Formação de cuidadores comunitários de saúde na universidade11 Investigação no âmbito do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), Portugal.

University training of community health caregivers

Clara Costa Oliveira Ana Gomes Sobre os autores

Resumos

Neste artigo, apresentamos uma atividade formativa anual que empreendemos ao longo de cinco anos. Trata-se da realização de workshops abertos a toda a comunidade que seja cuidadora de saúde (formal, não formal e informal). Tal realiza-se no âmbito de um projeto de investigação sobre “Sofrimento, Educação e Saúde” que pretende articular investigação compreensiva e fundamentadora com conhecimento e formação de cuidadores de saúde da comunidade. Começamos por dar conta da dificuldade em se trabalhar transdisciplinarmente nas universidades portuguesas, bem como do preconceito diante das comunidades nas quais elas se inserem. Depois apresentamos cada um dos workshops, respetivas temáticas gerais e como foram exploradas em cada um deles. Elaboramos uma apreciação global de cada um, sobretudo ao nível pedagógico tendo em conta, entre outros fatores, a avaliação dos formandos. Concluímos com uma apreciação global destas atividades formativas, apontando limitações e novas perspectivas para o futuro.

Formação; Cuidadores de Saúde; Comunidade; Workshops


This article presents an annual training activity undertaken over five years, workshops open to all community members that are health caregivers (formal, non formal and informal). This takes place within a research project on ‘Suffering, Education and Health’ which aims to articulate comprehensive and substantiated research with knowledge and practical competences of community health caregivers. We start by discussing the difficulty of working transdisciplinary within Portuguese universities, as well as the prejudice against the communities in which they are located. Then we present each of the workshops, their respective general themes and how they were exploited in each of them. We developed an overall assessment of each one, especially when taking into account pedagogical level as well as, among other factors, the assessment of trainees. We conclude with an overall assessment of these training activities, pointing out limitations and new perspectives for the future.

Training; Health Caregivers; Community; Workshops


Introdução

A formação de cuidadores formais de saúde em Portugal carateriza-se pelo não contato entre os vários profissionais. Assim, eles encontram-se pela primeira vez no local de trabalho, com total desconhecimento dos paradigmas formativos que carateriza cada uma destas classes profissionais. Se no âmbito da enfermagem, por exemplo, a focalização dos cuidados práticos pode descurar alguma reflexão sobre ela, os médicos são usualmente formatados em função da investigação intracelular, tendo algumas dificuldades em fazer a passagem para o tratamento de pessoas, sendo que a formação ao nível do cuidar, quando não for possível curar, é bastante deficitária, grosso modo (Hafferty, 1998HAFFERTY, F. W. Beyond curriculum reform: confronting medicine’s hidden curriculum. Academic Medicine, Philadelphia, v. 73, n. 4, p. 403-407, 1998.).

As assistentes sociais tentam libertar-se do paradigma “assistencialista” que consiste em dar peixe sem ensinar a pescar, tendo vindo a investir bastante na investigação e muitas delas já se direcionam profissionalmente com uma atitude diferente da mencionada, nos seus contextos profissionais.

A formação académica de psicólogos é bastante diferenciada, conforme a universidade e a especialização escolhidas, mas a tendência portuguesa é a aproximação das abordagens quantitativas dos comportamentos humanos, pois são elas que possibilitam a elaboração de mais artigos, além de serem mais fáceis de colocar no mercado da publicação internacional. Lembramos ainda que a avaliação anual dos professores universitários portugueses assenta no princípio “publish or perish”, nomeadamente em revistas com índice de impacto que, como noutras áreas, centram-se na abordagem estatística de dados empiricamente estudados.

A todos os outros profissionais de saúde lhes é atribuído, usualmente, um estatuto meramente técnico, como aos fisiatras e aos fisioterapeutas.

Este artigo relata a experiência de um grupo de pesquisa que promove o contato formativo dos mais variados profissionais de saúde entre si, quer enquanto trabalhadores, quer como estudantes. Mas fomos mais longe e abrimos o espaço dos nossos workshops também a cuidadores de saúde não formais e informais, assumindo a inserção da universidade na comunidade.

Poder e obediência nas universidades

Nietzsche, em documentos dados a conhecer por Derrida (1984)DERRIDA, J. La filosofia como institución. Barcelona: Juan Granica, 1984., há mais de um século que nos fala de umas criaturas que se produzem, reproduzem e sustentam todo o sistema académico: os omfalos. Essas criaturas são dotadas de uma grande orelha, ligada por um cordão umbilical a uma mão que escreve ininterruptamente o que a orelha ouve. Outras criaturas existem na academia e que possuem uma enorme boca; são aqueles que falam, não o que pensam, mas o que é suposto falar; recitam textos e discursos que os precedem no tempo e no espaço.

El omfalos en el que Nietzsche obliga a soñar, se parece tanto a un oído como a una boca, tiene los pliegues invaginados, el centro se mantiene al fondo de una cavidade invisible, móvil, sensible a todas las ondas.

Aquel que emite el discurso que ustedes teleescriben, en esta situación, no lo produce, lo emite apenas, lo lee. Así como son ustedes oídos que transcriben, el maestro es la boca que lee, y aquello que transcribe es, en suma, aquello que é decifra de un texto que le preced, y al cual esta suspendido por un mesmo cordón umbilical.

Una boca que habla, muchos oídos y la mitade de manos que escriben, he auí el aparato académico exterior, he aquí en atividad la máquina de cultura de la Universida (Derrida, 1984DERRIDA, J. La filosofia como institución. Barcelona: Juan Granica, 1984., p. 88).

Esta é a instituição académica (sobretudo na Europa), que muitos de nós conhecemos e na qual trabalhamos, sobre a qual pensamos e na qual agimos, com estigma, com anátema, com coragem, ainda que com medo. Medo por não sermos ingénuos, porque já sofremos na pele as consequências de se enfrentar uma organização que permanece medieval (as primeiras universidades europeias surgiram no séc. XII, precedidas por algumas islâmicas fora do território europeu), em muitos aspetos.

Estas organizações possuem usualmente regulamentos e ideários emancipadores (nomeadamente ao nível das metodologias de trabalho defendidas), mas as práticas revelam-se bastante diferentes, eliminando-se matérias que desde sempre ajudaram a Humanidade a pensar.

O princípio fundamental dos métodos ativos só pode beneficiar com a História das Ciências e assim pode ser expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir (Piaget, 1990PIAGET, J. Para onde vai a educação? Lisboa: Livros Horizonte, 1990., p. 31).

Em nome de universidades viradas para a competência do saber-fazer, destrói-se a verdadeira vocação na qual radica historicamente o surgimento das universidades: serem centros de aprender a pensar com rigor, clareza, liberdade e profundidade. Em nome de parâmetros avaliadores advindos do mundo empresarial (como a “excelência”) uniformizaram-nos, tornando-nos os papagaios de que Nietzsche acusava os professores académicos de serem.

It follows that the confident sense of their own worth should be sought for the least favored and this limits the forms of hierarchy and the degrees of inequality that justice permits. Thus, for example, resources for education are not to be alloted solely or necessary mainly according to their return as estimated in productive trained abilities, but also according to their worth in enriching the personal and social life of citizens, including here the less favored. As a society progresses the latter consideration becomes increasingly more important (Rawls, 1971RAWLS, J. A theory of justice. Oxford: Oxford University, 1971., p. 107).

Por outro lado, parece que dos alunos pouco se pode esperar, inseridos neste meio reprodutor maquínico para o qual já Illich nos alertava (Illich, 1988). Aliás, já em 1978, Gregory Bateson denunciava a farsa que se jogava dentro das universidades, conforme podemos ver no seu memorando posto a circular entre os membros do conselho da universidade da Califórnia, em agosto de 1978.

Assim, neste mundo de 1978, tentamos dirigir uma Universidade e manter standards de “qualidade superior” perante uma desconfiança crescente, uma vulgaridade, uma demência, uma exploração de recursos, uma vitimização de pessoas e uma comercialização rápida. As vozes agudas da avidez, da frustração, do medo e do ódio.

É compreensível que o corpo dos membros do Conselho concentre a sua atenção sobre questões que podem ser abordadas a um nível superficial […]. Há de fato alguma coisa de profundamente errado… e não estou convencido de que o que está errado seja uma tribulação necessária acerca da qual nada pode ser feito. Uma espécie de liberdade advém do reconhecimento das questões. Depois deste reconhecimento, vem o conhecimento da forma de agir.

Sugiro que os membros do conselho desta universidade têm algum dever não trivial, é o da diplomacia […] – o dever de estarem acima do sectarismo, seja ele qual for, e de qualquer capricho particular, quando se trata da política a seguir pela universidade. Não é tanto o “poder” como o mito do “poder” que corrompe. […]. Aquele que cobiça uma abstração mítica é sempre insaciável (Bateson, 1979BATESON, G. Natureza e espírito: uma unidade necessária. Lisboa: D. Quixote, 1979., p. 189-195).

Com a liberdade com que a lucidez destas questões nos assegura, temos – vários de nós – resistido à demência do poder organizacional das academias, estimuladoras contínuas da competição, da rivalidade, do desejo mimético (Girard, 1978GIRARD, R. Des choses cachées depuis la fondation du monde. Paris: Grasset, 1978.) entre colegas, entre docentes e discentes, e entre discentes entre si. Tudo em nome de uma qualidade que mais não é que quantidade estandardizada, tornada estatística, sem qualquer estímulo a quem pensa, a quem questiona, a quem aprofunda.

Se Bourdieu tem nos ajudado a compreender que, nesses micromundos, ninguém é totalmente inocente nem indefeso, (veja-se o seu conceito de habitus – pelo qual conseguimos entender porque tantos atores académicos incorporaram a prática maioritária), a análise de Foucault nos permite ir mais atrás, escavar na nossa cultura em geral, e na instituição em questão, em particular, compreendendo como se gere o poder, e, sobretudo, como ele atua, no não dito, na aparente serenidade rotineira. A abordagem simbólica do poder é especialmente importante na academia europeia, plena de rituais de passagem, desde os rituais dos caloiros à “deusificação” do catedrático. A abordagem de Foucault ajuda-nos a identificar a fluidez dinâmica dos jogos do poder em que oprimidos são opressores de outros num dado momento, mas cujos papeis podem ser revertidos.

O objeto da análise foucaultiana constitui o que está envolvido no ato de tornar um indivíduo ou uma arena conhecíveis; quais são os processos mediante os quais eles são conhecidos; como esses processos são estabelecidos e utilizados; e quais são os seus efeitos, ou seja, o autor enfatiza as técnicas por meio das quais os seres humanos tentam compreender eles mesmos e os outros. Essas técnicas não devem ser consideradas como preestabelecidas, mas como constituídas historicamente pelos discursos, não importando, para Foucault, sua veracidade ou falsidade, se o conhecimento que geram é objetivo ou subjetivo. [...]. Como práticas disciplinares, largamente disseminadas em escolas, exército, asilos, e até mesmo nas empresas capitalistas, se constituem em estratégias de poder que se transformam em práticas discursivas que disciplinam o corpo, instituindo gestos, atitudes, condutas e posturas, regulam a mente e ordenam as emoções (Capelle e col., 2005CAPELLE, M. C. A.; MELO, M. C.; BRITO, M. J. Relações de poder segundo Bourdieu e Foucault: uma proposta de articulação teórica para a análise das organizações. Organizações Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 7, n. 3, p. 356-369, 2005., p. 361).

Formação de cuidadores de saúde no espaço físico académico

Que dizer sobre poder na academia quando nos debruçamos sobre a formação de cuidadores de saúde? Após mais de uma dezena de anos a investir nas Humanidades na formação de profissionais de saúde (além de outros profissionais), podemos afirmar que estamos pisando dinamite, sobretudo, claro, por questões de poder (Illich, 1997ILLICH, I. Limites para a medicina. Lisboa: Sá da Costa, 1997.).

O mundo da saúde (ou da doença, mais especificamente) vive sob o domínio do paradigma biomédico, de tipo mecanicista newtoniano, especificado na biologia molecular. O currículo académico de grande parte destes profissionais assenta na investigação, sendo uma das razões (mas não exclusiva) porque existem cursos de Medicina com uma percentagem de professores bioquímicos muito maior que a percentagem de médicos. Muitas das questões da comunicação médico-doente, da compreensão do contexto socio-político-económico e até artístico que estão na base da história da medicina e da medicina atual são descuradas, e os profissionais só as valorizam usualmente na prática clínica. Grande parte da psicologia joga o mesmo tipo de jogo, e os enfermeiros (ainda que com boas teóricas) continuam, na sua prática profissional a serem submetidas às ordens e caprichos dos médicos, por mais absurdos que lhes surjam. Dado os modelos de aprendizagem implementados (muitas vezes mascarados por linguagens pseudo-emancipadoras) (Oliveira, 2009OLIVEIRA, C. C. Humanidades na formação médica: realidade ou farsa? Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 17, n. 2, p. 225-242, 2009.), o que falta, fundamentalmente, na formação dos profissionais de saúde em geral, e dos médicos em particular, é a noção de missão ao serviço de outrem, que está fragilizado e vulnerável. Existe um currículo explícito (mas, sobretudo, oculto) de que o sofrimento humano (que se diferencia da dor fisiológica) não deve ser reconhecido nos pacientes. Os estudantes não sabem usualmente gerir emoções por lhes ser dito que não as devem possuir diante dos doentes (Hafferty e Franks, 1994HAFFERTY, F. W.; FRANKS, R. The hidden curriculum, ethics teaching, and the structure of medical education. Academic Medicine, Philadelphia, v. 69, n. 11, p. 861-871, 1994.).

A simbologia opressora nestas profissões é especialmente detectável ao nível da comunicação não verbal (com fardas de médicos perante doentes praticamente nus – quando internados, com os médicos falando um metro acima do nível do doente, e isto é apenas um exemplo).

Após vários anos a educar formalmente médicos e enfermeiros numa lógica de educação de adultos, cansamo-nos de contar com a academia para nos apoiar numa formação emancipatória e crítica em face de poderes fundamentais nestas áreas formativas, como a indústria farmacêutica. Possuindo duas dezenas de anos de experiência na intervenção comunitária (no terreno, e formando técnicos), decidimos que era o momento de articular estas duas áreas, esquecendo o currículo académico clássico deste tipo de profissões.

É sobre essa experiência de cinco anos que com o leitor queremos partilhar.

Em 2007, foi criado um grupo de pesquisa sobre “Sofrimento, Educação e Saúde”, na Universidade do Minho, em Portugal. Convidaram-se pessoas com formação diversificada para trabalharem, constituindo neste momento um grupo transdisciplinar de 14 pessoas (com três colaboradores brasileiros). A finalidade do grupo é, sobretudo, estudar como, e em que condições se produz saúde, mesmo em situações de sofrimento humano sério.

Pretendemos ainda contribuir para a compreensão da continuidade/descontinuidade entre dor e sofrimento, bem como detectar grupos mais suscetíveis ao sofrimento e com eles encontrarmos, e descobrirmos, recursos gerais de resistência que promovam o seu sentido interno de coerência (Antonovsky, 1988ANTONOVSKY, A. Unraveling the mystery of health. London: Jossey-Bass, 1988.). Outro grande quadro teórico no qual alicerçamos a nossa pesquisa é o movimento da auto-organização (Maturana, Varela, Atlan, Prigogine, Girard, etc). Em termos pedagógicos nos balizamos, sobretudo, pelas teorias emancipatórias de Freire, Macedo, Illich e Giroux.

No âmbito deste grupo de pesquisa, e tendo em conta as constrições académicas institucionalizadas que nos condicionam na formação de médicos e enfermeiros, decidimos atuar, para já, de dois modos que nos possibilitam uma abordagem formativa mais real e comunitária, em nosso entender (além das pesquisas clássicas que são exigidas a qualquer grupo de pesquisa institucionalizado): 1- formação em Humanidades em medicina, num hospital; 2- criação anual de workshops de três dias, abertos à comunidade em geral. No primeiro caso, a formação, gratuita, ocorre há cerca de dois anos e meio, com sessões mensais ou bimensais.

No segundo caso, com plena consciência de sermos um grupo considerado ruidoso dentro da academia, decidimos que os workshops teriam que ser autossustentados, de modo que, de maneira alguma a academia neles se quisesse impor, em nome de suporte financeiro.

Dada a situação económica que tem vindo a piorar, várias têm sido as estratégias para diminuir o montante das inscrições dos formandos nestes workshops, de modo a conseguir que as pessoas não sejam excluídas de neles participarem por questões financeiras. Assim, os coffee breaks são responsabilidade de membros do grupo de pesquisa, que providencia um bolo caseiro, que é acompanhado de chá ou café; quando existem oradores que têm que pernoitar na região da formação (que ocorre usualmente na Universidade do Minho – Braga, tendo também ocorrido numa outra cidade portuguesa, Vila Real, na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) – mas que aqui não abordaremos –, eles pernoitam em casa de elementos do grupo de pesquisa, que também secretariam os workshops. Os formadores não são pagos, disponibilizando-nos (os membros do grupo de pesquisa) para colaboração gratuita com eles, nos seus locais de trabalho. Pagamos as deslocações (usualmente por trem) dos oradores, bem como as refeições; os estudantes têm desconto na inscrição, bem como os funcionários (docentes e não docentes) da instituição onde se realizam os workshops. Oferece-se uma lembrança aos palestrantes convidados, usualmente um ramo de flores e/ou uma pequena peça de artesanato local, elaborada em parceria com instituições de inclusão comunitária, aproveitando assim a ocasião para a sua divulgação.

A finalidade comum a todos esses workshops é possibilitar o diálogo entre cuidadores de saúde formais (assistentes sociais, médicos, psicólogos enfermeiros, fisiatras, etc), não formais (animadores e educadores comunitários, técnicos de ONG, como lares de idosos, professores, etc) e informais (familiares e amigos).

Iremos em seguida descrever cada um desses workshops, mas antes salientamos que, em traços gerais, a maior parte do nosso público se constitui, até hoje, sobretudo, por estudantes (muitos deles cuidadores informais de familiares), enfermeiros e psicólogos, além de outras classes profissionais Daremos especial destaque àqueles realizados nos três últimos anos (2010, 2011 e 2012).

WORKSHOP 1 e Curso Avançado - 2008

No ano de 2008 foi desenvolvido um workshop intitulado “Questões éticas na formação de cuidadores de saúde” que se desenvolveu no Instituto de Educação da Universidade do Minho nos dias 2, 3 e 4 de julho.

Durante os três dias da realização deste workshop foram abordadas diversas temáticas: “Perspectivas éticas em cuidados de saúde: revisão histórica, fundamentação e debate de casos”, “Questões éticas no fim de vida”. “Da infeção à cronicidade: questões éticas”; “O papel dos voluntários” e “Implicações educativas das questões éticas”. Este workshop foi avaliado pela totalidade dos seus formandos. Dos 28 presentes, 19 consideraram-no Muito Bom, 6 dos restantes consideraram-no Bom (numa escala Lickert com quatro cotações: Muito Bom, Bom, Razoável e Mau, escala comum à avaliação de todos os outros workshops aqui descritos). Uma das pessoas não respondeu.

A realização de um workshop dedicado às questões éticas nos cuidados de saúde foi considerado como tema prioritário, dado termos conhecimento da deficiência de profissionais de saúde nesta área, e do quase total desconhecimento por parte dos cuidadores de saúde não formais e informais. Neste workshop abordamos, antes de mais, os princípios bioéticos e a sua fundamentação, quer histórica, quer ética; abordaram-se também questões como a eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia. Salientou-se a importância das questões éticas no cuidado de doentes crónicos que provocam um desgaste emocional e físico muito pesado aos seus cuidadores, e questionamos a importância da população em geral ter acesso a estas questões, numa perspectiva de educação comunitária, dado que em qualquer altura da nossa vida todos seremos ou cuidadores, ou cuidados por alguém, muito provavelmente.

When the consciousness of science is fully impregnated with the consciousness of human value, the greatest dualism which now weighs humanity down, the split between the material, the mechanical, the scientific and the moral and ideal will be destroyed (Dewey, 1963DEWEY, J. Reconstruction in philosophy. Boston: Beacon, 1963., p. 173).

No ano de 2008 foi ainda desenvolvido o Curso Avançado intitulado “Educação para o Sofrimento e para a Morte” durante cinco dias, com cinco horas por dia, o que perfez a totalidade de 25 horas. Este evento teve lugar no Instituto de Educação da Universidade do Minho.

De 15 a 19 de setembro do ano de 2008, assistiu-se a diversas intervenções sobre a temática em questão. Na manhã do dia 15, teve lugar a comunicação intitulada “Controle da dor e Unidades de dor” proferida por um médico anestesiologista de uma Unidade de Dor. No mesmo dia, na parte da tarde, teve lugar uma comunicação “Dor e sofrimento: continuidade e descontinuidade”.

No dia 16 de setembro, na parte da manhã, surgiram as comunicações “Da negação à aceitação do sofrimento e da morte”, “O apoio domiciliário a doentes e famílias” e “O sofrimento na perspectiva cristã”. O dia 17 de setembro ficou reservado para a temática “O sofrimento nas crianças”. No dia 18, na parte da manhã, iniciou-se com a comunicação “O sofrimento dos familiares de doentes hospitalizados em estado terminal”, sendo que de tarde foi abordado o tema “O sofrimento nos idosos”. O dia 19 de Setembro foi o último dia deste curso avançado, com os seguintes temas: “Educação para a morte”, “Sentidos para o sofrimento”. A avaliação por parte dos formandos relativa a este curso avançado salientou que, num total de 25 respondentes, 20 consideraram o curso Muito bom e cinco Bom.

Este curso avançado decorreu de solicitações de pessoas que tinham frequentado o workshop 1, mas também de várias pessoas da comunidade que contataram membros da equipe de pesquisa com pedidos de um pequeno curso intensivo no âmbito dos cuidados paliativos. Com ele atingimos o limite máximo de inscrições possíveis (assim por nós considerados): 30 pessoas. A população-alvo foi muito diversificada, com um bom número de enfermeiros e psicólogos, técnicos do âmbito da ação social e várias pessoas que eram cuidadores principais de doentes crónicos graves/terminais.

A partilha de experiências, frustrações, sofrimento, desânimo e coragem entre os participantes foi deveras recompensadora do desgaste emotivo que a abordagem ininterrupta destas questões/experiências – ao longo de cinco dias – inevitavelmente produziu. O confronto entre a panóplia de drogas para atenuação da dor e a usual incompreensão do fenómeno de sofrimento, mesmo quando existe controle da dor, fez salientar a importância dos grupos de autoajuda no apoio aos doentes e seus familiares.

When the person is established as the logically central point of concern in medicine, then scientific information about disease and technology becomes subservient to that person’s own interests. Thus clinical theory needs to place the person (sick or well) at the centre of the doctor’s thoughts, without impairing the doctor’s ability to think or at scientifically (Puustinen, 2004PUUSTINEN, R. “And then the doctor told me...”: the clinical encounter as the core of medicine. In: EVANS, M.; LOUHIALA, P.; PUUSTINEN, R. (Ed.). Philosophy for Medicine. Oxford: Radcliffe, 2004. p. 17-28., p. 22).

Algo muito debatido entre os participantes foi o papel das crenças religiosas, ou tão somente espirituais, para a diminuição do sofrimento humano, quer do ponto de vista dos doentes, quer do ponto de vista dos cuidadores; foi também questionada a formação dos profissionais de saúde para estas questões, nomeadamente o papel das Humanidades na formação de profissionais de saúde.

Philosophers of education, well-intended committees and governmental agencies have attempted to understand, define and manage the humanities. The point, however, is to keep the humanities changing fast enough so that they remain indefinable and unmanageable. All we need to keep them changing that fast is good old-fashionable academic freedom. Given freedom to shrug off heresy hunters as well as freedom for each new batch of assistant professors to despise and repudiate the departmental Old Guard to whom they owe their jobs, the humanities will continue to be in good shape (Rorty, 1999RORTY, R. Philosophy and social hope. New York: Penguin, 1999., p. 130).

WORKSHOP 2 - 2009

O workshop intitulado “Formação de cuidadores de saúde pela Literatura” foi realizado entre 15 e 17 de abril de 2009. No dia 15 de abril, de manhã, abriu-se o evento com o tema “Aprendizagem e Sofrimento”, que proporcionou um enquadramento geral sobre a temática do workshop. Nele foram sendo analisados livros/extratos de livros, anteriormente enviados aos formandos. Nesta altura do dia, discutiu-se “A morte de Ivan Illich” de Tolstoi e “Eu hei-de amar uma pedra” de A. Lobo Antunes. Na parte da tarde do dia 15, a análise reflexiva e dialógica recaiu sobre a temática “Literatura e Reflexão Ética. Os livros abordados foram “Um dia de cada vez” de Jamie Weisman e “Everyman” de P. Roth.

Em 16 de abril, durante todo o dia, refletiu-se sobre “Formação de cuidados de saúde no início da vida através da literatura. Algumas sugestões remeteram os participantes para livros como: “Para a minha Irmã” de Jodi Picoult; “Silvie`s life” de Marianne Rogoff; “Un enfant pour l`éternité” de Elizabeth de Mézerac; “Óscar e a Senhora Cor-de-Rosa” de Eric Emmanuel Schmitt; “Paula” de Isabel Allende; “Às 3.as com Morrie” de Mich Albom; “Morreste-me” de José Luís Peixoto e “O escafandro e a borboleta “ de Jean Dominique Bauby.

O dia 17 de abril serviu para discutir textos escolhidos pelos próprios formandos, que incluíram extratos de uma obra de Mia Couto, um poema de Fernando Pessoa e um livro para crianças, entre outros. A avaliação deste workshop foi desenvolvida por todos os formandos presentes, num total de seis pessoas, que avaliaram a iniciativa com uma cotação de Muito bom.

Ainda que tivesse sido o workshop com menor participação, o ambiente que se desenvolveu foi muito especial, dado ter-se verificado um envolvimento, uma escuta, debate e simultaneamente recolhimento profundo, tendo como pretexto os extratos das obras apresentadas. A importância de se conseguir construir uma narrativa com sentido para a pessoa que sofre, na qual ela se reveja como personagem principal (não necessariamente vítima, ou vítima principal) foi identificada como fator de diminuição de sofrimento humano.

And just as spiders don’t have to think, consciously and deliberately, about how to spin their webs, and just as beavers, unlike professional human engineers, do not consciously and deliberately plan the structures they built, we (unlike professional human storytellers) do not consciously and deliberately figure out what narratives to tell and how to tell them. Our tales are spun, but for the most part we don’t spin them; they spin us. Our human consciousness, and our narrative selfhood, is their product, not their source (Dennett, 1991DENNETT, D. C. Consciousness explained. Boston: Little, Brown and Company, 1991., p. 418).

WORKSHOP 3 - 2010

No ano de 2010, do dia 10 ao dia 12 de fevereiro desenvolveu-se o workshop intitulado “As dúvidas e as dores de quem vê sofrer”, com a duração de três dias e um total de 18 horas de formação.

No dia 10 de fevereiro, pela manhã, foi apresentada a comunicação “Questões do viver e do morrer”. Ainda nessa manhã, apresentou-se “Os significados da vida ao longo dos tempos”. Durante este primeiro dia de workshop, na parte da tarde, houve ainda tempo para ouvirmos falar sobre “Condições crónicas, vida e morte: quem está educado?” e “Papéis sobrepostos: quando os cuidadores são membros da família”.

O dia 11 de fevereiro trouxe, na parte da manhã, o tema “Ajuda e envolvimento: posturas possíveis, posturas desejáveis”. Ainda de manhã foi apresentado “As deficiências nos horizontes profissionais” e no dia 11, na parte da tarde, o tema “Quando os cuidadores sofrem e adoecem”. No dia 12 de fevereiro “Opções farmacológicas” foi seguido pelo tema “Estratégias psicológicas”. A tarde do dia 12 iniciou-se com a comunicação, cujo tema foi “Os contributos da medicina não invasiva”, e para finalizar este workshop, abordou-se “A espiritualidade como fator de resistência”.

A avaliação deste workshop foi feita pelos 14 participantes. Na escala Muito Bom, Bom, Razoável ou Mau, 11 pessoas classificaram este evento como tendo sido Muito bom e três pessoas como tendo sido Bom.

Este foi talvez o workshop mais ambicioso que realizámos, até ao momento, pois nele articulamos várias variáveis que nos pareceram necessárias para debater o cuidado dos cuidadores. O fato de uma das organizadoras ser a responsável pela integração dos estudantes deficientes na mencionada universidade colocava obviamente a atenção do evento nessa franja populacional, nos cuidados de que é alvo, quer por descuido, quer por vitimização, quer por “normite” (ser tratado como uma pessoa sem deficiência). Uma das conclusões que se obteve neste workshop por testemunho direto de deficientes foi a atitude ambivalente e contraditória com que estes cidadãos se veem confrontados nos cuidados que a sociedade lhes dispensa: ou são estigmatizados como “coitadinhos”, ou são tratados como pessoas sem deficiência. O que foi salientado neste workshop é que a paternalização ocorre, muitas vezes por parte dos cuidadores com posicionamentos mais liberais e emancipatórios:

Por recusarem com as questões de privilégio de classe, os educadores pseudocríticos propõem a necessidade de conferir empowerment aos alunos, de lhes dar voz. Estes educadores são inclusivamente traídos pela sua própria linguagem. Em vez de edificarem estruturas pedagógicas que possibilitem aos estudantes oprimidos conferir empowerment a si próprios, proclamam paternalmente ter de conferir emporwement aos alunos (Macedo, 2008MACEDO, D. Uma pedagogia antimétodo: a perspectiva freiriana. In: PARASKEVA, J. (Org.). Educação e poder: abordagens críticas e pós-estruturais. Mangualde: Pedago, 2008. p. 53-91., p. 18).

Se a literatura internacional aponta para um déficit de importância na formação pedagógica dos professores do ensino superior (Barnett, 2000BARNETT, R. University knowledge in an age of super complexity. Higher Education, Heidelberg, v. 40, n. 4, p. 409-422, 2000.; Soares e Cunha, 2010SOARES, S. R.; CUNHA, M. I. Programas de pós-graduação em educação: lugar de formação da docência universitária? Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, DF, v. 7, n. 14, p. 577-604, 2010.; Vieira, 2009VIEIRA, I. F. Em contracorrente: o valor da indagação da pedagogia na universidade. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, v. 28, n. 28, p. 107-126, 2009.), facilmente se compreende como um estudante univeritário com deficiência se sente diante de professores sem qualquer experiência pedagógica para este tipo de público. Algo que se concluiu neste workshop é que o tipo de deficiente provavelmente com maiores problemas de vária ordem, ao nível académico, são os cegos, dado termos um ensino universitário muitísssimo focalizado na visão, com aulas e investigação alicerçadas em leitura de textos e, sobretudo, na tecnologia visual, que pode, pois, ser um fator discriminatório.

Mas obviamente que cuidar de deficientes (que é também dever-direito de qualquer cidadão, incluindo professores universitários) acarreta esta oscilação entre a paternalização e a discriminação em qualquer forma de educação, incluindo a não formal e informal. Diríamos que no que respeita a este público, precisamos de educação para a cidadania (Soares, 2008SOARES, S. R. Cidadania e relação com o saber no currículo de formação de professor: desvelando sentidos da prática educativa. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 12, n. 3, p. 187-195, 2008.) urgente, tendo muito que aprender pela escuta e ação com os deficientes.

Uma outra vertente explorada neste workshop disse respeito aos cuidadores de doentes crónicos, tendo nós concluído que a formação de profissionais de saúde ainda precisa centrar-se mais nesta questão, dado o aumento das doenças crónicas em face das infeciosas. Foi ainda evidente a necessidade premente de formação não formal (diante deste tipo de doentes) a cuidadores não formais (como técnicos de apoio domiciliário) e informais (familiares e amigos).

The fundamental fat remains that it is illness and not health which ‘objectifies’ itself. The real mystery lies in the hidden charater of health. Health does not atually present itself to us. Of course one can also attempt to establish standard values for health. But the attempt to impose these standards values on a healthy individual would only result in making that person ill. It lies in the nature of health that it sustains its own proper balance and proportion. The appeal to standard values which are derived by averaging out different empirical data and then simply applied to particular cases is inappropriate to determining health and cannot be forced upon it. I use the term ‘inappropriate‘ intentionally in order to make clear that the application of rules on the basis of prior measurements is not something we naturally do. Measurements and the criteria and the procedures by which we arrive a them depend on conventions. If health really cannot be measured, it is because it is a condition of inner accord, of harmony with oneself that cannot be overridden by other, external forms of control. It is for this reason that it still remains meaningful to ask the patient whether he or she feels ill (Gadamer, 1996GADAMER, H. The enigma of health: the art of healing in a scientific age. Stanford: Stanford University, 1996., p. 107).

A terceira dimensão deste workshop que não podemos deixar de mencionar prende-se à abordagem de algo tabu na formação dos profissionais de saúde, que é a gestão de emoções perante as pessoas cuidadas, em contraposição ao controle das emoções deste tipo de cuidadores. Sem grande espanto pessoal, para além dos oradores que estimularam a discussão sobre esta temática (nomeadamente da área da psicologia clínica), o grande contributo positivo veio dos cuidadores informais que indicaram modos de gestão das emoções, lembrando também aos cuidadores o nível espiritual (como padres, pastores, reverendos, gurus, etc.) que conseguem usualmente gerir melhor as suas emoções do que os cuidadores formais.

Audi, vide, tace. Listen carefully, look and be silent. These are the traditional prerequisites of good doctoring. However, studies have shown that nowadays many doctors listen to their patient for less than 20 seconds before interrupting them –even though if the patient is given the chance to tell his or her story uninterrupted it will take only about 20 seconds more (Vuoria, 2004VUORIA, P. So is all this really irrelevant?: my first 50 years in medical theory, practice and philosophy of medicine. In: EVANS, M.; LOUHIALA, P.; PUUSTINEN, R. (Ed.). Philosophy for medicine. Oxford: Radcliffe, 2004. p. 143-150., p. 146).

Workshop 4 - 2011

Lembremos enfim que o progresso não pode ter por meta abolir a condição de mortalidade. De um ou de outro mal cada um de nós morrerá. A nossa condição mortal recai sobre nós com a sua crueldade mas também com a sua sabedoria – porque sem ela não haveria a promessa eternamente renovada da frescura, da imediatez e da sofreguidão da juventude; nem existiria para nenhum de nós incentivo para contarmos os nossos dias e fazer com que valham a pena (Jonas, 1994JONAS, H. Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega, 1994., p. 165).

No ano de 2011, mais concretamente nos dias 13, 14 e 15 e julho, realizou-se o workshop intitulado “Educação para o Sofrimento: a Saúde do Luto”. Iniciou-com as temáticas “Sofrimento, Educação e Saúde” e “Mitos e conceitos no luto”. Em seguida abordou-se o tema “Luto em contexto escolar: professores e alunos enlutados, como os apoiar” e “Luto patológico”. No último dia refletiu-se e debateu-se “O luto de suicidas” e o “Sofrimento: Narratividade e Reconfiguração de Si”.

Este workshop foi avaliado pelos participantes num total de 22. Dos formandos, 20 avaliaram-no globalmente como Muito bom e dois avaliaram-no como sendo de nível Bom.

Para a divulgação deste workshop, bem como do seguinte, contamos com a colaboração gratuita de uma empresa gráfica, cujo contato foi obtido por um dos membros do grupo de pesquisa. Daí os flyers de divulgação destes dois eventos passarem a ter uma grande qualidade visual e estética, no nosso entender.

A escolha do título para este evento foi cuidadosamente feita, pois queríamos provocar deliberadamente a atenção das pessoas, criando uma expressão aparentemente contraditória. Com efeito, muitas pessoas associam o luto à morte, e muitas vezes à doença, mas de fato o luto carateriza-se por ser um processo de saúde, se tivermos em conta as orientações teóricas da Organização Mundial da Saúde (OMS) (Conferências de Alma Ata e Ottawa, por exemplo), em que a saúde se carateriza por um processo contínuo de reequilíbrio de todas as dimensões de um ser humano, e não apenas por uma ausência de doença fisiológica. Associar o luto à saúde foi algo que levou várias pessoas a pedir esclarecimentos sobre o conteúdo deste workshop.

Os formandos eram maioritariamente estudantes de psicologia, psicólogos e enfermeiros, de várias especialidades, mas contámos também com técnicos da ação social, professores e cuidadores informais.

Em Portugal, a problemática do luto era até bem pouco tempo tabu, no mundo universitário; praticamente não havia nem pesquisa teórica, nem empírica, sobre esta realidade que afeta praticamente todos os seres humanos.

Devido ao desenvolvimento teórico que se verificou no século XX na área da enfermagem – nomeadamente com os trabalhos de Kubler-Ross, entre outros – começou-se a dar mais atenção não só ao processo da morte, mas também ao processo do luto. Nos EUA, Niemeyer, entre outros, criaram grupos de pesquisa no âmbito da psicologia e da psiquiatria sobre o assunto, que influenciaram outros grupos de pesquisa na Europa. Em Portugal, tem-se verificado uma atenção cada vez maior ao processo de luto. Isto se deve, sobretudo, a dois fatores: uma taxa de natalidade muito baixa (1,2 filhos por mulher fértil) que praticamente inverteu a pirâmide demográfica na sua base e no seu término, pois a esperança de vida aumentou, tal como em toda a Europa, ou seja: há muito mais gente a morrer do que a nascer, e a morte tem-se tornado uma presença à qual é difícil fugir emocionalmente. A pirâmide demográfica portuguesa, porém, revela também algo curioso: a mortalidade entre os 35-60 anos é muito acentuada, devido especialmente às três principais causas de morte em Portugal: doentes coronários (cerca de 50 por dia, para uma população um pouco abaixo dos 10 milhões de habitantes), cânceres e acidentes de viação, por ordem decrescente.

Uma das consequências desta segunda situação é um número crescente de crianças e jovens em luto por progenitores e outros familiares. Daí o interesse crescente pela temática do luto, em termos comunitários. Sendo um assunto praticamente só abordado sociologicamente pela academia portuguesa, nós decidimos abordá-lo de modo transdisciplinar.

WORKSHOP 5 - 2012

O workshop realizado no ano de 2012 decorreu entre 26 e 28 de abril, no Instituto de Educação da Universidade do Minho, subordinado ao tema “Formação de cuidadores de Saúde pela Comunicação não verbal”.

Este workshop teve início com o tema “Comunicação analógica e digital” (sob influência do pensamento de Bateson, sobretudo), seguido da comunicação “Cuidar com Cromoterapia e Saber de Enfermagem”.

Os dias que se seguiram contiveram os temas “Sofrimento e Comunicação: aspetos de um drama interno”, temas estes desenvolvidos por quatro psicólogos. A sessão da tarde desse dia incidiu sobre “Saber observar para comunicar”, com recurso a vários exercícios posturais e de expressão facial, sobretudo. No último dia deste workshop, o tema “Musicoterapia como prática de (re)educação não formal e informal” .

A avaliação do workshop foi feita pelos 14 formandos, sendo que este evento foi cotado com a nota máxima, Muito bom, por unanimidade.

Este workshop teve como influência principal o pensamento de Gregory Bateson, fundador da cibernética e da escola de Palo Alto (terapia familiar), especialista em golfinhos, e que nos legou uma teoria de aprendizagem muito interessante, baseada na teoria dos tipos lógicos, de Bertrand Russell e Norbert Whitehead. Ele foi um dos primeiros autores a reconhecer a importância das linguagens não verbais na comunicação humana, sendo também pioneiro no seu estudo empírico (quer na antropologia, quer na zoologia, quer na comunicação entre espécies), tendo concluído que se a maior parte das linguagens não verbais (ou analógicas, um termo que ele trouxe da cibernética) dependem de um contexto que lhes dá significação, parecem existir expressões corporais (sobretudo faciais) que comunicam determinadas emoções, em toda a espécie humana, independentemente da cultura na qual são expressas. Vários estudos (Fast, 1970FAST, J. Body language. New York: Pocket Books, 1970.) têm vindo a confirmar os estudos de Bateson (1972)BATESON, G. Steps to an ecology of mind. London: Jason Aronson, 1972..

Ora, o que aprendemos numa universidade sobre a importância da comunicação humana de tipo não verbal? Como podemos pensar que estamos a formar profissionais competentes que cuidam de pessoas se nada sabem (pelo menos conscientemente) articular o que é por elas comunicado não verbalmente? Que ligações podemos estabelecer entre a formação verbal e não verbal? Qual o grau de fiabilidade de cada uma delas? Duas das sessões deste workshop foram totalmente dedicadas a estas questões.

Bateson simpatizava com os estudos do psicanalista Jung e daí termos tido também uma sessão especialmente dedicada à terapia psicodinâmica, através da interpretação de desenhos de sonhos de uma paciente, ao longo do processo terapêutico. Ainda no âmbito da formação mais dirigida à dimensão psicológica foi dedicado algum tempo às crenças espirituais (fornecedoras de sentido à vida) e religiosas, mesmo em situações de grande sofrimento.

[…] Science teachers and curriculum writers need to consider how teachers’ conceptions of subject matter and of learners can assist in making the intended curriculum the implemented curriculum and, in turn, the learned curriculum. A promising strategy to employ is one that draws both from cognitive psychological and epistemological principles […] Today, there is a growing consensus among psychologists, […] philosophers […] and science educators […] that there exist interfield relationships between history and philosophy of science and cognitive science that can inform science education research and pratice (Duschl e Hamilton, 1992DUSCHL, R.; HAMILTON, R. (Ed.). Philosophy of science, cognitive psychology and educational theory and practice. New York: State University of New York, 1992., p. 6).

Este workshop abriu o seu espaço também à formação de cuidadores de saúde em áreas ainda pouco divulgadas: a cromoterapia (nomeadamente, a cromopunctura) e a musicoterapia, tendo havido contato com os instrumentos e exercícios práticos com estas formas de terapia, que nos podem ajudar a compreender, por exemplo, que aquilo que muitas vezes tomamos como doença fisiológica pode vincular-se a dimensões existenciais de resistência a formas de vida que nos agridem, ou seja, a modos de produzir saúde, pois é da busca de equilíbrio da pessoa que se trata.

Il est socialement admis que tout problème de mal-être, quelle qu’en soit la nature ou l’origine – mauvaises relations dans le travail, le couple, retard scolaire, des enfants, etc. -, se traduise en demande d’aide présentée à l’institution médicale. Le plus souvent, cette demande est plus ou moins maquillée en termes somatiques, avec la complicité ative du médecin. Non que le patient soit un simulateur ni le médecin un imposteur. Tous deux ne font que jouer un jeu dont les règles sont définies dans le contexte social et culturel de leur relation. La maladie est certes une deviance tolérée, mais elle doit apparaître comme un désordre organique dont l’élogir n’est pas imputable au malade ni d’ailleurs à la société. La maladie acquiert une existence autonome, détachée. C’est une entité extérieure à l’individu et à sa relation au milieu qui, par hasard, vient perturber son fonctionnement vital. Cette représentatiton du mal fonde l’accord entre le médecin et son patient et permet leur relation. L’inflation médicale a donc un effet, sinon une function: de plus en plus des gens sont convaincus que, s’ils vont mal, c’est qu’ils ont en eux quelque chose de déréglé, et non qu’ils réagissent sainement par un refus d’adaptation à un environment ou des conditions de vie inadmissibles. Des médecins prescrivent, ou ont prescript, des médicaments prétendument capables de traiter ‘le mal des grands ensembles’ ou ‘l’angoisse née des conditions de travail’. Cette médicalisation du mal-être est tout à la fois la manifestation et la cause d’une perte d’autonomie: les gens n’ont plus besoin ni envie de régler leurs problèmes dans le réseau de leurs relations. Leur capacité de refus s’en trouve étiolée, leur démission de la lutte sociale facilitée. La médicine devient l’alibi d’une société pathogène (Dupuy, 1982DUPUY, J. P. Ordres et désordres. Paris: Seuil, 1982., p. 48-49).

Breves conclusões

A avaliação que estes workshops têm obtido dá-nos alento para com eles prosseguirmos. Nas fichas de avaliação de cada workshop, é pedido que sejam sugeridas temáticas a abordar em workshops futuros, sendo que as áreas que continuam sistematicamente a ser solicitadas são a formação em ética e assuntos/práticas de índole espiritual.

O grupo de pesquisa equaciona a possibilidade de criação de um grupo de autoajuda on-line entre membros destes workshops, o que possibilitaria uma comunicação entre especialistas de várias áreas em face de problemas, questões, dúvidas e comentários de outras pessoas. Começamos também a pensar na possibilidade de divulgar estes workshops no âmbito europeu, ainda que a conjuntura económica seja muito desfavorável.

Por fim, queremos salientar como este contato com a população não académica tem sido importante para o delineamento da pesquisa dos membros do grupo institucional, alertando-nos para situações e temáticas para as quais estávamos pouco sensibilizados.

Têm-nos também aberto portas à formação in loco em instituições de cuidadores formais e não formais de saúde, como hospitais, centros sociais, pastoral da saúde, Organizações Não Governamentais e Instituições Particulares de Solidariedade Social, entre outras.

Referências

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  • 1
    Investigação no âmbito do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2013
  • Aceito
    11 Mar 2013
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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