Ativismo político de pais de autistas no Rio de Janeiro: reflexões sobre o “direito ao tratamento”11Este artigo é resultado da pesquisa desenvolvida para dissertação de mestrado e foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pesquisa teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP-IMS)

Political activism of autistic parents in Rio de Janeiro: reflections on the “right to treatment”

Resumo

Este artigo refere-se às percepções e reivindicações de dois principais grupos de pais-ativistas do autismo - Azul Claro e Azul Celeste -, no percurso de “luta” por “direito ao tratamento”, no estado do Rio de Janeiro. Focaliza, sobretudo, como se constroem discursos e tensões acerca dos cuidados e dos tratamentos oferecidos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, é nosso objetivo compreender em que medida as reivindicações referentes ao tratamento do autismo se inserem no contexto mais amplo das políticas nacionais em saúde voltadas ao segmento. Recebem destaque as legislações elaboradas por pais-ativistas em conjunto com figuras políticas, bem como os posicionamentos e vocalizações que consideram os atendimentos oferecidos pelas Redes de Atenção Psicossocial (Raps) como “insuficientes” e/ou “inadequados”. A metodologia de pesquisa envolveu trabalho etnográfico, realizado entre 2012 e 2013, em eventos, reuniões e mobilizações organizadas pelos dois grupos de pais de autistas, além de entrevistas em profundidade com informantes qualificados (mães, pais e familiares ativistas).

Palavras-chave:
Autismo; Ativismo de Familiares; Deficiência; Direitos

Abstract

This article approaches the claims of two main parent-activists groups - Light Blue and Sky Blue - in the struggle for the “right to treatment” of autism in the state of Rio de Janeiro. It focuses mainly on the forms of discourses and tensions about care and treatments provided by the Unified Health System (SUS). Therefore, our purpose is to understand to what extent their claims about forms of treatments approach the broader context of national health policies for autistic individuals. The laws drawn up by parent-activists along with political figures are highlighted, as well as the positioning and vocalizations that consider the assistance offered by the Network for Psychosocial Care (Raps) “insufficient” and/or “inadequate”. Our research methodology involved ethnographic research, conducted between 2012 and 2013 in events, meetings, and demonstrations organized by the two mentioned groups of autistic parents, as well as in-depth interviews with qualified informants (activist parents and relatives).

Keywords:
Autism; Family activism; Disabilities; Rights

Introdução

Pioneira no segmento das iniciativas “pelos direitos dos autistas” no Brasil, em 1983, foi fundada a Associação de Amigos do Autista (AMA), cuja matriz está localizada em São Paulo. A relevância política da instituição também se deu pela fundação da Associação Brasileira de Autismo (Abra), que tem representação no Conselho Nacional de Saúde (CNS), no Conselho da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência (Corde) e no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Atualmente, as AMAs constituem cerca de dois terços das instituições nacionais filiadas à Abra, entidade civil sem fins lucrativos, que surgiu, em 1988, com a intenção de integrar, coordenar e representar associações de familiares de autistas, a nível nacional e internacional. Com apoio da AMA, a cada três anos, a Abra promove o Congresso Brasileiro de Autismo.22Desde 1989, o Congresso Brasileiro de Autismo ocorre em diferentes regiões do país, reunindo familiares, profissionais e pesquisadores interessados em discutir questões médicas, sociais e educacionais a respeito da deficiência (Mello; Dias; Andrade, 2013). No site oficial, a Abra explica que a relevância política do evento acontece pela participação de representantes do governo, que são convidados a mostrar suas propostas e a ouvir as necessidades das associações. Disponível em: <http://www.autismo.org.br/site/abra/historia-e-atuacao.html>. Acesso em: 2 nov. 2016.

Desde a formação da AMA, coletivos semelhantes vêm se consolidando pelo país, não apenas como fonte de apoio emocional a outras famílias, mas como meio de lograr recursos públicos, formular projetos de lei, buscar novos tratamentos e pesquisas, além de produzir conhecimento e reivindicar a eliminação dos estigmas associados ao autismo (Cavalcanti, 2003CAVALCANTI, F. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de necessidades especiais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.; Block; Cavalcanti, 2012BLOCK, P.; CAVALCANTI, F. Autism in Brazil from Advocacy and Self-Advocacy Perspectives: a Preliminary Research Report. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.autismaroundtheglobe.org/countries/Brazil.asp >. Acesso em: 20 mar. 2013.
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; Mello; Dias; Andrade, 2013MELLO, A. M.; DIAS, I.; ANDRADE, M. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Secretaria de Direitos Humanos, 2013.; Rios; Costa Andrada, 2015RIOS, C.; COSTA ANDRADA, B. The Changing Face of Autism in Brazil. Culture, Medicine, and Psychiatry, [S.l.], v. 39, n. 2, p. 213-234, 2015.).

Este artigo refere-se às percepções e reivindicações de dois principais grupos de pais-ativistas do autismo - Azul Claro e Azul Celeste -, no percurso de “luta” por “direito ao tratamento”, no estado do Rio de Janeiro. Em nome dos “autistas brasileiros”, a questão do tratamento se destaca na atuação política de ambas as organizações. Ainda que existam diferenças internas e externas entre os grupos estudados, neste trabalho, privilegiaremos os discursos recorrentes em torno do atendimento oferecido aos autistas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ademais, as legislações referentes ao autismo ocupam lugar central neste artigo, uma vez que são produtos da construção de “parcerias” entre pais-ativistas e figuras políticas, no contexto de “luta”.

A metodologia da pesquisa envolveu trabalho etnográfico realizado em encontros, reuniões e mobilizações organizadas pelos grupos Azul Claro e Azul Celeste, bem como entrevistas em profundidade com nove informantes qualificados (pais, mães e familiares ativistas). Entre 2012 e 2013, a etnografia incluiu observação participante em eventos públicos de caráter mobilizador, como passeatas, audiências públicas, palestras e celebrações de datas comemorativas (Dia Mundial da Conscientização do Autismo, por exemplo) articuladas pelas associações.

Apesar da notoriedade de alguns pais e mães de autistas, optamos por alterar a identidade dos entrevistados e das instituições estudadas. Assim, a despeito de trajetórias e casos particulares acompanhados durante o processo de investigação, enfatizaremos as atuações políticas institucionais relacionadas às demandas por serviços públicos em saúde para o autismo.

Pensar no entrelaçamento entre autismo e atuação política, a partir de categorias êmicas, portanto, redesenha diagnósticos e conhecimentos científicos e acadêmicos a respeito de determinado grupo. Neste trabalho, predicados como “severo”, “clássico” e “moderado” aparecerão entre aspas para marcá-los como categoria nativa. De modo geral, esses termos carregam como significado o “grau” de funcionalidade cognitivo-comportamental do indivíduo. Embora isso suscite reflexões acerca do que pode ser considerado funcional, também é relevante para se pensar o tipo de política pública que pais e familiares reivindicam. De acordo com os pais e familiares entrevistados, esses termos classificatórios envolvem o nível de dificuldades na tríade interação, socialização e comunicação.

A seguir, serão apresentadas as principais ações coletivas desenvolvidas pelos dois grupos, dando destaque à gama de legislações já sancionadas, especialmente entre o período de 2009 e 2013, no Brasil e, mais especificamente, no Rio de Janeiro. Isso posto, é nossa intenção apreender em que medida os pleitos referentes aos cuidados e aos tratamentos do autismo se inserem no contexto mais amplo das políticas nacionais em saúde voltadas ao segmento.

Participação social e políticas públicas para o autismo: retratos das experiências dos grupos Azul Claro e Azul Celeste

Sancionada em 27 de dezembro de 2012, pela Presidente Dilma Rousseff, a Lei nº 12.764 instituiu a Política Nacional de Proteção aos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, que se desdobra em intersetorialidade no desenvolvimento das ações, políticas e serviços; participação comunitária na formulação, controle e avaliação de políticas públicas; atenção integral às necessidades de saúde, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; estímulo à inserção no mercado de trabalho e à pesquisa científica, priorizando estudos epidemiológicos que dimensionem e caracterizem o transtorno do espectro autista no país.

A legislação federal é considerada símbolo da politização da experiência de se ter um filho autista. Ao longo dos anos, pais e familiares participaram de audiências públicas em Brasília, mobilizaram-se no envio de e-mails para autoridades, organizaram-se em grupos virtuais na internet, além de realizarem manifestações pelo país afora solicitando a aprovação da chamada “lei do autista”. De acordo com informantes-chave, o ineditismo dessa legislação está em reconhecer o autista como pessoa com deficiência, caracterizando, assim, novos rumos da “luta por direitos” previstos na legislação.

Precedente à sanção da Lei nº 12.764/2012, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2008aBRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília, DF: Editora MS, 2008a., 2008bBRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Aprova do texto da convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e de seu protocolo facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 jul. 2008b, p. 1.) já exercia a função de principal instrumento legal de garantia dos direitos civis dos autistas no país. Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006, a CDPD foi ratificada com status de emenda constitucional no Brasil somente em 2008 (Brasil, 2008aBRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília, DF: Editora MS, 2008a.). Ao incluir as chamadas deficiências psicossociais (“de natureza mental”, na qual se encontram os autistas) como categoria a ser contemplada pelas políticas públicas relacionadas às demais deficiências, a escrita deste documento envolveu a aproximação entre os campos da deficiência e da saúde mental (Sassaki, 2005SASSAKI, R. K. Deficiência mental ou intelectual? Doença ou transtorno mental? Atualizações semânticas na inclusão de pessoas. Revista Reação, São Paulo, v. 9, n. 43, p. 9-10, 2005., 2012SASSAKI, R. K. Por falar em classificação de deficiências. Revista Brasileira de Tradução Visual, Recife, v. 12, n. 12, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/157/264 >. Acesso em: 17 dez. 2014.
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).

Embora alguns de nossos informantes reconheçam a importância da CDPD, é a Lei nº 12.764/2012 que é tida como “revolução capaz de tirar o autista do limbo”, nos termos de Lucia, mãe-ativista do Grupo Azul Celeste. Romeu Sassaki (2005SASSAKI, R. K. Deficiência mental ou intelectual? Doença ou transtorno mental? Atualizações semânticas na inclusão de pessoas. Revista Reação, São Paulo, v. 9, n. 43, p. 9-10, 2005., 2012SASSAKI, R. K. Por falar em classificação de deficiências. Revista Brasileira de Tradução Visual, Recife, v. 12, n. 12, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/157/264 >. Acesso em: 17 dez. 2014.
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), militante do movimento das pessoas com deficiência no Brasil, explica que ainda há uma dificuldade - tanto acadêmica quanto em termos estatísticos e de intervenções práticas - em classificar pessoas com deficiências que estiveram historicamente alijadas das “categorias tradicionais” (física, intelectual, visual, auditiva e múltipla). É nessa situação que se encontram os autistas, entendidos como “pessoas com transtorno mental” para o campo da saúde mental, segundo a Lei nº 10.216/2001,33A Lei nº 10.216/2001, fruto da reforma psiquiátrica, se endereçou à reformulação da política de assistência à saúde mental. Determinou, em parágrafo único, os direitos das pessoas com transtornos mentais e previu o desenvolvimento de uma política de saúde mental pelo Estado, bem como a necessidade de alocação de recursos públicos voltados para dispositivos não manicomiais de atendimento e a obrigatoriedade da comunicação das internações compulsórias à autoridade judiciária (Brasil, 2001). e como “pessoas com deficiência psicossocial”, na abordagem da CDPD (Brasil, 2008aBRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília, DF: Editora MS, 2008a.).

Autores como Epstein (1996)EPSTEIN, S. Impure Science: AIDS, Activism, and the Politics of Knowledge. 1. ed. Berkeley; Los Angeles; Oxford: University of California Press, 1996., Petryna (2002)PETRYNA, A. Life Exposed: Biological Citizens after Chernobyl. Princeton: Princeton University Press, 2002., Rose e Novas (2005)ROSE, N.; NOVAS, C. Biological Citizenship. In: ONGAND, A.; COLLIER, J. (Ed.). Global Assemblages: Technology, Politics, and Ethics as Anthropological Problems. Malden: Blackwell, 2005. p. 439-463., Biehl (2005) e Gohn (2010)GOHN, M. G. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010. observaram que o empoderamento44Em seus primeiros trabalhos, Vasconcelos (2003, 2008) defendeu o uso do conceito original (empowerment), em inglês, por achar que a tradução para o português – como “empoderamento” – enfraquecia seu sentido real. No entanto, em trabalhos mais recentes, percebeu que o termo em inglês é inacessível “a quem mais se destina: os indivíduos e grupos sociais submetidos a processos de exclusão, opressão e discriminação” (2003, p. 59). de sujeitos na obtenção de direitos, benefícios e tratamentos específicos se deu a partir da necessidade de reconhecimento médico-jurídico-identitário de determinadas condições. A partir das décadas de 1960 e 1970, no contexto euroamericano, surgiram os chamados “novos” movimentos sociais em saúde (Brown; Zavestoski, 2004BROWN, P.; ZAVESTOSKI, S. Social Movements in Health: an Introduction. Sociology of Health and Illness, Leeds, v. 26, n. 6, p. 679-694, 2004.; Landzelius, 2006LANDZELIUS, K. Introduction: Patient Organization Movements and new Metamorphoses in Patienthood. Social Science & Medicine, [S.l.], v. 62, n. 3, p. 529-537, 2006.; Brown et al., 2010BROWN, P. et al. Health Social Movements: History, Current Work, and Future Direction. In: BIRD, C. E. et al. Handbook of Medical Sociology. Nashville: Vanderbilt University Press, 2010. p. 380-394.), para os quais as experiências compartilhadas de doenças e deficiências desafiam a hegemonia dos saberes científico e tecnocrático nas tomadas de decisões políticas.55O ativismo relacionado à Aids, nos Estados Unidos, foi um dos primeiros na conversão em larga escala de “vítimas” de uma doença em “ativistas-especialistas”, tornando-se modelo para outros movimentos sociais em saúde (Epstein, 1996). No Brasil, ao longo da década de 1980, consolidaram-se movimentos sociais no campo da saúde, visando a ideais de cidadania, autonomia e subjetividade dos “novos sujeitos de direito”, tais como os “loucos” e as pessoas com deficiência, cujas respectivas trajetórias atravessaram extensa tradição de acolhimento em instituições filantrópicas, religiosas e educacionais (Musse, 2008MUSSE, L. Novos sujeitos de direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.; Lanna Junior, 2010LANNA JUNIOR, M. C. M. (Org.). História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.; Soalheiro, 2012SOALHEIRO, N. Política e empoderamento de usuários e familiares no contexto brasileiro do movimento pela reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Florianópolis, v. 4, n. 8, p. 30-44, 2012.).

Parte de um fenômeno global, no fim da década de 1990, inaugurou-se a primeira associação do estado do Rio de Janeiro organizada por familiares de autistas. O Grupo Azul Claro está localizado em Volta Redonda, município ao sul fluminense. A história da associação teve início em 1999, quando cinco pais de alunos autistas de uma escola municipal especializada formaram um grupo por iniciativa própria, a fim de trocar experiências. Com estatuto e cargos definidos (presidência, vice-presidência, secretaria, tesouraria, diretoria social e conselho fiscal), até 2013, o grupo Azul Claro teve três presidentes, todas mulheres, sendo duas mães e uma irmã de autistas, eleitas por meio de votação dos associados, bianualmente. No período da pesquisa, cerca de cento e cinquenta famílias pagavam uma mensalidade simbólica de R$ 5,00 (cinco reais), porém, a instituição era mantida, majoritariamente, com o dinheiro arrecado em festas, eventos, rifas e por meio de doações.

O município de Volta Redonda é ainda considerado um caso paradigmático, por ser o pioneiro, no Brasil, a possuir três legislações municipais referentes ao autismo. Nos termos da fundadora do Azul Claro, as legislações sancionadas são fruto da relação de “parceria”66Neste artigo, a palavra “parceria” aparecerá entre aspas para indicar um termo êmico. entre os “pais que não desanimam” e o prefeito Francisco Neto (PMDB/RJ), que ocupa o quarto mandato desde 1997. Dentre as leis municipais aprovadas, figuram: (1) Lei municipal nº 4.770/2011, que institui o Dia Municipal de Conscientização do Autismo (Volta Redonda, 2011VOLTA REDONDA. Lei municipal nº 4.770, de 16 de maio de 2011. Institui no município de Volta Redonda o Dia Mundial de Conscientização do Autismo.), comemorado no dia 2 de abril; (2) Lei municipal nº 4.833/2011, sobre a Política Municipal de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que considera o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais (Volta Redonda, 2011VOLTA REDONDA. Lei municipal nº 4.833, de 13 de dezembro de 2011. Institui a política municipal de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista no município de Volta Redonda. Diário Oficial, Volta Redonda, 14 dez. 2011.); (3) Lei municipal nº 4.922/2012, que dispõe sobre a implantação de um centro de atendimento integral para pessoas com transtorno do espectro autista, em Volta Redonda (2012)VOLTA REDONDA. Lei municipal nº 4.922, de 28 de dezembro de 2012. Dispõe sobre a implantação de um centro de atendimento integral para pessoas com transtorno do espectro autista no município de Volta Redonda. Câmara Municipal. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2go0ctJ >. Acesso em: 2 nov. 2016.
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Na arena política, uma particularidade do Azul Claro chama a atenção: o grupo contempla, principalmente, os autistas adultos em suas demandas, sob a previsão de que as crianças recentemente diagnosticadas não tenham “o mesmo destino de exclusão e de invisibilidade dos autistas adultos”, conforme observou uma de nossas informantes. A maioria dos adultos, filhos ou parentes das pessoas entrevistadas, apresentou, ao longo de sua biografia, dificuldades quanto à recusa da matrícula por escolas regulares,77O sistema educacional inclusivo é assegurado pela CDPD da ONU. Assim, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008b) garante que os alunos com as mais diversas deficiências estejam incluídos em classes regulares, em escolas das redes pública e particular. tendo, assim, estudado em escolas especializadas e convivido a maior parte da vida sob os cuidados dos familiares (em sua maioria, mães e irmãs), sem acesso a lazer, participação na sociedade e tratamentos específicos. Na relação com seus familiares, dependem de cuidados integrais com higiene, alimentação e medicação. Em Volta Redonda, famílias com condições financeiras suficientes para arcar com os custos elevados do tratamento88Durante a cerimônia comendativa de entrega da medalha Tiradentes, realizada em junho de 2013, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), uma fundadora do grupo Azul Claro emocionou o público que ocupava o plenário ao destacar a importância da atenção às necessidades da “família de autista”. No decorrer de seu discurso, acompanhada por mãos visivelmente trêmulas, a participante afirmou que os cuidados com o filho autista podem chegar a nove mil reais por mês, o que contribui para tornar as famílias “pobres, sozinhas, descrentes e doentes”. proporcionam atendimento semanal a seus filhos, autistas adultos, em clínicas particulares, enquanto as demais contam com o tratamento disponível - porém, considerado “insuficiente” e “inadequado” - na rede pública de saúde mental (Centros de Atenção Psicossocial, Caps) da região.

Formado em 2005, o grupo Azul Celeste difere do Azul Claro tanto em relação ao perfil socioeconômico dos membros-fundadores quanto ao leitmotiv que marca o início de sua construção como movimento social. Seus oito fundadores são profissionais liberais, pais de autistas ainda em fase escolar, sendo parte deles moradores de um bairro de classe média alta da cidade do Rio de Janeiro. Seus filhos têm acesso às redes privadas de ensino e de saúde. O grupo nasceu com a intenção de consolidar estratégias de visibilidade e de reconhecimento do autismo no país, sob o argumento de que o espectro autista ainda não é conhecido pela sociedade em geral, o que dificultaria o diagnóstico precoce (antes dos três anos de idade, mesmo que não definitivo) e, por conseguinte, a estimulação da criança.

A especificidade da atuação do grupo Azul Celeste se caracteriza pelo desenvolvimento de políticas que privilegiam a infância e a adolescência. Segundo informantes, a partir de intervenções precoces, é possível obter avanços funcionais e cognitivos, como a saída do “isolamento”, diminuição das estereotipias, integração entre as crianças (com e sem deficiência) e inclusão escolar na rede regular de ensino. O grupo é também nacionalmente reconhecido por promover eventos de caráter público, visando à conscientização da sociedade, tal como a iluminação do Cristo Redentor em azul (cor símbolo do autismo) em comemoração ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo.99O Dia Mundial de Conscientização do Autismo foi decretado pela ONU em 2008. A data foi criada com a finalidade de conscientizar a sociedade civil e os estados membros, além de motivar ações que invistam em diagnóstico precoce, pesquisas e intervenções vitais para o crescimento e desenvolvimento do indivíduo.

Como decorrência de sua “parceria” com deputados estaduais e vereadores, em 2012, respectivamente, foram sancionadas a Lei estadual nº 6.169/2012 (Rio de Janeiro, 2012RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 6.169, de 2 de março de 2012. Dispõe sobre a implantação dos centros de reabilitação integral para deficientes mentais e autistas no estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 3 maio 2012. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2gHxgO0 > Acesso em: 21 nov. 2016.
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), que prevê a criação de nove centros de reabilitação integral para crianças e adolescentes portadores de deficiência mental e autismo, e a Lei municipal nº 5.389/2012 (Rio de Janeiro, 2012RIO DE JANEIRO (Município). Lei nº 5.389, de 2 de maio de 2012. Dispõe sobre a divulgação da identificação do autismo infantil através de material impresso na cidade do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 3 maio 2012. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2fmrWde > Acesso em: 21 nov. 2016.
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), que dispõe sobre a divulgação dos sintomas do “autismo infantil” por meio de material impresso distribuído na Rede de Atenção Primária à Saúde.

A partir das entrevistas realizadas com membros dos grupos Azul Claro e Azul Celeste, a seguir, apontaremos suas vocalizações e movimentos em torno do “direito ao tratamento”. Receberão destaque os posicionamentos e alegações que consideram os atendimentos oferecidos pelas Redes de Atenção Psicossocial (Raps) como “insuficientes” e/ou “inadequados”. As Raps integram o Sistema Único de Saúde (SUS) e comportam serviços de atendimento a “pessoas com transtornos mentais”, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em suas diferentes modalidades.1010Entre as modalidades, se encontram os Caps I, II, III, CAPSi e AD. A abrangência dos diferentes tipos de Caps foi definida por ordem crescente de porte/complexidade e cobertura populacional, conforme disposto na Portaria GM nº 336/2002 (Brasil, 2002). Segundo diretrizes do Ministério da Saúde (Brasil, 2001BRASIL. Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 abr. 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm >. Acesso em: 30 mar. 2013.
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, 2005BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil. 1. ed. Brasília, DF: Editora MS, 2005., 2013BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013.), os Caps e CAPSi são equipamentos designados para o tratamento do autismo.

Perspectivas para o campo da saúde: direito ao tratamento e acesso a serviços

A fim de discorrer acerca das reivindicações por serviços públicos em saúde para o autismo, esta seção se inicia com o “gancho” da revisão da minuta de decreto da Lei nº 12.764/2012 (a “lei do autista”), que mobilizou e polarizou os grupos de pais-ativistas estudados. Em dezembro de 2013, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), órgão deliberativo do governo federal para as políticas voltadas a esse segmento, propôs a revisão da minuta de decreto dessa lei, que contou com a participação da sociedade civil. Entre fevereiro e dezembro de 2014, o documento recebeu prioridade nas reuniões do Conade, sendo aprovado com alterações no último mês do ano. No entanto, no país, esse período foi marcado por acirrados debates quanto às competências atribuídas ao SUS. De acordo com o parágrafo 3º da minuta de decreto formulada pelo Conade,1111O texto da minuta de decreto pode ser conferido em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/828>. compete à rede SUS: (1) o cuidado integral no âmbito da atenção básica, especializada e hospitalar; (2) a ampliação e o fortalecimento dos cuidados em saúde bucal das pessoas com espectro do autismo na atenção básica, especializada e hospitalar; (3) a qualificação e o fortalecimento da rede de atenção psicossocial no atendimento das pessoas com transtorno do espectro do autismo.

As diferentes compreensões acerca da alínea “c”, entretanto, caracterizaram o início de novas tensões em torno do “direito ao tratamento” do autismo. Nesse período, a internet atuou como campo de batalhas por excelência, no qual pais e familiares, de forma independente ou na qualidade de representantes de um grupo, puderam opinar a respeito do tratamento dispensado ao autista na rede pública de saúde mental.

Apesar de compartilharem o “direito ao tratamento” como objeto de ação política, os grupos Azul Claro e Azul Celeste divergiram quanto à perspectiva apresentada pela alínea “c”.1212Trata-se, nesse caso, do posicionamento público apresentado pelos grupos de familiares de autistas enquanto coletivos. Em uma ponta, os primeiros se opuseram, veementemente, aos serviços já oferecidos nos Caps e CAPSi. Na outra, os segundos se mostraram flexíveis à capacitação dos profissionais das Raps como medida suficiente para que se garanta o atendimento público de qualidade, ainda que mantenham forte crítica em relação aos atendimentos prestados nos Caps e CAPSi do país. Em carta aberta, dirigida à “comunidade autista no Brasil”, os pais-ativistas do grupo Azul Celeste ressaltaram que a necessidade de capacitação dos profissionais, a adequação de instalações físicas, a alteração na metodologia de tratamento e o aumento do efetivo não excluem o desenvolvimento e a implantação de uma “política nacional de saúde pública” para tratamento de pessoas com autismo, na qual se insere a construção de centros especializados.

Regra geral, em termos de políticas públicas, observamos que as críticas dirigidas ao tratamento existente no âmbito da saúde mental apostam no fortalecimento e na ampliação do atendimento ao autista pela Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (Brasil, 2012BRASIL. Portaria nº 793, de 23 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 abr. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html >. Acesso em: 10 mar. 2014.
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). Essas medidas se consolidariam, sobretudo, a partir de dispositivos especializados na “habilitação” e “reabilitação” desse segmento. Nesse ponto, é notória a tomada da “deficiência” como categoria e instrumento de “luta” de ambos os grupos. A “deficiência”, então, torna-se premissa não apenas para o reconhecimento de direitos, mas também configura determinado arranjo de poder que legitimará as demandas por certo modelo de serviço, em detrimento de outros.

Embora a Portaria nº 793/2012 do Ministério da Saúde, que institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, não seja específica quanto ao autismo, seu art. 14 (“Atenção especializada em reabilitação”) prevê: (1) estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um Serviço de Reabilitação; (2) Centros Especializados em Reabilitação (CER); (3) Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Os ideais de “habilitação” e “reabilitação” assumidos pela Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência agem em consonância com a CDPD e com o programa de governo Viver Sem Limite: Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência,1313De acordo com o programa Viver Sem Limite, a “habilitação” e a “reabilitação” garantem a mobilidade e a autonomia dos indivíduos com deficiência, mediante o desenvolvimento de “habilidades funcionais”. Seguindo essa linha de cuidado, o Manual das diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA), lançado pelo Ministério da Saúde, em 2013, explica que a reabilitação aplicada ao contexto do autismo envolve “dimensões comportamentais, emocionais, cognitivas e de linguagem (oral, escrita e não-verbal)” (Brasil, 2013, p. 57). lançado em 2011 (Brasil, 2011BRASIL. Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 nov. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7612.htm >. Acesso em: 23 abr. 2014.
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).

O material empírico desta pesquisa, coletado dos grupos Azul Claro e Azul Celeste, revelou asserções que mobilizam o duplo argumento de descontentamento (com) e de insuficiência do atendimento ofertado pelas Raps no estado do Rio de Janeiro. Quando a crítica é direcionada à qualidade do serviço prestado, por um lado, enfatizam-se: (1) a desconsideração da expertise de pais e familiares no tratamento; (2) a alta rotatividade dos concursados; (3) o fato de os usuários ficarem “jogados”, sem supervisão profissional.

O discurso de Aparecida demarcou os limites impostos à expertise familiar nos serviços da rede de saúde mental. Aparecida é ex-presidente do grupo Azul Claro e mãe de um autista adulto “não verbal”, que foi usuário de um CAPSi de Volta Redonda até os dezoito anos de idade. Sua narrativa explicitou também a importância de um atendimento que priorize a “habilitação” funcional do autista como ganho à sua inserção social:

Não tem uma pessoa com quem eu tenha conversado que frequente um CAPS e que esteja satisfeita, justamente por isso: eles [profissionais do CAPS] não conseguem enxergar as peculiaridades dos autistas, eles acham que os familiares de autistas querem privilégios. Eles não conseguem perceber que é uma síndrome tão específica que não pode ser colocada no “ah, todos têm que conviver aqui”. Eu acredito que a gente tem que conviver com todo mundo, desde que a gente aprenda, primeiro, a conviver com todo mundo. Até chegar nesse ponto, precisamos, sim, de coisas específicas. […] Minha crítica [aos CAPS] parte por esse lado. Tem um discurso de que a pessoa é vista como um ser único, mas, na prática, é diferente. E também não se aceita a vivência da família. Eles falam que te ouvem, que você precisa falar, que você precisa ter o seu espaço, mas você percebe que aquilo ali não existe, que eles ouvem e não retornam. Essa é também uma das coisas que a maioria das mães reclama: que aquilo que elas falam não é levado em conta (Entrevista concedida em abril de 2013).

Já a questão da alta rotatividade de profissionais concursados foi apontada por Rosana, cujo filho, autista adulto “severo”, é usuário de um Caps, em Volta Redonda, e apresenta dificuldade em lidar com a quebra de rotina, característica comum entre pessoas com autismo:

[…] meu filho ficou perdido dentro desse CAPS porque não tinha uma sala adaptada para ele, não tinha uma sala onde ele pudesse ficar dentro, por causa dos usuários todos estarem deitados pelo chão afora. Então, o que acontecia? Meu filho ficava na rua, andando com duas psiquiatras, sempre duas. Por que eu falo “sempre duas”? Porque elas trabalhavam dois meses, saíam e iam embora. Aí, vinham outras duas, trabalhavam mais dois meses, um mês e iam embora. Confundia muito a cabeça dele (Entrevista concedida em junho de 2013).

Por outro lado, quando a crítica remete ao modelo de abordagem privilegiado nos Caps e CAPSi focalizam-se: (1) o problema da medicalização dos sujeitos; (2) a insuficiência do tempo de atendimento, sobretudo nos casos mais graves; (3) a ausência de especialização do serviço, ao se alocar pessoas com diversos “transtornos mentais” em um só espaço; (4) a terapêutica centrada na psicanálise.1414Segundo relatório produzido pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2005), fica caracterizada a hegemonia da psicanálise na direção clínica dos Caps, embora o saber multidisciplinar seja desejável. Contudo, é possível afirmar que esse documento foi escrito por um grupo específico de profissionais da rede de saúde mental do estado do Rio de Janeiro, de modo que não representa, necessariamente, a orientação clínica de todos os Caps do estado e do país. Por outro lado, recentemente, Lima et al. (2014) realizaram grupos focais com trabalhadores de cada CAPSi da região metropolitana do Rio de Janeiro, a fim de gerar indicadores sobre o tratamento de autistas, os quais foram agrupados em cinco eixos temáticos. Quanto à categoria “formação dos profissionais e processos de trabalho”, os autores (idem, p. 731) observaram, no discurso dos profissionais, a prevalência da psicanálise como referencial teórico mais citado, ainda que “os elogios à diversidade de linhas” e “a crítica ao enrijecimento teórico” também tenham recebido atenção desses atores.

Roberto é membro-fundador do grupo Azul Celeste. Seu filho adolescente é autista “moderado”, pouco verbal e frequenta escola e serviços de saúde particulares. Ao discorrer sobre o entrelaçamento entre a “descoberta” do diagnóstico do filho e o “fazer alguma coisa”, Roberto tocou em pontos fundamentais para a compreensão das disputas referentes ao direcionamento clínico do tratamento do autismo.

A partir do momento que eu fui estudar para saber o que era autismo, percebi que no Brasil não havia literatura suficiente que pudesse me fazer entender a gravidade do problema. Então, indo para a internet - na época, a internet era discada - eu fui entender que o autismo era uma síndrome grave e, para os padrões brasileiros, gravíssima, porque não se tinha tratamento adequado no Brasil, em 1999. […] E eu fui, nessas pesquisas, perceber que lá fora, nos Estados Unidos e na Europa, existia uma linha de tratamento muito clara para o autismo: diagnóstico precoce, intervenção imediata, com 40 horas semanais, onde a criança, nos primeiros três anos de vida, iria entrar num programa de terapia e, depois, iria para uma escola com currículo adaptado e, depois, poderia se tornar um adulto capaz. Então, eu fui perceber que teria que ter isso no Brasil. […] O autismo é um tripé, e uma das tríades do autismo é a comunicação, interação social e a dificuldade na fala. […] Jamais seria a área psicanalítica a via de tratamento do autismo. Então, seria por intervenções precoces e terapia comportamental, que se chamam Atividades de Vida Diária (AVDs). Eu vi que o Brasil tinha que romper com uma visão ultrapassada de atendimento das pessoas com autismo. […] Não é ele [autista] que se adapta ao CAPS, é o CAPS que tem que se adaptar ao autismo. […] Os pais e a sociedade civil não aceitam mais que os autistas sejam tratados sem que se respeite a sua particularidade (Entrevista concedida em agosto de 2013).

Marina é membro do grupo Azul Claro. Seu filho é autista “clássico”, não verbal e ex-usuário de Caps e CAPSi, em Volta Redonda. Ao remeter acusações de “inadequação” e de “insuficiência” às orientações das Raps, Marina reduziu os Caps a locus de medicalização dos autistas. Assim como outros familiares, a mãe-ativista reclama o direito ao tratamento que corresponda, sobretudo, a certos ideais terapêuticos. Nas palavras de Marina,

O CAPS não faz tratamento para autista! O CAPSi não faz tratamento para autista! O CAPSi insere o autista dentro de uma disciplina ou dentro de um contexto que eles acham que é o correto e põe tudo na bacia das almas. No Brasil, você não vai ter nenhum pai, nenhuma mãe, nenhuma pessoa sã que vai dizer que CAPS funciona para pessoa com autismo. Porque se você coloca o autismo dentro de um contexto geral, sem um trabalho específico para ele, não vai funcionar. Me perdoe, mas CAPS serve para dar receita de remédio controlado. […] Quando nós pedimos um centro para autistas, teria que ser na linha comportamental. A linha comportamental para o autista não é uma teoria. A linha comportamental para o autista não é uma ideologia individual, não. Foram pesquisas feitas por muitos profissionais, nos Estados Unidos e em países da Europa… (Entrevista concedida em maio de 2013).

A idealização de um modelo clínico de abordagem recebeu destaque, neste trabalho, por ser parte central das considerações dos grupos Azul Claro e Azul Celeste, nas demandas por políticas públicas que abracem as “particularidades” do autismo. Como visto, os pleitos por serviços “específicos” (ou seja, exclusivo para autistas) e “especializados” (isto é, baseado em técnicas terapêuticas internacionais e “cientificamente comprovadas”) embasaram a elaboração de legislações que são fruto da “parceria” entre sociedade civil e legisladores. Em Volta Redonda, por exemplo, o texto da lei que dispõe sobre a implantação de um centro de atendimento integral para pessoas com transtorno do espectro autista (Volta Redonda, 2012VOLTA REDONDA. Lei municipal nº 4.922, de 28 de dezembro de 2012. Dispõe sobre a implantação de um centro de atendimento integral para pessoas com transtorno do espectro autista no município de Volta Redonda. Câmara Municipal. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2go0ctJ >. Acesso em: 2 nov. 2016.
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) lançou luz às terapias comportamentais, fazendo menção explícita ao uso de programas, metodologias e comunicação alternativa “comprovadamente eficazes”, como o Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children (Teacch), o Picture Exchange Communication System (Pecs) e o Applied Behavior Analysis (ABA).

Embora este artigo não tivesse a pretensão de dar conta da diversidade de tratamentos disponíveis para autistas, as narrativas de pais e familiares dos grupos Azul Claro e Azul Celeste mostraram que a orientação psicanalítica vem sendo vilanizada em favor das terapias cognitivo-comportamentais. A eficiência destas últimas, surgidas entre as décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos, foi corroborada por pesquisadores como Michael Rutter, Simon Baron-Cohen e Uta Frith. Portanto, não raro, pais-ativistas justificam sua ampla utilização mediante o crivo da “comprovação científica”, que tem como corolários o “condicionamento” do autista na realização de tarefas cotidianas e acadêmicas, bem como a redução de estereotipias e de comportamentos considerados socialmente inadequados (Rimland, 1964RIMLAND, B. Infantile Autism: the Syndrome and its Implications for a Neural Theory of Behaviour. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1964.; Lovaas, 1977LOVAAS, O. I. The Autistic Child: Language Development through Behaviour Modification. New York: Irvington Publishers, 1977.). Ressaltamos, todavia, que algumas técnicas comportamentais direcionadas a autistas são consideradas controversas, tanto no contexto nacional (Mello; Dias; Andrade, 2013MELLO, A. M.; DIAS, I.; ANDRADE, M. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Secretaria de Direitos Humanos, 2013.) quanto no internacional (Ortega, 2008ORTEGA, F. O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade. Mana, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p.477-499, 2008., 2009ORTEGA, F. Deficiência, autismo e neurodiversidade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 67-77, 2009.).

Considerações finais

Este artigo compreendeu as demandas e necessidades dos grupos Azul Claro e Azul Celeste e seus diálogos com uma agenda nacional dos direitos em saúde da pessoa com autismo. Os grupos constituem duas associações de pais de autistas de maior representatividade política junto ao poder público no estado do Rio de Janeiro. Outros pesquisadores brasileiros vêm se debruçando sobre a atuação de demais organizações formadas por familiares de autistas (Cavalcanti, 2003CAVALCANTI, F. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de necessidades especiais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.; Block; Cavalcanti, 2012BLOCK, P.; CAVALCANTI, F. Autism in Brazil from Advocacy and Self-Advocacy Perspectives: a Preliminary Research Report. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.autismaroundtheglobe.org/countries/Brazil.asp >. Acesso em: 20 mar. 2013.
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; Rios; Costa Andrade, 2015RIOS, C.; COSTA ANDRADA, B. The Changing Face of Autism in Brazil. Culture, Medicine, and Psychiatry, [S.l.], v. 39, n. 2, p. 213-234, 2015.).

De acordo com a antropóloga Chloe Silverman (2012)SILVERMAN, C. Understanding Autism: Parents, Doctors, and the History of a Disorder. Princeton: Princeton University Press, 2012., as disputas e nuances entre os movimentos do autismo refletem os modos como este é concebido, a partir de experiências empírico-afetivas particulares. Para a autora, o “amor” dá sentido a escolhas práticas e terapêuticas e é uma forma de expertise que transforma pais e mães de autistas em “especialistas-amadores”. No contexto das demandas políticas, pais-ativistas unem formas privadas de experimentar o autismo a reivindicações e pleitos coletivos (Nunes, 2014NUNES, F. Atuação política de grupos de pais de autistas no Rio de Janeiro: perspectivas para o campo da saúde. 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.). No estado do Rio de Janeiro, em suma, o foco no “direito ao tratamento” envolve medidas de fortalecimento e ampliação a serviços “específicos” e “especializados” que compreendam as “particularidades” dos autistas. Logo, a “luta” por “direito ao tratamento” não trata apenas de reconhecer o descontentamento de familiares com a qualidade e/ou com o modelo de atendimento já oferecido pela rede pública de saúde mental. Os atores envolvidos buscam, entre campos de poder, selar certos destinos para seus filhos e para os filhos “dos outros”.

A análise das experiências de ambos os grupos revelou a imprescindibilidade da construção de “parcerias” entre sociedade civil e políticos, para que se formulem legislações e se assegurem direitos específicos. Somente no estado do Rio de Janeiro, os grupos Azul Claro e Azul Celeste foram responsáveis pela pressão para a aprovação de leis municipais e estaduais referentes ao diagnóstico precoce, na atenção básica, e a construção de centros de atendimento voltados ao autismo. Até o presente momento, aguardam-se recursos para que os projetos saiam do papel.

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    » http://bit.ly/2go0ctJ

  • 1
    Este artigo é resultado da pesquisa desenvolvida para dissertação de mestrado e foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pesquisa teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP-IMS)

  • 2
    Desde 1989, o Congresso Brasileiro de Autismo ocorre em diferentes regiões do país, reunindo familiares, profissionais e pesquisadores interessados em discutir questões médicas, sociais e educacionais a respeito da deficiência (Mello; Dias; Andrade, 2013MELLO, A. M.; DIAS, I.; ANDRADE, M. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Secretaria de Direitos Humanos, 2013.). No site oficial, a Abra explica que a relevância política do evento acontece pela participação de representantes do governo, que são convidados a mostrar suas propostas e a ouvir as necessidades das associações. Disponível em: <http://www.autismo.org.br/site/abra/historia-e-atuacao.html>. Acesso em: 2 nov. 2016.

  • 3
    A Lei nº 10.216/2001, fruto da reforma psiquiátrica, se endereçou à reformulação da política de assistência à saúde mental. Determinou, em parágrafo único, os direitos das pessoas com transtornos mentais e previu o desenvolvimento de uma política de saúde mental pelo Estado, bem como a necessidade de alocação de recursos públicos voltados para dispositivos não manicomiais de atendimento e a obrigatoriedade da comunicação das internações compulsórias à autoridade judiciária (Brasil, 2001BRASIL. Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 abr. 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm >. Acesso em: 30 mar. 2013.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).

  • 4
    Em seus primeiros trabalhos, Vasconcelos (2003VASCONCELOS, E. M. O poder que brota da dor e da opressão: empowerment, sua história, teorias e estratégias. São Paulo: Paulus, 2003., 2008VASCONCELOS, E. M. Dispositivos associativos e de luta no campo da saúde mental no Brasil: quadro atual, tipologia, desafios e propostas. In: ______. Reforma psiquiátrica e saúde mental na ótica da cultura e das lutas populares. São Paulo: Hucitec, 2008, p. 15-20.) defendeu o uso do conceito original (empowerment), em inglês, por achar que a tradução para o português – como “empoderamento” – enfraquecia seu sentido real. No entanto, em trabalhos mais recentes, percebeu que o termo em inglês é inacessível “a quem mais se destina: os indivíduos e grupos sociais submetidos a processos de exclusão, opressão e discriminação” (2003, p. 59).

  • 5
    O ativismo relacionado à Aids, nos Estados Unidos, foi um dos primeiros na conversão em larga escala de “vítimas” de uma doença em “ativistas-especialistas”, tornando-se modelo para outros movimentos sociais em saúde (Epstein, 1996EPSTEIN, S. Impure Science: AIDS, Activism, and the Politics of Knowledge. 1. ed. Berkeley; Los Angeles; Oxford: University of California Press, 1996.).

  • 6
    Neste artigo, a palavra “parceria” aparecerá entre aspas para indicar um termo êmico.

  • 7
    O sistema educacional inclusivo é assegurado pela CDPD da ONU. Assim, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008bBRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Aprova do texto da convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e de seu protocolo facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 jul. 2008b, p. 1.) garante que os alunos com as mais diversas deficiências estejam incluídos em classes regulares, em escolas das redes pública e particular.

  • 8
    Durante a cerimônia comendativa de entrega da medalha Tiradentes, realizada em junho de 2013, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), uma fundadora do grupo Azul Claro emocionou o público que ocupava o plenário ao destacar a importância da atenção às necessidades da “família de autista”. No decorrer de seu discurso, acompanhada por mãos visivelmente trêmulas, a participante afirmou que os cuidados com o filho autista podem chegar a nove mil reais por mês, o que contribui para tornar as famílias “pobres, sozinhas, descrentes e doentes”.

  • 9
    O Dia Mundial de Conscientização do Autismo foi decretado pela ONU em 2008. A data foi criada com a finalidade de conscientizar a sociedade civil e os estados membros, além de motivar ações que invistam em diagnóstico precoce, pesquisas e intervenções vitais para o crescimento e desenvolvimento do indivíduo.

  • 10
    Entre as modalidades, se encontram os Caps I, II, III, CAPSi e AD. A abrangência dos diferentes tipos de Caps foi definida por ordem crescente de porte/complexidade e cobertura populacional, conforme disposto na Portaria GM nº 336/2002 (Brasil, 2002BRASIL. Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 fev. 2002, p. 9.).

  • 11
    O texto da minuta de decreto pode ser conferido em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/828>.

  • 12
    Trata-se, nesse caso, do posicionamento público apresentado pelos grupos de familiares de autistas enquanto coletivos.

  • 13
    De acordo com o programa Viver Sem Limite, a “habilitação” e a “reabilitação” garantem a mobilidade e a autonomia dos indivíduos com deficiência, mediante o desenvolvimento de “habilidades funcionais”. Seguindo essa linha de cuidado, o Manual das diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA), lançado pelo Ministério da Saúde, em 2013, explica que a reabilitação aplicada ao contexto do autismo envolve “dimensões comportamentais, emocionais, cognitivas e de linguagem (oral, escrita e não-verbal)” (Brasil, 2013BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013., p. 57).

  • 14
    Segundo relatório produzido pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2005BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil. 1. ed. Brasília, DF: Editora MS, 2005.), fica caracterizada a hegemonia da psicanálise na direção clínica dos Caps, embora o saber multidisciplinar seja desejável. Contudo, é possível afirmar que esse documento foi escrito por um grupo específico de profissionais da rede de saúde mental do estado do Rio de Janeiro, de modo que não representa, necessariamente, a orientação clínica de todos os Caps do estado e do país. Por outro lado, recentemente, Lima et al. (2014)LIMA, R. et al. Indicadores sobre o cuidado a crianças e adolescentes com autismo na rede de CAPSi da região metropolitana do Rio de Janeiro. Physis, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 715-739, 2014. realizaram grupos focais com trabalhadores de cada CAPSi da região metropolitana do Rio de Janeiro, a fim de gerar indicadores sobre o tratamento de autistas, os quais foram agrupados em cinco eixos temáticos. Quanto à categoria “formação dos profissionais e processos de trabalho”, os autores (idem, p. 731) observaram, no discurso dos profissionais, a prevalência da psicanálise como referencial teórico mais citado, ainda que “os elogios à diversidade de linhas” e “a crítica ao enrijecimento teórico” também tenham recebido atenção desses atores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2016
  • Revisado
    22 Ago 2016
  • Aceito
    26 Out 2016
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