Terapia ocupacional social: contribuições epistemológicas para um giro decolonial11CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

Social occupational therapy: epistemological contributions to a decolonial turn

Magno Nunes Farias Sobre o autor

Resumo

Este ensaio tem como objetivo trazer reflexões acerca das contribuições da terapia ocupacional social com base nos estudos decoloniais latino-americanos, a fim de realizar um giro decolonial na área. O texto toma como hipótese que os debates e os referenciais teóricos e metodológicos constituídos por esse subcampo foram - e são - importantes para um movimento de desobediência epistêmica. Entende-se que a terapia ocupacional social se desenvolve como uma proposta contra-hegemônica dentro de um contexto profissional centralmente pautado em perspectivas anglo-saxônicas, que universalizam a experiência euro-norte-americana fincada em relações hierárquicas de colonialidade. Alguns elementos que evidenciam esse fato dizem respeito a uma práxis terapêutico-ocupacional social pautada nas compreensões dialéticas sobre indivíduo-coletivo e cotidiano-estrutura social. Assim, desenvolvemos esses elementos de maneira mais detalhada nos tópicos: (1) a questão social e o compromisso ético-político: articulador social para decolonizar; (2) descentrando referenciais: conhecimentos outros para decolonizar; (3) entre o macro e microssocial: articulação entre dimensão sócio-histórica e cultural, vida cotidiana e atividade para decolonizar; e (4) ação individual-coletiva e territorial-comunitária: superação de práticas individualizadas e individualizantes para decolonizar. Cabe destacar que a terapia ocupacional social ainda necessita de avanços nessa discussão para ser capaz de adensar esse debate dentro de sua complexidade histórica e contemporânea.

Palavras-chave:
Terapia ocupacional/tendências; Decolonialidade; Colonialidade/modernidade; Epistemologia

Abstract

This essay reflects on the contributions brought about by social occupational therapy based on Latin American decolonial studies for the decolonial turn in the field, arguing that the debates and theoretical and methodological references carried out by this subfield were and are important for an epistemic disobedience. Social occupational therapy establishes itself as a counter-hegemonic proposal within a professional context centered on Anglo-Saxon perspectives, which universalizes the Euro-North American experience based on hierarchical relations of coloniality. Some of its elements refer to a social occupational-therapeutic praxis based on dialectical understandings of individual-collective and everyday life-social structure. Hence, the paper details these elements in the topics: (1) the social question and the ethical-political commitment: social articulator to decolonize; (2) decentering references: other knowledge to decolonize; (3) between the macro and microsocial: articulation between the socio-historical and cultural dimension, daily life and activity to decolonize; and (4) individual-collective and territorial-community action: overcoming individualized and individualizing practices to decolonize. Social occupational therapy still needs to further this discussions to deepen the debate within its historical and contemporary complexity.

Keywords:
Occupational therapy/tendency; Decoloniality; Coloniality/modernity; Epistemology

Introdução

A partir do final do século XX, intensificaram-se os debates envolvendo a emergência da superação de estruturas epistemológicas centradas nas perspectivas euro-norte-americanas, com o intuito de resgatar formas de pensar/fazer que foram invisibilizadas pelos processos de colonialidade, imperialismo e eurocentrismo - ou seja, pela violência colonial.

Entende-se, aqui, que o campo da terapia ocupacional brasileira também sofreu os impactos dessas tensões, como evidenciam os estudos de Soares (1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.) e Galheigo et al. (2018GALHEIGO, S. M. et al. Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 26, n. 4, p. 723-738, 2018. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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). As autoras identificam, na área, o surgimento de perspectivas críticas desde o final dos anos de 1970, que vêm questionando a terapia ocupacional tradicionalmente pautada nos referenciais anglo-saxônicos. Uma dessas perspectivas é a terapia ocupacional social.

A partir desta análise, tem-se como hipótese central a ocorrência de um giro decolonial na terapia ocupacional. A terapia ocupacional social tem um papel dentro disso, pois, compreendemos que os debates e os referenciais teóricos e metodológicos constituídos por esse subcampo foram - e são - importantes para o movimento de desobediência epistêmica na área.

Assim, este ensaio tem como objetivo desenvolver essa hipótese, tendo como referência os estudos decoloniais latino-americanos, entendendo-os como relevantes para explicar as questões colocadas aqui. Cabe destacar que não acreditamos que a terapia ocupacional social é a única a produzir historicamente essas proposições, porém, esse texto realiza um recorte para apreender suas especificidades.

Estudos decoloniais latino-americanos

De acordo com Ballestrin (2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 11, p. 89-117, 2013. DOI:10.1590/S0103-33522013000200004.
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), os estudos decoloniais latino-americanos surgem a partir das produções constituídas pelo Grupo Modernidade/Colonialidade, no final do século XX. O grupo construído

[…] por intelectuais latino-americanos situados em diversas universidades das Américas, […] realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de “giro decolonial”. (Ballestrin, 2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 11, p. 89-117, 2013. DOI:10.1590/S0103-33522013000200004.
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, p. 89)

Assim, esses sujeitos buscavam uma atualização da crítica latino-americana para pensar e atuar nas problemáticas que perpassam as sociedades, em defesa de um projeto epistêmico, teórico e político decolonial para um mundo que sofre permanentemente com a colonialidade global.

A categoria colonialidade diz respeito aos processos que continuam a operar nas relações de poder e saber fundadas na perspectiva de mundo centrada na Europa e na América Anglo-Saxônica, mesmo após o fim do colonialismo político (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130.). “A colonialidade, consequentemente, ainda é o modo mais geral de dominação no mundo atual, uma vez que o colonialismo como uma ordem política explícita foi destruído” (Quijano, 2014QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad-racionalidad. In: PALERMO, Z.; QUINTERO, P. (Org.). Anibal Quijano: Textos de fundación. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2014. p. 58-68., p. 63, tradução nossa).

É importante frisar que a centralidade da hegemonia europeia toma outras configurações historicamente. Desse modo, Grosfoguel (2006GROSFOGUEL, R. Descolonizando los paradigmas de la economíapolítica: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Córdoba: Siese, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.siese.org/modulos/biblioteca/g/ramon_grosfoguel_descolonizando_paradigmas_economia_transmodernidad.pdf >. Acesso em: 20 de janeiro de 2020.
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) destaca que nesse debate a noção de europeu não se restringe mais à região particular denominada de Europa. A expansão colonial europeia - agora baseada na colonialidade - se refere a uma hierarquia de poder global; logo, o europeu também diz respeito, por exemplo, ao euro-norte-americano que goza de privilégios históricos de processos de subalternação de povos colonizados na periferia do mundo, sobretudo, do Sul global. “Com suas instituições ‘livres’ e ‘democráticas’ o primeiro mundo Europeu/euro-norte-americano desenvolve-se na colonialidade com suas instituições coercitivas e autoritárias na periferia não-europeia” (Grosfoguel, 2006GROSFOGUEL, R. Descolonizando los paradigmas de la economíapolítica: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Córdoba: Siese, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.siese.org/modulos/biblioteca/g/ramon_grosfoguel_descolonizando_paradigmas_economia_transmodernidad.pdf >. Acesso em: 20 de janeiro de 2020.
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, p. 11-12, tradução nossa).

A colonialidade tem seu início desde o processo de colonização da América e da constituição do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como padrão de poder, que se estabelece como universal. Um eixo central para esses processos de opressão é a noção de raça enquanto racionalidade específica de subalternização e classificação social básica dos povos, sobretudo da América e da África, estreitamente associada a uma estrutura de divisão racial do trabalho e ao controle dos recursos e dos produtos, estabelecendo uma nova relação de produção - o capitalismo mundial. “A colonialidade do poder configura-se com a conquista da América, no mesmo processo histórico em que tem início a interconexão mundial (globalidade) e começa a se constituir o modo de produção capitalista” (Quintero; Figueira; Elizalde, 2019QUINTERO, P.; FIGUEIRA, P.; ELIZALDE, P. C. Uma breve história dos estudos decoloniais. São Paulo: MASP Afterall, 2019., p. 5).

Assim, consolidam-se forças coloniais que universalizam a ideia da Europa como centro do mundo, lócus das produções epistemológicas, políticas, culturais e sociais, que “foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-Europa” (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130., p. 122).

Para operar, então, essa configuração, a noção de modernidade é nuclear, imaginada e estabelecida apenas a partir da experiência europeia. Nessa estrutura, a modernidade está inerente à colonialidade, assim como a consolidação do capitalismo global (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Ed.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 127-168.).

O “processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado” (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130., p. 126). Nesse sentido, a Europa consolida o mito da modernidade eurocentrada, que embasa também a hegemonia norte-americana, na qual esses povos e suas enunciações passam a se estabelecer como os produtores da modernidade para toda a humanidade, tornando-se os principais protagonistas da história do mundo. Estes foram capazes “de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder” (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130., p. 122), histórico e conjuntural.

A colonização foi uma das mais potentes estratégias do eurocentrismo político, epistêmico, econômico e cultural, que, posteriormente, reconfigura-se como colonialidade. Esta, por sua vez, tem como base a relação entre o racismo, eurocentrismo, o capitalismo e a modernidade, que atravessam as vidas dos indivíduos e coletivos em diversas dimensões cotidianas (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130.).

Nessa lógica de poder global, que articula todo o planeta, os dominadores europeus e euro-norte-americanos

[…] são ainda os principais beneficiários junto com a parte não europeia do mundo que, precisamente, não era antes uma colônia europeia, principalmente o Japão. E em cada caso, especialmente suas classes dirigentes. Os explorados e dominados na América Latina e na África são as principais vítimas. (Quijano, 2014QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad-racionalidad. In: PALERMO, Z.; QUINTERO, P. (Org.). Anibal Quijano: Textos de fundación. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2014. p. 58-68., p. 60, tradução nossa)

A colonialidade tornou historicamente impossível uma real democratização dessas nações marginalizadas, dada a dependência histórico-estrutural pautada na exploração, na divisão mundial do trabalho, na estratificação sociorracial e na subordinação cultural e subjetiva. “A história latino-americana se caracteriza pela parcialidade e precariedade dos Estados-nação, assim como pelo conflito inerente a suas sociedades” (Quintero; Figueira; Elizalde, 2019QUINTERO, P.; FIGUEIRA, P.; ELIZALDE, P. C. Uma breve história dos estudos decoloniais. São Paulo: MASP Afterall, 2019., p. 7).

A colonialidade global consolida-se, hoje, em diversas dimensões. Grosfoguel (2008GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, 2008. DOI:10.4000/rccs.697.
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) destaca as imposições feitas pelos Estados Unidos da América (EUA), especificamente, por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BM), que caracteriza a manutenção dessas relações - pautadas no neoliberalismo enquanto perspectiva única e hegemônica.

Cabe destacar que esse processo de colonialidade global estabelece eixos de subordinação geo-corpo-políticos, estruturados pela geografia (lugar, território a qual pertence) e pela corporalidade (marcas do corpo: gênero, sexo, raça, sexualidade). Hegemonicamente, as relações de poder (re) produziram e ainda (re) produzem a supremacia geográfica (euro-norte-americocêntrica) e corpórea (homem, sexo masculino, branco, heterossexual), constituindo a dominação colonial no sistema-mundo moderno (Quijano, 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130.). “Um homem/europeu/capitalista/militar/patriarcal/branco/heterossexual/masculino chega nas Américas e simultaneamente estabelece no tempo e no espaço várias hierarquias/dispositivos de poder global emaranhados entre si” (Grosfoguel, 2006GROSFOGUEL, R. Descolonizando los paradigmas de la economíapolítica: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Córdoba: Siese, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.siese.org/modulos/biblioteca/g/ramon_grosfoguel_descolonizando_paradigmas_economia_transmodernidad.pdf >. Acesso em: 20 de janeiro de 2020.
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, p. 6, tradução nossa).

As linhas de resistência desses processos sociais inauguram a decolonialidade22Walsh (2013, p. 25, tradução nossa) propõe retirar o “s” do termo descolonial e derivados. Segundo a autora: “Excluir o ‘s’ é minha opção. Não é promover um anglicismo. Pelo contrário, pretende marcar uma distinção com o significado em castelhano de ‘des’ e o que pode ser entendido como um simples desarmar, desfazer ou reverter o colonial. Ou seja, passar de um momento colonial a um não colonial, como se fosse possível que seus padrões e traços desistam de existir”., projeto decolonial ou giro decolonial, que se caracteriza como um movimento de produção de conhecimentos e práticas para resistir em diversos níveis (epistêmicos, corporais, teóricos, práticos, simbólicos, políticos e culturais) à colonialidade/modernidade global (Ballestrin, 2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 11, p. 89-117, 2013. DOI:10.1590/S0103-33522013000200004.
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; Maldonado-Torres, 2018MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, J.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. (Org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.).

“A decolonialidade é, então, a energia que não se deixa manejar pela lógica da colonialidade, nem acredita nos contos de fadas da retórica da modernidade” (Mignolo, 2007MIGNOLO, W. D. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores , 2007. p. 25-46., p. 27, tradução nossa). Nesse viés, é a concepção33“Nesse sentido, o pensamento decolonial difere da teoria pós-colonial ou dos estudos pós-coloniais em que a genealogia está localizada no pós-estruturalismo francês, mais do que na densa história do pensamento planetário decolonial” (Mignolo, 2007, p. 27, tradução nossa). que desprende e se abre para o que estava escondido por uma racionalidade moderna do saber, ser, fazer e existir, retomando e produzindo epistemologias invisibilizadas pela colonialidade.

Para Catherine Walsh (2013WALSH, C. (Ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya-Yala, 2013. Tomo I.), o decolonial denota um projeto de transgressão, resistência e insurgência para identificar, criar e visualizar a construção de alternativas que superam lógicas de invasão, exploração, imposição e desumanização pautadas em uma racionalidade ditada como universal europeia e euro-norte-americana. É o empenho por

[…] uma nova linguagem se quisermos explicar o complexo enredamento das hierarquias de género, raciais, sexuais e de classe existentes no interior dos processos geopolíticos, geoculturais e geoeconómicos do sistema-mundo colonial/moderno, em que a incessante acumulação de capital é afectada por - e integrada em, e constitutiva de, e constituída por - essas hierarquias. (Grosfoguel, 2008GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, 2008. DOI:10.4000/rccs.697.
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, p. 131)

A partir disso, propomos que a terapia ocupacional social, enquanto subcampo da terapia ocupacional, seja compreendida como um referencial teórico-metodológico que vem enunciando elementos que contribuem para um giro decolonial da profissão.

Terapia ocupacional e terapia ocupacional social: aspectos históricos e contribuições para o giro decolonial

Um dos pontos importantes dos estudos decoloniais caracteriza-se “pela pesquisa histórica, seja no sentido de marco de processos globais, seja no estudo de casos localmente situados” (Quintero; Figueira; Elizalde, 2019QUINTERO, P.; FIGUEIRA, P.; ELIZALDE, P. C. Uma breve história dos estudos decoloniais. São Paulo: MASP Afterall, 2019., p. 7). Portanto, é fundamental retomar elementos históricos da terapia ocupacional enquanto campo e da terapia ocupacional social enquanto subcampo, a fim de apreender as questões entorno do giro decolonial.

A terapia ocupacional surge nos Estados Unidos da América (EUA), no início do século XX, configurada como uma profissão para responder aos serviços de reabilitação de veteranos das guerras mundiais. Na América Latina chega na década de 1950, devido aos surtos de poliomielite, por via do movimento internacional de reabilitação realizado em um acordo de cooperação internacional sob coordenação da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Esse movimento emerge especialmente preocupado com as demandas da produção capitalista, com a finalidade de realizar a manutenção da mão de obra necessária para o capital (Monzeli; Morrison; Lopes, 2019MONZELI, G. A.; MORRISON, R.; LOPES, R. L. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a primeira década de criação dos programas de formação profissional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 27, n. 2, p. 235-250, 2019. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1631.
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).

No Brasil, a terapia ocupacional chega na década de 1950, no Rio de Janeiro e São Paulo, tendo como acontecimentos importantes a epidemia de poliomielite e meningite e a constituição de instituições beneficentes para pessoas com deficiências/disfunções físicas. Assim, orientou-se como um curso dirigido à reabilitação em saúde, envolvendo intervenções junto a sujeitos com deficiências físicas, no contexto dos acordos de cooperação internacional (Reis; Lopes, 2018REIS. S. C. C. A. G.; LOPES, R. L. O início da trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: o que contam os (as) docentes pioneiros (as) sobre a criação dos primeiros cursos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 26, n. 2, p. 255-270, 2018. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1154.
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; Soares, 1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.).

Nesse panorama, pensado em uma terapia ocupacional hegemonicamente para as disfunções físicas, inicia-se a criação dos primeiros cursos de formação profissional no Brasil, seguindo os modelos norte-americanos e substituindo cursos de capacitação e treinamento já existentes44Nesse período inicial, perdem-se as experiências já articuladas por Nise da Silveira em seus trabalhos na psiquiatria brasileira, bem como seus programas pioneiros de formação (Soares, 1991). (Soares, 1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.). Compreende-se que esse processo envolveu o objetivo de reproduzir os modelos estabelecidos pelo Primeiro Mundo, dada a lógica de cooperação internacional pelo “desenvolvimento” e “modernização” dos países do Sul global, tidos como de Terceiro Mundo (Monzeli; Morrison; Lopes, 2019MONZELI, G. A.; MORRISON, R.; LOPES, R. L. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a primeira década de criação dos programas de formação profissional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 27, n. 2, p. 235-250, 2019. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1631.
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).

De acordo com Quijano (2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130.), as faces da colonialidade/modernidade se intensificaram na América Latina após a Segunda Guerra Mundial, vinculadas justamente ao debate do desenvolvimento x subdesenvolvimento. É nesse mesmo período que a terapia ocupacional chega ao Brasil, a partir das cooperações, trazendo as marcas das relações hierárquicas para pautar as formas de fazer e pensar essa área em nosso país.

Alguns aspectos importantes para resumir esse processo são evidenciados em um estudo realizado por Monzeli (2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019.) sobre as histórias da terapia ocupacional na América Latina. O autor coloca que “a formação em terapia ocupacional, pelo histórico dos primeiros programas criados em cada país da América Latina, é resultado, em parte, da articulação entre Estados-nação, pela lógica da Colonialidade” (Monzeli, 2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019., p. 197). Algumas dimensões desse processo são: a replicação de modelos de formação importados pelo Norte; a subordinação à lógica médica; os projetos impulsionados pela cooperação internacional; os professores dos primeiros cursos serem médicos ou terapeutas ocupacionais vindos de outros países; entre outras.

Galheigo et al. (2018GALHEIGO, S. M. et al. Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 26, n. 4, p. 723-738, 2018. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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) identifica esse momento de chegada dos cursos no Brasil como o período da constituição das primeiras bases teórico-práticas da terapia ocupacional, marcadas pelo paradigma reducionista e reproduzindo a subordinação médica a partir da incorporação do modelo biomédico hegemônico para garantir a cientificidade. Nota-se, nesse momento histórico, a vinculação a uma ciência localizada na base euro-norte-americanocêntrica da racionalidade/modernidade, que direcionou os currículos e práticas profissionais.

É importante destacar que esse percurso foi impulsionado também pela expansão da influência norte-americana (no campo político, militar, econômico e cultural) para os países latino-americanos. Essa medida foi tomada durante a Guerra Fria a fim de consolidar o bloco capitalista no Terceiro Mundo, relacionado aos contextos de crise da democracia e às ditaduras (Monzeli, 2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019.).

Galheigo et al. (2018GALHEIGO, S. M. et al. Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 26, n. 4, p. 723-738, 2018. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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), em sua pesquisa, evidencia que esse cenário passa a ser modificado e questionado a partir do final da década de 1970, por meio de movimentos de problematização dos saberes e práticas até então produzidas na terapia ocupacional. Intensificou-se a busca de outros aportes e por uma contextualização sociopolítica, objetivando propor ações mais críticas e emancipatórias. É nesse contexto de mudança que emerge, então, a terapia ocupacional social, propondo a ampliação e debate sobre o pensar/fazer dos profissionais.

Para Galheigo (2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68., p. 57), a terapia ocupacional social “surge como uma proposta que se diferencia por completo das perspectivas da terapia ocupacional anglo-saxã, tanto aquelas voltadas para a recuperação da funcionalidade como as centradas na pessoa”. A autora afirma que são conhecimentos produzidos no Sul que caracterizam um movimento semelhante gestado em vários países da América Latina.

Com base em Quintero, Figueira e Elizalde (2019QUINTERO, P.; FIGUEIRA, P.; ELIZALDE, P. C. Uma breve história dos estudos decoloniais. São Paulo: MASP Afterall, 2019.) e Walsh (2007WALSH, C. ¿Son posibles unas ciencias sociales/ culturales otras? Reflexiones en torno a las epistemologias decoloniales. Nómadas, Bogotá, DC, n. 26, p. 102-113, 2007.), entende-se que esse processo integra um movimento de transgressão da forma do controle do conhecimento associado às dinâmicas geopolíticas da colonialidade, desestabilizando uma terapia ocupacional que universaliza a experiência euro-norte-americana em um contexto em que “não se abrem brechas para a construção de uma proposta que dialogasse com a demanda eminente das sociedades latino-americanas, ou com os recursos e abordagens locais sobre suas necessidades” (Monzeli, 2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019., p. 200).

A terapia ocupacional social formula-se a partir da intencionalidade de criar relações e movimentos entre o que o processo social colocava como demanda concreta no Brasil e a produção histórica que a terapia ocupacional foi capaz de constituir (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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). Dessa maneira, é firmado como o desafio da terapia ocupacional social “constituir intervenções coerentes com as culturas e contextos locais específicos, fato que determina uma ruptura com ações moduladas por procedimentos técnicos preestabelecidos” (Barros; Lopes; Galheigo, 2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353., p. 352, grifos nossos). Utilizando-se de Walsh (2007WALSH, C. ¿Son posibles unas ciencias sociales/ culturales otras? Reflexiones en torno a las epistemologias decoloniales. Nómadas, Bogotá, DC, n. 26, p. 102-113, 2007.), entende-se que essa ruptura se dá com os referenciais monoculturais, universalizantes, imperialistas e coloniais do conhecimento científico hegemônico, abrindo espaço para outras epistemis.

Intencionando-se pensar/fazer uma terapia ocupacional social, há um movimento de deslocamento na área, deixando de enxergar a terapia ocupacional apenas como uma técnica que executa ações de forma alienada, pautadas na ciência universal, procedimental, neutra e dualista a partir de modelos universais euro-norte-americanos. Passa-se, então, a colocar o desafio profissional dentro da indissociabilidade entre a ação técnica e a ação política, voltada para a diversidade dos campos de práticas a partir da realidade do Brasil, país localizado na América Latina (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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; Farias; Lopes, 2020FARIAS, M. N.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional social: formulações à luz de referenciais freireanos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 28, n. 4, p. 1346-1356, 2020. DOI:10.4322/2526-8910.ctoEN1970.
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; Galheigo et al., 2018GALHEIGO, S. M. et al. Produção de conhecimento, perspectivas e referências teórico-práticas na terapia ocupacional brasileira: marcos e tendências em uma linha do tempo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 26, n. 4, p. 723-738, 2018. DOI:10.4322/2526-8910.ctoAO1773.
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; Guajardo, 2016GUAJARDO, A. Lecturas y relatos históricos de la Terapia Ocupacional en Suramérica: Una perspectiva de reflexión crítica. Revista Ocupación Humana, Bogotá, DC, v. 16, n. 2, p. 110-117, 2016. DOI:10.25214/25907816.141.
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).

Guajardo (2016GUAJARDO, A. Lecturas y relatos históricos de la Terapia Ocupacional en Suramérica: Una perspectiva de reflexión crítica. Revista Ocupación Humana, Bogotá, DC, v. 16, n. 2, p. 110-117, 2016. DOI:10.25214/25907816.141.
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) e Núñez (2019NÚÑEZ, C. M. V. Terapias Ocupacionais do Sul: uma proposta para sua compreensão. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 27, n. 3, p. 671-680, 2019.) descrevem a terapia ocupacional social como uma iniciativa importante para a virada da concepção da terapia ocupacional, marcada pelo que é chamado aqui de decolonialidade. É possível dizer que a terapia ocupacional social propõe, partindo das necessidades e demandas do Sul, especificamente do Brasil, um inédito projeto profissional (Farias; Lopes, 2020FARIAS, M. N.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional social: formulações à luz de referenciais freireanos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 28, n. 4, p. 1346-1356, 2020. DOI:10.4322/2526-8910.ctoEN1970.
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).

Alguns elementos de/para a desobediência epistêmica

A desobediência epistêmica é um movimento de crítica ao paradigma europeu de racionalidade/modernidade que ocorre em um processo de desprendimento de categorias universalizantes a partir da liberdade para produzir, criticar, compartilhar e transformar a cultura e a sociedade. Não significa um abandono epistêmico institucionalizado, mas uma desvinculação para abarcar as narrativas de uma humanidade negada para além da razão imperial/colonial (Mignolo, 2007MIGNOLO, W. D. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores , 2007. p. 25-46.; Quijano, 2014QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad-racionalidad. In: PALERMO, Z.; QUINTERO, P. (Org.). Anibal Quijano: Textos de fundación. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2014. p. 58-68.).

Trata-se de um movimento decolonial que procura, na dimensão do pensar e fazer, respostas dos territórios e sujeitos colonizados que têm o conhecimento invalidado em prol de um projeto colonial. Essa alternativa

[…] representa, em primeiro lugar, uma mudança de perspectiva e atitude que se encontra nas práticas e formas de conhecimento dos sujeitos colonizados, desde os inícios da colonização, e, em segundo lugar, um projeto de transformação sistemática e global dos pressupostos e implicações da modernidade, assumido por uma variedade de sujeitos em diálogo. (Maldonado-Torres, 2007MALDONADO-TORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Ed.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 127-168., p. 160, tradução nossa)

Tendo isso em vista, esse processo, na terapia ocupacional social, rompe com o conhecimento único imposto pelas perspectivas euro-norte-americanas a fim de criar um movimento de transformação epistêmico teórico e prático, repensando a geopolítica, os sujeitos, a história, as problemáticas sociais e o papel do profissional.

Assim, além das questões já trabalhadas no tópico anterior, aqui se propõe trazer alguns elementos que evidenciam, de maneira mais detalhada, alguns aspectos da terapia ocupacional social para uma desobediência epistêmica.

A questão social e o compromisso ético-político: articulador social para decolonizar

Núñez (2019NÚÑEZ, C. M. V. Terapias Ocupacionais do Sul: uma proposta para sua compreensão. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 27, n. 3, p. 671-680, 2019.) discorre que a terapia ocupacional social surge para abordar aspectos relacionados às contradições capitalistas e, para isso, lança mão da categoria questão social, objetivando ter uma visão mais ampla e complexa das condições sociais que envolvem a vida cotidiana dos sujeitos. A questão social, a partir do referencial do autor Robert Castel, coloca um (re) surgimento do social para a terapia ocupacional, reconfigurando as bases de prática e formação da profissão (Barros; Ghirardi; Lopes, 2002BARROS, D. D; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v13i3p95-103.
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), hegemonicamente firmadas na neutralidade científica e na individualidade.

Além disso, houve um deslocamento para afirmar a terapia ocupacional social enquanto um subcampo com especificidade, colocando a necessidade da terapia ocupacional se direcionar para uma ação extraclínica. Esta exigia novos referenciais para a atuação nesse social em prol da superação do monopólio da dicotomia “saúde e doença” a fim de responder às problemáticas que envolviam os sujeitos em vulnerabilidade social (Barros; Ghirardi; Lopes, 2002BARROS, D. D; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v13i3p95-103.
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; Malfitano, 2016MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especialidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016. p. 117-133.).

O salto em busca de se aprofundar sobre a questão social localizada no entendimento das contradições sociais e culturais colocadas no capitalismo globalizado desestabiliza uma terapia ocupacional euro-norte-americana, ou, como Núñez (2019NÚÑEZ, C. M. V. Terapias Ocupacionais do Sul: uma proposta para sua compreensão. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional , São Carlos, v. 27, n. 3, p. 671-680, 2019.) coloca: tradicional, hegemonicamente técnica, reducionista e acrítica às práticas sociais (Soares, 1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.), alocada em um conhecimento positivista consubstanciado na neutralidade e universalidade epistêmica.

Nesse sentido, repensa-se o compromisso ético-político e cultural da terapia ocupacional na sociedade latino-americana e, especialmente, brasileira, a fim de ultrapassar a terapia ocupacional fundamentada na adaptação social (acrítica, a-histórica e descontextualizada). Assim, busca-se consolidar um pensar/fazer profissional para a articulação social (com engajamento técnico, social e político) (Galheigo, 1997GALHEIGO, S. M. Da adaptação psicossocial à construção do coletivo: a cidadania enquanto eixo. Revista de Ciências Médicas - PUCCAMP, Campinas, v. 6, n. 2, p. 105-108, 1997., 2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68.).

De acordo com Galheigo (1997GALHEIGO, S. M. Da adaptação psicossocial à construção do coletivo: a cidadania enquanto eixo. Revista de Ciências Médicas - PUCCAMP, Campinas, v. 6, n. 2, p. 105-108, 1997.), o papel de articulador social pretende superar uma ação profissional alienante que não questionava a estrutura e a desigualdade social, promovendo, meramente, a adaptação social preocupada em reintegrar o indivíduo, mas sem debater os motivos da exclusão. Nesse contexto, Galheigo (2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68., p. 50) coloca que a terapia ocupacional social “é um exemplo de campo que se constituiu em suas origens pelo que, décadas depois, seria nomeado de compromisso ético-político”. Ético no sentido de assumir um compromisso frente às questões sociais, enquanto agente que produz valores e normas sociais em prol da emancipação e afirmação da vida. Político por reconhecer as dinâmicas estruturais político-sociais para além do monopólio do campo saúde-doença, em busca de estratégias para alargamento da participação social dos indivíduos e coletivos (Barros, 1990BARROS, D. D. Operadores de saúde na área social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 11-16, 1990.; Galheigo, 2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68.).

Trata-se de um processo importante para uma opção decolonial, que traça um movimento de inventividade, alargamento e reconhecimento da complexidade da terapia ocupacional no contexto brasileiro. Assim, traz o social e o compromisso ético-político fundantes de outra prática profissional, distanciando-se da colonialidade.

Para Maldonado-Torres (2007MALDONADO-TORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Ed.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 127-168., 2018MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, J.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. (Org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.), o giro decolonial requer o comprometimento enquanto agente político junto aos coletivos subalternizados, além de um engajamento crítico e construtivo no que se refere ao rebate das perspectivas coloniais/imperiais/modernas, aspectos que são e foram essenciais para as questões e avanços firmados no subcampo da terapia ocupacional social.

Descentrando referenciais: conhecimentos outros para decolonizar

Uma mudança importante para a terapia ocupacional social foi a busca por outros referenciais para a apreensão dos fenômenos cotidianos dos indivíduos e coletivos na sociedade brasileira frente à insuficiência dos referenciais euro-norte-americanos.

Lopes e Malfitano (2016LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016.) e Barros, Lopes e Galheigo (2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353.) colocam a emergência da terapia ocupacional social para ir além de um fazer profissional até então orientado hegemonicamente pelo campo de conhecimento biomédico e clínico. Com esse intuito, começa-se a lançar mão de outros campos de conhecimento de caráter sociológico e antropológico. Há a busca por epistemologias “que se reportem ao entendimento das dinâmicas das negociações sociais” (Lopes; Malfitano, 2016LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016., p. 19) e aos elementos que a terapia ocupacional coloca em jogo para definir as problemáticas.

Então, algumas autoras e autores passaram a ser incorporados à terapia ocupacional social, como Aníbal Quijano, Paulo Freire, Karl Marx, Robert Castel, Franco Basaglia, Michel Foucault, Antonio Gramsci, Homi Bhabha, entre outros, bem como as próprias terapeutas ocupacionais que passaram a produzir conhecimentos que problematizam o saber tradicional, tais como Lea Soares, Jussara Pinto, Maria Heloisa Medeiros, Berenice Rosa Francisco, Beatriz Ambrósio do Nascimento, Maria Isabel Garcez Ghirardi, Denise Dias Barros, Roseli Esquerdo Lopes, Sandra Galheigo (essas quatro últimas as principais precursoras da terapia ocupacional social), entre outras.

Assim, consolidam-se referenciais teóricos mais críticos para abordar as contradições sociais, superando perspectivas que colocam os sujeitos e grupos marginalizados como responsáveis, individualmente, pela não adaptação, expondo o debate sobre o próprio papel técnico-político profissional diante dessas questões. Torna-se imprescindível compreender e questionar a natureza da própria sociedade e sua estrutura excludente, sendo uma questão fundante na crítica elaborada pela terapia ocupacional social.

Em um contexto em que “a meta dos profissionais era a de se integrar no modelo médico-psicológico dominante e desenvolver uma prática que pudesse ser respeitada cientificamente” (Barros; Lopes; Galheigo, 2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353., p. 349), a terapia ocupacional social propõe um extravasamento da mediação saúde-doença e do próprio setor da saúde. Dessa forma, ela amplia o saber-fazer com elementos para formular outras leituras da realidade e campos de ações (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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), tendo em vista a insuficiência de adaptar técnicas e teorias (hegemonicamente, do campo da biomedicina, psiquiatria e neuropsicomotricidade) para lidar com problemáticas sociais.

Entende-se que a descentralização ocorre embasada em teóricos importantes no percurso de uma perspectiva decolonial da terapia ocupacional brasileira - como Marx, Foucault, Gramsci e Bhabha - que, inclusive nos estudos críticos ao colonialismo e ao imperialismo, foram e são autores essenciais. Cabe, ainda, destacar Quijano, que foi central para discutir as questões da marginalidade social na terapia ocupacional social e autor fundamental na construção da crítica decolonial.

Assim, é relevante perceber que esses autores, que passaram a fazer parte da terapia ocupacional social, são essenciais para o conhecimento crítico às relações de colonialidade, mesmo que no desenvolver dos estudos decoloniais latino-americanos se coloque como necessária a realização de problematizações ao eurocentrismo que os constitui; porém, reconhecendo sua importância na produção de conhecimentos insurgentes (Grosfoguel, 2008GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, 2008. DOI:10.4000/rccs.697.
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).

Dessa forma, esses referenciais se colocam como um arcabouço crítico para a terapia ocupacional social superar a colonialidade no pensar/fazer profissional ainda limitado a conceitos biomédicos, a-históricos e acríticos.

É possível afirmar que a terapia ocupacional social, dentro dos limites impostos pela hegemonia dos cânones ocidentais, dialoga com referenciais localizados na crítica ao colonialismo, rompendo com fundamentos da profissão localizados nas formas euro-norte-americanas. Outro exemplo importante é a centralidade de Paulo Freire nas produções da terapia ocupacional social, autor que historicamente produziu referenciais teóricos-metodológicos para pensar uma educação politicamente comprometida com a emancipação, sendo um importante teórico no campo dos estudos decoloniais (Farias; Lopes, 2020FARIAS, M. N.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional social: formulações à luz de referenciais freireanos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 28, n. 4, p. 1346-1356, 2020. DOI:10.4322/2526-8910.ctoEN1970.
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; Walsh, 2013WALSH, C. (Ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya-Yala, 2013. Tomo I.).

Ademais, a busca por outros conhecimentos na terapia ocupacional social também está na descentralização do saber técnico-científico, em que o terapeuta ocupacional se coloca como o único agente de saber-poder “para a ideia de saberes plurais diante de problemas e de questões sociais” (Barros; Ghirardi; Lopes, 2002BARROS, D. D; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v13i3p95-103.
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, p. 100). Busca-se, desse modo, o reconhecimento dos saberes múltiplos, sobretudo aqueles que pertencem à população-alvo da ação, deixando de ser uma ação para os indivíduos e passando a ser uma ação junto aos sujeitos e grupos, na qual os saberes de todos entram em jogo.

As faces da colonialidade e suas instituições (médicas, jurídicas) sempre colocaram os corpos vulneráveis como corpos coisificados, cujo agente técnico-científico tem o poder de interferir como uma forma de controle do conhecimento e dos sujeitos. A partir da terapia ocupacional social coloca-se, então, que as ações “devem ser repensadas a partir de uma pluri-versatilidade epistemológica que leve em conta e dialogue com as formas de produção de conhecimento que se geram em âmbitos extra-acadêmicos e extra-científicos” (Walsh, 2007WALSH, C. ¿Son posibles unas ciencias sociales/ culturales otras? Reflexiones en torno a las epistemologias decoloniales. Nómadas, Bogotá, DC, n. 26, p. 102-113, 2007., p. 102, tradução nossa).

Entre o macro e microssocial: articulação entre dimensão sócio-histórica e cultural, vida cotidiana e atividade para decolonizar

Segundo Malfitano (2016MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especialidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016. p. 117-133.), um dos elementos principais para o trabalho com a multiplicidade do referencial teórico-metodológico da terapia ocupacional social é a articulação entre o micro e o macrossocial. De acordo com a autora, “sob o prisma da abrangência coletiva da situação social de diferentes grupos populacionais, a articulação entre histórias de vida e os elementos macrossociais é essencial para a ação” (Malfitano, 2016MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especialidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016. p. 117-133., p. 126). Existe a necessidade de uma ação que entenda os aspectos macrossociais na determinação das vidas dos sujeitos para poder elaborar junto a estes estratégias para a ampliação da participação social.

A tarefa é articular o trabalho individual e coletivo, de forma individualizada e personalizada, sem perder de vista a necessidade de ações de políticas, de gestão e militância (Malfitano, 2016MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especialidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016. p. 117-133.), contemplando um social fincado nas relações contraditórias de poder. Ao encontro das elaborações de Barros, Ghirardi e Lopes (1999BARROS, D. D.; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional e sociedade. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 10, n. 2, p. 69-74, 1999.), essa forma de fazer/pensar a profissão transpõe a concepção clássica de ciência, difundida e acatada para que se tenha legitimidade cientifica (Monzeli, 2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019.; Soares, 1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.), que confunde a vida profissional rumo ao dualismo entre indivíduo e sociedade; diante disso, deve-se entender que a ação junto aos sujeitos está ligada à dinâmica social e às relações históricas.

A complexidade das relações intrínsecas entre o micro e macrossocial exige da práxis terapêutico-ocupacional social: o entendimento sócio-histórico e cultural; a ação direcionada para a vida cotidiana dos sujeitos, individuais e coletivos; e a recolocação das atividades como recursos.

O entendimento sócio-histórico e cultural, a partir das reflexões de Galheigo (2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68.), é uma chave de leitura crítica que questiona o saber científico como estatuto da verdade, neutro, argumentando “a favor da compreensão da produção da subjetividade e das relações sociais enquanto processos sócio-históricos” (Galheigo, 2016GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: uma síntese histórica acerca da constituição de um campo de saber e prática. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar, 2016. p. 49-68., p. 63). Os elementos para a ação superam o olhar técnico-científico e procedimental e o saber médico-psicológico, questionando interpretações que naturalizam as normas, calcadas na disciplinarização de problemáticas sociais que objetivam o controle dos sujeitos (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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; Barros; Lopes; Galheigo, 2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353.; Lopes; Malfitano, 2016LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016.).

Trata-se de uma ação direcionada para a vida cotidiana dos sujeitos, individuais e coletivos. Com base nas elaborações de Galheigo (2003GALHEIGO, S. M. O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 14, n. 3, p. 104-109, 2003. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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), o conceito de cotidiano vislumbra a vida dos sujeitos em sua dimensão histórica, pessoal, social e territorial. “A concepção de cotidiano […] vem se contrapor às perspectivas positivistas que acreditam ser fundamental se distinguir fatos de valores, adotando-se assim uma postura de neutralidade que possibilite uma análise mais objetiva da realidade social” (Galheigo, 2003GALHEIGO, S. M. O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 14, n. 3, p. 104-109, 2003. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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, p. 107).

A compreensão de cotidiano vai além de conceitos como atividades de vida diária e atividades de vida prática, que tendem a entender a vida dos sujeitos de forma universal, categorizadas, mecânicas e mensuráveis, sendo utilizadas de forma a-históricas e descontextualizadas na profissão (Galheigo, 2003GALHEIGO, S. M. O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 14, n. 3, p. 104-109, 2003. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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) - consequência das dinâmicas de colonialidade (Monzeli, 2019MONZELI, G. A. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: processos de criação dos primeiros programas de formação profissional. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019.).

Nesse viés, as atividades passam a ser entendidas no seu sentido lato, como atividades cotidianas na vida dos sujeitos, mas também sendo recolocadas como recurso na terapia ocupacional. “A terapia ocupacional social reformula-se a partir da aceitação deste desafio da busca de criar nexos entre aquilo que o processo social traz como demanda e o acúmulo produzido na terapia ocupacional acerca do conceito e das implicações das atividades como mediação” (Barros; Ghirardi; Lopes, 2002BARROS, D. D; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v13i3p95-103.
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, p. 101, grifos da autora).

Assim, procura-se transpassar uma epistemologia que coloca as atividades em uma dinâmica isolada, resolutivas em si mesmas - causa-efeito, mecânicas, progressivas e estritamente técnicas (patologia = atividade para cura) -, pois, sabe-se que a dimensão social dos sujeitos foi excluída no uso dessas concepções de atividades como recurso. Essa é a perspectiva que historicamente marca a terapia ocupacional que chega ao Brasil a partir dos modelos euro-norte-americanos.

Desse modo, a terapia ocupacional social busca alargar esses entendimentos de atividades, estabelecendo a emergência de analisá-las a partir das necessidades concretas dos sujeitos “a fim de constituir-se em um instrumento para a emancipação, alimentada pela dimensão sociopolítica, cultural e afetiva de pessoas, de grupos e de comunidades” (Barros; Lopes; Galheigo, 2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353., p. 352). Além disso, é preciso compreender que essas atividades não têm significados fixos, pré-estabelecidos, sendo necessário desenvolvê-las de forma culturalmente pertinente à geopolítica dos múltiplos territórios e cotidianos.

Ação individual-coletiva e territorial-comunitária: superação de práticas individualizadas e individualizantes para decolonizar

“O terapeuta ocupacional social trabalha com base na interpretação da demanda que é simultaneamente individual e coletiva” (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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, p. 93). Portanto, dados os atravessamentos das práticas individualizadas e individualizantes que predominam na história da terapia ocupacional, focados para a ação médica-clínica, a terapia ocupacional social realiza alguns avanços.

A partir das reflexões colocadas por Guajardo (2016GUAJARDO, A. Lecturas y relatos históricos de la Terapia Ocupacional en Suramérica: Una perspectiva de reflexión crítica. Revista Ocupación Humana, Bogotá, DC, v. 16, n. 2, p. 110-117, 2016. DOI:10.25214/25907816.141.
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) e Malfitano (2016MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especialidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. (Org.). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos . São Carlos: EdUFSCar , 2016. p. 117-133.), a terapia ocupacional social busca superar processos de terapeutização e/ou medicalização da vida social, que convertem fenômenos de ordem social, num contexto de crise do capitalismo global, em problemas individuais. Essa prática é, por vezes, legitimada por uma terapia ocupacional que busca neutralidade, pautada em uma ciência biomédica positivista.

Então, na terapia ocupacional social, recoloca-se a questão da dicotomia indivíduo x coletivo, reafirmando que essa relação não é descontínua, separável ou mecânica, mas indissociável (Barros; Lopes; Galheigo, 2007BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia ocupacional social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C.R.C. Terapia ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 347-353.). E para uma ação a partir dessa compreensão também é necessário transcender a clínica como setting terapêutico, buscando se colocar na relação territorial-comunitária55A noção de ação territorial-comunitária, escrita dessa forma, é desenvolvida por Bianchi (2019), entendendo que os conceitos de territorial e comunitário estão intercruzados nas práticas dos terapeutas ocupacionais.. Nela, os sujeitos, que são individuais e coletivos, vivem suas vidas concretas, indo além de muros que limitam as trocas sociais pelo discurso disciplinador, na tentativa de engendrar processos emancipatórios pessoais e sociais (Barros; Ghirardi; Lopes, 2002BARROS, D. D; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v13i3p95-103.
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).

A ação territorial-comunitária “destina-se a indivíduos que são ao mesmo tempo elementos de um coletivo: existem conflitos e contradições que muitas vezes o sistema […] vem encobrir, ou até transformar a natureza das necessidades que o geram” (Barros, 1990BARROS, D. D. Operadores de saúde na área social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 11-16, 1990., p. 14). Dessa forma, a autora supracitada aponta para a insuficiência de práticas que se voltam para uma identificação individual das questões, sendo a compreensão necessariamente coletiva, e suas interconexões com o individual essenciais para não individualizar problemas sociais.

Ao analisar as práticas informadas pelos pressupostos territoriais-comunitários, Bianchi (2019BIANCHI, P. C. Terapia ocupacional, território e comunidade: desvelando teorias e práticas a partir de um diálogo Latino-Americano. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019., p. 334) conclui que existem cinco princípios para essa ação, a saber:

[…] a atuação implicada no coletivo e nas relações sociais; a tessitura de redes formais e informais; a construção de vínculos através do uso das atividades; a horizontalidade e disponibilidade nas relações; e as estratégias para lidar com a vulnerabilidade social nos âmbitos micro e macrossocial.

Com base nessas questões, essa forma de pensar/fazer, central historicamente na produção de conhecimentos e práticas da terapia ocupacional social, tem desenvolvido práticas que desestabilizam perspectivas fortemente individualizantes que são tradicionais da profissão.

Considerações finais

“É tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos”

AnibalQUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 107-130., p. 139)

A terapia ocupacional social em sua historicidade não esteve eximida das epistemologias centralmente euro-norte-americanas, haja vista a própria história da profissão e a influência de algumas perspectivas socioantropológicas. Todavia, cabe destacar que, sobretudo no momento histórico do surgimento do subcampo, busca-se enunciar conhecimentos outros - com a intenção de promover a transformação e desobediência epistemológica - que vêm trazendo elementos importantes na proposição de deslocamentos para um giro decolonial.

Entende-se que o pensar/fazer proposto pela terapia ocupacional social - com seu inconformismo, sua intencionalidade e apreensão das dimensões técnicas, políticas, éticas, sociais e culturais - possibilitou e ainda possibilita à profissão apreender, intervir e projetar o mundo e as relações sociais de outra maneira, se desvinculando das terapias ocupacionais tradicionais e viabilizando formas distintas de envolvimento, produção de conhecimentos e práticas. Dessa maneira, trabalhou-se aqui com alguns componentes que anunciam esse panorama, que gira em torno da problematização das questões sociais e da busca por ações pautadas nas compreensões dialéticas sobre indivíduo-coletivo e cotidiano-estrutura social.

Percebe-se que essa discussão é densa e precisa ser acolhida pelo campo e pelo subcampo em sua complexidade, com a finalidade de aprofundar o diálogo epistemológico da terapia ocupacional social com os estudos decoloniais latino-americanos; pois, a produção de conhecimento é marcada pelos cenários sociais em constantes transformações. Assim, “‘o caminho se faz ao caminhar’. Esse é um caminho do risco e da aventura do conhecimento que vai definir o próprio de maneira mais flexível e, também mais fluida” (Barros, 2004BARROS, D. D. Terapia ocupacional social: o caminho se faz ao caminhar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-97, 2004. DOI:10.11606/issn.2238-6149.v15i3p90-97.
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, p. 96)

A intenção desse artigo foi contribuir com esse processo em constância, podendo ser um recurso para pesquisas futuras sobre o subcampo da terapia ocupacional social, sua história e sua composição hoje, bem como para a compreensão da maneira que esses debates anunciados aqui se compõem nas intervenções durante a prática profissional cotidiana. Desse modo, entende-se que esse é um caminho central para reflexões e investigações que estão por vir.

Nesse sentido, o que cabe agora como tarefa são exercícios de retomada dessas proposições sob a ótica dos estudos decoloniais latino-americanos, que só começaram a se desenvolver mais intensamente na década de 1990, anos após os primeiros passos da terapia ocupacional social. Essa é uma possibilidade para problematizar, questionar e reelaborar novas e velhas questões que interpelam a vida cotidiana concreta dos sujeitos e grupos dos quais a terapia ocupacional social atua juntamente.

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  • 1
    CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
  • 2
    Walsh (2013WALSH, C. (Ed.). Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya-Yala, 2013. Tomo I., p. 25, tradução nossa) propõe retirar o “s” do termo descolonial e derivados. Segundo a autora: “Excluir o ‘s’ é minha opção. Não é promover um anglicismo. Pelo contrário, pretende marcar uma distinção com o significado em castelhano de ‘des’ e o que pode ser entendido como um simples desarmar, desfazer ou reverter o colonial. Ou seja, passar de um momento colonial a um não colonial, como se fosse possível que seus padrões e traços desistam de existir”.
  • 3
    “Nesse sentido, o pensamento decolonial difere da teoria pós-colonial ou dos estudos pós-coloniais em que a genealogia está localizada no pós-estruturalismo francês, mais do que na densa história do pensamento planetário decolonial” (Mignolo, 2007MIGNOLO, W. D. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, DC: Siglo del Hombre Editores , 2007. p. 25-46., p. 27, tradução nossa).
  • 4
    Nesse período inicial, perdem-se as experiências já articuladas por Nise da Silveira em seus trabalhos na psiquiatria brasileira, bem como seus programas pioneiros de formação (Soares, 1991SOARES, L. B. T. Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? Retrospectiva histórica da profissão no Estado brasileiro de 1950 a 1980. São Paulo: Huitec, 1991.).
  • 5
    A noção de ação territorial-comunitária, escrita dessa forma, é desenvolvida por Bianchi (2019)BIANCHI, P. C. Terapia ocupacional, território e comunidade: desvelando teorias e práticas a partir de um diálogo Latino-Americano. Tese (Doutorado em Terapia Ocupacional) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019., entendendo que os conceitos de territorial e comunitário estão intercruzados nas práticas dos terapeutas ocupacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2020
  • Revisado
    08 Dez 2021
  • Aceito
    22 Jun 2022
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