em processos que gestões anteriores não haviam conseguido superar. Como exemplo, têm-se as implantações de PDS em área desapropriada de posseiros no Vale do Ribeira, no assentamento da área da antiga Fazenda Iperó, em Iperó e no assentamento Nova Conquista, no município de Rancharia (Cortez, 2004CORTEZ, C.; EMMANUELA, K. Novas formas de assentamentos: a experiência da comuna da terra. Brasília, DF: CONCRAB: INCRA, 2004. (Caderno de Cooperação Agrícola, n. 15).).

Uma síntese das características gerais desses assentamentos é apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Características gerais dos projetos de desenvolvimento sustentável (PDS) implantados no Estado de São Paulo - agosto 2011

Métodos

Utilizou-se o estudo de caso, conforme descrito por Yin (2005)YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005., tendo em vista o fato de que as experiências dos projetos de desenvolvimento sustentável (PDS) nos assentamentos rurais do INCRA em São Paulo configuram experiências recentes, tomadas a partir de 2004. No estudo de casos, adotou-se a abordagem holística do enfoque ecossistêmico proposto por Forget e Lebel (2001)FORGET, G.; LEBEL, J. An ecosystem approach to human health. International Journal of Occupational and Environmental Health, Attleboro, v. 7, n. 2, p. 3-38, 2001.. Nessa abordagem, os autores consideram ser difícil dissociar o estado de saúde de determinado ecossistema e o estado de saúde dos seres humanos ali presentes. Para tanto, salientam o papel da pesquisa para a caracterização das ligações entre a degradação ambiental e os impactos à saúde humana, destacando dois principais aspectos a serem considerados na aplicação da abordagem: um melhor entendimento dos determinantes de saúde e uma melhor apreciação das respostas sociais sobre tais determinantes (Forget e Lebel, 2001FORGET, G.; LEBEL, J. An ecosystem approach to human health. International Journal of Occupational and Environmental Health, Attleboro, v. 7, n. 2, p. 3-38, 2001.).

O desenvolvimento de novos conhecimentos sobre a relação saúde e ambiente, a partir de realidades concretas, visando contribuir para o empoderamento das comunidades locais, em ações positivas de promoção da saúde, são alguns dos objetivos desse enfoque. “[...] de tal forma que ciência e mundo da vida se unam na construção da qualidade de vida através de uma melhor gestão do ecossistema e da responsabilidade coletiva e individual sobre a saúde” (Minayo, 2002MINAYO, M. C. S. O enfoque ecossistêmico de saúde e qualidade de vida. In: MINAYO, M. C. S.; MIRANDA, A. F. (Org.). Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. p. 72-89., p. 81).

Foi selecionada, como área de estudo, a região situada a Norte/Nordeste do estado de São Paulo, pois aí se localiza a experiência mais madura dentre os projetos PDS implantados no Estado: o PDS Sepé Tiarajú, no município de Serrana.

A Figura 1 mostra a localização espacial dos municípios que sediam os assentamentos selecionados para estudo; e o Quadro 2 apresenta as características gerais do universo de pesquisa.

Figura 1
Municípios do estado de São Paulo com projetos de assentamentos rurais selecionados para o estudo

Quadro 2
 Características gerais dos assentamentos PDS (projeto de desenvolvimento sustentável) e PA (projetos de assentamento) selecionados para o estudo

Foram realizadas oficinas participativas com grupos de assentados, baseando-se parcialmente na abordagem do diagnóstico rural participativo (DRP), inicialmente apresentado por Chambers (1983)CHAMBERS, R. Rural development: putting the last first. London: Longman, 1983., mas posteriormente desenvolvido por diversos autores (Verdejo, 2006VERDEJO, M. E. Diagnóstico rural participativo: guia prático DRP. Brasília, DF: MDA, Secretaria de Agricultura Familiar, 2006.; Anyaegbunam e col., 2008ANYAEGBUNAM, C. et al. Manual diagnóstico participativo de comunicación rural: comenzando con la gente. 2. ed. Roma: FAO, 2008.). Seu uso é preconizado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, 1999FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Informal working group on participatory approaches and methods to support sustainable livelihoods and food security (IWG-PA). Rome: FAO, 1999.).

São diversas as técnicas e ferramentas no âmbito das metodologias de trabalhos participativos e, em especial, nas atividades de DRP. Cada um desses recursos instrumentais foi concebido com algumas indicações de uso, de acordo com os objetivos do trabalho participativo (FAO, 1999FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Informal working group on participatory approaches and methods to support sustainable livelihoods and food security (IWG-PA). Rome: FAO, 1999.). A presente pesquisa utilizou especificamente a árvore de problemas, com intuito de construir uma visão compartilhada da dimensão socioambiental da comunidade e suas relações com a saúde, com variadas possibilidades temáticas (Verdejo, 2006VERDEJO, M. E. Diagnóstico rural participativo: guia prático DRP. Brasília, DF: MDA, Secretaria de Agricultura Familiar, 2006.; Anyaegbunam e col., 2008ANYAEGBUNAM, C. et al. Manual diagnóstico participativo de comunicación rural: comenzando con la gente. 2. ed. Roma: FAO, 2008.). Os aspectos do cenário de saúde ambiental discutidos, no âmbito das oficinas participativas, foram baseados nos tópicos que constituem o olhar da atenção primária ambiental – APA (OPAS, 1999OPAS - ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Divisão de Saúde e Ambiente. Programa de Qualidade Ambiental. Atenção Primária Ambiental. Brasília, DF, 1999.), a saber: a) saneamento básico; b) manejo de resíduos; c) combate à erosão e ao desmatamento; d) manejo de pragas e uso de agrotóxicos; e) proteção dos mananciais; f) controle de zoonoses, e g) saúde do trabalhador. Esses foram os temas principais trabalhados nas oficinas, durante a atividade de aplicação do instrumento denominado “árvore de problemas”.

Para a consecução da pesquisa de campo, foram realizadas visitas preliminares aos seis assentamentos selecionados, com o intuito de uma primeira aproximação com o espaço de trabalho e um contato inicial com as lideranças e representantes de cada projeto. O passo seguinte foi a realização das oficinas participativas com os grupos de assentados, seguindo um roteiro básico de desenvolvimento. O tempo total de trabalho, em cada uma das reuniões, correspondeu a cerca de 210 minutos. O Quadro 3 apresenta as características gerais dos locais das oficinas, o número de participantes e as datas de realização das atividades.

Quadro 3
Características gerais dos assentamentos selecionados: localização, data de realização das atividades, número de famílias residentes, número de participantes das oficinas de trabalho

O Quadro 4 apresenta a síntese do roteiro das oficinas de atores, incluindo objetivos e descrição das técnicas de integração participativa e de coleta de dados e informações.

Quadro 4
Roteiro realizado nas oficinas de trabalho com os grupos participativos

Resultados e discussão

Os projetos de desenvolvimento sustentável

Entre os anos de 2003 e 2006 foram implantados 35 novos projetos de assentamento rural no Estado de São Paulo. Desse total, 13 iniciativas buscavam trilhar o novo caminho de concepção e implantação baseadas em princípios de sustentabilidade, os projetos de desenvolvimento sustentável (PDS). Esse número elevou-se para 17 projetos PDS implantados até agosto de 2011.

O Quadro 5 apresenta os principais aspectos de diferenciação entre modalidades de assentamentos convencionais, denominados pela sigla PA (projeto de assentamento) e os PDS.

Quadro 5
Alguns aspectos de diferenciação entre as modalidades de projetos de reforma agrária no âmbito do INCRA

Dentre as várias características do modelo de assentamento PDS, a forma de concessão da terra é também diferenciada. Nos PDS o regime de concessão é comunal, com a necessidade de formatação de uma base de interlocução formal do grupo de famílias assentadas e o poder público, por uma via construída em bases associativas, condominiais ou, ainda, cooperativistas.

No documento de divulgação e orientação sobre a política pública de implantação dos PDS (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional dos Seringueiros. Metodologia para implantação dos projetos de desenvolvimento sustentável - PDS. Brasília, DF, 2000.) constam as intenções de estímulos para a participação das famílias assentadas em todas as ações de organização e desenvolvimento dos assentamentos, como forma de despertar a percepção da importância da organização para a consecução dos seguintes pontos: a) constante melhoria do nível organizacional e fortalecimento de associações ou outras formas organizativas; b) unicidade de objetivos, com criação de cultura e identidade própria, considerando as diferentes famílias (culturas, hábitos, valores) que poderão compor um PDS; c) criação ou o desenvolvimento do “espírito de grupo”; d) identificação das suas limitações e potencialidades; e) valorização das suas ações e de seu papel perante a sociedade; f) valorização da cultura regional; g) estímulo à visão empreendedora e ao desenvolvimento das capacidades de decisão e cogestão; h) percepção dos indicadores de sucesso do PDS; e i) menor dependência dos fatores exógenos.

Em termos normativos, a partir do incentivo e implementação de mudanças significativas nos modos de produção agrícola e no ordenamento dos territórios dos assentamentos, a metodologia dos PDS visou à elevação da renda dos assentados, à diversificação da produção, ao aprimoramento da comercialização e à melhoraria da segurança alimentar dos assentados, dentre outros objetivos enunciados. Assim, várias ações trazem o potencial de traduzir-se em melhorias significativas no quadro geral da saúde ambiental das populações dos assentamentos, seja pela ação direta das modificações nos processos de trabalho com tecnologias mais limpas, seja pelos efeitos indiretos da incorporação de princípios de sustentabilidade, colocados nas rotinas de organização coletiva nos assentamentos.

Em relação ao Brasil, como um todo, desde a criação dessa modalidade de assentamentos em 1999 até outubro de 2011 haviam sido implantados 112 assentamentos PDS. A distribuição desses projetos, segundo unidades federativas, é mostrada na Figura 2.

Figura 2
Número e distribuição percentual dos assentamentos rurais do tipo PDS, segundo as unidades da federação, Brasil - agosto de 2011

A história de implantação desses assentamentos tem origem em construções que vão muito além da simples aplicação administrativa de concepções normativas que buscavam uma acomodação técnica com os novos paradigmas de produção agrícola sustentável.

O assentamento Sepé Tiarajú, por exemplo, como primeira experiência desse tipo em São Paulo, teve relação com um longo processo de reflexão e construção do movimento social, nascido e amadurecido nas bases da CONCRAB (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), levado à ação prática de demanda e luta pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Estado.

Nesse contexto de discussões surgiu o modelo da “Comuna da Terra”, nova forma de assentamentos de reforma agrária, concebida na base do movimento social. A proposta foi colocada como uma demanda das comunidades de economia camponesa e se fundamentava em cinco elementos: a) o vínculo das pessoas com o trabalho; b) a propriedade social da terra; c) a produção agroecológica; d) a cooperação em diversos aspectos; e e) o desenvolvimento das questões sociais básicas (Cortez, 2004CORTEZ, C.; EMMANUELA, K. Novas formas de assentamentos: a experiência da comuna da terra. Brasília, DF: CONCRAB: INCRA, 2004. (Caderno de Cooperação Agrícola, n. 15).). Foi na interlocução e nas lutas contraditórias entre os movimentos sociais demandantes por acesso à terra, o poder público (em suas várias representações, como INCRA, Ministério Público, Agências Ambientais etc.), os demais atores da sociedade civil organizada e os meios de comunicação envolvidos nas questões agrárias do estado de São Paulo que surgiu, a partir de 2004, a tentativa inovadora de implantar, no território paulista e fora do contexto territorial original onde nasceu, os assentamentos PDS.

Na sequencia da implantação do PDS Sepé Tiarajú, outros projetos de mesma natureza foram estabelecidos em diferentes regiões de São Paulo e com distintas histórias de construção, muitas vezes como alternativa a remediar conflitos pendentes em processos que gestões anteriores não haviam conseguido superar. Como exemplo, têm-se as implantações de PDS em área desapropriada de posseiros no Vale do Ribeira, no assentamento da área da antiga Fazenda Iperó, em Iperó, e no assentamento Nova Conquista, no município de Rancharia (Cortez, 2004CORTEZ, C.; EMMANUELA, K. Novas formas de assentamentos: a experiência da comuna da terra. Brasília, DF: CONCRAB: INCRA, 2004. (Caderno de Cooperação Agrícola, n. 15).).

Entretanto, a nomenclatura oficial final atribuída ao projeto nem sempre conseguiu explicar toda a acumulação de práticas e reflexões oriundas das diversas vertentes da comunidade que colaboraram para a realização do projeto.

Problemas de saúde ambiental dos assentamentos nas árvores de problemas

Os produtos obtidos dos trabalhos realizados de forma participativa com os grupos de assentados são apresentados a seguir. Os resumos esquemáticos das atividades denominadas como “árvores de problemas”, desenvolvidas a partir de exercício coletivo de problematização dos tópicos ligados à saúde ambiental dos assentamentos, foram reunidos em figuras correspondentes a cada assentamento estudado e a cada tópico avaliado nas discussões participativas.

As Figuras 3, 4 e 5 retratam as árvores de problemas construídas nos dois assentamentos convencionais — PA Bela Vista, em Araraquara, e PA Fortaleza, em Bocaina. Nesses as preocupações principais giraram em torno dos possíveis efeitos à saúde do saneamento básico inadequado, da utilização de fontes de água de qualidade duvidosa e do manejo inadequado de resíduos, com ações individuais improvisadas e falta de cuidado com embalagens de agrotóxicos. No PA Fortaleza foram construídas mais três árvores, abrangendo os temas: descaso com a saúde do trabalhador; falta de manejo e conservação dos solos sujeitos à erosão e falta de manejo adequado de pragas, que proliferavam na lavoura e na pecuária, mesmo com intenso uso de agrotóxicos.

Figura 3
PA Bela Vista – árvores de problemas: saneamento básico e manejo de resíduos – Araraquara/SP, janeiro de 2011

Figura 4
PA Fortaleza – árvores de problemas: saneamento básico e manejo de resíduos – Bocaina/SP, janeiro de 2011

Figura 5
PA Fortaleza – árvores de problemas: saúde do trabalhador, conservação e manejo dos solos, e manejo de pragas e doenças – Bocaina/SP, janeiro de 2011

Nas Figuras 6, 7, 8 e 9 são apresentadas as árvores de problemas construídas dos PDS Santa Helena, PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro, PDS Mário Lago e PDS Sepé Tiarajú. Eles mostram as mesmas preocupações com comprometimento da saúde por sistemas de esgotamento sanitário inadequado e dificuldade de acesso à água de abastecimento.

Figura 6
PDS Santa Helena – árvores de problemas: saneamento básico – esgotamento sanitário e água – São Carlos/SP, fevereiro de 2011

Figura 7
PDS Comunidade Agrária 21 de Dezembro – árvores de problemas: saneamento básico – esgotamento sanitário e água – Descalvado/SP, fevereiro de 2011

Figura 8
PDS Mário Lago – árvores de problemas: saneamento básico –esgotamento sanitário e água – e manejo de resíduos – Ribeirão Preto/SP, março de 2011

Figura 9
PDS Sepé Tiarajú – árvores de problemas: saneamento básico e manejo de pragas e doenças – Serrana/SP, maio de 2011

Adicionalmente, o PDS Mario Lago formulou a árvore de manejo de resíduos sólidos, identificando que os resíduos são dispostos de maneira improvisada, com algumas soluções individuais restritas, como compostagem, ou inadequadas, como queima a céu aberto. Somente o PDS Sepé Tiarajú construiu árvore de problema relacionada à alta incidência de pragas, que ocasionava perda de renda, insegurança alimentar, frustração com o projeto agroecológico, reclamando da assistência técnica insuficiente e do pouco conhecimento em agroecologia.

De modo geral, a carência estrutural, técnica e assistencial dos assentamentos estudados, captada através das observações e dos depoimentos colhidos nas oficinas de trabalho participativo junto aos assentados, pode ser identificada de forma quase indistinta, tanto nos assentamentos convencionais (PA) quanto nos projetos de desenvolvimento sustentável (PDS).

Problemas relacionados à proteção dos mananciais e ao controle de zoonoses, potencialmente passíveis de serem identificados por um olhar técnico mais apurado, não foram referidos por nenhum dos grupos trabalhados como aspecto relevante para compor o exercício da “árvore de problemas”. Por outro lado, todos os assentamentos, independentemente de serem projetos de desenvolvimento sustentável, referiram problemas de saneamento básico, envolvendo abastecimento de água e esgotamento sanitário.

A referência ao manejo de resíduos como problema em apenas um dentre os assentamentos PDS pode sugerir um possível encaminhamento mais adequado, do ponto de vista ambiental, nos demais assentamentos desse tipo.

Com exceção da variável referente ao controle da erosão e do desmatamento, surgida na discussão com grupo de um assentamento convencional (PA), todas as demais “árvores de problemas” fizeram a ligação dos problemas de saúde ambiental com efeitos danosos e/ou indesejáveis à saúde humana e à qualidade de vida no assentamento. Há, portanto, por parte dos assentados participantes do estudo um entendimento abrangente sobre as inter-relações entre suas dinâmicas de vida e a saúde ambiental nos assentamentos.

Conclusões

A visão da integração entre os componentes que influenciam o uso dos recursos naturais (ambiente, comunidade e economia), atribuindo importância equivalente para tais componentes, na definição das condições de saúde das comunidades, conforme o enfoque ecossistêmico (Forget e Lebel, 2001FORGET, G.; LEBEL, J. An ecosystem approach to human health. International Journal of Occupational and Environmental Health, Attleboro, v. 7, n. 2, p. 3-38, 2001.), esteve presente nas respostas construídas pelo grupo (árvores de problemas), em suas reflexões sobre as inter-relações entre as condições ambientais inadequadas vivenciadas e suas resultantes na qualidade de vida e saúde das comunidades.

Por outro lado, o enfoque de desenvolvimento sustentável nos projetos de desenvolvimento rural em assentamentos do estado de São Paulo investigados indicam que a preocupação está focada só no processo produtivo, na adoção de princípios da agroecologia e na restrição ao uso de agrotóxicos. A falta de saneamento básico e de abastecimento de água em volume e qualidade adequados representa um indicativo de que há uma grande caminhada para superar o distanciamento entre os discursos e enunciados das políticas públicas inspiradas nos princípios da sustentabilidade e a realização objetiva de sua prática, sobretudo na incorporação da dimensão dos aspectos de saúde ambiental, os quais seguem permeados por certa “invisibilidade”.

A noção de desenvolvimento sustentável (Veiga, 2010VEIGA, J. E. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. São Paulo: Senac São Paulo, 2010.) como eventual inspiração para a concepção e implantação de políticas públicas nos assentamentos rurais no estado de São Paulo não resiste ao exame, ao se observar as condições reais de vida e trabalho das populações envolvidas em tais projetos.

Mesmo tendo em conta a complexa gama de relações e interlocuções sociais que são parte constante das arenas de negociações e construções das políticas agrárias no país, em geral fica evidente a forma fragmentada em que se dá a concepção e a implementação da política pública de gestão dos assentamentos, em especial nas inter-relações envolvendo a saúde ambiental e a promoção da saúde.

As ações fragmentadas dessas políticas, no tocante aos fatores e às variáveis de qualidade de vida e saúde das populações dos assentamentos, resultam na manifestação de invisibilidade do valor fundamental da saúde ambiental como base para qualquer intenção e prática de desenvolvimento humano. Por um lado, se constata um forte componente estrutural, construído histórica e socialmente, que define o quadro para as políticas de reforma agrária no país; de outro lado, há também componentes simbólicos ligados à concepção dos proponentes e executores das políticas de “desenvolvimento sustentável” dos assentamentos estudados, demonstrando um forte reducionismo do conceito de “ambiente”, ou de “recuperação ambiental”, no qual o que é visível diz respeito, basicamente, aos fatores bióticos e abióticos do contexto físico dos assentamentos rurais, dissociados da situação real.

Todavia, tanto nos projetos de desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais no estado de São Paulo como nos assentamentos tradicionais estudados a dissociação observada entre o discurso oficial da política pública dos PDS e a realidade concreta das condições de sustentabilidade e da saúde ambiental dos assentamentos não se manifesta no âmbito de percepção dos sujeitos, público-alvo de tais projetos. Para estes, a construção de um modo de vida sustentável não pode prescindir da atenção primária aos aspectos de saúde ambiental, entendidos e demandados como fatores essenciais de desenvolvimento humano.

Referências

  • ANYAEGBUNAM, C. et al. Manual diagnóstico participativo de comunicación rural: comenzando con la gente. 2. ed. Roma: FAO, 2008.
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Portaria nº 477, de 4 de novembro de 1999. Cria a modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 nov. 1999. Disponível em: <http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislacao/arquivos/6116.rtf>. Acesso em: 2 fev. 2008.
    » http://www.ipef.br/legislacao/bdlegislacao/arquivos/6116.rtf
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional dos Seringueiros. Metodologia para implantação dos projetos de desenvolvimento sustentável - PDS Brasília, DF, 2000.
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. II Plano Nacional de Reforma Agrária: paz, produção e qualidade de vida no meio rural. Brasília, DF, 2005.
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Portaria nº 215, de 6 de junho de 2006. Aprova os procedimentos metodológicos para a criação e excecução de Projetos de assentamento florestal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2006. Seção 1, p. 70-72. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/legislacao-/atos-internos/portarias/file/45-portaria-n-215-de-07062006>. Acesso em 2 fev. 2008.
    » http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/legislacao-/atos-internos/portarias/file/45-portaria-n-215-de-07062006
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Projetos de reforma agrária conforme fases de implementação Brasília, DF, 2012. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/relacao-de-projetos-de-reforma-agraria/file/1115-relacao-de-projetos-de-reforma-agraria>. Acesso em: 22 fev. 2012.
    » http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/projetos-e-programas-do-incra/relacao-de-projetos-de-reforma-agraria/file/1115-relacao-de-projetos-de-reforma-agraria
  • CARSON, R. Silent spring London: Penguin, 1999.
  • CECHIN, A. D.; VEIGA, J. E. O fundamento central da economia ecológica. In: MAY, P. (Ed.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2010. p. 33-48.
  • CHAMBERS, R. Rural development: putting the last first. London: Longman, 1983.
  • COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.
  • CONSTANZA, R.; DALY, H. E.; BARTHOLOMEW, J. A. Goals, agenda, and policy recommendations for ecological economics. In: CONSTANZA, R. (Ed.). Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia Univerty, 1991. p. 1-20. Disponível em: <http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sustainability/files/Costanza,%20Daly,%20Barth%201991.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.
    » http://www.pdx.edu/sites/www.pdx.edu.sustainability/files/Costanza,%20Daly,%20Barth%201991.pdf
  • CORTEZ, C.; EMMANUELA, K. Novas formas de assentamentos: a experiência da comuna da terra. Brasília, DF: CONCRAB: INCRA, 2004. (Caderno de Cooperação Agrícola, n. 15).
  • EHLERS, E. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996.
  • FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. Informal working group on participatory approaches and methods to support sustainable livelihoods and food security (IWG-PA). Rome: FAO, 1999.
  • FORGET, G.; LEBEL, J. An ecosystem approach to human health. International Journal of Occupational and Environmental Health, Attleboro, v. 7, n. 2, p. 3-38, 2001.
  • HOWARD, A. S. Um testamento agrícola São Paulo: Expressão Popular, 2007.
  • JACOBI, P. Cidade e meio ambiente: percepções e práticas em São Paulo. São Paulo: Annablume, 1991.
  • JULIO, J. E. Dinâmicas regionais e questão agrária no estado de São Paulo São Paulo: INCRA, 2006.
  • MINAYO, M. C. S. O enfoque ecossistêmico de saúde e qualidade de vida. In: MINAYO, M. C. S.; MIRANDA, A. F. (Org.). Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. p. 72-89.
  • OPAS - ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Divisão de Saúde e Ambiente. Programa de Qualidade Ambiental. Atenção Primária Ambiental. Brasília, DF, 1999.
  • SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e ambiente. São Paulo: Studio Nobel: FUNDAP, 1993.
  • UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. In defence of the earth: the basic texts on environment Founex, Stockolm, Cocoyoc. Nairobi, United Nations Environment Programme1981. (UNEP Executive Series, 1).
  • UNITED NATIONS CONFERENCE ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Agenda 21 - Rio Declaration Rio de Janeiro, 1992. Disponível em: <http://www.un-documents.net/agenda21.htm>. Acesso em: 15 maio 2009.
    » http://www.un-documents.net/agenda21.htm
  • VEIGA, J. E. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. São Paulo: Senac São Paulo, 2010.
  • VERDEJO, M. E. Diagnóstico rural participativo: guia prático DRP. Brasília, DF: MDA, Secretaria de Agricultura Familiar, 2006.
  • YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

  • 1
    Os trabalhos desenvolvidos na Conferência de Estocolmo, em 1972, foram precedidos de um importante seminário organizado como evento preparatório, ocorrido em Founex, na Suíça, em 1971 (United Nations Environment Programme, 1981UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. In defence of the earth: the basic texts on environment Founex, Stockolm, Cocoyoc. Nairobi, United Nations Environment Programme1981. (UNEP Executive Series, 1).).
  • 2
    World Commission on Environment and Development. Our Common Future; Oxford: Oxford University Press, 1987. Seu conteúdo foi publicado no Brasil, em versão traduzida do inglês, sob o título de “Nosso futuro comum” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    apr-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2013
  • Revisado
    15 Set 2013
  • Aceito
    08 Jan 2014
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br