Muro, segregação e semeaduras: recultivando uma investigação da vida em um território de invis(c)ivilizações

Larissa Ferreira Mendes dos Santos Laura Camargo Macruz Feuerwerker Sobre os autores

Resumo

Para nutrir o solo da pesquisa de mestrado com outras perspectivas, este artigo apresenta-se como uma tentativa de incorporar novas referências e reelaborações a essa investigação que teve como proposta cartografar certos arranjos cotidianos da produção de vida, as dinâmicas do território e as formas de resistência a um projeto estrutural de precarização das existências a partir dos encontros com alguns habitantes de um bairro periférico de São Paulo/SP. Para a cobertura desse solo teórico/relacional (humano e extra-humano) que se pretende preparar e nutrir ao longo do processo de doutoramento, são incorporadas questões sobre os atravessamentos e efeitos do enfrentamento desigual da pandemia de covid-19 em grupos sociais marginalizados. Sem a pretensão de formular respostas definitivas nesta incipiente retomada, visa-se produzir uma espécie de “escrita-adubo” com outras perspectivas, intersecções e análises possíveis. A aposta é que as paisagens-narrativas rememoradas das vivências de encontros, que aqui são trazidas à tona, suscitem “germinações” passíveis de nova intervenção problematizadora nos processos de invisibilização de certas existências − e das territorialidades por elas habitadas - que paradoxalmente dão a ver os sistemáticos atos de “muralhamento” e de ocultação desses territórios geográfico-existenciais.

Palavras-chave:
Territórios Periféricos; Invisibilidades; Pandemia; Segregação

Semeaduras

O processo de produção na agricultura é constituído por ciclos que requerem afinada composição entre tempo, técnicas e ferramentas. O tempo, tal qual um regente, confere ritmo e coesão: sinaliza o momento preciso do plantio, da efetuação dos modos de cuidar (do solo e da plantação), da realização da colheita, e requer a atenção ao tempo-clima - secas e chuvas que irrigarão para o plantio vingar. Outro estágio desse processo implica um período de parada, que assegura à terra uma necessária fase de renovação. Essa pausa consiste no espaço de tempo intervalar que se situa entre os períodos de fim da colheita e início de um novo ciclo de produção: a entressafra (Russo, 2021RUSSO, M. O que é entressafra e como planejar sua cultura durante esse período. Paripassu, Florianópolis, 1 out. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.paripassu.com.br/blog/o-que-e-entressafra >. Acesso em: 16 jul. 2022.
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).

No período de entressafra, em sistemas de semeadura direta, ocorre o plantio de selecionadas culturas de cobertura11Culturas de cobertura são plantas de variadas espécies que, no sistema de plantio direto, são selecionadas a partir de sua adaptabilidade às características edafoclimáticas de cada região (Alvarenga et al., 2001)., que se deitam sobre a superfície do solo, ofertando a ele proteção. A cadência da rotatividade dessas plantas embala um movimento muito valoroso, que trata da gradativa e lenta incorporação das culturas de cobertura no solo e da reciclagem dos nutrientes. Nesse compasso, o produto da decomposição da matéria orgânica dessas plantas alimenta microrganismos que, aliados a outros processos, disponibilizam nutrientes que não somente protegem e reestruturam o solo como provêm, com nutrientes reciclados, a sucessão de culturas (Alvarenga et al., 2001ALVARENGA, R. C. et al. Plantas de cobertura de solo para sistema plantio direto. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 22, n. 208, p. 25-36, 2001.).

Ora, mas por que descrever, neste espaço, um processo de produção agrícola? Ao que respondemos: porque pareceu possível estabelecermos algum avizinhamento com o contexto no qual este artigo está sendo produzido: três anos após a finalização (formal) da pesquisa de mestrado (Santos, 2019SANTOS, L. F. M. Derivas cartográficas: (sobre) vivências cotidianas e outros modos de (re)existência na contemporaneidade. 2019. 106 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. )22O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001..

Essa investigação teve como proposta cartografar arranjos cotidianos da produção de vida, dinâmicas do território e formas de resistência a um estrutural projeto de precarização das existências, a partir dos encontros com alguns habitantes da comunidade do Jardim Piratininga (São Paulo/SP). Ensejou-se, a partir dessas aproximações, saber do outro por ele mesmo (Guimarães, 2001GUIMARÃES, C. O rosto do outro: ficção e fabulação no cinema segundo Deleuze. In: LINS, D. (Coord.). Nietzsche e Deleuze: pensamento nômade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.), para além do olhar circunscrito ao campo da Saúde e do enquadramento caricatural que supõe homogêneas as cenas periféricas.

A perspectiva teórico-metodológica que orientou a realização dessa pesquisa foi a análise micropolítica do cotidiano, por meio do método cartográfico (Deleuze; Guattari, 1995DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. São Paulo: Editora 34, 1995. v. 1.; Feuerwerker, 2014FEUERWERKER, L. C. M. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida, 2014.; Feuerwerker et al., 2016FEUERWERKER, L. C. M. et al. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis, 2016. (Políticas e cuidados em saúde, 2).; Merhy; Feuerwerker, 2009MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M. Novo olhar sobre as tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea. In: MANDARINO, A. C. S.; GOMBERG, E. (Org.). Leituras de novas tecnologias e saúde. São Cristóvão: Editora UFS, 2009.; Merhy et al., 2016MERHY, E. E. et al. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis , 2016. (Políticas e cuidados em saúde, 1),; Passos; Barros, 2012PASSOS, E.; BARROS, R. B. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Sulina, 2012.). Neste artigo, apresentamos fragmentos de narrativas inspiradas nos encontros com e no território, que buscam contar as singulares histórias das vidas e da comunidade, num esforço de não as “achatar”.

Assim sendo, esta escrita situa-se no período de “entressafra da pesquisa”, que compreende o término (defesa) da dissertação e o preparo de um novo ciclo de discussão/problematização. A produção deste artigo, portanto, é uma preliminar e vagarosa tentativa de incorporar à pesquisa anterior novas referências, reelaborações e sedimentações (caminhos possíveis de análise) para a cobertura do solo teórico/relacional (humano e extra-humano) que se pretende preparar, nutrir e alargar ao longo da construção do processo de doutoramento.

Nesse entretempo, muito se foi/vem sendo vivido, percebido e recolhido como reverberações pós-encerramento da pesquisa: atravessamentos e efeitos de um desigual enfrentamento da pandemia de covid-19 que eclodiu no Brasil em março de 2020, e que se arrasta até os tempos atuais. Realizou-se alinhavos e costuras de uma rede33Nos primeiros meses da pandemia, foi criado um arranjo denominado Amor em Tempos de COVID, por meio do qual nós, juntamente aos moradores da comunidade e de alguns pesquisadores de uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, buscamos oferecer não somente escuta e acolhimento das angústias, dúvidas e sofrimentos engendrados pelo incerto e aterrorizante cenário pandêmico, como também articular formas de obtenção do básico para sobrevivência naquele momento: alimentação (por meio de doações de cestas básicas), kits de higiene e máscaras de proteção facial. de cuidados afetivos e materiais que pôde acolher alguns dos viventes - cujos vínculos ainda persistem - do Jardim Piratininga, campo que propiciou terreno fértil para a germinação da pesquisa de mestrado em questão. Lá, assim como nas muitas favelas, becos, ocupações, periferias e ruas das metrópoles brasileiras, a experiência pandêmica constituiu-se como uma “calamidade crônica agudizada” (Biehl, 2021BIEHL, J. Descolonizando a saúde planetária. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 27, n. 59, p. 337-359, 2021. DOI: 10.1590/S0104-71832021000100017
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).

Desde a emergência da crise sanitária, pesquisadores de todo o mundo vêm empreendendo grandes esforços para produzir pesquisas que possam orientar o desenvolvimento de vacinas, estratégias de prevenção, tratamento e práticas de cuidado, bem como fomentar análises acerca dos impactos e desdobramentos da pandemia nos mais variados modos de vida e sociabilidades. Deste modo, não resta dúvida sobre a importância de produzir estudos quanto à formulação de medidas visando minorar algumas das desigualdades socioeconômicas, sanitárias e ambientais que a pandemia exacerbou. Contudo, tão relevante quanto problematizar os vieses das discussões, análises de conjuntura e proposituras de políticas públicas que, por vezes, se apresentam descoladas da política das existências, é preciso interrogar as estratégias de intervenção que desconsideram a multiplicidade do que se convencionou em nomear populações e territórios em situação de vulnerabilidade.

Desigualdades, diferentes realidades e experiências heterogêneas nos modos de viver-circular-habitar a cidade requerem ações e produções de cuidado singulares e não homogêneos. Nesse sentido, é fundamental acompanhar e mapear a singularidade dos variados contextos que compõem territórios e existências diversos. No caso da pandemia, embora as medidas recomendadas sejam efetivas naquilo a que se propõem, que é, em última instância, proteger as vidas, pensamos ser imprescindível alargar a leitura sobre este acontecimento. Toda vida, de qualquer modo, é passível de ser defendida e vivida? Sob quais condições e de que modos algumas vidas vêm sendo produzidas?

Sem a pretensão de apresentarmos respostas definitivas para essas questões, ainda mais nesta retomada de investigação, intentamos produzir uma espécie de “escrita-adubo”, que possa nutrir o solo da pesquisa de mestrado (Santos, 2019SANTOS, L. F. M. Derivas cartográficas: (sobre) vivências cotidianas e outros modos de (re)existência na contemporaneidade. 2019. 106 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. ) com outras perspectivas, intersecções e análises possíveis, numa composição entremeada pelas derivas do estudo e por desassossegos pretéritos e atuais. Nesse sentido, a aposta é que as paisagens-narrativas rememoradas de encontros no Jardim Piratininga, que trazemos neste artigo, suscitem “germinações” passíveis de intervenção problematizadora nos processos de invisibilização. Ou seja, a invisibilização de certas existências, e das territorialidades por elas habitadas, e o que paradoxalmente dão a ver os sistemáticos atos de “muralhamento” e ocultação desses territórios geográfico-existenciais.

Por tudo isso, interessa aqui perseverar na produção de encontros e no acompanhamento das vidas constantemente enquadradas num processo de subjugação social (BUTLER, 2015BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.), das vidas que se produzem marginalmente, do outro lado do Muro.

Do Muro que “acaba com a gente”

Numa manhã ensolarada de julho de 2019 - dessas que a incandescência do Sol abranda o sopro gelado do inverno -, margeando o outro lado do Muro do Jardim Piratininga, caminhávamos Maria, Jerônimo e eu. Circunvagando o espaço, quedamos num trecho do trajeto que abria passagem para um outro canto do território, com vistas para o curso de água poluída que corre aos fundos da comunidade. Carregando restos de matérias (in)orgânicas, conhecido como “rio Negrinho”, esse canal faz vizinhança com o parque que cintila de verde a paisagem, formando um quintal.

A gente chama de rio Negrinho. Mas, na realidade, é canal de circunvalação da margem esquerda do rio Tietê, apelidado como rio Negrinho. (Gênio)

Porque é daquele jeito, né? Cê cai ali, cê morre. Muitas pessoas já morreram. […] A água é completamente contaminada. (Pedrinho)

12 mil pessoas jogando fezes… (Gênio)

Ali tinha que ser canalizado faz tempo, né? Não pode ficar. […] Tem moradias de risco até… Lá na beira. O pessoal quer fugir do aluguel, né? Já pensou conviver com aquele cheiro? (Pedrinho)

Até então, eu não tinha adentrado aquela área, habitada por vidas em constante risco: uma composição de travessas íngremes e afuniladas que desembocavam na beira daquele córrego de águas turvas e odor fétido, sob casas de palafitas. Permaneci, por alguns instantes, mirando atentamente algumas crianças que brincavam no filete de terra batida que as separavam do córrego. Aqueles pequenos corpos pareciam desafiar o perigo, improvisando uma espécie de dança cujos movimentos deslizavam entre contatos, desequilíbrios e equilibrações. Seguimos adiante.

Entre passagens por outros cantos, esquinas e vielas, pululavam na conversa vagarosa afetos-memórias despertados no corpo de um saudoso Jerônimo. E nas paragens, por ocasião de fortuitos encontros com antigos amigos, que assim como ele há muito haviam aportado por lá, um dedo de prosa evocava lembranças, fazendo cruzar fios de acontecimentos que possibilitavam a urdidura da teia narrativa por meio da qual a história daquele território era (re)contada…

O Jardim Piratininga (“peixe seco” em Tupi-Guarani) carrega no nome o rastro de um aldeamento, formado por cinco aldeias, que povoava uma porção de terra onde, atualmente, pós-apropriação, está situado o município de São Paulo. As águas de um ainda límpido Tietê, entre transbordamentos e recuos, deixavam escapar um tanto de peixes que, encalhados, ficavam a secar na várzea do rio, mobilizando o deslocamento de habitantes atraídos pela disponibilidade de comida farta.44Disponível em: https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/piratininga/. Acesso em :26 mar. 2022.

A comunidade, topônimo indígena, ocupa uma parte do vasto território da região leste da capital paulista. O povoamento dessa área, inicialmente constituído por “muitos espaços, muito mato, várias lagoas”,55Fragmento de uma narrativa da dissertação que compõe o capítulo “Um encontro com o Gênio” (Santos, 2019). se deu por meio dos transbordamentos de fluxos (i)migratórios que fizeram desembarcar, por ali, um bando de gente-peixe.66Tõrãmü Këhíri, ancião do povo Desana, conta que, a pedido da avó do mundo, o bisneto do mundo encarregou-se da criação da humanidade. Ele “desceu ao mundo em uma grande cobra, uma grande cobra-canoa, cheia de gente-peixe. A cobra-canoa viajou debaixo d’água, espalhando a humanidade, deixando as pessoas pela paisagem do mundo em que estamos agora. Foi assim que o mundo começou” (Narby, 2021, p. 3). Ocupações de moradias, aterradas sobre as lagoas, foram espalhando as pessoas que, paulatinamente, iam formando a paisagem daquela ilha urbana. Esta, desde então, vem sendo povoada por muitos “estrangeiros”, de outras ou da própria terra, sobretudo por aqueles oriundos das regiões norte e nordeste do Brasil, mas também por haitianos e habitantes de algumas localidades do continente africano, que avistaram naquelas terras uma morada possível. Na mistura dos corpos fincados na terra nova, sedimentos das saudades, lembranças, (des)afetos, do vivido, do que se abandonou ou, talvez, do que impeliu o desejo de (des)embarcar.

Nesse território-insular, a nomenclatura das ruas e vielas é mesclada por referências que aludem a passagens e personagens bíblicas e a ícones populares da música brasileira. Algumas ruas também registram em seus nomes homenagens àquelas/es que figuraram cenas de mobilizações populares e criação de alianças necessárias à construção de um projeto ético-político de vida e moradia, que visava interseccionar realidades, desejos e necessidades comuns. Emergiram, naquele contexto, lideranças comunitárias, associações de moradores e algumas articulações com órgãos da administração pública (em caráter reivindicatório de fornecimento de energia elétrica, pavimentação das ruas e saneamento básico), processos de regularização fundiária, tentativas de delineamento e implementação de um Plano de Bairro (Claro et al., 2019CLARO, M. et al. Formas de ação e participação: método para elaboração de Plano de Bairro em assentamento precário na cidade de São Paulo. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS, 3., 2018, Salvador. Anais… [S.l.]: Sisgeenco, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://www.sisgeenco.com.br/sistema/urbfavelas/anais2018a/html/gt1.html >. Acesso em: 30 jun. 2022.
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).

Ainda que não fosse a primeira vez que, juntos, nos lançávamos numa “andarilhança” pela comunidade - entre vielas, ruas estreitas ou sem saída, moradias térreas ou verticalizadas, pelo comércio local, por algumas bancas de frutas e legumes, pelo pedacinho nomeado “vila dos mandioqueiros”77Povoado por moradores feirantes e que se ocupam do manuseio da mandioca (produzida por pequenos agricultores) para extração de farinha e um preparo para bolo e tapioca que comercializam em suas barracas em dias de feira livre. Ao longo do dia, é possível vê-los, em frente de suas casas, num laborioso “rito” de descascar, cortar e peneirar. -, a paisagem nunca era a mesma, melhor dizendo, não parecia nos tocar do mesmo modo que outrora. Não foi diferente naquele dia.

Durante o trajeto, o alto Muro que cerca o Jardim Piratininga fez os olhos de Maria desviarem da conversa − foram longe, como se tentassem alcançar toda a extensão daquela estrutura: “esse muro que acaba com a gente aqui… O preconceito. Depois que construiu essa linha aí, dos trem que vai pra Guarulhos, subiram muito os muro. A gente até que lutou para não levantar o Muro, pôr grade, pra gente não ficar no gueto aqui” (Maria).

Maria seguiu dimensionando o incômodo que a atravessa(va), que não parecia menor que o tamanho do Muro, que subia à medida que a construção da linha do trem e, posteriormente, a instalação do metrô sentido aeroporto foram avançando. Para ela, o Muro cumpria outras funções: esconder, “guetificar”. Inviabilizar a vista da comunidade pelas pessoas que passassem por ali. Esconder o que não se quer que seja visto. Escamotear da paisagem que compõe o trajeto dos viajantes, um certo arranjo de organizar o cotidiano e as singulares vidas que se produzem de outras formas (Santos, 2019SANTOS, L. F. M. Derivas cartográficas: (sobre) vivências cotidianas e outros modos de (re)existência na contemporaneidade. 2019. 106 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. ).

A invisibilização de determinadas existências constitui-se como ato/efeito de históricos processos colonizatórios que, há décadas, vêm forjando um simulacro de mundo pretensamente civilizado. No Brasil, o violento processo de invasão pelos colonizadores, que impuseram sua (mono)cultura e a concepção racista de valorar as vidas que importavam, ao passo que desumanizavam aquelas que poderiam ser descartadas/aniquiladas, engendra a fabricação/manutenção do estado permanente de vulnerabilidade a que estão submetidos alguns viventes, bem como os territórios por eles habitados. Assim sendo, a invisibilização passa por um processo de “muralhamento” (delineamento de fronteiras), engendrado pelo projeto necropolítico de fazer morrer e deixar morrer (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.) os corpos dissidentes.

Porém, tornar algo visível pode implicar um paradoxo. No caso das populações que habitam as regiões periféricas da metrópole, periodicamente instaura-se a visibilidade seletiva, que dá a ver apenas traços de vidas “vagalumeantes”, que lampejam “na ofuscante claridade dos ‘ferozes’ projetores: projetores de mirantes, dos shows políticos” (Didi-Huberman, 2011DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011., p. 30, grifo do autor), de estatísticas, dossiês, manchetes de páginas policiais que, por vezes, acompanhamos com olhares mais ou menos atentos. Neste espectro, a forma de olhar é reduzida ao “olho retina” (Rolnik, 2007ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.), obscurecendo a possibilidade de percepção através do “olho-do-sensível”.

Contudo, a visibilidade per se não garante a reversibilidade da estratificação da vida em dados. Por vezes, não somente impossibilita transver o mundo e perceber matizes existenciais que colorem a vida, como ofusca pelo excesso de holofote/luminosidade. Saturados, os olhos enxergam apenas silhuetas de vidas, um clarão que borra as existências.

Como um rasgo no Muro, na entrada da comunidade do Jardim Piratininga há um portal colorido por grafites, que fazem da estrutura de concreto uma moldura por entre a qual é possível espiar a partir do lado de fora. O que se avista é um pedaço da comunidade e o vai-e-vem cotidiano dos viventes que lá habitam ou estão de passagem.

Paralela ao Muro, uma extensa via por onde trafegam corpos amarfanhados em tumbeiros motorizados, rumo às igualmente extensas jornadas de trabalho/estudo e seus deslocamentos cotidianos. Distantes das localidades onde habitam, tracejam com os próprios corpos o contorno de um mapa expressivo das iniquidades sociais, políticas e econômicas, produzidas pelo arranjo espacial88Sobre configuração espacial, mobilidade, padrões de integração na estrutura urbana e segregação, ver Barros, Medeiros e Morais (2009) e Rodriguez Dias e Sakr (2014). que configura os espaços urbanos das metrópoles. Mapa este cuja cartografia ganhou extensiva e notória visibilidade quando da emergência da crise sanitária em decorrência do alastramento global da covid-19.

No início de 2020, chegou em terras brasileiras o SARS-CoV-2, vírus cuja célere disseminação propagou não somente o contágio de corpos, como também o espalhamento do terror, de angústias e medo. Diariamente, pessoas de variados cantos do mundo punham-se vigilantes diante dos noticiários nacionais e internacionais, mobilizadas por estados de alerta e tensão constantes, uma vez que o invisível inimigo estava à espreita. Tramas de uma realidade distópica.

Dentre as pessoas mais atingidas pelo vírus, figuraram, num primeiro momento, aquelas que integram grupos sociais mais privilegiados. Contudo, não tardou para que o vírus se espraiasse por entre a parcela populacional em situação de vulnerabilidade. No Rio de Janeiro, uma mórbida estatística foi inaugurada quando do registro do óbito de uma trabalhadora doméstica negra, que foi infectada na residência de sua “patroa” (primeiro…, 2020PRIMEIRO caso de morte por Covid-19 no Rio é o retrato da vulnerabilidade das mulheres na pandemia. Oxfam Brasil, São Paulo, 28 maio 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/primeiro-caso-de-morte-por-covid-19-no-rio-e-o-retrato-da-vulnerabilidade-das-mulheres-na-pandemia/ >. Acesso em: 25 maio 2022.
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). Esse acontecimento deu visibilidade às históricas desigualdades sob as quais determinados segmentos sociais são/estão submetidos, em especial, mulheres negras e pobres, pessoas moradoras de zonas periféricas, suburbanas ou em situação de rua.

O contexto de pandemia tem exposto, de um lado, as contradições de raça, classe e gênero da sociedade brasileira. O perfil padrão das mortes por covid-19 é o homem negro, de baixa escolaridade e pertencente aos filões mais precarizados da classe trabalhadora. Entretanto, as dimensões de gênero da pandemia reservam um lugar perverso às mulheres negras, seja por estarem na linha de frente daqueles serviços considerados indispensáveis, como enfermagem, limpeza, entre outras, seja pelos efeitos do acúmulo de tarefas colocados a todas as mulheres em confinamento, agravados pela precariedade das condições sociais na qual se encontra a população negra. Por outro lado, a pandemia expõe também a mentalidade escravista da classe dominante brasileira. […] No país da ideologia da cordialidade, mantêm-se quase intactas as relações entre casa-grande e senzala. A pandemia de coronavírus não impede que milhões de trabalhadoras domésticas continuem se amontoando nos ônibus para irem servir à cordial gente branca. (Faustino; Gonçalves, 2020FAUSTINO, D.; GONÇALVES, R. A nova pandemia e as velhas relações coloniais, patriarcais e racistas do capitalismo brasileiro. Lutas Sociais, São Paulo, v. 24, n. 45, p. 275-289, 2020. DOI: 10.23925/ls.v24i45.53009
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, p. 283-284)

Segregações ou sobre a falácia do vírus democrático

Desde a emergência da crise sanitária, muitos estudos vêm acompanhando os impactos da pandemia nas experiências urbanas (mobilidade, trabalho e relações socioeconômicas) e nas vidas dos moradores da capital paulista. Dentre eles, destacamos o “Especial Coronavírus” (Coronavírus, [2020]CORONAVÍRUS. LabCidade, São Paulo , [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/especial-coronavirus/ >. Acesso em: 20 maio 2022.
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), um conjunto de análises realizado pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), laboratório de pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Em um desses estudos, foram observados alguns profissionais de saúde, devido à grande incidência da covid-19 em ambientes hospitalares, o que resultou na inclusão destes trabalhadores no ranking dos mais atingidos pelo vírus. Entretanto, o contágio e o curso da doença não se deram de forma homogênea - na contramão, portanto, da ideia equivocada de que se tratava de um vírus democrático.

Após a subdivisão desses profissionais em grupos de médicos e não-médicos - divisão que já revela a escala de hierarquização profissional -, também foram evidenciados retratos da desigualdade e da segregação que remontam à dinâmica social do país. O estudo apontou que grande parcela dos profissionais médicos residia no “centro expandido” da cidade, denominação das áreas consideradas mais valorizadas. Do outro lado, nas periferias urbanas, viviam os profissionais não-médicos. Com efeito, “a localização das residências dos não-médicos segue lógica semelhante à distribuição da população negra e de baixa renda, que têm sido reportados como grupos desproporcionalmente impactados pela pandemia” (Brito et al., 2020BRITO, G. et al. Coronavírus nas cidades: proteger quem mais precisa é o grande desafio. LabCidade, São Paulo, 20 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/coronavirus-nas-cidades-proteger-quem-mais-precisa-e-o-grande-desafio/ >. Acesso em: 20 maio 2022.
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).

Expressão do “racismo anti-negro” (Faustino; Gonçalves, 2020FAUSTINO, D.; GONÇALVES, R. A nova pandemia e as velhas relações coloniais, patriarcais e racistas do capitalismo brasileiro. Lutas Sociais, São Paulo, v. 24, n. 45, p. 275-289, 2020. DOI: 10.23925/ls.v24i45.53009
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), a supracitada distribuição populacional revela a perpetuação de um arranjo que estrutura a sociedade a partir do constructo de raça, por meio do qual definem-se tanto as localidades (geralmente, as mais precárias), quanto os modos de viver, transitar e ocupar os espaços sociais.

O próprio processo histórico de urbanização de São Paulo consagrou um modelo de cidade segregada racial e socialmente, distribuída entre adensadas periferias e alguns poucos centros econômicos, onde se concentra a maior parte dos postos de trabalho. Essa distribuição desigual entre local de moradia e local de trabalho consolida um padrão de mobilidade pendular, concentrado nos horários de pico, que somado à uma rede de transporte público insuficiente, produz a superlotação de ônibus, metrôs e trens cotidianamente, agravando o risco de contágio. Afastar-se de aglomerações se torna um grande desafio ou até mesmo algo inevitável para quem depende desses deslocamentos cotidianos. (Marino et al., 2020MARINO, A. et al. Covid-19 entre profissionais de saúde reverbera desigualdades urbanas. LabCidade, São Paulo , 17 set. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-19-entre-profissionais-de-saude-reverbera-desigualdades-urbanas/ >. Acesso em: 20 maio 2022.
https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-1...
)

Indubitavelmente, a crise sanitária disseminada pelo novo coronavírus é uma questão de saúde pública. Entretanto, ao longo da pandemia - que se estende aos dias de hoje em proporções mais reduzidas, salvo a eficácia da vacinação -, ficou evidente que os desdobramentos deflagrados pelo vírus, seja pelo curso de adoecimento e morte, seja pelos diferentes impactos que uma mesma medida protetiva produz em populações e territórios diversos, extrapolam a esfera da saúde, implicando também importantes desdobramentos nos nossos modos de produzir, trabalhar e sociabilizar (Marino et al., 2020MARINO, A. et al. Covid-19 entre profissionais de saúde reverbera desigualdades urbanas. LabCidade, São Paulo , 17 set. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-19-entre-profissionais-de-saude-reverbera-desigualdades-urbanas/ >. Acesso em: 20 maio 2022.
https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-1...
).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou alguns cuidados que tinham por finalidade proteger a população e minorar a propagação do coronavírus. Porém, algumas das medidas sanitárias recomendadas, como o distanciamento social, a frequente higienização das mãos (lavar/utilizar álcool em gel), o “ficar em casa”, impactaram rigorosamente os arranjos econômicos, de mobilidade e das relações de sociabilidade que estruturam e movem a dinâmica das cenas urbanas.

[…] o avanço veloz da pandemia, sua popularização, periferização, favelização e o enegrecimento dos atingidos já está ocorrendo. É importante lembrar que historicamente ações higienistas miraram tais áreas e pessoas: remoções, expulsões e demolições justificadas em nome da saúde pública se consagraram como a “forma de lidar com o problema”, ao invés de construir soluções pautadas pela diversidade de pessoas e situações urbanas. (Marino et al., 2020MARINO, A. et al. Covid-19 entre profissionais de saúde reverbera desigualdades urbanas. LabCidade, São Paulo , 17 set. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-19-entre-profissionais-de-saude-reverbera-desigualdades-urbanas/ >. Acesso em: 20 maio 2022.
https://www.labcidade.fau.usp.br/covid-1...
, grifo do autor)

Ações higienistas não são apenas configuradas por meio de atos claramente perceptíveis, como nos casos de desapropriações, remoções e demolições (o fazer morrer). Na experiência brasileira de enfrentamento da pandemia, foram evidenciadas ações higienistas de outra natureza, como aquelas que visaram induzir a população a acreditar na possível cura por meio do uso de medicações comprovadamente ineficazes e nocivas quando utilizadas fora da prescrição terapêutica. Ou a ação engendrada pela estratégia “cientificamente equivocada e eticamente inaceitável” (Ventura; Bueno, 2021VENTURA, D. F. L.; BUENO, F. T. C. De líder a paria de la salud global: Brasil como laboratorio del “neoliberalismo epidemiológico” ante la Covid-19. Foro Internacional, Ciudad de México, v. 61, n. 2, cuaderno 244, p. 427-467, 2021. DOI: 10.24201/fi.v61i2.2835
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) de disseminação do coronavírus, deliberada e propagandeada pelo governo federal, como resultante de uma imunização coletiva pelo contágio, a imunidade de rebanho.

Partilhando de lógica semelhante à que baliza o constructo da livre regulação do mercado, a tese da imunidade de rebanho embasou-se na suposição de que a forma mais efetiva de controle de uma epidemia era deixá-la sem regulamentação. Com efeito, reproduzia a mesma violência constitutiva do paradigma neoliberal, que vitimiza “os fracos e os pobres: idosos e pessoas portadoras de deficiências, sem-teto, refugiados e pessoas com graves problemas de saúde - muitos dos quais, provavelmente, também terão um status socioeconômico mais baixo devido à correlação entre pobreza e doença” (FREY, 2020FREY, I. “Herd Immunity” is Epidemiological Neoliberalism. The Quarantimes, Vienna, 19 Mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://thequarantimes.wordpress.com/2020/03/19/herd-immunity-is-epidemiological-neoliberalism/ >. Acesso em: 23 out. 2021.
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, tradução nossa). É, pois, no arcabouço do neoliberalismo, que determinadas ações governamentais vêm sendo engendradas, juntamente ao estruturado projeto de desregulamentação do mercado e privatizações, em detrimento do investimento estatal para manutenção/criação de políticas de seguridade social, subsumindo vidas à lucratividade do mercado financeiro.

Ao passo que o neoliberalismo epidemiológico (Frey, 2020FREY, I. “Herd Immunity” is Epidemiological Neoliberalism. The Quarantimes, Vienna, 19 Mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://thequarantimes.wordpress.com/2020/03/19/herd-immunity-is-epidemiological-neoliberalism/ >. Acesso em: 23 out. 2021.
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) se mobiliza no sentido de (pretensamente) cuidar da vida da população, por meio do controle/superação da pandemia, também forja, em outro espectro, vias que permitem o extermínio da vida, ou melhor dizendo, de “certas vidas” (Butler, 2015BUTLER, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.; Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.). No processo de (sub)valoração das existências no qual somente “algumas vidas importam”, determinados grupos são tomados como culpados ou potenciais ameaças, de modo que passam a ser evocados, autorizados e justificados dispositivos de intervenção do Estado. Revela-se, portanto, o projeto histórico de morte sob o qual a vida é subjugada. Projeto engendrado pelos exercícios, tanto do biopoder (Foucault, 2002FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.) quanto do necropoder (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.) que, viabilizados pela tecnologia do racismo (Estado racista), legitimam e naturalizam o aniquilamento do outro (povos originários e determinados grupos sociais), destituindo-o de humanidade.

Quando o exercício da dominação expande a lógica colonial, atravessando fronteiras territoriais e chegando a todos os cantos do mundo, o exercício do poder passa a ser regido pela lógica colonial, não se tratando somente de decidir quem pode viver e quem deve morrer, mas de tornar o exercício da morte um modo de gestão política (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.; Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.). Produção de morte em detrimento da sustentação da vida - uma necropolítica - constitutiva de estratégias de incitação ao risco, bem como as ações governamentais (Reis; Ventura, 2021REIS, R; VENTURA, D. F. L. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. In: REIS, R; VENTURA, D. F. L. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19: relatório técnico. São Paulo: USP, 2021. p. 6-31. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/directbitstream/3b1910da-027e-41c6-b740-12642d275300/HSA_02_2021.pdf > Acesso em: 16 mar. 2022.
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) pautadas por diversas omissões (o atraso na aquisição de vacinas e na concessão de auxílio financeiro emergencial, por exemplo).

Num outro espectro, a depender da perspectiva que se olha, certas práticas, mesmo aquelas preconizadas pelas medidas sanitárias, por mais que se fiem na lógica do cuidado, além de não assegurarem proteção a determinados viventes, podem produzir efeitos igualmente higienistas uma vez aplicadas de forma simplificadora, descontextualizada, homogeneizante e desatenta à diversidade que portam variadas territorialidades e seus viventes.

Inseguranças alimentar e habitacional; sistemática intermitência no abastecimento de água; e saneamento básico precarizado ou inexistente dificultam, quando não inviabilizam, o cumprimento de uma dentre as principais orientações para prevenir o contágio: lavar as mãos frequentemente. Casas diminutas com pouca ventilação e que, por vezes, abrigam numerosas quantidades de pessoas, foram desafiadas a se manterem em quarentena no caso de um (ou mais) ser acometido pela covid-19. Além disso, a exclusão digital obstaculizando trabalhos e estudos remotos, bem como a insuficiência de banheiros públicos, prejudicando os cuidados de higiene pessoal das pessoas em situação de rua.

Restrições de circulação implicaram reduções ou perdas financeiras para os que se ocupavam do trabalho informal, nos serviços considerados não essenciais. No Piratininga, os moradores da “vila dos mandioqueiros”, tal como os feirantes de todo o país, permaneceram meses sem poder trabalhar. O distanciamento social é utopia para quem, cotidiana e compulsoriamente (trabalhadores da saúde, setores da limpeza, transporte, alimentação e demais serviços essenciais), se espreme nos meios de transportes atulhados, se expondo ao risco de contágio-adoecimento-morte dada a superexposição ao vírus.

Ora, diante de tudo isso, como podemos coletivamente construir engajamentos éticos, políticos, sociais e vitais? Como suscitar a extração dos enquadramentos, segregações e estratificações, de modo a “revelar as múltiplas formas que resistem, se reinventam ou mesmo se vão forjando à revelia e à contracorrente da hegemonia de um sistema de mercado, por mais democrático que pareça?” (Pelbart, 2013PELBART, P. P. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N-1 Edições , 2013., p. 256).

Cabe, então, o registro de que as territorialidades periféricas não se reduzem às dificuldades, à precarização e às faltas - perspectivas sob as quais são usualmente enquadradas. Desnaturalizar a perspectiva da carência é preciso, pois ela não é condição definidora das realidades periféricas. Potentes arranjos solidários99Disponível em: <https://www.fazendinhando.org/em-acao>. Acesso em: 1 ago. 2022. produzidos em momentos de grande fragilidade, como na pandemia, dão pistas sobre formas possíveis de criar engajamentos coletivos de cuidado e resistência. A produção do cuidado comunitário de crianças e idosos, doações de livros, articulações para montagens de cestas básicas e kits de higiene pessoal para doação bem como máscaras confeccionadas por costureiras locais para serem distribuídas gratuitamente são algumas dentre múltiplas ações protagonizadas nas periferias do país. Muitas destas ações seguem se reinventando.

Considerações finais

O registro de Muro grafado em letra maiúscula ao longo do texto consistiu em, ao lançar mão desse recurso gráfico, dar ênfase à presença de simbólicas (ou não) linhas fronteiriças, cujos traçados sinalizam divisões políticas, geográficas e subjetivas. Linhas estas que, ao estabelecerem zonas de diferenciação, instauram a oposição entre “nós” e “eles”, assim como outros dualismos que assinalam o que se situa dentro-fora, do que é superior-inferior, vencedor-fracassado, passível de vida ou de morte.

O Muro margeado durante a caminhada com Maria dá materialidade à segregação social e racial constitutiva dos processos históricos de formação das grandes cidades. Nesse sentido, o alto Muro que “esconde as gentes”, que “guetifica”, também torna visível o desenho de uma cidade segregada, com localidades mais ou menos valorizadas, mais ou menos acessíveis, resultante da desigual distribuição espacial que concentra em poucas regiões os polos econômicos, postos de trabalho, bens e serviços (públicos e privados) voltados à população.

Do outro lado, o adensamento nas áreas periféricas e a necessidade de seus habitantes enfrentarem, cotidianamente, longas jornadas rumo aos locais de trabalho e/ou estudo. Essa desproporcionalidade, na prática, interpõe barreiras de acesso a um amplo conjunto de direitos, como saúde, lazer, saneamento ambiental, moradia adequada, serviços públicos, trabalho e mobilidade urbana.

Rastros dessa desigualdade também puderam ser acompanhados ao longo da crise sanitária desencadeada pela covid-19, explicitando que as formas de contágio e adoecimento seguiam a mesma lógica segregacionista que engendra a dinâmica social do país. Afinal, alguns dos fatores que contribuíam para a maior exposição aos riscos de contágio estavam relacionados às (precárias) condições de moradia, mobilidade e renda. A distinção entre quem podia, de fato, usufruir do direito ao isolamento e às medidas de prevenção evidencia a estrutura de valoração de vidas que importam mais e vidas que importam menos. O processo de marginalização denunciado por Maria ficou bastante evidenciado na pandemia.

Por tudo isso, do lado de fora do Muro, é necessário descontruir as práticas que operam na lógica da subjugação/tutela do outro, considerando a composição entre saberes e territorialidades diversos como condição de possibilidade para que se criem outros mundos, que abram caminhos para arranjos de vida mais criativos, sustentáveis, coletivos, solidários e democráticos. Uma composição que cultive modos de produção do cuidado nos quais toda vida importa. Eis um exercício imprescindível ao campo da saúde pública, sobretudo no que concerne aos pressupostos históricos que balizam a produção de práticas e de saberes nesse campo, podendo atuar como cúmplices de regimes de opressão ou consolidar intervenções da saúde enquanto presença do Estado, para que projetos higienistas sejam viabilizados.

Acreditamos que, tanto na agricultura quanto no campo da pesquisa, o que torna possível uma produção diversificada é a variação do cultivo, uma composição com o diferente (espécies, referências e existências). Nesse sentido, é necessário produzir dados de pesquisa que não mais homogeneízem ou objetifiquem as territorialidades e seus viventes, mas que possam tomá-los como produtores ativos de saberes sobre si mesmos e sobre a paisagem geográfico-existencial onde vivem. Políticas públicas podem (e devem) ser produzidas de modo compartilhado (composição com saberes locais) a partir dos singulares e diversos modos de existência, das redes afetivas, das coletividades e de micropolíticas do cuidado germinadas onde a vida acontece. Uma aproximação, portanto, com diferentes perspectivas de leituras e vivências de mundos, na semeadura de alguns conceitos e encontros com outros modos de pensar-viver-existir-resistir.

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  • VENTURA, D. F. L.; BUENO, F. T. C. De líder a paria de la salud global: Brasil como laboratorio del “neoliberalismo epidemiológico” ante la Covid-19. Foro Internacional, Ciudad de México, v. 61, n. 2, cuaderno 244, p. 427-467, 2021. DOI: 10.24201/fi.v61i2.2835
    » https://doi.org/10.24201/fi.v61i2.2835

  • 1
    Culturas de cobertura são plantas de variadas espécies que, no sistema de plantio direto, são selecionadas a partir de sua adaptabilidade às características edafoclimáticas de cada região (Alvarenga et al., 2001ALVARENGA, R. C. et al. Plantas de cobertura de solo para sistema plantio direto. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 22, n. 208, p. 25-36, 2001.).
  • 2
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 3
    Nos primeiros meses da pandemia, foi criado um arranjo denominado Amor em Tempos de COVID, por meio do qual nós, juntamente aos moradores da comunidade e de alguns pesquisadores de uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, buscamos oferecer não somente escuta e acolhimento das angústias, dúvidas e sofrimentos engendrados pelo incerto e aterrorizante cenário pandêmico, como também articular formas de obtenção do básico para sobrevivência naquele momento: alimentação (por meio de doações de cestas básicas), kits de higiene e máscaras de proteção facial.
  • 4
  • 5
    Fragmento de uma narrativa da dissertação que compõe o capítulo “Um encontro com o Gênio” (Santos, 2019SANTOS, L. F. M. Derivas cartográficas: (sobre) vivências cotidianas e outros modos de (re)existência na contemporaneidade. 2019. 106 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. ).
  • 6
    Tõrãmü Këhíri, ancião do povo Desana, conta que, a pedido da avó do mundo, o bisneto do mundo encarregou-se da criação da humanidade. Ele “desceu ao mundo em uma grande cobra, uma grande cobra-canoa, cheia de gente-peixe. A cobra-canoa viajou debaixo d’água, espalhando a humanidade, deixando as pessoas pela paisagem do mundo em que estamos agora. Foi assim que o mundo começou” (Narby, 2021NARBY, J. O primeiro ciclo Selvagem. Cadernos Selvagem, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <Disponível em: http://selvagemciclo.com.br/wp-content/uploads/2020/11/CADERNO_2_NARBY.pdf >. Acesso em: 16 mar. 2022.
    http://selvagemciclo.com.br/wp-content/u...
    , p. 3).
  • 7
    Povoado por moradores feirantes e que se ocupam do manuseio da mandioca (produzida por pequenos agricultores) para extração de farinha e um preparo para bolo e tapioca que comercializam em suas barracas em dias de feira livre. Ao longo do dia, é possível vê-los, em frente de suas casas, num laborioso “rito” de descascar, cortar e peneirar.
  • 8
    Sobre configuração espacial, mobilidade, padrões de integração na estrutura urbana e segregação, ver Barros, Medeiros e Morais (2009BARROS, A. P. B. G.; MEDEIROS, V. A. S.; MORAIS, M. P. A configuração espacial para o diagnóstico dos assentamentos precários no Brasil. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33., 2009, Caxambu. Anais… São Paulo: Anpocs, 2009.) e Rodriguez Dias e Sakr (2014RODRIGUEZ DIAS, C; SAKR, F. L. Centralidade urbana: configuração espacial e condições socioeconômicas na cidade de São Paulo, Brasil. In: SEMINARIO INTERNACIONAL DE INVESTIGACIÓN EN URBANISMO, 6., 2014, Barcelona. Actas… Barcelona: DUOT, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://upcommons.upc.edu/handle/2099/15951 >. Acesso em: 27 jun. 2022.
    https://upcommons.upc.edu/handle/2099/15...
    ).
  • 9
    Disponível em: <https://www.fazendinhando.org/em-acao>. Acesso em: 1 ago. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2023
  • Revisado
    06 Jan 2023
  • Aceito
    06 Fev 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br