Câncer de colo de útero e componentes de saneamento nos municípios do estado do Mato Grosso do Sul: seria uma questão de má qualidade da água?

Julio Cesar Barreto Silva Carlos José Saldanha Machado Daniele Gonçalves Nunes Sobre os autores

Resumo

Este artigo investiga relações entre a incidência de câncer de colo de útero (ICC) e os componentes e indicadores de qualidade da água nos municípios do Mato Grosso do Sul, entre 2014 e 2017, por correlação estatística (Determinante de Pearson) e espacial (agrupamentos por k-médias). Houve maior resposta estatística de ICC em relação à tarifa média dos serviços de abastecimento praticado (-36,28%) e de água (-34,15%); à quantidade de suas interrupções sistemáticas (28,3%) e paralizações (22,28%); ao consumo médio per capita de água (20,74%) e à quantidade de serviços executados (-17,98%), todas as respostas sob p-valor ≤ 0,001. Em Costa Rica, cidade sob maior ICC média, os agrupamentos espaciais identificaram maior efeito daquelas interrupções (z-valor = 8,741) e das paralizações (z = 7,6097); enquanto em Rochedo, também sob alta ICC, houve maior efeito à incidência de análises com resultados fora do padrão para coliformes totais (z = 8,6803) e turbidez (z = 5,7427), sob correlação estatística de 12,05% (p-valor = 0,032) e 15,18% (p-valor = 0,007), respectivamente. Dados do SISAGUA revelaram a presença de coliformes e de altos níveis de turbidez, por exemplo, em Antônio João e Tacuru, cidades sob altas ICC médias. Recomenda-se maiores investigações sobre as relações aqui apresentadas entre ICC e água.

Palavras-chave:
Câncer de Colo de Útero; Clustering Espacial; Correlação de Pearson; K-médias; Saneamento Ambiental

Introdução

O câncer de colo do útero, também chamado de câncer cervical (CC), é uma neoplasia maligna que atinge 570 mil casos novos por ano no mundo, sendo o quarto tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, inclusive em número de mortes, com cerca de 311 mil óbitos por ano mundialmente; 90% destes, sobretudo, em mulheres pertencentes a países sob baixo índice de desenvolvimento humano; embora se verifique redução na sua incidência em países sob processo de desenvolvimento econômico e/ou cujo governo implementou programas de prevenção e controle efetivo à doença, como no Brasil (INCA, 2021INCA - INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Controle do Câncer de Colo de Útero: Conceito e Magnitude. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/2Nk2Ku7 . Acesso em: 19 jun. 2019.
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; Bray et. al., 2018BRAY, F. et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: A Cancer Journal for Clinicians, Atlanta, v. 68, n. 6, p. 394-424, 2018.).

Esta neoplasia tem diversos aspectos envolvidos em sua etiologia, porém a infecção é primariamente causada pelo Papilomavírus Humano (HPV), especialmente pelos tipos HPV-16 e HPV-18, responsáveis por cerca de 70% dos cânceres cervicais (Bruni et al., 2019BRUNI, L. et al. Human Papillomavirus and Related Diseases Report. Barcelona: HPV Information Centre, 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2XBmLRn . Acesso em: 19 jun. 2019.
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).

No Brasil, em 2020, houve 626.030 novos casos de câncer ao ano, 50,52% destes em mulheres, sendo o CC o quarto maior índice, com 16.710 novos casos (7,5%) e um risco estimado de incidência da doença (ICC) de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres, com destaque à região Norte brasileira (ICC = 23,97), seguida da Centro-Oeste (ICC = 20,72), Nordeste (ICC = 19,49), Sudeste (ICC = 11,3) e Sul (ICC = 15,17) (INCA, 2021INCA - INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Controle do Câncer de Colo de Útero: Conceito e Magnitude. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/2Nk2Ku7 . Acesso em: 19 jun. 2019.
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).

Para Soares, Bernardo e Netto (2002SOARES, S. R. A.; BERNARDES, R. S.; NETTO, O. de M. C. Relações entre saneamento, saúde pública e meio ambiente: elementos para formulação de um modelo de planejamento em saneamento. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 6, p. 1713-1724, 2002.), a compreensão da tríade “saneamento-saúde pública-meio ambiente” se revela como um pressuposto fundamental para o planejamento de sistemas de abastecimento em centros urbanos, uma vez que a avaliação dos seus efeitos conjuntos tende a garantir uma análise correta das possíveis alternativas, tanto do ponto de vista ambiental quanto da saúde pública (objeto primordial do saneamento), de forma a reunir elementos essenciais para a formulação de um modelo que propicie bem-estar e melhoria à qualidade de vida da população.

Verifica-se, no decorrer dos anos, que a finalidade dos projetos de saneamento tem saído de sua concepção sanitária clássica (que o considera como uma questão somente de saúde pública), para uma predominantemente ambiental (que visa não somente a promoção da saúde do indivíduo, mas também a conservação do meio físico e biótico), com uso de critérios, por exemplo, relacionados à questão socioeconômica (Pimentel; Cordeiro Netto, 1998PIMENTEL, C. E. B.; CORDEIRO NETTO, O. M. Proposta Metodológica de Classificação e Avaliação Ambiental de Projetos de Saneamento. Brasília:IPEA, 1998.).

No Brasil, embora as ações de saneamento básico e ambiental estejam bem definidas, sobretudo no tocante às recomendações de sua implementação e gestão, de forma sustentável, para a promoção da saúde e redução das desigualdades sociais (Brasil, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 8 jan. 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm . Acesso em: 01 jul. 2021.
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; 2020BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.026-de-15-de-julho-de-2020-267035421 . Acesso em: 01 jul. 2021.
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), sua aplicação ainda se dá de forma insuficiente, com 35 milhões de brasileiros ainda sem acesso a água tratada (Carneiro et al., 2018CARNEIRO, M. C. M. O et al. A gestão do saneamento no Brasil e sua relação com a gestão de recursos hídricos. Journal of Engineering and Technology Innovation, São Paulo, v. 6, p. 100-116, 2018.; SNIS, 2019SNIS - SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO. Série Histórica. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Regional, 2019. Disponível em: Disponível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/ . Acesso em: 01 mar. 2019.
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) e, por vezes, com estrutura precária, omissão estatal e interesses desvinculados da prestação de serviços (Prado, Meneguim, 2018PRADO, I. P.; MENEGUIM, F. B. Os serviços de saneamento básico, sua regulação e o federalismo brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2018., p. 25).

No que diz respeito à saúde pública, os grupos vulneráveis e desfavorecidos são os mais afetados por doenças transmitidas pela água (UNESCO, 2019UNESCO - UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION. Relatório mundial das Nações Unidas sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos 2019: não deixar ninguém para trás. UNESCO 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Mfm9WQ . Acesso em: 17 jun. 2019.
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).

Em 2007, o Congresso Brasileiro aprovou a Lei nº 11.445, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, sob o objetivo de assegurar, dentre outros, o abastecimento de água e o esgotamento sanitário. Além disto, na tentativa de coordenar esforços, a lei atribuiu à União a competência para elaborar o Plano Nacional de Saneamento Básico. Embora sua versão atual, redigida em 2014, defina como metas a universalização do abastecimento de água e o atendimento de 92% da população com rede de esgotamento sanitário, com prazo nos anos de 2023 e 2033, respectivamente; tudo indica que estas não serão cumpridas.

Em 2015, a ONU reconheceu o saneamento básico como direito humano, e coube ao poder público o dever de viabilizar investimentos no setor, haja vista ser a manutenção da atual infraestrutura clamorosamente insuficiente, além de uma vergonha nacional (PSB, 2019). Segundo a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2004FUNASA - FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE E SANEAMENTO. Manual de Saneamento. Brasília, 2004.), associado a esse direito, o conceito de promoção da saúde, proposto pela OMS, é visto, mundialmente, como o princípio norteador das ações em saúde, e parte do pressuposto de que as condições ambientais são os seus determinantes mais importantes, sendo então entendido como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e que não restringe o problema sanitário ao âmbito das doenças.

Ainda de acordo com a FUNASA (2004)FUNASA - FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE E SANEAMENTO. Manual de Saneamento. Brasília, 2004., o uso do saneamento como instrumento de promoção à saúde pressupõe a superação dos entraves tecnológicos, políticos e gerenciais que têm dificultado a extensão dos benefícios aos residentes em áreas rurais e localidades de pequeno porte.

Nacionalmente, Trenkel e Chaves Maia (2016TRENKEL, F. A.; CHAVES MAIA, S. G. Estudo Epidemiológico de Casos de Câncer no Estado de Mato Grosso do Sul - MS. Cadernos de Agroecologia, Recife, v. 11, n. 2, 2016.) observaram, entre 2003 e 2014, um aumento considerável no número de novos casos de câncer no estado do Mato Grosso do Sul (MS), em relação aos últimos anos (2012-2014); quanto ao gênero feminino, as neoplasias mais presentes foram o câncer de pele não-melanoma, de mama e CC, nesta ordem.

Este trabalho busca investigar as relações da ICC aos componentes de água e seus indicadores de qualidade, por correlação estatística (via determinante de Pearson) e espacial (através de agrupamentos por K-médias, via GeoDa), sobre os municípios do Estado do MS, entre 2014 e 2017. As informações aqui trabalhadas fazem parte de um estudo que se caracteriza como de cunho epidemiológico quanti-qualitativo, transversal e descritivo.

Materiais e métodos

Caracterização da área do estudo: o Mato Grosso do Sul

Segundo o IBGE (2019)IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTÁTISTICA. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2019. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3fCREfz . Acesso em: 01 jul. 2019.
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, o estado do MS possuía, em 2019, cerca de 2.773.590 habitantes (50,37% do gênero feminino), o equivalente a 1,32% da população brasileira (51,10% do gênero feminino), e taxa de crescimento de 1,13%, enquanto a brasileira era de 0,79%. Com 68,51% de sua população na faixa etária entre 15 e 64 anos, 22,89% era representada por jovens com idade até 14 anos, o que refletia a realidade brasileira, com 69,38% e 21,10%, respectivamente. Em relação à expectativa de vida, para mulheres foi de 79,94 anos, enquanto para os homens, de 72,88, bem semelhantes à brasileira, de 80,03 e 73,0, respectivamente, o que se refletiu também nas taxas brutas de natalidade e de mortalidade, 15,97% e 6,08% (no MS) e 14,2% e 6,51% (no Brasil). Quanto à taxa de envelhecimento, é menos acentuada no MS (37,55%), quando comparada à brasileira (45,02%); oposto à taxa de fecundidade, 2,02% e 1,77%, respectivamente.

Coleta de dados

Foram utilizados neste estudo dados anuais referentes a cada um dos 79 municípios do MS, no período de 2014 a 2017, a saber:

  1. Casos diagnosticados de CC, a partir do Sistema de Informação do Câncer - SISCAN, do Departamento de Estatística do Sistema Único de Saúde - DATASUS11DATASUS. Dados coletados em 5 de janeiro de 2019. Disponível em: https://bit.ly/2GgF5VB ;

  2. Tamanho populacional, por habitantes (hab.) residentes; informações estas pertencentes ao IBGE, porém coletadas via SNIS (2019)SNIS - SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO. Série Histórica. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Regional, 2019. Disponível em: Disponível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/ . Acesso em: 01 mar. 2019.
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    ;

  3. 220 indicadores sobre saneamento, também do SNIS (2019)SNIS - SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO. Série Histórica. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Regional, 2019. Disponível em: Disponível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/ . Acesso em: 01 mar. 2019.
    http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/...
    . Informações (definições, cálculos e constituições) referentes aos indicadores aqui usados se encontram disponíveis na página do SNIS22SNIS. Dados coletados em 5 de janeiro de 2019. Disponível em: https://bit.ly/2xEjuBv..

Foram coletados também dados de controle mensal quantitativo sobre a qualidade da água (em número de amostras), do SISAGUA33SISAGUA. Dados coletados em 10 de maio de 2019. Disponível em https://bit.ly/2NDur1b , ano de 2014, a fim de verificar, no sistema de distribuição e na saída do tratamento, aspectos como: bactérias heterotróficas, coliformes totais, coloração da água, cloro residual livre, Escherichia coli, fluoreto e turbidez; tudo conforme a Portaria nº 2.914/2011 (Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 13 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.html . Acesso em: 01 jul. 2021.
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), que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seus padrões de potabilidade.

Correlação estatística - determinante de correlação de Pearson

Por meio do programa gratuito R-Project44R-Project. Dados coletados em 5 de janeiro de 2019. Disponível em: https://cran.r-project.org/ , versão 3.0.3, verificamos a correlação estatística entre o ICC e as variáveis ambientais, via “coeficiente de correlação produto-momento” ou simplesmente “ρ de Pearson” (Mukaka, 2012MUKAKA, M. M. Statistics Corner: A guide to appropriate uso of Correlation coefficient in medical research. Malawi Medical Journal, Malawiv. 24, n. 3, p. 69-71, 2012.), que permitiu medir o grau desta associação (e sua direção, positiva ou negativa), expresso por (1):

ρ=i=1n xi-x yi-yi=1n xi-x2·i=1n yi-y2=covX, YvarX·varY(1)

sendo suas variáveis correlacionadas destacadas por x i (ICC sobre cada município, calculados a partir do coeficiente entre seu número de casos e o tamanho populacional, multiplicados por 100 mil) e y i , o componente de saneamento - água; e x¯ e y¯ suas médias aritméticas. Quanto ao valor de ρ, varia entre +1 e -1, e tende a uma correlação perfeita à medida que se aproxima destes valores; embora seja mais fraca quando se desloca a zero.

Correlação espacial: agrupamentos por k-mádias e mapas de distribuição

Segundo Ribeiro (2017RIBEIRO, H. Geoprocessamento em saúde: muito além de mapas. Barueri: Manole, 2017.), o uso de mapas em saúde ambiental vai além da representação cartográfica de eventos e processos, pois apresenta, dentre outros potenciais, as desigualdades e iniquidades em saúde, identificando seus possíveis riscos, o entendimento dos processos de difusão espaço-temporal de doenças, bem como a compreensão dos determinantes sociais e ambientais em saúde, fornecendo, assim, as suas relações com o espaço geográfico e bases que podem contribuir para o planejamento territorial, de forma a enfrentar problemas complexos e dinâmicos sobre desigualdades e vulnerabilidades.

Selecionamos os componentes de água mais correlacionados estatisticamente e sob certo grau de significância (via determinante de Pearson) à ICC, para análise conjunta de suas correlações espaciais. Com isto, desenvolvemos dois modelos, cada um com valores médios por município, entre 2014 e 2017, contendo o ICC e seis daqueles componentes, sendo no Modelo A aqueles sob resposta estatística positiva; e, em B, sob resposta negativa.

Após a seleção, identificamos o número ideal de cluster (k) para cada modelo, pelo método do cotovelo - com uso de k-means e soma dos quadrados totais, através da função “fviz_nbclust”, contida no pacote “factoextra” do R-Project55Disponível em: https://bit.ly/3zHHykP. Acesso em: 16 jul. 2021.. Sendo o valor de k introduzido no módulo de análise da ferramenta estatística espacial em GeoDa, para a plotagem dos agrupamentos (Anselin, 2020ANSELIN, L. Cluster Analysis (3): Advanced Clustering Methods. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2SeyhNK . Acesso em: 01 jul. 2021.
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) - metodologia demonstrada por Silva (2020SILVA, J. C. B. Dengue no Nordeste brasileiro: aspectos climáticos e socioambientais em áreas de influência sob alto risco e recomendações para políticas públicas. 2020. Tese (Doutorado em Meio Ambiente). Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.). Neste teste, cada observação é alocada no agrupamento mais próximo, e a distância entre eles é calculada a partir da distância euclidiana entre a observação e o centro do agrupamento ou cluster, classificado a partir das k-médias de suas n observações.

O teste é finalizado ao atingir o número máximo de interações, ou a mudança da “soma dos quadrados dentro do agrupamento” (WCSS), em duas interações sucessivas, for menor que o valor limite. Com isto, são fornecidos os valores de z para cada variável testada por agrupamento, além da soma dos quadrados totais (TSS), dentro (WCSS) e entre (BCSS) os agrupamentos, bem como a razão TSS/BCSS que, quanto maior, melhor a medida de ajuste do modelo. Valores mais elevados de WCSS exibem maior variabilidade das observações dentro de cada agrupamento identificado; enquanto valores menores, um agrupamento mais compacto. Já BCSS mede a variação entre todos os clusters; logo, altos valores indicam agrupamentos espalhados, enquanto os menores, uma maior proximidade entre os agrupamentos (Anselin, 2020ANSELIN, L. Cluster Analysis (3): Advanced Clustering Methods. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2SeyhNK . Acesso em: 01 jul. 2021.
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).

Adicionalmente, utilizamos o programa gratuito QGIS, versão “Las Palmas” 2.18.22, para a plotagem de mapas de distribuição, a fim de evidenciar especificidades de ICC e dos componentes de água mais correlacionados, tanto pela análise estatística quanto espacial.

Resultados e discussão

Entre 2014 e 2017, houve 557.185 registros totais sobre diagnósticos de casos de CC no estado do MS, 24,49% somente em sua capital - Campo Grande. A maior ocorrência foi em 2014, com 28,54% do total; em comparação com a capital, com 9,02%. Quanto à sua ICC, houve uma média no MS de 6.211,9 casos por 100 mil hab., com maior taxa em Costa Rica (ICC = 12.302,75), e com destaque a outras sete cidades: Antônio João, Tacuru, Dois Irmãos do Buriti, Rochedo, Vicentina, Cassilândia e Chapadão do Su (ICC média = 10.043,93). Sob o aspecto geográfico, quatros destas cidades circunvizinhas à Serra de Maracaju.

Figura 1
Incidência sobre câncer de colo de útero (ICC), por valores médios extraídos para o período de 2014 a 2017, distribuídos pelos municípios do Mato Grosso do Sul.

Souza et al. (2018SOUZA, R. F. et al. A situação do câncer em Mato Grosso do Sul: avaliação epidemiológica das neoplasias na região leste do estado no periodo de 2008 a 2016. In: CONGRESSO BRASILEIRO DOS ACADÊMICOS DE MEDICINA, 3., 2018, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: CREMESP, 2018. Disponível em: Disponível em: www.even3.com.br/Anais/cbmedcoemed/138674-A-SITUACAO-DO-CANCER-EM-MATO-GROSSO-DO-SUL--AVALIACAO-EPIDEMIOLOGICA-DAS-NEOPLASIAS-NA-REGIAO-LESTE-DO-ESTADO-NO- . Acesso em 11 jun. 2019.
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), ao estudarem os tipos de câncer no MS, entre 2008 e 2016, observaram um aumento no número de neoplasias, sendo o CC o segundo mais incidente.

O determinante de Pearson evidencia maiores associações de ICC à tarifa média praticada sobre os serviços de saneamento, em especial sobre a tarifa de água, a uma respectiva resposta de 36,28% e 34,15%, ambas a valor de p<0,001 e negativas; o que corrobora para as respostas negativas encontradas à quantidade de serviços executados (17,98%; p ≤ 0,001), à extensão da rede de água (14,25%; p≤ 0,001) e ao volume de água, seja esta macromedida ou tratada em ETAs, com cerca de 12,9% (p≤ 0,02). Estas associações levam ao entendimento de que maiores recursos financeiros aplicados à prestação do serviço possibilitam maior investimento em recursos humanos e materiais, o que implica em uma maior quantidade dos serviços executados e, por sua vez, em melhor infraestrutura com fornecimento de maior volume de água com qualidade à população e, consequentemente, menor ICC.

Quanto às associações positivas à ICC, destacam-se a quantidade de interrupções sistêmicas e de paralisações sobre o serviço de abastecimento, respectivamente, a 28,3% e 22,28%, ambas sob p-valor<0,001; o que corrobora para as respostas encontradas sobre a duração destas interrupções e paralisações, respectivamente, a 15,42% e 17,26%, ambas a nível de significância acima de 99,99% (p ≤ 0,02). Evidenciam-se, ainda, as respostas ao consumo de água, seja em relação a sua média per capita (20,74%; p<0,001) ou ao faturado por economia - nº de residências atingidos pelo abastecimento (14,51%; ≤ 0,01); bem como sobre a incidência das análises sobre as amostras de água coletadas com resultados fora do padrão para turbidez (15,18%; p≤ 0,007) e para presença de coliformes totais (12,05%; p≤ 0,03).

Não houve significância nas respostas de ICC quanto à amostra de água fora do padrão para cloro residual (QD007), e nem quanto ao índice de fluoretação (IN057), sendo importante salientar que a resposta ao volume de água fluoretada (AG028; -11,44% e p-valor de 0,042) se deve à influência do volume de água àquela ICC, o que é evidenciado, por exemplo, sobre os percentuais de resposta ao AG007 e AG012, tudo conforme a Tabela 1.

Tabela 1
Correlação estatística com intervalo de confiança em 95% e nível de significância (p-valor), pelo determinante de Pearson, entre a incidência de câncer cervical e componentes de água, sobre cada um dos 79 municípios do Mato Grosso do Sul, no período de 2014 a 2017.

O Método do Cotovelo identificou o valor ideal do número de k agrupamentos para os modelos espaciais aqui construídos e testados, entre ICC e seis componentes de água selecionados a partir daqueles sob correlação estatística e a grau de significância com-valor ≤ 0,03, Tabela 1. Logo, os modelos A e B foram distribuídos por diferentes conjuntos de municípios com, respectivamente, 6 e 4 agrupamentos (Fig. 3), com seus z-valores apresentados na Tabela 2.

Figura 2
Número de Clusters ideal para modelos testados pelo método do cotovelo, através da função “fviz_nbclust” às associada a “k-médias” e à soma dos quadrados totais (SST), entre ICC e componentes de água sob correlação estatistica: (A) positiva e (B) negativa.

Figura 3
Modelos espaciais, pelo método de k-médias e distância euclidiana, sobre os municípios do Mato Grosso do Sul, por análise conjunta entre a incidência de câncer cervical e componentes de água, sob correlação estatística: (A) positiva, sob 6 Clusters, no Modelo A e (B) negativa, sob 4 Clusters, no Modelo B.

Tabela 2
Z-valores (dispostos por k agrupamentos, TWSS e BCSS), para os modelos espaciais, pelo método de k-médias e distância euclidiana, via GeoDa, propostos entre incidência de câncer cervical e componentes de água, todos em valores médios para o período compreendido entre 2014 e 2017, sobre os 79 municípios do Mato Grosso do Sul. Ambos os modelos sob soma dos quadrados totais (TSS) de 546.

O Modelo A evidencia maiores z-valores de ICC no Cluster 5 (composto unicamente por Costa Rica; z=2.91636), sob maior efeito do número de interrupções sistêmicas (QD021; z=8,741) e de paralizações (QD002; z=7,6097); seguido do Cluster 6 (representado pela cidade de Rochedo; z=1.69043), sob maiores z-valores sobre a incidência das análises em amostras de água, com resultados fora do padrão, para coliformes totais (IN084; z=8,6803) e para os níveis de turbidez (IN076; z=5,7427). Já no Cluster 1, com 34 municípios, encontram-se as menores taxas de ICC (z=-0.74216), com resposta direta; porém negativa, de todos os componentes de saneamento inclusos neste Modelo, sobretudo, sob maior efeito da extensão da rede de esgoto por ligação (IN021; z=-0,54397), Figura 3A e Tabela 2.

Quanto ao modelo B, apresenta os maiores z-valores de ICC no Cluster 2 (z = 0,915174), distribuídos por 27 municípios; seguido do Cluster 3 (z = 0.872857), com seis municípios, que englobam inclusive a cidade de Costa Rica, sob maior ICC média. Enquanto, menores z-valores de ICC no Cluster 4 (representado unicamente pela cidade de Campo Grande; z = -1.06406), em que se observam os maiores z-valores sobre todos os componentes de água testados neste modelo, porém, sob sinal contrário, ou seja, à medida que estes aumentam, há uma redução daquela ICC, Figura 3B e Tabela 2.

Ambos os modelos apresentaram TSS de 546, sob melhor ajuste do Modelo B comparado ao Modelo A, visto suas respectivas razões de TSS/BCSS de 81,82% e 79,44%; sobretudo, sob maior variabilidade das n observações dentro de cada agrupamento (WCSS = 112,206). No Modelo B; embora haja um maior espalhamento de municípios dentro de todos os agrupamentos do Modelo A, o valor de BCSS mais elevado apresentado é de 446,761, Tabela 2.

A partir da análise espacial, é possível verificar que, independente do modelo aplicado, há elevada variância na resposta dos componentes de água à ICC, estabelecidas de acordo com o cluster em que se encontrarem inseridos, ou seja, o sinal de resposta - positivo ou negativo - é dependente tanto do grau de associação aos demais componentes que se encontrem em determinado cluster, quanto do conjunto de municípios em que estejam agrupados, vide Tabela 2.

Uma breve análise sobre controle mensal quantitativo no número de amostras para a qualidade da água em dados do SISAGUA, nos municípios do MS, no ano de 2014, apresentados na Tabela 3, revelam a presença de bactérias heterotróficas e de coliformes (totais e termotolerantes), bem como sobre os padrões de potabilidade acima dos recomendados pela Portaria nº 2.914/2011, identificados para coloração e turbidez, em cidades circunvizinhas aos Rios Amambaí (Amambaí, Aral Moreira, Laguna Carapá, Caarapó, Juti, Naviraí) e Iguatemi (Coronel Sapucaia, Paranhos, Sete Quedas, Tacuru, Eldorado, Iguatemi, Japorã e Mundo Novo), cidades possivelmente abastecidas por estes afluentes. Ainda na Tabela 3, destacam-se, em negrito, 16 cidades sob ICC acima da média observada para o MS, no período de 2014 a 2017, com destaque à Antônio João e Tacuru com, respectivamente, segunda (ICC = 11.324,65) e terceira (ICC = 11.115,16 ) maiores taxas.

Tabela 3
Indicadores fora dos padrões de qualidade da água (Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 13 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.html . Acesso em: 01 jul. 2021.
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), nos municípios do Mato Grosso do Sul, em 2014.

Segundo Hess em entrevista a Rede Brasil Atual (Oliveira, 2018OLIVEIRA, C. de. Alerta: Metais pesados, hormônios e agrotóxicos estão na água que chega às torneiras. Rede Radio Brasil Atual, São Paulo, 02 mar. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2XxwRSE . Acesso em: 19 jun. 2019.
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), o câncer é uma doença proveniente da poluição, e a água é bem relevante nisto, já que se constitui como nosso principal alimento.

Silva (2017SILVA, E. R. P. H. Controle do câncer do colo do útero em mulheres privadas de liberdade em Mato Grosso do Sul. 2017. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2017.), ao estudar o perfil de mulheres em ambiente prisional, vulneráveis a fatores de risco para o controle de CC, no estado do MS, evidenciou ser a maioria de etnia parda, na faixa etária de 18 a 34 anos, com baixo nível de escolaridade e susceptíveis a diversos agravos devido suas condições inadequadas de vida, enquanto sujeitas ao cárcere.

Segundo Alves et al. (2016ALVES, J. A. B et al. Frequency of Gardnerella vaginalis, Candida spp., Trichomonas vaginalis and pill use or copper intrauterine device use. International Archives of Medicine, Londres, v. 9, n. 360, p. 1-6, 2016. apud Silva et al. 2018SILVA, R. C. G. et al. Perfil de mulheres com câncer de colo do útero atendidas para tratamento em centro de oncologia. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 18, n. 4, p. 703-710, 2018.), o aumento de agentes anaeróbios obrigatórios na mucosa vaginal, como bactérias e fungos, pode promover maior risco à infecção pelo HPV e, por sua vez, à maior taxa de ICC.

Silva et al. (2018SILVA, R. C. G. et al. Perfil de mulheres com câncer de colo do útero atendidas para tratamento em centro de oncologia. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 18, n. 4, p. 703-710, 2018.), ao analisar a morfologia citopatológica dos microrganismos presentes na mucosa vaginal das pacientes diagnosticadas com CC, identificaram o predomínio de bactérias (66,67%), na forma de cocos e/ou bacilos; sobretudo, em mulheres com idade entre 40 a 49 anos (20,83%), e com maior porcentagem nos laudos sob resultado de lesão intraepitelial escamosa de alto grau - HSIL (33,33%), o que os levou a evidenciar ser uma das características mais relacionadas à incidência de CC na população estudada.

Segundo a Midiamax (2016)SANESUL enfrenta denúncias de poluir córregos e de servir água com agrotóxico. Midiamax, Campo Grande, 1 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2XXi80p . Acesso em: 19 jun. 2019.
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, a Sanesul, empresa de saneamento do MS, enfrenta graves acusações que atestam inadequações nos padrões dos efluentes finais por ela lançados, os quais poderiam acarretar doenças como o câncer. A perícia judicial apontou índices acima do tolerável de rejeitos nos córregos Água Boa, Laranja Doce e Rego D’água, o que foi contestado pela empresa, com divergências reconhecidas até mesmo pelo Ministério Público Estadual sobre os parâmetros utilizados. A Sanesul nega tais irregularidades e garante manter controle constante da qualidade da água que fornece aos municípios sob sua concessão.

Esse cenário alarmante consta em denúncias (respaldadas por laudos técnicos laboratoriais) já formalizadas por processo judicial aberto em 2012, junto à 5ª Vara Cível da Comarca de Dourados, fundamentado por despejo de esgoto sem o devido tratamento em córregos que desaguam no Rio Dourados, principal fonte de abastecimento do município (MIDIAMAX, 2016SANESUL enfrenta denúncias de poluir córregos e de servir água com agrotóxico. Midiamax, Campo Grande, 1 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2XXi80p . Acesso em: 19 jun. 2019.
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).

Como sugere Jardim em entrevista à Agência Pública (Vigna, 2014VIGNA, A. No Brasil, contaminação da água é pior. Publica - Agência de Jornalismo Investigativo, São Paulo, 18 mar. 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2X3uqTm . Acesso em: 19 jun. 2019.
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):

"a melhor coisa que um indivíduo pode fazer é pressionar a concessionária da sua cidade para fornecer uma água melhor. É preciso exercer a cidadania […]. O brasileiro consome como um país europeu e tem o saneamento de um país africano. Temos coliformes fecais como no Haiti e contaminantes emergentes como nos Estados Unidos."

De acordo com a FUNASA (2004)FUNASA - FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE E SANEAMENTO. Manual de Saneamento. Brasília, 2004., para se construir um mundo em que o homem aprenda a conviver com seu hábitat numa relação harmônica e equilibrada, é necessário que se construa um novo modelo de desenvolvimento com fins que levem à melhoria da qualidade de vida da população, à preservação do meio ambiente e à busca de soluções criativas que atendam aos anseios da população quanto às condições de acesso e a certos confortos da sociedade moderna. A água constitui elemento essencial à vida vegetal e animal. O homem necessita de água de qualidade adequada e em quantidade suficiente para atender suas necessidades, proteger sua saúde e propiciar desenvolvimento econômico (Machado, 2003MACHADO, C. J. S. Recursos Hídricos e Cidadania no Brasil: limites, alternativas e desafios. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 121-136, 2003.).

Ressalta-se aqui a responsabilidade dos municípios pelas diretrizes voltadas ao saneamento básico, no que tange à formulação de ações e políticas, à prestação dos serviços e quanto à definição do ente regulador e fiscalizador, tudo estabelecido na Lei nº 11.445/2007. Segundo Souza et al. (2015SOUZA, C. M. N. et al. Saneamento: promoção da saúde, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2015.), essa é uma postura que, quando conjugada com a instituição do controle social (o qual é estabelecido por esta mesma lei, sendo cerceado pelo princípio fundamental do saneamento), vai além da prevenção e se revela muito mais próxima da promoção em saúde, indo ao encontro do influxo natural dos acontecimentos sociais e políticos.

Neste sentido, destacamos aqui as conquistas alcançadas pelo Movimento Brasileiro pela Reforma Sanitária e a pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, responsáveis por introduzir, na pauta nacional de discussões, diretrizes que se refletiram fortemente sobre o saneamento ambiental, como a universalização do acesso, o fortalecimento do papel do município, a equidade e a participação social. Ao analisar estas diretrizes com o ideário da promoção em saúde, constata-se não serem estas derivadas de uma postura consciente por parte de seus propositores (Souza et al, 2015SOUZA, C. M. N. et al. Saneamento: promoção da saúde, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2015., p. 97 e 98).

Conclusões

Esse estudo caracterizou as relações do ICC aos componentes de água e seus indicadores de qualidade, com correlações estatísticas sob alto grau de significância (p-valor≤ 0,001) apresentadas às tarifas médias praticadas aos serviços de abastecimento, em especial ao de água; à quantidade de suas interrupções sistemáticas e de paralizações; ao consumo médio per capita de água e à quantidade de serviços executados sobre o sistema de abastecimento.

A correlação espacial conjunta, por agrupamentos de municípios sobre o estado do MS, distribuídos por k-médias, junto aos modelos A e B, evidenciou que a ICC varia de acordo com as especificidades de cada região (agrupamento), sob a combinação e interdependência de diferentes aspectos envolvidos, ora sob efeitos positivos ora negativos, conforme demonstrado neste estudo pela associação de ICC aos componentes de água, embora estes apresentem determinada correlação estatística sob certo grau de significância, quando testados de forma independente (desagrupada) àquela ICC.

Embora não se observe na literatura uma associação absolutamente direta dos fatores de saneamento ao CC e, sendo esta uma doença multifatorial, não podemos ignorar as correlações estatísticas e espaciais aqui apresentadas, as quais sugerem ser a má qualidade da água servida à população potencialmente favorável ao desenvolvimento da doença. Logo, faz-se necessário investigar mais detalhadamente suas relações, considerando os efeitos das interrupções e paralizações sistêmicas no serviço de abastecimento, o volume e extensão de água e esgotamento sanitário, as despesas e receitas sobre os serviços executados e a presença de coliformes na rede de abastecimento.

A realização efetiva deste estudo trará ganhos para a saúde pública da população desse estado da Federação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2021
  • Revisado
    06 Ago 2021
  • Aceito
    24 Jan 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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