A Reforma Leser: a arquitetura de um projeto de saúde pública paulista, 1967-1979

The Leser Reform: the architecture of a São Paulo (Brazil) public health project, 1967-1979

André Mota Lilia Blima Schraiber José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres Sobre os autores

Resumo

Como parte de estudo sobre a história da saúde coletiva em São Paulo, a fim de identificar e debater particularidades regionais da criação e consolidação da saúde coletiva, este artigo pretende apresentar uma análise de dimensão histórica de algumas das ações exercidas pelo médico sanitarista Walter Leser à frente da Secretária da Saúde do estado de São Paulo entre os anos 1967 e 1970, em seu primeiro período, e entre os anos 1975 e 1979, em seu segundo período. Neste último é que, de fato, realizaram-se ações no sentido de implementar a Reforma Sanitária Leser, como ficou, ao final, denominada essa iniciativa paulista. Neste artigo recupera-se a relevância dessas ações, quer no sentido de reorganização da máquina pública de saúde pública quer para a abertura contextual ao movimento de saúde coletiva paulista, que se organizou, sobretudo, por dentro da máquina pública estadual do período. Considera-se que a Reforma Leser teve grande repercussão na constituição especialmente da Atenção Primária à Saúde (APS) e em sua consolidação como nível de atenção que viria a ser considerado eixo de grande relevância na proposição e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 1988. No entanto, a política pública que definiu a APS na Reforma Leser como um determinado modelo assistencial, a Programação em Saúde, teve uma existência histórica bastante curta.

Palavras-chave:
Reforma Leser; História da Saúde Pública Paulista; Saúde Coletiva

Abstract

As part of a study on the history of public health in São Paulo, aiming at identifying and debating regional peculiarities on the creation and consolidation of public health, this article intends to present a historical dimension analysis on some of the actions carried out by the sanitary physician Walter Leser, in charge of the Secretary of Health in the state of São Paulo between 1967 and 1970, in the first period, and between 1975 and 1979, in the second period. It was, in fact, in this last period that actions were undertaken to implement the Leser Sanitary Reform, as was named, at the end, this São Paulo initiative. This article recovers the relevance of these actions, both in the sense of reorganization of the government’s public health machinery and for the contextual opening to the public health movement of São Paulo, which was organized, above all, within the state government’s machinery of the period. It is considered that the Leser Reform has had a relevant impact especially in the constitution of Primary Health Care (PHC) and in its consolidation as an important level for the health system, as it would be considered in the proposal and implementation of the Brazilian National Health System (SUS) after 1988. However, the public policy that defined the PHC under the Leser Reform as a certain care model, the Programação em Saúde, had a very short historical existence.

Keywords:
Leser Reform; History of São Paulo’s Public Health; Collective Health

A figura de Walter Leser (1909-2004) vem recebendo paulatinamente contornos biográficos. Ingressou como estudante na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em 1928 e precisou tomar emprestados três contos para pagar a impressão de sua tese de doutorado, em 1933: “no curso médico, desde cedo percebeu que não podia lidar com a incerteza diagnóstica ante a carência de exames objetivos, levando-o a afastar a possibilidade de uma carreira clínica” (Mello; Bonfim, 2015, p. 2750). Isso talvez explique sua aproximação de Geraldo de Paula Souza e a motivação para escrever uma tese sobre estatística médica, campo quase desconhecido no Brasil. Nasceu daí uma relação de proximidade contínua e uma tese de doutorado: Contribuição para o estudo dos métodos estatísticos aplicáveis à medicina e à higiene.

No campo da docência, em 1934, foi indicado por Geraldo de Paula Souza para uma cadeira na Escola Livre de Sociologia e Política como professor substituto de estatística, logo assumindo-a interinamente. Em 1942, foi empossado catedrático da Escola Paulista de Medicina (EPM), na cadeira de higiene. Mais tarde, entusiasta da medicina preventiva e impressionado por sua participação no Seminário de Viña del Mar em 1955, concorreu para a criação do Departamento de Medicina Preventiva dessa escola. A indicação de Leser para a Secretaria de Saúde de São Paulo teria partido de Jairo Ramos, professor da EPM, ao então governador de São Paulo, Abreu Sodré (1967-1970). Voltou ao cargo entre 1975 e 1979, no governo de Paulo Egydio Martins.

Na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, compôs um dos quadros mais interessantes de reformulação de políticas públicas de saúde no território paulista, apontando uma situação de deterioração da máquina pública e das repercussões na vida dos cidadãos e, em 1975-1979, ao voltar ao cargo, agora com mais respaldo político, aprofundou parte das medidas tomadas anteriormente, como a criação de uma nova profissão - a do médico sanitarista -, além da construção de centros de saúde (CS) como forma de incorporar esses novos profissionais, e tecnologicamente os horizontalizando para diminuir a crise dos serviços hospitalares, numa articulação entre a clínica e a saúde pública. Seu projeto, de cunho liberal, acabou participando do movimento nascente da saúde coletiva, reunindo uma plêiade de profissionais, em sua maioria médicos, envolvidos com uma nova concepção de saúde. O projeto dirigido por ele sobreviveu até o fim da década de 1980, quando a máquina pública de saúde ganhou novos atores e ação de partidos políticos (Mota, 2018).

Por uma reforma de saúde pública liberal: a arquitetura de um projeto

Logo que chegou à Secretaria de Saúde em 1967, Walter Leser teceu sérias críticas sobre as administrações anteriores, afirmando ter encontrado

“apenas uma coisa que lembra o que se costuma chamar de organograma”, mas que, na realidade, não passava de um “empilhamento de coisas, com larga soma de fantasias e fantasmas, isso é, com a inclusão de entidades e órgãos inexistentes ou ainda por criar”, como resultado de uma acumulação sem planejamento de funções e órgãos que chegou a tal ponto que atualmente torna impossível o trabalho. Em 1947, a Secretaria da Educação e Saúde foi subdividida em duas, e foi dado o célere prazo de 90 dias para ser feita a regulamentação - que até hoje não foi feita -, bem como a estruturação da pasta. (Saúde…, 1968, p. 9)

No XVIII Congresso Brasileiro de Higiene, realizado em Salvador em dezembro de 1968, detalhou a proposta da reforma em curso, quando também foram colocados como anexo os decretos correspondentes à Reforma Administrativa, o Plano de Trabalho para essa Reforma, o Projeto de Regionalização e as plantas dos edifícios projetados para as Unidades Sanitárias, tendo como responsáveis o próprio Walter Leser, Humberto Pasquale, Luiz Magliano, Morato Proença, Rodolfo Mascarenhas, Toledo Piza e Vitor Homem de Mello, entre outros colaboradores.

O texto começa com dados demográficos e estatísticos do estado de São Paulo e de sua capital (população, mortalidade geral, vida média ao nascer, coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis, saneamento básico, estabelecimentos hospitalares e número de médicos). No tópico, “Aparelhamento de saúde pública”, mapearia o quadro definido como causador do caos que vicejaria nas instituições sanitárias e hospitalares estaduais:

congestão de cúpula: há excessiva concentração de atribuições técnico-administrativas ao nível de Secretário de Estado, o qual fica assoberbado por solicitações muito numerosas, freqüentes, insistentes e em geral urgentes, que na grande maioria deveria ser decidida em nível inferior; falta de continuidade: sendo transitório o titular da Pasta e a organização não possibilitando o desenvolvimento de planos em caráter permanente, resulta que as freqüentes mudanças de orientação não permitem a continuidade administrativa, prejudicando a obtenção de objetivos programados a longo prazo; ausência de comando único em nível local: o bom rendimento do trabalho deve repousar na perfeita definição de responsabilidades “ponta de lança”, isto é, no nível da prestação de serviços à população. Esta condição é indispensável para o exato conhecimento dos problemas e o equacionamento de soluções viáveis; inexistência de carreira de saúde pública: saúde pública há muito se erigiu em saúde pública. Os administradores de saúde pública e outros profissionais recebem formação em escolas especializadas. Entretanto, trata-se de especialidade que não encontra aplicação fora do serviço público. O Estado deve condições de trabalho que permitam a realização profissional. Para tanto, há necessidade de carreiras funcionais específicas que ofereçam perspectivas atraentes; insuficiência de normas e supervisões técnicas: há a necessidade de órgãos específicos incumbidos da elaboração de normas técnicas, bem como de perspectiva, de supervisão, independentes da autoridade executiva; insuficiência de informação e planejamento: a ausência de órgãos de cúpula normativos e coordenadores no que tange à informação e ao planejamento em caráter permanente responde pela ampla deficiência de dados e informações e pela falta de uniformidade dos mesmos. Essa situação dificulta, sobremodo, a implantação de práticas de planejamento, exigência hoje inelutável; deficiência operacional: há excessiva centralização das atividades-meio, especialmente administração de pessoal e financeira, não mais compatível com o crescimento populacional e a extensão territorial. As unidades “de linha” dependem muito de decisões de nível central que, demoradas dada a congestão de cúpula, entravam em funcionamento. Por outro lado, há excessiva descentralização técnica, de tal modo que aquelas unidades carecem de orientação e controle. (Leser et al., 1968, p. 6, grifos do original)

Com a Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, reorganiza-se a administração pública federal, o que acabou definindo áreas de competência dos órgãos públicos e na unificação da Previdência Social. Decorre daí uma nova legislação, a Lei nº 48.040, de 1º de junho de 1967, que permite uma reforma administrativa não apenas no setor federal, mas nas secretárias estaduais de saúde:

A Lei n. 48.040 estabeleceu, também, a coordenação geral da reforma da Secretaria de Economia e Planejamento, criada em 1964, e definiu o prazo de trinta dias para a apresentação de um plano de trabalho para melhoria da eficiência administrativa e projetos referentes às unidades de prestação de serviços e remoção de pontos de estrangulamento. Criou, também, o Grupo de Estudos da Reforma Administrativa, posteriormente, Grupo Executivo (Gera). As propostas de reforma passaram a ser geradas e discutidas em grupos de trabalho constituídos pelo Executivo. (Iyda, 1994, p. 115)

Com o Decreto nº 48.162, de 3 de julho de 1967, criando em todo o estado 10 regiões e 48 sub-regiões, um ponto ganharia importância: a descentralização executiva a partir dos distritos locais, ou seja, a atuação da unidade básica numa área circunscrita e com população compatível.

Variando em termos gerais de 40.000 a 150.000 habitantes; na capital e grandes cidades compreenderá um ou mais sub-distritos de paz, no interior um ou mais municípios. O Distrito Sanitário será chefiado por médico-sanitarista de carreira, em regime de dedicação exclusiva obrigatório, que será o responsável por todos os problemas de saúde pública da área. Além da chefia única, outra característica importante do Distrito Sanitário será a existência de uma unidade de saúde capitânea - o Centro de Saúde Distrital. (Leser et al., 1968, p. 9)

Conforme indicado, seria fundamental a criação da carreira de sanitarista, “complemento indispensável à implantação da reorganização da proposta, de vez que a própria estrutura depende da existência de carreiras especializadas de saúde pública” (Leser et al., 1968, p. 11).

Em suas memórias, para além da reforma administrativa e legislativa, Leser descreveu alguns resultados considerados importantes para aquele momento. Entre eles estaria a erradicação da varíola, acompanhando a campanha mundial proposta pela Organização Mundial de Saúde:

para chefiar a campanha, encontrei o Ruy Soares, veterano sanitarista que havia trabalhado na erradicação do Anopheles gambiae, no Nordeste, na década de 30. Ele recrutou, treinou e, com rígida disciplina, com a participação de duas dedicadas educadoras sanitárias, Ausônia Donato e Zenaide Lessa, cobriu em dois anos, de agosto de 1968 a agosto de 1970, todo o Estado, vacinando 90,7% da população. (Leser, 2009, p. 80)

Foi instituído um programa de vacinação, já que não havia uma previsão de vacinação na rotina das unidades de saúde, criando-se pela primeira vez no país uma caderneta de vacinação e uma política de aquisição de medicamentos. Outra ação que rendeu respostas rápidas foi a retomada dos CS, alguns criados a partir desse período, sendo atrelados às escolas médicas e de saúde pública e concorrendo para a formação de profissionais e para o atendimento aos pacientes. Ganhou destaque a reforma dos métodos de controle da lepra, combatendo a segregação compulsória e instituindo o termo “hanseníase” para designar a doença, bem como aumentando vagas em instituições voltadas à saúde mental, onde “o atendimento dos doentes mentais era terrível, com hospitais superlotados e por vezes quase em ruínas, praticamente não existindo assistência ambulatorial” (Leser, 2009, p. 80).

O combate à esquistossomose, que havia atingido, à época, cerca de 31 municípios, foi liderado por José de Toledo Piza, na chamada Campanha da Esquistossomose, e finalmente o drama da desidratação estaria no projeto a partir de uma reestruturação da área de saneamento básico, questão que foi resolvida em parte e nas décadas seguintes. Cumpre apontar a criação do Sistema Cantareira, projeto elaborado a partir dessa administração, além de ações sanitárias, como a distribuição de frascos com solução de hipoclorito. A equipe liderada por Leser conseguiu redesenhar, nessa primeira gestão, uma nova estrutura administrativa da Secretaria e, por meio das bases preventivistas, disparou um processo que teria certo impacto na saúde pública do estado.

O Relatório da Secretaria de Saúde referente a essa gestão (1967-1971) se abre com o que Leser chamou de “filosofia do Estado”, tendo os lemas preventivistas e da medicina comunitária como condutores de todo o processo, além de uma referência à saúde coletiva, expressão que se cunhava naquele momento. Diz ele:

a atuação estatal no campo da saúde deve filiar-se a um contexto de idéias que estabeleça equilibradas prioridades, da prevenção sobre a cura, da saúde da comunidade sobre a saúde individual. Embora a saúde seja direito imanente do indivíduo independentemente de sua idade, sexo, raça, ocupação e condições econômicas e sociais, no conceito da Organização Panamericana de Saúde, o estado de saúde individual, como fator de bem-estar social e de desenvolvimento econômico, é largamente dependente do nível da saúde coletiva. A ação do Estado deve visar, primordialmente, a romper com o círculo vicioso em que naturalmente se encadeiam doença, pobreza e ignorância. (São Paulo, 1971, p. 1)

Segundo o Relatório, deveria o governo atentar para uma questão imediata: o saneamento básico. Essa deveria ser a primeira ação de impacto em todo o estado e em grande parte da capital. Depois viria a Reforma Administrativa, que deveria atentar para a promoção e prevenção, devendo desenvolver “prioritariamente atuação sistemática em educação sanitária, em imunizações, em saneamento ambiental, bem como a assistência clínica, médico-sanitária, às camadas menos favorecidas” (São Paulo, 1971, p. 7). Como se depreende, a intenção era mostrar uma máquina administrativa em organização, envolvendo o secretário de estado e sua cúpula governamental, o Departamento de Administração das Secretarias, o Departamento Técnico-Normativo, a Coordenadoria de Saúde da Comunidade (CSC), a Coordenadoria de Assistência Hospitalar (CAH), a Coordenadoria de Saúde Mental (CSM) e a Coordenadoria de Serviços Técnicos Especializados (CSTE).

Sobre as coordenadorias, o Relatório apresentou algumas determinações particulares para cada uma. Na CSC, tratava-se de reunir 1.500 unidades sanitárias, subordinadas a seis órgãos independentes. Para isso, optou-se por duas linhas de trabalho, visando não prejudicar o ritmo de atendimento à população: a primeira de estudo da situação com dados disponíveis, mesmo que considerados precários. A segunda pretendia criar condições para suportar as mudanças estruturais profundas, mas sem causar colapso no sistema existente. A CAH, considerada parcialmente instalada, deveria buscar, em sua complexidade administrativa e de serviços, formar pessoal não apenas de nível universitário, mas também de nível médio e auxiliares. Os órgãos centrais da Coordenadoria estariam instalados, tendo sido absorvido o antigo Serviço de Medicina Social e parte do Conselho Estadual de Assistência Hospitalar, além da constituição de um Conselho Hospitalar do estado, com membros de órgãos públicos e privados que avaliariam o andamento da Coordenadoria e, se necessário, sugeririam mudanças.

A CSM tinha um embaraço excepcional para resolver: o Conjunto Nosocomial do Juqueri, que, superlotado e sem condições infraestruturais mínimas, viveria em precariedade inaceitável. Para isso, foram designados um procurador do estado e um grupo técnico formado por psiquiatras. Abriram-se 500 leitos em outras instituições e se removeu parte dos pacientes, aqueles considerados mais graves. Os números mostravam que, mesmo com avanços, faltariam pessoal, instalações e equipamentos, somado à superlotação: em 1967, estariam internadas 14.936 pessoas e, em 1970, esse número teria diminuído para 12.958. Finalmente, a CSTE deveria desenvolver estudos e pesquisas médico-científicas aplicadas e formação de pessoal especializado, e criar laboratórios de saúde pública. Estariam envolvidos nessa área o Instituto Butantan, que, diante de sua situação de penúria financeira, deveria receber aportes financeiros, podendo restabelecer suas atividades, e o Instituto Adolfo Lutz, que também seria reorganizado e receberia aportes financeiros, devendo ainda ser criados os cargos de chefia e direção. Dentro da Coordenadoria, seria criado o Instituto de Saúde (Decreto nº 52.505, de 29 de julho de 1969), para acompanhar as atividades de saúde da comunidade em relação com as unidades sanitárias; por isso, suas atividades deveriam ainda ser acompanhadas, naquele momento, no ritmo da própria Reforma (São Paulo, 1971, p. 4).

O Relatório deixaria claro que havia obstáculos não transpostos, deixando a Reforma inconclusa em certas esferas, como também revelaria áreas que ganhavam um movimento considerado positivo e dentro de uma agenda tecnológica de trabalho minimamente esperada. Um desses obstáculos era a falta de pessoal qualificado, mesmo com as recentes nomeações, acarretando dificuldades para a implantação da Reforma Administrativa e para o desempenho de atividades programadas. Segundo o Relatório, haveria três motivos para essa pendência:

(a) a admissão de servidores não se procedeu, durante muitos anos e para larga parcela dos admitidos, através de seleção baseada em critérios de capacidade para funções a serem desempenhadas; (b) mesmo quando inicialmente pequeno, em decorrência da admissão, o ajustamento dos servidores às funções que lhes cabem poderia ser aprimorado pela realização de programas de adestramento, ainda com limitações impostas pela capacidade de aprender de cada um. Poucas e esparsas eram as atividades desse tipo; (c) em 1968, foi criado o Grupo de Trabalho, cuja área do trabalho foi definida como “recursos humanos necessários à execução de atividades de promoção, preservação e recuperação da saúde”. De há muito era reconhecida a ausência, no quadro da Secretaria, de funções indispensáveis para o correto desempenho daquelas atividades; a essa deficiência se somava a insuficiência de cargos para as funções existentes. (São Paulo, 1971, p. 112-7)

No caso da criação do cargo de médico sanitarista, haveria desinteresse da parte dos profissionais, o que colocava em suspenso o projeto que, em larga medida, dependia desses profissionais para assumir postos de chefia nas unidades, bem como para conduzir o próprio dia a dia do serviço de saúde:

pelo Decreto-Lei de 02/10/1969, foi criada a carreira do médico-sanitarista, escalonada em quatro níveis, afora os cargos de gestão. Foi possível, mediante concurso de acesso, o provimento efetivo dos cargos de médico sanitarista II, com aproveitamento de médicos do quadro da Secretaria, admitindo-se para muitos deles, que a experiência em serviço, dentro do limite razoável, supria a falta de curso de especialização em saúde pública. Entretanto, o concurso público em seguida realizado, para provimento de 200 cargos iniciais da carreira (médico sanitarista I) teve apenas 18 candidatos, dos quais foram aprovados 15 e, destes, somente 7 aceitaram a nomeação. (São Paulo, 1971, p. 118)

O desinteresse se deveria à falta da carreira profissional e às condições salariais, o que deixava o curso para sanitarista da Faculdade de Saúde Pública quase sempre vazio. Mas havia cursos intensivos, com o fito de formar pessoal adequado:

mesmo tendo aumentado o contingente de alunos enviados pela Secretaria, a partir de 1967, ele não excedeu a 13, depois de convenientemente selecionados os candidatos, embora a capacidade da Faculdade comporte até 30 alunos nesse curso. Tem sido irrisório o número de candidatos às bolsas de estudo oferecidas pela Secretaria a médicos recém-formados que desejem fazer o curso de saúde pública. (São Paulo, 1971, p. 119)

No tocante às obras, o projeto da reforma caminhava. Como se vê, houve em períodos anteriores um aumento desequilibrado de centros e postos de saúde por todo o estado - cerca de 1.500 unidades -, muitos constituídos em prédios alugados, sem as condições infraestruturais necessárias a instituições de saúde:

além de inadequados para a finalidade, passaram a mostrar, com o correr do tempo, estado de conservação precário decorrente de dispositivos contratuais que não interessavam os proprietários pela manutenção das locações; outra consequência também aflitiva eram as ações de despejo, que se tornaram numerosas (208 em 1966) quando a legislação da espécie permitiu a retomada dos imóveis alugados. (São Paulo, 1971, p. 127)

Nesse aspecto, em 1967, as obras em andamento teriam prosseguido:

grandes unidades sanitárias regionais: São José do Rio Preto, Bauru, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, na Capital - Centro de saúde de Santa Cecília; unidades sanitárias menores: Olímpia e Taquaritinga; hospitais: Psiquiátrico de Botucatu, Geral de Sorocaba, Tisiologia de Sorocaba, Geral de Mirandópolis, Cardiologia na Capital. (São Paulo, 1971, p. 128, grifos do original)

Em 1968, além do prosseguimento dessas obras, tem início a expansão do Programa de Obras e, com isso, a construção de 13 novos prédios para unidades sanitárias, conjuntamente às 121 obras de reforma ou ampliação dos prédios existentes. O ano de 1969 seria o ápice da expansão do Programa: ao pedir a devolução da quota de excesso da arrecadação relativa ao ano de 1966, o governo do estado permitiu que se destinasse parte dos recursos à construção de CS:

assim, foram lavrados convênios entre a Secretaria e as Prefeituras interessadas, chegando as contribuições destas a cobrir cerca de 17% das aplicações da espécie no exercício. Neste ano, foi concluída a construção de 12 prédios novos, inclusive as grandes unidades regionais de São José do Rio Preto e Presidente Prudente. (São Paulo, 1971, p. 130)

Sobre essa reforma, Mendes-Gonçalves ponderou que se empreendia no bojo do amplo processo de modernização do Estado brasileiro ocorrido com o golpe militar de 1964, centrado, como podemos acompanhar, na integração de serviços, na centralização normativa e num sistema de informações:

tais características da reforma de 1967 não implicam substanciais modificações nas concepções sobre o objeto de trabalho, que já era concebido sobre sua dimensão coletiva nos modelos anteriores, e portanto autorizam pouco mais que a conclusão de que a reforma constituía-se, sobretudo, em um notável esforço de modernização e racionalização da Secretaria. (Mendes-Gonçalves, 1986, p. 117)

Indo além, esse desenho reformista se aplicaria ao terceiro modelo tecnológico de saúde, pela introdução da assistência médica individual, experiência vivida pelos serviços verticais, mas agora com uma novidade:

a ampliação da ideia de grupos populacionais, e não mais para o tratamento de doenças específicas. Dois desses programas foram introduzidos à época: o Programa de Assistência à Criança e o Programa de Assistência à Gestante, incluindo ações de assistência médica individual como meios, como instrumentos de um projeto de ação mais amplo, estruturado sobre a noção de história natural das doenças. (Mendes-Gonçalves, 1986, p. 118)

A assistência individual deve ser situada num plano mais amplo, na crise econômica e dentro do chamado Milagre Brasileiro, quando a crise na assistência individual privada abria a possibilidade de uma nova dinâmica nas instituições de saúde pública, inclusive oferecendo assistência médica individual à população mais carente, sobretudo dos centros urbanos:

no caso da saúde pública, essas medidas compensatórias coincidiram com a proposta internacional de Alma-Ata em 1978, que propôs a extensão da assistência primária para toda a população e a necessidade de expansão do modelo de atenção à saúde de baixo custo pelo sistema brasileiro. O discurso da saúde pública com baixos recursos foi uma retórica usada nesse período para justificar a falta de um sistema nacional de saúde com assistência ampla e justa. (Carvalheiro; Marques; Mota, 2013, p. 13)

A capital paulista no jogo da verdade (1974)

Segundo conta Leser em suas memórias, no fim do ano de 1974, ou seja, depois de seus quatro anos fora da Secretaria, Cerqueira César11Trata-se de Roberto Cerqueira César, Secretário dos Negócios Metropolitanos do governo do estado na gestão de Paulo Egydio Martins (1975-1979). o teria procurado com um pedido do futuro governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins: que Leser apresentasse um estudo sobre a situação da saúde pública na capital. Diz ele:

resolvi, então, buscar ajuda na Faculdade de Saúde Pública, onde encontrei a máxima boa vontade. Entre vários outros, colaboraram Juarez, o Ruy Laurenti, o Cid Guimarães, o Vitório Barbosa e a Evelyn Sá, que havia atuado no projeto de reforma da Secretaria e já havia passado para a área de saúde como assistente da cadeira de administração da Faculdade. Foi feita uma volumosa e completa análise da situação, incluindo os vários indicadores de nível de saúde como, por exemplo, os indicadores de mortalidade infantil, apontando os fatores que o condicionam, com saliência do referente à deficiência do abastecimento de água tratada. (Leser, 2009, p. 93)

Foi imbuído desses objetivos que o citado Relatório dava inicialmente um esclarecimento fundamental:

assim é que, ao lado de todas as conquistas na luta pela promoção, preservação e recuperação da saúde da comunidade sob nossa jurisdição, estaremos, respeitosamente, dentro do “jogo de verdade”. Alinharemos aqui todas as nossas deficiências operacionais e nossas limitações estruturais, de modo a que nossas dignas autoridades da Administração Superior possam objetivamente conhecê-las em toda a sua extensão e, em conseqüência, nos fornecer os meios indispensáveis para eliminá-las, ou reduzi-las a níveis toleráveis. (São Paulo, 1971, p. 1)

Posteriormente, sobre a cidade de São Paulo, o Relatório das Atividades Desenvolvidas pelo Departamento Regional da Grande São Paulo dizia:

a área cobre 8.055 km2 e uma população de 10 milhões de habitantes. Problemas com a chegada de mão-de-obra vindo de outros estados com problemas de doenças infecciosas e parasitárias. Contaminação ambiental resultando em comprometedores déficits de saneamento básico, condições de moradia e pobreza. Numa área programática assim, sempre ameaçada pelos mais inumeráveis agravos de equilíbrio de sua ecologia, suas unidades de promoção e de preservação da saúde coletiva, a esta altura, ainda não estão equipadas com os insumos críticos reclamados pela magnitude das tarefas que lhes compete realizar, o que autoriza a conclusão de que elas vêm sendo subestimadas, através dos tempos. (São Paulo, 1975, p. 2)

A respeito da aparelhagem tecnológica arquitetada pela gestão Leser em 1968, no que dizia respeito à estruturação das unidades, entre as quais os CS, foi enfático em reportar a paralisação da reforma que havia sido implementada e o mau estado do aparelhamento médico-sanitário estadual, sobretudo pela falta de pessoal, que seria o epicentro do problema. Diz o Relatório (São Paulo, 1975, p. 2-3):

Situação dos Centros de Saúde: com efeito, em suas 183 unidades sanitárias, 80% das quais sediadas em precaríssimos prédios alugados, existe no momento um déficit de quase 50% dos seus médicos consultantes, carência de cerca de 30% de suas enfermeiras, inexistência de 460% de seus visitadores, de 30% de suas viaturas e de 250% de seus motoristas.

Diante de uma máquina obsoleta e quase parada, o dia a dia dessa estrutura de gestão demonstrava que muito pouco era feito, agravando quase todos os quadros de morbidade e de mortalidade, principalmente na capital:

obsoletismo dos aparelhos de raios X: Outro ponto importantíssimo de estrangulamento tem sido o estado de obsoletismo dos aparelhos de radiografia e abreugrafia das 23 unidades de tisiologia integradas na rede de unidades sanitárias da área. Com efeito, dado o seu já longo tempo de vida útil decorrido, são cada vez mais freqüentes as interrupções de seu funcionamento por avarias, em evidente prejuízo do controle epidemiológico da endemia, que, como demonstraremos, está se destacando como um dos danos mais atuantes da problemática da saúde na Grande São Paulo. Prédios-Sedes do Centro de Saúde: das 183 unidades sanitárias componentes do órgão, apenas 38, ou seja, 20% estão instaladas em prédios construídos pelo Estado. (São Paulo, 1975, p. 3-4)

Os resultados das décadas em que a saúde pública em São Paulo definhava, patentes nas taxas de mortalidade infantil, revelavam a ponta de um iceberg a denunciar a situação crítica vivida pela população. No caso da capital, segundo o mesmo Relatório (São Paulo, 1975, p. 5), as epidemias e endemias vinham delineando esse quadro:

Depois de praticamente estacionários em torno da faixa de 60 a 70 por mil nascidos-vivos durante vários anos, os coeficientes de mortalidade infantil do município da capital começaram a se deteriorar a partir de 1966, culminando nos últimos anos, quando atingiram os seguintes valores:

Arrematavam esse quadro os dados sobre o saneamento básico da cidade de São Paulo, principalmente o precaríssimo abastecimento de água:

Dados coletados pelo Censo de 1970 revelaram que apenas 64% da população de nossa capital tinha suas casas ligadas à rede de água. A mesma fonte revela que, por seu turno, apenas 40% da população era servida de rede oficial de esgotos, o que significa que existiam, à época, cerca de 840.000 fossas em torno da cidade a contaminar os presumíveis 560.000 poços de lençol freático em pleno funcionamento. Tal situação, vexatória para qualquer comunidade, nos últimos 4 anos sofreu melhoria sensível, embora ainda não satisfatória para a mais desenvolvida metrópole do país. Com efeito, dados ainda não confirmados atribuem à área em questão cobertura de 70% da população pela rede de água e 50% pela de esgoto, a esta altura. (São Paulo, 1975, p. 6)

Finalmente, o Relatório reiterava sua intenção de ensejar “melhor conhecimento dos problemas da área a serem atacados com prioridade, em evidente benefício da racionalização da aplicação dos nossos escassos recursos e do maior rendimento das ainda limitadas capacidades operacionais de nossas unidades sanitárias” (São Paulo, 1975, p. 15A).

1975-1979: médicos sanitaristas à vista e a programação que não vingou

Em 1970, terminado seu mandato na Secretaria e tendo um lugar no Laboratório Fleury, do qual foi um dos articuladores, Leser ponderou sobre suas ocupações dali em diante:

fiz as contas e verifiquei que, com a minha parte no aluguel do prédio em cuja construção participara e com o que ganhava na Escola [Paulista de Medicina] e na aposentadoria da Universidade, teria o suficiente para viver. Com isso, pude dedicar mais tempo à Escola, principalmente na orientação de dissertações de mestrado, teses de doutoramento, de livre-docência e de cátedra; também me interessavam muito os seminários de epidemiologia especial do terceiro ano. (Leser, 2009, p. 90)

Contudo, entre o fim de 1974 e o começo de 1975, uma reviravolta levou-o de volta à Secretaria, agora pelas mãos do futuro governador do estado. Paulo Egydio Martins o teria convidado para reassumir a Secretaria, e Leser procurou declinar. De resto, em vão:

respondi que isso não seria possível, entre outras razões, pela minha idade, 65 anos, e por ter já imposto muito sacrifício à minha mulher e meus filhos com meu grande afastamento durante o governo Sodré. Ele respondeu que idade não era documento e que seu pai, com mais de 70, ainda trabalhava; por isso, não aceitava a recusa e pedia que eu pensasse bem para nova entrevista daí a uma semana. (Leser, 2009, p. 92)

Diante da firmeza do convite, do apoio de amigos e da compreensão familiar, acabou aceitando voltar ao cargo em 15 de março de 1975. O objetivo seria agora apresentar seu plano de trabalho e a maneira como esperava intervir na estrutura administrativa dos serviços e, principalmente, na vida da população paulista, abandonada havia tempo a uma estrutura ainda burocratizada e limitada. Em seu discurso de posse, deixou claras as suas intenções:

na árdua luta pelo desenvolvimento, em que se empenham os povos do chamado Terceiro Mundo, não é fácil conseguir que avancem parelhos os setores econômico e social, sendo, muito provavelmente, necessário que o primeiro ocupe a dianteira. A distância que entre os dois medeia não pode, porém, alargar-se demasiadamente, sem que se ponha em risco a própria continuidade dos progressos da economia, porque eles exigem, em estágios sucessivos, qualificação cada vez mais elevada dos recursos humanos, especialmente em termos de educação e saúde. Em nosso país, o espetacular ritmo de crescimento do setor econômico, na última década, não pôde ser acompanhado pelo setor social. O distanciamento crescente já atingiu proporções que exigem decididas ações governamentais, visando reduzi-lo. No II Plano Nacional de Desenvolvimento, a situação está claramente identificada, definindo-se, para modificá-la, metas ambiciosas e linhas de ação que permitam efetivá-las. No caso específico de São Paulo, as três equipes incumbidas, por S. Excia. o governador Paulo Egydio Martins, de proceder ao levantamento, em todos os aspectos, das condições de Estado, convergiram, em seus relatórios, no apontar o descompasso marcado entre os dois setores. Fundamentaram-se, assim, as prioridades estabelecidas por S. Excia. para a atuação governamental, figurando entre elas o setor saúde. (Leser, 1975, p. 1-3)

Entretanto, documentos mostram que, se, por um lado, apresentou-se um projeto de organização de gestão, por outro, grande parte do que fora projetado ainda não havia saído do papel até sua segunda gestão, comprovando as profundas marcas da estrutura burocrática anterior, bem como as condições contextuais, que acabavam por apontar mais desajustes que os esperados, revelando que as ações reformistas não se dariam num plano progressivo, legado dos tempos anteriores. Muito pelo contrário, exigiriam total visão da realidade e a busca de novas tecnologias de trabalho, muitas já desenhadas em seu projeto anterior e outras que o deveriam ser naquele momento. E, mais do que isso, necessitariam de um novo corpo de trabalhadores da saúde, movimento que nasceria, anos depois, das hostes de uma nova leva de sanitaristas, quase todos ligados a grupos de esquerda e ao processo de redemocratização do país.

Sem dúvida, o contexto daquele período exigiria do secretário a habilidade de compor aquilo que parecia impossível, já que o governo paulista teimava em se valer do uso ilegal de suas atribuições repressivas, quando o movimento sanitarista que se organizava ia na direção oposta. O ano da volta de Leser à Secretaria era o mesmo da morte de Vladimir Herzog, nada mais simbólico no momento, pois aqueles que assumiriam as cadeiras vagas dos CS e das instituições hospitalares de São Paulo eram os mesmos que se manifestavam às dezenas de milhares na Praça da Sé pelo fim do Estado de exceção, que, de alguma forma, querendo ou não, Leser representava institucionalmente.

Foi assim que a onda democratizante soprou ventos favoráveis no sistema implementado, pelo momento particular que acaba invadindo espaços como o da saúde pública, dando novo sentido à Reforma que vinha sendo tecnicamente implementada por Leser e seu grupo. Originalmente, essa Reforma tinha cunho liberal,

dentro de uma política de saúde nacional e estadual, de favorecimento do setor privado, e os dados demonstram o papel da Secretaria no repasse dos recursos públicos, fenômeno que sempre a caracterizou, principalmente quanto à assistência médico-hospitalar […] assim como concretizou a incorporação dos sanitaristas, que se incluem entre os chamados tecnoburocratas da década de 1970. (Iyda, 1994, p. 133)

Com o tempo, o movimento reformista ganhou laivos democratizantes, devido ao aprofundamento trazido por novos atores históricos, que foram modelando, por dentro da estrutura do Estado, uma perspectiva de base preventivista, mas já sob a crítica da medicina social e da saúde coletiva que se configuravam. Eram novos tempos, que ajudaram a afluir certa perspectiva ao projeto idealizado, sem dúvida, com apoio de Leser, que sempre franqueou sua amizade e seu apoio a uma ala democrática e de esquerda dentro e fora da academia.

O período de sua gestão (1975-1979) é marcado pelos esforços para responder às expectativas já apontadas em relatórios anteriores, quais sejam, a mudança nos marcadores de mortalidade, principalmente a infantil, em todo o estado, o controle da epidemia de meningite e a concretização do projeto de incorporação de profissionais com formação sanitária para que pudessem assumir cargos em todos os centros e instituições de saúde estaduais. Vale dizer que a criação de postos, principalmente de médicos, ainda permanece na agenda a cumprir, questão que Leser teria apontado como crítico, ao tratar da capital. Como resposta, a Assessoria de Imprensa do Gabinete do Secretário de Saúde redige uma matéria reafirmando o apoio político que seria dado à nova gestão. Com o título “Governo destina à saúde Cr$ 1.615.823.880,00: 69% mais do que a dotação consignada em 1975 na melhoria e ampliação da assistência médica-sanitária hospitalar à população” (Governo…, 1975), reconhece como “deficiente qualitativamente e quantitativamente” a assistência médico-sanitária em todo o estado, principalmente, é claro, nas regiões periféricas de São Paulo e da Grande São Paulo:

Foram identificadas as causas dessas deficiências, avultando entre elas a que se refere à falta de pessoal. Um primeiro levantamento evidenciou a existência de mais de 12 mil claros, correspondendo a 108 categorias profissionais, entre os quais mais de 900 médicos; é previsível - segundo o Prof. Walter Leser - que mesmo esse número não traduza, em sua totalidade, as reais necessidades. (Governo…, 1975, p. 2)

Também haveria recursos para criar mais 53 novas unidades sanitárias no município de São Paulo, duplicar a dotação para a área de saúde mental, desenvolver pesquisas científicas e tecnológicas no Instituto Butantan e no Adolfo Lutz, inclusive para 15 publicações, frutos de projetos no campo da educação em saúde conduzidos pelo Instituto de Saúde. No campo farmacêutico, a Fundação para Remédio Popular teria atingido plena capacidade de produção, fornecendo 43 produtos, e a Brasvacin - Laboratório Brasileiro de Vacina S.A.,

empresa de capital misto Brasil e Canadá (70% das ações pertencem ao Governo do Estado), [prepararia os] projetos do parque industrial, a localizar-se em Campinas, [e transferiria] tecnologia para a produção de imunizantes para uso humano e veterinário carentes no país. (Governo…, 1975, p. 8)

O índice do Relatório apresentado pela Secretaria sobre o período de 1975-1978 apontava alguns resultados desse empreendimento na reestruturação administrativa, como também em algumas doenças que estavam na pauta havia décadas, caso da tuberculose e da hanseníase. Deixava entrever ainda alguns pontos centrais a ser arrolados: as questões da infância, a meningite, a rede de CS e a formação de sanitaristas.22“Índice: Vacinação contra meningite; Atendimento à gestante, nutriz e ao pré-escolar; Mortalidade infantil; Coordenação de recursos assistenciais à infância; Vacinações; Redes de centros de saúde; Postos de Atendimento Sanitário; Centro de Integração de Atividades Médicas - Ciam; Controle de Tuberculose; Hanseníase; Fiscalização Sanitária; Assistência Hospitalar; Saúde mental; Superintendência de Controle de Endemias - Sucen; Participação do Instituto Adolfo Lutz nas atividades Sanitárias; Instituto de Qualidade de Medicamentos; Programa de Controle da Raiva; Pesquisa Científica; Encefalite no Litoral Sul - surto em Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá; Caso de Iguape; Cólera; Recursos Humanos; Formação de Sanitaristas; Modernização Administrativa; Centro de Informação à Saúde; Visão da Legislação Sanitária; Transferência das Atividades de Controle da Poluição Atmosférica para a Secretaria de Obras; Produção de Vacinas e Medicamentos” (São Paulo, 1979, p. 1). Como se vê, a avaliação do período era positiva, com resultados considerados razoáveis pela gestão.

Oito diretrizes teriam norteado as atividades desenvolvidas nesse momento: (1) continuidade administrativa, quer para assegurar a manutenção de iniciativas anteriores, quer para que fossem mínimas as mudanças dos quadros dirigentes; (2) racionalidade, exigindo obediência à racionalidade técnica e subordinando a programação à viabilidade de operacionalização; (3) sistematização e normalização, sistematizando programas de responsabilidade da pasta e padronizando procedimentos técnicos e administrativos; (4) modernização estrutural e funcional, dando prosseguimento às ações implementadas a partir de 1967, sobretudo em órgãos como os distritos sanitários e os CS; (5) ampliação do quadro técnico, principalmente a partir da estreita relação com a Faculdade de Saúde Pública da USP; (6) alta prioridade aos programas de assistência à infância e gestante, com ênfase em suplementação alimentar e vacinação; (7) integração da Rede de Centros de Saúde com as prefeituras, visando uniformizar programas e normas; e (8) manter entendimento com o Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social, com o objetivo de receber assistência ou prestar colaboração, caso solicitada (Governo…, 1975).

Entre os tópicos arrolados, alguns são esclarecedores do projeto em pauta. Inicialmente, sobre a vacinação contra a meningite, assunto que se arrastava havia anos, a Secretaria começava a respirar aliviada. O Relatório apontava uma ação integralmente cumprida, tendo sido “vacinadas cerca de 19.600.000 pessoas, em etapas sucessivas que cobriram todas as regiões do estado. Para uma previsão de 20.677.870 habitantes, aplicaram-se 19.690 750 vacinas, isto é, conseguiu-se a cobertura de 95,2% da população” (Governo…, 1975, p. 6-7).

Sobre a suplementação nutricional de gestantes e nutrizes, a Secretaria de Saúde, em colaboração com as Secretarias de Economia e Planejamento, de Educação, de Promoção Social e de Agricultura, arquitetou, em conjunto com o Instituto de Tecnologia do Alimento, um produto industrializado que se chamou Gestal, capaz de fornecer ao grupo indicado entre 350 e 400 calorias e cerca de 10 gramas de proteína por dia, contidas em 100 gramas do produto. De acordo com o Relatório:

merece menção especial o número de nutrizes atendidas - 111 mil - pois permite admitir-se que o trabalho educativo desenvolvido durante o pré-natal, aliado à segurança do recebimento da suplementação alimentar necessária para a produção do leite pela nutriz, pode contribuir para que se restabeleça a prática, largamente abandonada, do aleitamento natural, elemento de comprovada valia para a saúde da criança. (Governo…, 1975, p. 17)

Paulatinamente, declina a mortalidade infantil, tendo chegado em 1977 a 69,45 por mil nascidos vivos, contra 78,46 por mil no ano de 1976. A vacinação dá cobertura a 80% das crianças com menos de um ano com o que se chamou de imunização básica: três doses de vacina Sabin, três doses de vacina tríplice, uma de vacina antissarampo, uma da vacina antivariólica e uma do BCG intradérmico. Já o caso da poliomielite merece uma observação, pois, devido à falta de recursos humanos e materiais - todos empregados contra a meningite -, o número de infectados sobe exponencialmente a partir de 1972. Só em 1976 pôde haver uma mudança de foco, com o controle da meningite em São Paulo: “desde o início de 1976, ficaram evidentes os resultados desse trabalho: na Grande São Paulo, por exemplo, o número médio mensal de casos reduziu-se de 25,5 em 1975 para 8 em 1976” (Governo…, 1975, p. 32-33).

No tópico referente à formação de sanitaristas, destaca-se o trabalho da Faculdade de Saúde Pública da USP. Isso porque a Reforma iniciada por Leser em 1967 reúne todas as ações, programas e órgãos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) em quatro coordenadorias: de Saúde de Comunidade, de Assistência Hospitalar, de Saúde Mental e de Serviços Técnicos Especializados (composta pelos institutos de Saúde, Butantan, Adolfo Lutz e Pasteur), sendo que

a Coordenadoria que mais teve espaço e força na nova estrutura foi a Coordenadoria de Saúde da Comunidade, pois englobou todos os postos, centros de saúde e dispensários do estado de São Paulo, subdividida em 10 departamentos regionais e 67 distritos sanitários. Diante dessas mudanças, a SES-SP precisava de um grande número de médicos sanitaristas para preencher os vários cargos recém-criados por meio de concursos públicos. (Marsiglia, 2006, p. 778)

Após a Reforma e a Lei de Diretrizes e Bases, foram criadas no Brasil a pós-graduação stricto sensu e lato sensu. Com esse novo conceito de pós-graduação

e atendendo a Portaria GR/885, de 25/08/69, que regula o regime de pós-graduação da USP, a Faculdade de Saúde Pública transformou antigos cursos de pós-graduação em Curso de Saúde Pública para Graduados e criou, em 1970, o Curso de Mestrado e Doutorado, reconhecidos pelo CFE/MEC em 06/08/1973, conforme Parecer CFE n. 1.266 (DOU 09/10/1973), dando continuidade ao que vinha fazendo. Foi então, a primeira instituição no país a oferecer o mestrado e doutorado em Saúde Pública. (Martins, 1999, p. 9)

A mudança regimental organiza cursos lato sensu com duração de seis meses que:

possibilitaram o preenchimento de 315 vagas do quadro de médico-sanitaristas no espaço de três anos. Era o chamado Curso Curto, pela sua semelhança com o Curso de Especialização que na época tinha um ano de duração em período integral. O Curso Curto não era aceito como pré-requisito para a inscrição no mestrado, definindo-se claramente para o preparo de profissionais, na sua grande maioria médicos, que seriam absorvidos pela rede de serviços de saúde pública do SES-SP. A especialização dava acesso ao mestrado e foi sempre considerada, pelos professores da FSP, como carro-chefe, o nosso curso, o logotipo da Faculdade de Saúde Pública. (Martins, 1999, p. 9)

Esse contexto possibilita que o número de sanitaristas aumente sistematicamente, sendo que, além dos 190 médicos sanitaristas existentes no início de 1975, incorporam-se à Secretaria 315 novos profissionais em 1979.

Os professores eram aqueles marcados pela experiência da Fundação Rockefeller e pela fundação do Serviço Especial de Saúde Pública, como:

Rodolfo dos Santos Mascarenhas, José Carlos Seixas, José da Silva Guedes, Edmundo Juarez, Reinaldo Ramos. Sem esses antecedentes, não poderia ser concebido nem acontecer o que os autores consideram como o terceiro modelo tecnológico da saúde pública paulista: a Programação em Saúde, implantada a partir de 1975. (Silva, 2006, p. 782)

Para que tivesse êxito a estratégia de implantação da Programação em Saúde, os CS seriam fundamentais, não só porque absorveriam grande parte dos sanitaristas que estavam sendo formados naquele momento, como também porque poriam em prática as novas ações que a Programação preconizava (Mello, 2010).

Outro eixo que se mostrou central no projeto reformista da Programação foi o de ampliar e diversificar a assistência médica individual de forma universal, o que vinha acontecendo nos CS apenas com os não previdenciários:

essas novas regras forçavam as unidades a abrir as portas para a demanda como se esperava. Entretanto, uma nova regra, criada sobre objetivos diferentes, seria muito mais importante no sentido de promover a expansão desejada: a instituição da suplementação alimentar para todas as crianças lactantes matriculadas. (Nemes, 1990, p. 91)

Os resultados dessa mudança administrativa e tecnológica dos CS não lograram os resultados esperados nos anos seguintes e com a nova gestão, pois

os Centros de Saúde não expandiram o atendimento de maneira significativa para vários grupos populacionais, concentrando a parte mais relevante do atendimento em menores de um ano […] o quadro de arrefecimento na implantação e limitação no alcance da Programação pode ser entendido pelo exame da situação global da Secretaria nos anos de 1978-1982. Todo o período se caracteriza por uma situação muito adversa de alocação de recursos. A decrescente alocação de verbas acabou por estabelecer uma conjuntura de deterioração nos recursos materiais e de diminuição dos recursos humanos das unidades, que se agravava a partir de 1979, com a ascensão do novo governo estadual. (Nemes, 1990, p. 97-98)

Essa situação foi amplamente divulgada pela imprensa, por exemplo, na reportagem “Centros de saúde não têm recursos”, que mostra a penúria vivida em diversos pontos do território paulista:

No vale do Ribeira, no Vale do Paraíba ou na periferia de São Paulo a situação é a mesma: a população está carente de assistência médica. Nos Centros de Saúde do estado a programação geral da Secretaria de Saúde está seriamente prejudicada pela falta crônica de pessoal e escassez de material de consumo - não há seringas para vacinação, medicamentos e até produtos de limpeza. Além disso, os prédios onde funcionam aquelas unidades sanitárias, quase sempre alugados e mal instalados, estão em precárias condições, pondo em risco a vida dos próprios funcionários e pacientes que os procuram: “assistimos atualmente a uma franca deterioração da rede de centros de saúde do estado”, revelava um relatório sobre a situação dos vários CS, realizado pelos próprios médicos sanitaristas e entregue ao secretário Adib Jatene. (Centros…, 1980, p. 18)

Na capital, o quadro era devastador. Em tal Relatório, segundo a Associação de Sanitaristas do Estado, a Zona Leste da cidade não teria médicos em 72% dos CS. Na Zona Oeste, faltariam 8% de médicos, 49% de escriturários e 76% não teriam agentes de saneamento. Dos 206 CS da Grande São Paulo, 120 não tinham nenhum visitador sanitário. Indo além, quando havia médicos, eles pouco ficavam no serviço, sendo que, no Distrito Sanitário da Penha, que congregava 23 CS, a média de permanência nas unidades “não ultrapassaria 90 minutos” (Centros…, 1980, p. 18), e o CS da Vila Maria sofria um déficit de 719 horas/médico por ano. Mesmo o mencionado programa de Leser para a nutrição de gestantes e nutrizes entraria em colapso em vários centros, além da vacinação contra a poliomielite, que havia tempos não cumpria o programa articulado pela Reforma. Enfim, por meio da apresentação desse caótico quadro no relatório, os sanitaristas, que cada vez eram mais anulados dos processos decisórios de planejamento e gestão, reivindicavam maiores investimentos e a construção de prédios para aqueles que trabalhavam em condições precárias, como também para novos CS (Centros…, 1980).

Num panorama da administração pública no estado de São Paulo em 1978, os recursos institucionais para equacionar as demandas de recursos humanos permanecem como os identificados em 1967, no começo da gestão Leser, fato que revela que os problemas não são apenas fora da Secretaria, mas envolvem sua própria administração, sendo os mais graves

clareza no regime jurídico dos servidores, adequação do sistema previdenciário, ausência de esquema de previsão de número de descrição de atribuições das ocupações, manutenção da exigência de medidas legislativas para compor os quadros de pessoal que tenham legalmente condição de agente de Estado, isto é, sejam funcionários públicos, ausência de ação para operacionalizar as medidas legislativas já decretadas, ausência de mecanismos e canais para resolver conflitos e problemas dos servidores públicos, etc. (Sá, 1978, p. 48-49)

Evidentemente, esse contexto atingiu a população de várias formas. Exemplarmente, em 1979, a poliomielite teria aumentado em 47,7% devido à imunização falha, principalmente na periferia da capital. Segundo divulgou a imprensa, “a causa principal dessa incidência está numa falha da vacinação, que não atinge os pontos mais carentes e propícios ao surgimento da doença - as regiões carentes, como a periferia da Grande São Paulo” (“O importante…”, 1980, p. 16). Se de fato forem reais, os números apresentados poderiam ser compreendidos nas campanhas antipólio que se davam, demonstrando a desorganização do sistema.

Em junho de 1980, na matéria “Faltam vacinas na campanha antipólio”, o jornal volta a repisar suas causas e, de plano, informa que

o coordenador de suprimentos da Secretaria de Saúde do Estado, Dario Lascala, garantiu ontem que foram distribuídas antecipadamente seis milhões de doses da vacina Sabin e ficou “surpreso” ao saber que na maioria dos postos de vacinação da Capital, desde as 10 horas da manhã, já não havia mais vacina para atender a população”. (Faltam…, 1980, p. 28)

Depois, identificaram-se alguns pontos da cidade em que o problema estaria instalado, como na Vila Prudente, onde o presidente da organização comunitária Sociedade Ordem e Progresso, responsável pela divulgação e organização da população local em torno da vacinação, teria relatado: “chega a quatro mil o número de crianças entre zero e 14 anos, para um total de 1.100 famílias. Entretanto, foram aplicadas somente 1.300 doses em crianças de todas as idades, jovens e adultos” (Centros…, 1980, p. 28). Se o número parece pequeno, estava em questão a falta de informação e esclarecimento da população, já que se vacinaram crianças acima de 5 anos, inclusive jovens e adultos. Talvez mais uma explicação para a surpresa da Secretaria pela falta de material vacínico.

O ano de 1987 é paradigmático, apontando mais uma crise na saúde pública paulista, em larga medida envolvendo, por um lado, o fim da proposta da Programação e, por outro, colocando em xeque uma parte da base de saúde coletiva representada pelos seus trabalhadores e, entre eles, os médicos sanitaristas. Tal contexto se contrapõe a um movimento que se dá nacionalmente: uma mudança de cunho democrático no Brasil, indicando novas e velhas dificuldades a enfrentar regionalmente, com resultados imprevisíveis num novo Sistema Único de Saúde. A primeira notícia na imprensa paulista anuncia na manchete que “todos terão acesso à saúde com o novo sistema” e informa que:

o novo sistema unificado de saúde, anunciado ontem pelo Ministro da Previdência Social, Raphael de Almeida Magalhães, prevê que todo o brasileiro terá garantia de acesso aos serviços de saúde, em nenhuma discriminação de natureza econômica, geográfica ou burocrático-institucional. O anúncio foi feito ao final da 1ª Semana do Inamps, com a presença de oito ministros, secretários estaduais e municipais de saúde e médicos sanitaristas. A implantação do serviço único de saúde é uma reivindicação dos sanitaristas e prevê a integração de todos os serviços de prevenção, reabilitação e curativos num novo Ministério da Saúde. O Inamps deverá desaparecer, passando a integrar a secretaria de serviços médicos da Previdência Social. A execução dos serviços ficará a cargo dos estados e municípios. (Amanhã…, 1987AMANHÃ, a grande batalha contra pólio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 9, 22 maio 1987., p. 9)

Meses depois da presença aparentemente efusiva dos sanitaristas no centro do poder, outra notícia sobre a saúde paulista ostenta, paradoxalmente, o título “Saúde demite 97 médicos sanitaristas”, dizendo que

a demissão de 97 médicos sanitaristas dos cargos de chefia dos Centros de Saúde da Grande São Paulo provocou um dia tenso ontem na Secretaria da Saúde. Aproximadamente 400 servidores permaneceram reunidos no auditório do prédio da Secretaria, na Avenida Dr. Arnaldo, à espera de uma explicação do secretário José Aristodemo Pinotti. A greve dos servidores chega hoje a seu 14o dia. (Saúde…, 1987, p. 11)

Finalmente, em 5 de dezembro, a Associação dos Médicos Sanitaristas emite uma nota falando do fim da greve, do afastamento de 102 médicos sanitaristas de seus cargos, do fim da carreira e, por último, de uma medida para aqueles que restariam no sistema, deixando bastante claro que esse seria o fim de uma história que se vinha construindo até ali. Eram tempos de redemocratização, mas com um passado histórico do que São Paulo sempre representou: um lugar político, social e cultural pouco afeito à democracia e ao direito, onde o autoritarismo socialmente implantado foi e é a marca maior. Daí não soar estranho o relato sobre o que estaria acontecendo com esses trabalhadores da saúde:

Transferiu 53 médicos sanitaristas para os locais mais distantes possíveis de seus antigos centros de saúde e de suas moradias, numa atitude de repressão à organização e de retaliação até pessoal na vida de cada funcionário nunca visto na Secretaria da Saúde, nem mesmo no regime militar. 3

Referências

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  • 1
    Trata-se de Roberto Cerqueira César, Secretário dos Negócios Metropolitanos do governo do estado na gestão de Paulo Egydio Martins (1975-1979).
  • 2
    “Índice: Vacinação contra meningite; Atendimento à gestante, nutriz e ao pré-escolar; Mortalidade infantil; Coordenação de recursos assistenciais à infância; Vacinações; Redes de centros de saúde; Postos de Atendimento Sanitário; Centro de Integração de Atividades Médicas - Ciam; Controle de Tuberculose; Hanseníase; Fiscalização Sanitária; Assistência Hospitalar; Saúde mental; Superintendência de Controle de Endemias - Sucen; Participação do Instituto Adolfo Lutz nas atividades Sanitárias; Instituto de Qualidade de Medicamentos; Programa de Controle da Raiva; Pesquisa Científica; Encefalite no Litoral Sul - surto em Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá; Caso de Iguape; Cólera; Recursos Humanos; Formação de Sanitaristas; Modernização Administrativa; Centro de Informação à Saúde; Visão da Legislação Sanitária; Transferência das Atividades de Controle da Poluição Atmosférica para a Secretaria de Obras; Produção de Vacinas e Medicamentos” (São Paulo, 1979, p. 1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2019
  • Aceito
    27 Ago 2019
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br