A integralidade na assistência à saúde da criança na visão dos cuidadores

The child health care integrality in the view of the caregivers

Rosane Meire Munhak da Silva Cláudia Silveira Viera Beatriz Rosana Gonçalves de Oliveira Toso Eliane Tatsch Neves Reinaldo Antônio da Silva-Sobrinho Sobre os autores

Resumos

O artigo identifica o atributo integralidade e elementos do cuidado integral para resolução de problemas de saúde das crianças na percepção de seus cuidadores. Pesquisa qualitativa, baseada na hermenêutica-dialética, composta por 16 entrevistas e mapas falantes. Verificou-se: a assistência à saúde da criança com um olhar focado na doença, mas que o olhar para além do biológico começa a emergir; o cuidado centrado no êxito técnico em busca do sucesso prático; a inexistência de tecnologias leve-duras e duras para o cuidado. A parcialidade da integralidade levou a não resolutividade dos problemas de saúde infantil, demonstrando a necessidade de transformar o modo de pensar e fazer saúde.

Saúde da criança; Atenção Primária à Saúde; Cuidado da criança; Assistência integral à saúde; Cuidadores


The article identifies the integrality attribute and elements of integral care for solving the health problems of children in the caregiver´s perception. Qualitative research, based on the hermeneutic-dialectic, composed of 16 interviews conducted and talking maps. The data showed: Children´s care focused on the sickness; a view further than the biologic is emerging; centered care on the technical success looking for practical success; non-existence of light-hard and hard technologies to the care. The partiality of integrality conducted to the non-solving of the children´s health problems, it demonstrated a necessity to change the way of thinking and making health.

Child health; Primary Health Care; Child care; Comprehensive health care; Caregivers


Introdução

Embora seja constatada a redução dos índices de Mortalidade Infantil (MI), como remete o último relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) uma diminuição do índice para 16/1000FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Committing to child survival: a promise renewed. 2012. Disponível em: <http://www.apromiserenewed.org/APR_2014_web_15Sept14.pdf>. Acesso em: 1 maio 2014.
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nascidos vivos (UNICEF, 2012), o grande problema que permanece e converge à saúde da criança no Brasil refere-se à concentração da MI no período neonatal, decorrente da prematuridade e de agravos perinatais, bem como da extensão de morbidades evitáveis e sensíveis à Atenção Primária à Saúde (APS) (BRASIL, 2009 BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do comitê de prevenção do óbito infantil e fetal. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009.). Esse cenário demonstra que estratégias governamentais, implementadas por meio de políticas públicas, poderiam reduzir as causas que levam ao adoecimento infantil pela ampla cobertura à prevenção de doenças e promoção da saúde. Contudo, a vulnerabilidade em que se encontra a APS faz com que mortes evitáveis e hospitalizações por causas sensíveis a esse ponto de atenção continuem acontecendo, refletindo no aumento dos índices de morbimortalidade por causas evitáveis no País (OLIVEIRA et al., 2010OLIVEIRA, B. R. G. et al. Causas de hospitalização no SUS de crianças de zero a quatro anos no Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 268-277, jun. 2010. ).

A APS envolve um conjunto de propostas assistenciais distribuídas de forma uniforme a toda população, com vistas a resolver uma diversidade de problemas comuns pela oferta de ações preventivas, curativas e reabilitadoras (STARFIELD, 2002STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO: Ministério da Saúde, 2002. ; MENDES, 2012MENDES, E.V. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília, DF: OPAS, 2012. ). Para concretizar essas ações e resolver problemas de saúde, a APS apresenta como elementos estruturais os atributos da atenção ao primeiro contato, da longitudinalidade, da integralidade e da coordenação. Ressalta-se que estes devem estar articulados para funcionar efetivamente e alcançar resolutividade, somados inclusive a atributos complementares, quais sejam: a orientação familiar, comunitária e competência cultural (STARFIELD, 2002).

O atributo da integralidade, temática deste estudo, abrange a oferta da ampla rede de serviços mediante as necessidades de saúde das pessoas, disponibilizadas a todo o momento, independentemente das dificuldades dos serviços (STARFIELD, 2002). Também é definido como a oferta de serviços de saúde para promoção, prevenção, cura, cuidado, reabilitação e paliação, bem como a responsabilização dos serviços por problemas biológicos, sociais e psicológicos desencadeadores de doenças (FRACOLLI ., 2011FRACOLLI, L. A. et al. The concept and practice of comprehensiveness in primary health care: nurses perception. Revista da Escola de Enfermagem da USP, Ribeirão Preto, v. 45, n. 5, p. 1135-1141, 2011.; MENDES, 2012).

Uma APS resolutiva poderia evitar mortes infantis redutíveis e hospitalizações pela contemplação e seguimento dos seus atributos, dentre os quais se tem a integralidade como condutor das ações de saúde, norteada pelo cuidado integral. Nesse sentido, para alcançar a integralidade, é preciso repensar sobre a forma de reconstruir os serviços de saúde.

Percebe-se que as ações direcionadas à saúde da criança, destarte as políticas públicas já efetivadas, requerem transformações, visto que a morbimortalidade no período neonatal permanece elevada. Além disso, reconhece-se que cerca de 60% de mortes precoces poderiam ser evitadas por um conjunto de ações voltadas às necessidades das pessoas, caracterizadas pela integralidade (STARFIELD, 2002; BRASIL, 2009). Essas ações - como exemplo, o acompanhamento ao crescimento e desenvolvimento da criança, imunização básica, visitas domiciliares - não têm sido desenvolvidas em sua plenitude no País (BRASIL, 2009; CURSINO; FUJIMORI, 2012CURSINO, E. G.; FUJIMORI, E. Integralidade como uma dimensão das práticas de atenção à saúde da criança: uma revisão bibliográfica. Revista de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro, v. 20, esp. 1, p. 676-680, 2012.).

Compreende-se que a resolução dos problemas de saúde das crianças deve ser iniciada na APS, pautando-se na integralidade para nortear as ações de cuidado a elas (STARFIELD, 2002). Nesse atributo da APS, o usuário deve ter os serviços disponíveis, e as ações devem estar direcionadas a um contexto amplo de saúde focada no cuidado integral. Esse enfoque implica em abdicar do reducionismo do cuidar, recusa a considerar o usuário um objeto em prol de contemplar a abertura ao diálogo, à interlocução. A concepção de integralidade acompanha a ruptura com o modelo biologicista quando introduz que o entendimento do problema vivido pelo usuário deve partir de uma relação de horizontalidade, pautada na realidade deste. Assim, o profissional de saúde precisa utilizar da escuta como ferramenta em seu processo de trabalho para planejar as necessidades de ações e de serviços de saúde que um usuário traz como demanda (AYRES, 2009AYRES, J. R. C. M. Cuidado: tecnologia ou sabedoria prática? Interface - Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 4, n. 6, p. 117-121, 2000.; FRACOLLI et al., 2011).

O sentido de cuidar envolve o propósito e as formas de reedificar as intersubjetividades, em exercício das sabedorias práticas, alicerçadas as tecnologias, porém, não exclusivas para as intervenções em saúde. Nessa perspectiva, há de refletir sobre os horizontes a serem conquistados e os meios para alcançá-los, direcionados eticamente pela liberdade humana (AYRES, 2000). O cuidar abarca caminhos entre as subjetividades socialmente aceitas, as quais direcionam para o que o indivíduo define como bem-estar ou felicidade e a forma digna e moral de consegui-la (AYRES, 2005).

Haja vista que as ações fragmentadas e descontínuas contribuem para o parcelamento do cuidado, subsidiam a incompletude das ações em saúde e favorecem o processo de adoecimento infantil, emerge então a necessidade de uma mudança no modo de cuidar desse grupo. Para cuidar integralmente, alguns elementos são apontados pela literatura (AYRES, 2004a), quais sejam: a) movimento, o construir o cuidado pelo movimento do viver; b) interação, estabelecer relações; c) alteridade, construção da identidade a partir da família e a reconstrução através de interações sociais; d) plasticidade, a capacidade de transformar; e) projeto, potencial criador do cuidado; f) desejo, ato que faz emergir projetos de ações, talvez o mais complexo modo para cuidar, pela livre escolha, o qual faz aumentar o interesse e necessidade pelas práticas de saúde; g) temporalidade, relação coerente do modo de ser cuidado; h) não causalidade, processo de formação humana que apreende os aspectos cognitivos do tipo causa-efeito, assim questionamentos sobre causa e efeito devem ser contextualizados, do mesmo modo, perguntas não causalistas devem enfocar os princípios, práticas, valores que as originaram; i) responsabilidade, a necessidade de respostas para autocompreensão e construção formativa do ser humano.

Partindo dessas premissas, apresenta-se como objetivo deste estudo identificar a presença do atributo da integralidade da APS e dos elementos do cuidado integral para a resolução dos problemas de saúde das crianças no município de Cascavel (PR), na percepção de seus cuidadores.

Método

Trata-se de pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa, utilizando-se do referencial da hermenêutica-dialética como método de análise. A abordagem qualitativa buscou compreender a dinamicidade do ser humano, ou seja, procurou significados implícitos nos dados do estudo, bem como aprofundou o caráter social e as dificuldades na construção do conhecimento (MINAYO, 2010MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 2010. ).

O método hermenêutico refere-se à interpretação e à significação, o saber compreensivo motivado pelo interesse prático de grupos sociais (AYRES, 2000; AYRES, 2005; STREUBERT; CARPENTER, 2011STREUBERT, H. J.; CARPENTER, D.R. Phenomenology as method. In: STREUBERT, H. J.; CARPENTER, D. R. (Ed.). Qualitative research in nursing: advancing the humanistic imperative. 5. ed. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins, 2011. p. 72-95.). Esse tipo de estudo parte de uma experiência concreta do encontro ou alteridade, não se limitando a ser uma repetição lógica do método tradicional do pensar, pois busca ampliar o horizonte do pensamento por meio da compreensão e interpretação (GADAMER, 2008GADAMER, H. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. ).

Este estudo é parte de projeto bicêntrico desenvolvido na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Assim, os sujeitos deste estudo foram captados junto à amostra do estudo bicêntrico referente ao município de Cascavel, o qual tinha como objetivo caracterizar as crianças atendidas em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) em dois municípios do sul do Brasil.

Observando-se que a busca pela UPA era de crianças, em sua maioria, menores de 1 ano e que as causas eram sensíveis à APS, buscou-se pela abordagem qualitativa compreender, a partir da percepção dos cuidadores, como o atributo da integralidade e os elementos do cuidado integral influenciaram na resolutividade da atenção à saúde da criança na APS. Desse modo, o total de sujeitos participantes do estudo foi 16 cuidadores, sendo 14 mães e 2 avós de crianças menores de 1 ano atendidas na UPA do município de Cascavel, em 2010. Os critérios de inclusão foram: cuidadores residentes na área urbana do município; possibilidade de contato telefônico prévio; cuidadores de crianças menores de 1 ano.

A busca de dados foi realizada em duas etapas. A primeira referiu-se à pesquisa documental realizada no Serviço de Arquivo Médico das UPA com o objetivo de caracterizar clinicamente a criança. A segunda etapa abrangeu o inquérito domiciliar; Mapa Falante (MF) e entrevista semiestruturada. Essa etapa foi realizada nas residências das famílias na procura de dados referentes a sua caracterização socioeconômica e à resolutividade da atenção à saúde da criança por meio da presença e seguimento do atributo integralidade e dos elementos do cuidado integral. O período de coleta envolveu o primeiro semestre de 2012.

O MF, técnica que é parte do método criativo sensível, relacionou-se a uma ferramenta de representação gráfica por meio de desenho simples do caminho percorrido pelos cuidadores em busca de atenção à saúde no adoecer da criança. Ressalta-se que esse momento permitiu a interação entre pesquisador e sujeitos (PACHECO; CABRAL, 2011PACHECO, S. T. A.; CABRAL, I.E. Alimentação do bebê de baixo peso no domicílio: enfrentamentos da família e desafios para a enfermagem. Escola Anna Nery - Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 314-322, 2011.).

Por tratar-se de pesquisa qualitativa, a somatória das entrevistas não apresentou relevância para a proposta metodológica, embora fizesse parte da práxis compreensiva. Dessa forma, quando os dados passaram a gerar constructo, possibilitando agrupar subsídios para a compreensão lógica dos fenômenos estudados, e a transpor respostas aos questionamentos iniciais, encerrou-se a sua trajetória de busca (STREUBERT; CARPENTER, 2011).

A análise dos resultados deu-se com base nos princípios de análise temática, os quais indicam que se faça a organização dos dados traçando-se o mapa horizontal do material para, posteriormente, com base nos conceitos do quadro teórico e nos objetivos propostos, realizar leituras contínuas dos textos, fazendo uma relação interrogativa com eles para apreenderem-se as estruturas de relevância (MINAYO, 2010). Permitiu-se assim elaborar uma classificação por meio da leitura transversal, obtendo-se os eixos centrais de análise, estabelecendo-se a articulação entre os dados empíricos e o referencial teórico do atributo da integralidade na APS (STARFIELD, 2002) e dos elementos do cuidado integral (AYRES, 2004b).

Para identificar e compreender as tecnologias no presente estudo, buscou-se considerar: tecnologias leves, como as práticas relacionais; tecnologias leve-duras, conhecimento técnico-científico; tecnologias duras, os instrumentos, como medicamentos, exames laboratoriais e de imagem, entre outros. Ressalta-se que as tecnologias vistas de forma associadas permitem o processo de produção do cuidado (MERHY, 2007MERHY, E. E. Gestão da produção do cuidado e clínica do corpo sem órgãos: novos componentes dos processos de produção do cuidado em saúde. 2007. Disponível em: <http://www.uff.br/saudecoletiva/professores/merhy/artigos-25.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2013.
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; FRANCO; MERHY, 2012FRANCO, T. B.; MERHY, E.E. Cartografias do trabalho e cuidado em saúde. Tempus Actas Saúde Coletiva, Brasília, v. 6, n. 2, p. 151-163, 2012.).

Esta pesquisa teve sua aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Unioeste, sob o parecer 495/2010, atendendo às normas de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa envolvendo seres humanos, vigente à época. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para garantir o anonimato dos participantes das entrevistas, buscou-se identificá-los pela letra 'S', a qual significou 'sujeito participante da entrevista' seguido do número sequencial da entrevista.

Resultados e discussão

Entre os 16 cuidadores selecionados para o estudo, a maioria, com crianças menores de 6 meses de idade, buscou atendimento na UPA pelo fato da criança apresentar problemas respiratórios seguido de problemas gastrointestinais, as quais receberam atendimento pediátrico, e não foram orientados ou referendados a continuidade do cuidado em serviços de APS. Ressalta-se que os problemas que levaram esses cuidadores a buscarem atenção em serviços de urgência e emergência referiram-se a problemas sensíveis à atenção ainda em unidades de saúde de APS (OLIVEIRA et al., 2010; LIMA; ALMEIDA, 2013LIMA, L. M. B.; ALMEIDA, N. M. G. S. Procura da emergência pediátrica pelas mães: implicações para a superlotação. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 51-61, 2013.).

A análise das estruturas de relevância com base no referencial da integralidade (STARFIELD, 2002) e dos elementos do cuidar (AYRES, 2004b) possibilitou a construção de quatro categorias temáticas, quais sejam: Olhar biológico - foco da assistência na doença; Emersão de um olhar para além do biológico; Cuidado centrado no êxito técnico em busca de sucesso prático; Inexistência de tecnologias leve-duras e duras para o cuidado.

Olhar biológico - foco da assistência na doença

O conceito ampliado de saúde não apenas focado na doença permite que a complexidade, diversidade e amplitude das situações de vida das crianças e suas famílias possam ser pautadas no planejamento de ações e intervenções de saúde. No entanto, ainda é perceptível a resistência de usuários e profissionais de saúde nessa forma de fazer saúde (FRACOLLI et al., 2011; MENDES, 2012).

Essa compreensão do processo de saúde e doença direcionada exclusivamente ao olhar biológico pôde ser evidenciada nesta pesquisa. Alguns usuários descreveram que seus filhos saudáveis não necessitavam ser assistidos por profissionais de saúde ao longo do tempo, devendo procurá-los apenas no adoecer das crianças.

" [...] ela [filha] foi um mês [na puericultura], um dia, porque não precisou, acho ela bem saudável" (S1).

" [...] minha filha não tem problema de saúde grave, está lá nos prontuários, as consultas é mesmo por gripe e, essas coisas mais simples [...][ (S14).

Contrapondo-se aos relatos anteriores, outros cuidadores perceberam a necessidade de ampliar seus horizontes para cuidar, entretanto, nesse momento, os profissionais de saúde que os atenderam pouco valorizaram esta forma de cuidar. Direcionaram seus cuidados apenas a problemas imediatistas, deixando de utilizar poderosas ferramentas da APS: a promoção da saúde e a prevenção de doenças em prol da construção da integralidade (STARFIELD, 2002; MENDES, 2012; CURSINO; FUJIMORI, 2012; PEREIRA ., 2014PEREIRA, M. M. et al. Conceptions and pratices of professional family health strategy for health education. Texto e Contexto de Enfermagem, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 167-175, 2014. ).

[Risos] Se eu digo que está doendo o ouvido dele [filho], ela [pediatra] só olha o ouvido, que dói. A barriga, só examina a barriga, mais nada e só. [...] se eu falo que ele está com dor na raiz do cabelo, é só a raiz do cabelo que ela vai olhar [...]. (S12).

Ele [pediatra] tinha uma coisa que eu não gostei [...], como era agendado [consulta], agendei, e, levei o M. [filho] para falar o que aconteceu, pois meu filho teve crise [bronquite] no decorrer da semana. Eu consegui conter em casa, estava dando os remédios, e, outros recursos mais, assim eu o levei para ele [pediatra] ver. E, ele falou assim, que não, [...] que criança não se levava ao médico se não estivesse doente, só doente. Como eu não iria levar meu filho ao médico sendo que era agendado na sexta para semana toda? (S16).

Em análise aos elementos do cuidado integral, esse olhar biológico denota a não responsabilização dos profissionais pelo cuidado prestado (AYRES, 2004b). Dessa forma, deixam de projetar o cuidado ao longo do tempo ao buscarem apenas a causalidade, ou seja, inutilizam a temporalidade, explicado pela falta de alteridade dos profissionais de saúde e interação, propósitos para a fusão de horizontes no modo de cuidar. Inclusive, se essa busca por atenção à saúde da criança não acontecer inicialmente em serviços de APS, como está representado na figura 1, a seguir, dificilmente haverá um serviço que se responsabilize por esses usuários, levando à fragmentação do cuidado, reducionismo e à falta de resolutividade (STARFIELD, 2002; AYRES, 2004b; MENDES, 2012; LIMA; ALMEIDA, 2013).

Figura 1.
Mapa falante construído pelo S9, representando a busca por atenção à saúde da criança diretamente em um Posto de Atendimento Continuado (PAC), atualmente denominado Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sem acessar antes a unidade de saúde da APS

Emersão de um olhar para além do biológico

O fazer saúde de forma ampliada abarca uma transformação nas atitudes das pessoas, sejam usuários, profissionais ou gestores (AYRES, 2004b; MENDES, 2012), como também no comportamento das pessoas para com o ambiente (CHIESA et al., 2009CHIESA, A. M. et al. Building health care technologies based on health promotion. Revista da Escola de Enfermagem da USP, Ribeirão Preto, v. 43, spe. 2, p. 1352-1357, 2009.). A falta de cuidado com o ambiente como foco causador de doenças foi descrito por um sujeito.

[...] a bronquite [frequente em seu filho] era por muita poeira [...], mas também por fumaça, [...] meu vizinho fazia fogo bem no canto do muro, era aquele fumacerão todo dia, eu não aguento, minha garganta tranca, imagina a criança. (S7).

Ainda, esse olhar para o cuidado, percebido como transformador, ultrapassa o conceito de cuidar das crianças na presença de doenças, mas cuidar para que não adoeçam (MENDES, 2012). Essa percepção inclui as necessidades das famílias de ambientes adequados e saudáveis para abrigar suas crianças no momento em que seus cuidadores encontram-se impossibilitados para cuidar, como, por exemplo, durante a jornada de trabalho. Contudo, esses ambientes não se encontraram disponíveis a todos, tornando o cuidado para com a criança deficiente, bem como interferem nas condições socioeconômicas das famílias, como relatou o sujeito a seguir.

[...] ter um lugar para deixar eles [filhos], um bom cuidado, um bom atendimento, porque se ele [filho] estivesse na creche e tivesse um probleminha, elas [professores da creche] têm como levar ao posto [...]. Eu não disponho de nada, de nada, quando eu preciso de um bom atendimento, para ter uma pessoa assim, para conversar e explicar, eu tenho que pagar. Eu tenho que tirar do meu salário [...]. (S12).

Essa forma de pensar a saúde avultada além de significar cuidar para não adoecer também implica no buscar os profissionais para promover saúde, prevenir doenças e, previamente, ao adoecer da criança (STARFIELD, 2002; MENDES, 2012; CURSINO; FUJIMORI, 2012; PEREIRA et al., 2014).

[...] falam [enfermeiros] para procurar não quando estiver morrendo, mas quando estiver bem [risos]. Não deixar a criança ficar acabadinha, bem mal, se tiver um resfriado, vem, não deixar de vir [a unidade de saúde]. (S1).

[...] quando eu levava o M. [filho] no posto do bairro próximo, levei muito tempo neste posto [...], fiz acompanhamento muito tempo, o levava todo mês para acompanhar, toda vez que ele [filho] ficava ou não doente, e, a pediatra falava assim, que era pra trazer mesmo, ela verifica o peso, media, via tudo. [...] uma pediatra ótima, maravilhosa. (S16).

Entretanto, esse olhar diferenciado para o cuidado será possível mediante o desejo de profissionais e cuidadores em edificar as práticas de saúde e o flexibilizar das ações conjuntamente. Para tanto, deve-se dispor de um projeto terapêutico que contemple todas as necessidades das crianças, direcionadas para a não causalidade, propostas pela interação entre cuidadores e serviços, uma vez que os profissionais devem buscar subjetividades e intersubjetividades das crianças e os cuidadores apreenderem os aspectos da atenção. Todavia, para essa abordagem global da criança, torna-se necessário a educação continuada dos profissionais de saúde, associada à reorganização do processo de trabalho em saúde nos serviços de APS por meio do reconhecimento das condições sociais das famílias e da comunidade, assim como do trabalho em equipe e interdisciplinar (STARFIELD, 2002; AYRES, 2004b; CURSINO; FUJIMORI, 2012).

Cuidado centrado no êxito técnico em busca do sucesso prático

Para cuidar não basta apenas pautar-se nas dimensões técnicas, uma vez que o cuidado é processual e envolve diversas facetas no cotidiano das pessoas. É necessária uma fusão de horizontes entre os serviços de saúde e o usuário desses serviços (AYRES, 2004b). Porém, muitos profissionais, através de técnicas, buscam alcançar o sucesso prático no cuidar, sem desvelar caminhos de ir e vir junto com os cuidadores das crianças, incapacitando o cuidado de tornar-se integral, como observado na seguinte fala.

Quando eu ganhei a nenê, vieram aqui na minha casa. Vieram as meninas do posto [enfermeira e agente comunitário de saúde], ficaram olhando [leve sorriso] eu cuidar [risos], [...] eu ia dar o banho na R. [filha]. [...] elas entraram junto [...]. Me ensinaram a lavar os "genitais da criança" [utilizou termo popular], [...]. Ensinaram-me a cuidar do umbiguinho, a boquinha assim, a limpar, tudo, [...] a secar rapidinho, secar rapidinho e já ir colocando a roupinha, pois estava frio [...], limpar o ouvido [...]. (S14).

Salienta-se que, para cuidar e alcançar sucesso prático, são necessárias tecnologias, sejam leves, leve-duras ou duras. Todavia, é preciso que estas sejam esgotadas em serviços de APS para seguir a outras esferas de atenção (STARFIELD, 2002; MENDES, 2012). Nesta pesquisa, observou-se que tecnologias leves podem direcionar a continuidade do cuidado à criança, desvelando um novo caminhar para o cuidado através da plasticidade (AYRES, 2004b), conforme relato do sujeito 10.

Em relação ao sopro cardíaco, só foi visto quando ela [neta] nasceu no HU [Hospital Universitário]. [...] fez os exames, lá que disseram que ela tinha. Mas depois, uma consulta especializada ela nunca teve, sempre só com o pediatra mesmo. Eu sempre pergunto a ele, ele fala sempre, que está pouco, está diminuindo. (S10).

Contrapondo-se ao relato, muitos serviços de APS deixam de esgotar as possibilidades de cuidados, buscando recursos nos demais níveis de atenção. Essa forma de cuidar afasta-se do contexto de cuidado integral por deixar de responsabilizar-se pelo usuário, caracterizando ausência de movimento, plasticidade, desejo e projeto para o cuidar (AYRES, 2004b).

[...] ela [filha] tem um problema de sopro no coração, e ele [pediatra] me deu três encaminhamentos e, era pra conseguir uma consulta para Curitiba e até agora nada. Está esperando. [...] o pediatra até sugeriu que eu entrasse com um pedido na promotoria, para o ministério público [...]. (S15).

Destaca-se que a responsabilização pela criança que necessita ser cuidada vai além do esgotamento de possibilidades de atenção e contrapõe-se ao olhar biológico do processo saúde e doença. Implica na construção do cuidado e interação entre usuário e profissional mediante idas e vindas do cuidar (STARFIELD, 2002; AYRES, 2004b; SOUSA; ERDMANN; MOCHEL, 2011SOUSA, F. G. M.; ERDMANN, A. L.; MOCHEL, E.G. Condições limitadoras para a integralidade do cuidado à criança na atenção básica de saúde. Texto e Contexto de Enfermagem, Florianópolis, v. 20, n. spe., p. 263-271, 2011.). Significa doar-se para resolver os problemas no momento que o cuidador procura. Porém, certos profissionais de saúde, cotidianamente, sumarizam-se ao atendimento desfocado e sem responsabilização pelo outro (SOUSA; ERDMANN; MOCHEL, 2011), como no relato a seguir.

Ela [pediatra] deu um xarope antialérgico para meu filho, com uma dosagem enorme, absurda, que o menino começou, parecia que estava com ataque [...]. Levei no PAC [Posto de Atendimento Continuado] [...] as recepcionistas falaram: Você vai ter que esperar, tem quase 20 crianças na sua frente [...]. Peguei saí dali, consegui um cheque emprestado da minha irmã, fui ao hospital XX e a doutora de plantão o atendeu. Ela [pediatra do hospital] ficou de boca aberta em saber que a Dra. X. que era do posto deu aquele remédio [...]. Fiquei medicando ele uns quatro dias, e, muito chá e água pra lavar o organismo [...]. É onde a criança devagarzinho foi se acalmando, voltando ao normal. Quando cheguei no hospital, ela [pediatra] não conseguia nem olhar, teve que amarrar a criança pra dar uma medicação e tentar ver ele, porque não conseguiam. Nesse dia que a pediatra deu a medicação errada, ela estava no celular. Ficou um bom tempo no celular, conversando e medicando outra criança por telefone. Eu fiquei assim em dúvida, acho que ela receitou o remédio da outra criança para o meu filho, ela se confundiu, eu acho. (S12).

O entendimento reducionista em relação ao sucesso prático na tentativa de resolver os problemas que afetam a saúde das crianças, caracterizado pela falta de movimento no cuidar (AYRES, 2004b), também pode ser observado entre os cuidadores e não somente entre profissionais, sendo que em determinados depoimentos notou-se a focalização do cuidado na medicalização e em tecnologias duras, conforme os relatos na sequência.

"Mesmo com a febre meio baixa, fiquei internada com ela lá [UPA], umas duas horas, tomando soro, em seguida abaixou a febre, ela ficou mais coradinha [...], (S1); ([...] acho que foi boa [consulta na UPA], porque tiraram o raio-X, passaram o medicamento que foi bom, acho que foi bom" (S2). "[...] vai ao posto para fazer exames, exame de sangue, que nem no caso ele [filho] ficou internado com febre e não abaixava a febre, não abaixava. Nesse caso fez no PAC os exames, o raio-X, tudof (S7).

Ainda, para alcançar sucesso prático em suas ações, os serviços de APS disponibilizam de importantes ferramentas para cuidar de crianças adscritas em sua área de abrangência: as visitas domiciliares. Por meio delas, é possível adentrar o ambiente dos usuários, é permitido compreender o modo de promover saúde e prevenir doenças. Uma vez conhecendo as vulnerabilidades das famílias, as equipes de APS poderão planejar e executar ações voltadas ao cuidado integral (STARFIELD, 2002; PEDROSO; MOTTA, 2010PEDROSO, M. L. R.; MOTTA, M.G.C. Vulnerabilidades socioeconômicas e o cotidiano da assistência de enfermagem pediátrica: relato de enfermeiras. Escola Anna Nery - Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 293-300, 2010. ). Nesta pesquisa, pouco se observou a utilização de tal ferramenta, dificultando continuamente a interação proposta para desenvolver o cuidado integral (STARFIELD, 2002; AYRES, 2004b). Vale ressaltar que as famílias mostraram compreender a significativa importância da visita domiciliar para o cuidado familiar.

Engraçado aqui [refere-se à unidade de saúde do bairro] não faz visita domiciliar. Eu sinto falta disso, eu moro aqui há 4 anos e até hoje veio uma agente comunitária aqui em casa, no dia que eu ganhei o G. [filho], só neste dia. Preencheu a carteirinha de vacina, colocou o nome na carteirinha e não veio mais. Eu até comentei com elas [recepcionista e enfermeiras] do posto, falaram que falta agentes comunitários. (S4).

Acho que não, aqui nunca passou. Só passa as moças da dengue [profissionais da unidade de saúde e Centro de zoonoses]. [...] moro aqui há uns 12 anos. [...] vinham no meu pai quando ele morava aqui [sinaliza a casa ao lado], mas só ali, aqui nunca veio. (S10).

Ausência de tecnologias leve-duras e duras para o cuidado

Para o sistema de saúde produzir saúde integral por meio de ações de promoção, prevenção, cura, reabilitação e paliação, faz-se necessária não só a transformação das atitudes das pessoas, mas também de recursos para complementar e estruturar este cuidar (STARFIELD, 2002; CHIESA et al., 2009; SOUSA; ERDMANN; MOCHEL, 2011; LIMA; ALMEIDA, 2013). Os recursos ou densidades tecnológicas que se mencionam envolvem o encaminhamento a especialistas, uma tecnologia leve-dura, ou seja, o conhecimento científico, bem como a realização de uma diversidade de exames para apoio diagnóstico, conceituado como tecnologias duras, somados à utilização de medicamentos que suplementam o cuidado (STARFIELD, 2002; MERHY, 2007).

Neste estudo, foi possível evidenciar divergências entre as unidades de saúde às quais as crianças pertencem em relação a essa temática. Quanto à disponibilização de medicamentos, constatou-se que determinadas unidades garantem a distribuição às famílias, mas outras não.

" [...] medicamentos nós nunca conseguimos, sempre teve que comprar, eles [médicos] dão a receitinha, mas nem no posto não tem e nem na farmácia básica" (S3).

Não dei sorte até hoje [risos], [...] então você passa no balcão não tem, já vou na certeza que não tem [risos], vou preparada que não vai ter [risos]. Vou à farmácia e compro, tem que dar um jeito e comprar [demonstra conformação com a situação]. (S4).

"Consigo na farmácia do posto. Todos [medicamentos] eu encontro, o que o doutor receita, dificilmente eu precisei comprar, dificilmente precisei" (S16).

O mesmo aconteceu em relação aos exames simples, observando-se divergências entre as unidades de saúde. Nesses casos, o tratamento acabou postergado, ou, para que isto não aconteça, os cuidadores buscaram outros recursos para realizá-los.

"[...] coletam os exames no posto mesmo, [...] antes era coletado no centro, no posto central, agora não, agora vem o pessoal para coletar ali mesmo [...]" (S2). "[...] eu fiquei sabendo que vários postos coletam [exames laboratoriais], mas aqui no posto de saúde do bairro não tem coleta" (S4).

Exames de média complexidade, como ultrassonografia, ou alta complexidade, como tomografias, dificilmente estiveram disponíveis, e muito embora houvesse o acesso, este acontecia de forma bastante morosa.

[...] tomografia, é caro, a gente sabe que é caro, gente pelo amor de Deus, com tanto posto que tem disponível, não tem condições de fazer isso, daqui 1 ano, 2 anos, para fazer um exame desse. [...] o raio-X demora 15 dias [...]. (S4).

"[...] ele [médico] faz tempo que marcou um ultrassom pra mim, eu estava com dor e até hoje não consegui" (S8).

Já os encaminhamentos aos profissionais especialistas foram descritos como a grande problemática que converge o cuidado integral na APS, uma vez que o serviço pouco disponibilizava destes profissionais, e, quando possível, também havia morosidade no serviço.

"Conseguir mesmo especialista é uma guerra. Minha prima está há 4 anos na fila de espera para conseguir um psiquiatra e não conseguiu ainda [...]. Para a criança, se precisar de um especialista não tem [...]." (S6).

[...] se precisar de uma especialidade não, é muito difícil conseguir. [...] depois de uns cinco, seis meses começou a dar gripe no meu filho, dar as alergias de bronquite. Fui e peguei um encaminhamento para a pneumologista. [...] eu o consultei, fiz o tratamento, porque eu fui lá particular, porque até hoje não saiu a consulta dele [a criança tem mais de 2 anos]. (S7).

A ausência de tecnologias leve-duras e duras como suporte para o cuidado denota a falta de movimento no serviço de saúde, ou seja, impede, muitas vezes, a transformação na forma de fazer saúde (AYRES, 2004b). No entanto, sabe-se que esta não depende unicamente do profissional inserido no cuidado imediato, mas de gestores que trabalham no planejamento e projeção para a construção do cuidado. Essa estrutura tecnológica seria um importante coadjuvante nos serviços de APS para subsidiar o atendimento global às crianças, mas não deixar que esse aparato represente o componente principal dos serviços de APS (STARFIELD, 2002; SOUSA; ERDMANN; MOCHEL, 2011). É preciso que a APS se configure como a ordenadora da rede integrada de atenção à saúde e, a partir de fluxos e contrafluxos organizados, possibilite o acesso dos usuários aos demais pontos de atenção do sistema de saúde. Para tal, é preciso que o atributo de coordenação seja efetivo, consequentemente haverá longitudinalidade, acesso e integralidade na atenção à saúde da população. Nessa perspectiva, os serviços de APS poderiam resultar em 85% de solução aos problemas apresentados no adoecer das crianças (MENDES, 2012) e, principalmente, contribuir para a modificação do panorama atual de morbimortalidade infantil no País.

Desse modo, para melhorar a saúde da criança, é essencial que haja movimento e plasticidade na organização do sistema de atenção à saúde, uma vez que este ainda se encontra fragmentado, reativo e episódico, respondendo às demandas de eventos agudos, focado na doença. A reestruturação do sistema de atenção à saúde inserida no contexto da integralidade nos direcionará a ações e práticas proativas, integradas, contínuas, focadas na criança e na família e voltadas para a promoção e conservação da saúde (SOUSA; ERDMANN; MOCHEL, 2011).

Conclusão

As limitações para o presente estudo referiram-se ao fato de as entrevistas serem realizadas apenas com os cuidadores de crianças menores de 1 ano, as quais seriam necessárias ser realizadas com os profissionais dos serviços de APS e com os gestores de saúde da realidade estudada.

A presença do atributo da integralidade e dos elementos do cuidado integral para a resolução dos problemas de saúde das crianças enredam a desmistificação do cuidado voltado para o modelo biologicista, direcionando profissionais de saúde e usuários para outro olhar no processo saúde e doença.

O estudo demonstrou que, na compreensão dos cuidadores, o foco da atenção à criança menor de 1 ano ainda está na doença e que o cuidado está centrado no êxito técnico em busca do sucesso prático, sendo que tecnologias leve-duras e duras não estão disponíveis para o cuidado integral da criança. Nesse sentido, entende-se que a parcialidade do atributo integralidade e dos elementos do cuidado integral levou a não resolutividade dos problemas de saúde da criança. Contudo, embora de forma tímida, emergiu um movimento de olhar para a saúde além do biológico, dimensionando outra forma de cuidar por meio da transformação das práticas em saúde.

Espera-se que o estudo contribua para a construção de alicerces que complementem e (re)estruturem as práticas de saúde no contexto integral. Assim, ferramentas, como visita domiciliar, tecnologias (leves, leve-duras e duras) e capacitação profissional, devem estar presentes continuamente, sem que sua falta, como evidenciado, impeça a solidificação do cuidado integral para com as crianças. Mais do que isso, é necessário dar visibilidade aos problemas de saúde do segmento infantil por meio de políticas ampliadas que contemplem as singularidades e subjetividades daqueles que buscam os serviços públicos de saúde

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  • Suporte financeiro: fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital Universal 014/2010, processo nº 472639/2010-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    Nov 2014
  • Aceito
    Abr 2015
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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