Nenhum passo atrás na conquista do direito à saúde

O BRASIL TEM VIVIDO NOS ÚLTIMOS MESES UMA CRISE ECONÔMICA e, sobretudo, política, com repercussões nos diferentes setores da sociedade, acirrando as contradições e os conflitos de classes, com esgarçamento do tecido social.

O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que desde suas origens defende a saúde como democracia, volta a empunhar a mesma bandeira diante das ameaças à jovem democracia brasileira. Ameaças expressas em um processo de golpe disfarçado de impeachment, questionável do ponto de vista jurídico e não reconhecido pela maioria da sociedade.

O processo de impeachment/golpe em curso mostra que Florestan Fernandes (1980FERNANDES, F. O Brasil em compasso de espera. São Paulo: Hucitec, 1980) tinha razão. Em sociedades de classes antagônicas, a democracia não se desvincula dos interesses de classes, assumindo sentidos e significados distintos. Entender isso é fundamental para se ter claro de que democracia se está falando, pois o lugar de onde se fala explicita a democracia que se defende e pela qual se luta.

O Cebes, por meio de sua diretoria e das dezenas de núcleos existentes no País, soma-se às outras entidades do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) e às forças progressistas, denunciando e resistindo ao enorme retrocesso no campo dos direitos dos trabalhadores, representado pelo programa do governo interino que não teve respaldo nas urnas e que, por conseguinte, é ilegítimo e antidemocrático.

No campo da saúde, as propostas do governo interino/golpista, que age como definitivo, afetam profundamente o Sistema Único de Saúde (SUS), colocando em risco a sua sobrevivência enquanto sistema universal, garantido constitucionalmente e que representa um importante marco civilizatório em nossa trajetória histórica.

O programa em curso, Uma Ponte para o Futuro, pretende fazer um Brasil para menos de 1% da população e transformar o SUS em um sistema residual para os muito pobres uma vez que, segundo os operadores do ajuste, o SUS e a Constituição Cidadã de 1988 não cabem no orçamento público brasileiro, portanto, para eles, o direito universal à saúde precisa ser limitado. É um claro retorno às políticas neoliberais da década de 1990, que lá como agora o objetivo é o desmonte do SUS público para beneficiar o setor privado que trata a saúde como uma mercadoria altamente lucrativa.

Do ponto de vista do financiamento público, querem transformar o mínimo constitucional em máximo, ou seja, limitar os gastos com saúde corrigindo-os apenas com base na inflação anual. Desconsideram o aumento da população, as mudanças no perfil epidemiológico e demográfico, como o envelhecimento da população, o surgimento de novas doenças ou mesmo a possibilidade de ocorrência de epidemias.

Programas que ampliam o acesso, como o Mais Médicos, o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e mesmo a Estratégia Saúde da Família (ESF), serão revistos. Em relação ao primeiro, a restrição à participação de médicos estrangeiros é a primeira medida anunciada. Em relação ao último, a flexibilização da forma de contratação dos agentes comunitários de saúde e a não exigência de sua participação na composição mínima das equipes foram apresentadas na forma de portarias ministeriais (958/2016 e 959/2016) (Brasil, 2016a, 2016B).

Mas os tempos são outros! Diante das medidas de desmonte anunciadas pelo governo interino/golpista, a sociedade não se cala, obrigando-o a recuos como a suspensão das portarias citadas acima, sem mesmo terem saído do papel. A cada medida restritiva anunciada, amplos setores se levantam em uma clara demonstração de que não aceitarão sacrifícios em nome de um modelo econômico que explora o trabalhador e privilegia os que sempre se beneficiaram do trabalho e concentraram riquezas.

O SUS, apesar de ainda ser um projeto em construção, é uma política estratégica de enfrentamento das ancestrais desigualdades do País e uma das principais políticas de direitos universais. É patrimônio nosso e, como tal, incorporado subjetivamente pelos trabalhadores da saúde, usuários, conselheiros de saúde, gestores do SUS e pela própria sociedade. É ele que garante não só o acesso a serviços de atenção à saúde, mas também de vigilância sanitária, epidemiológica, produção e comercialização de medicamentos, alimentos, controle de epidemias, entre outros. Todos sabemos que precisa ser melhorado e 'mexido', mas para mais, e nunca para menos.

O Cebes e a revista 'Saúde em Debate', ao completarem 40 anos, posicionam-se na defesa intransigente do direito à saúde, do SUS, da democracia substantiva e dos interesses da classe trabalhadora deste País. Para nós, o SUS cabe, sim, no orçamento público, a escolha passa pela priorização na alocação dos recursos, se em políticas que garantam direitos sociais para todos ou as que privilegiam a minoria mais rica do País e o capital financeiro nacional e internacional.

Não aceitaremos nenhum passo atrás!

Maria Lucia Frizon Rizzotto

referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br