Uso do método Respondent Driven Sampling para avaliação do alcoolismo em mulheres

Using Respondent Driven Sampling for assessing alcoholism in women

Isis Milane Batista de Lima Hemílio Fernandes Campos Coêlho Josemberg Moura de Andrade Sobre os autores

RESUMO

Trata-se de um estudo observacional transversal, objetivando a apresentação de indicadores relacionados às mulheres que fazem uso excessivo de álcool. Devido à dificuldade de obtenção de um cadastro que permitisse a seleção aleatória de mulheres alcoolistas, decidiu-se como alternativa a aplicação do método Respondent Driven Sampling (RDS). O método permitiu a apresentação de indicadores relacionados ao alcoolismo com base em uma amostra de 36 mulheres selecionadas de centros de tratamento. Os resultados da pesquisa evidenciaram que dos 91,7% das mulheres que fazem uso excessivo de álcool em conjunto com outras drogas, 69,44% usam maconha e cigarro. E, das 30.087 mulheres que consomem álcool, 24.371 necessitam de avaliação e tratamento.

PALAVRAS-CHAVE
Alcoolismo; Mulheres; Amostragem

ABSTRACT

In this cross-sectional observational study, our focus is to show statistics related to women who use excessive alcohol. Howewer, the difficulty to obtain a frame to consider a sampling design of alcoholic women, it was decided as an alternative the use of the Respondent Driven Sampling (RDS) method. The method allowed the presentation of indicators related to alcoholism based on a sample of 36 women selected from treatment centers. The results of the survey showed that of 91.7% of women who make excessive use of alcohol in combination with other drugs, 69.44% use marijuana and cigarettes. And, of the 30,087 women who consume alcohol, 24,371 need evaluation and treatment.

KEYWORDS
Alcoholism; Women; Sampling studies

Introdução

O alcoolismo, também conhecido como 'síndrome da dependência do álcool', é uma doença caracterizada pela compulsão (uma necessidade forte ou desejo incontrolável de beber), perda de controle (a inabilidade frequente de parar de beber uma vez que a pessoa já começou), dependência física (a ocorrência de sintomas de abstinência, como náusea, suor, tremores, e ansiedade, quando para de beber após um período bebendo muito. Tais sintomas são aliviados bebendo álcool ou tomando outra droga sedativa) e tolerância (a necessidade de aumentar as quantias de álcool para sentir-se 'alto'). Não necessariamente devendo ocorrer todos estes problemas juntos (ÁLCOOL, 2000ÁLCOOL o que você precisa saber. Brasília, DF: SENAD, 2000. (Série Diálogo nº 06).).

Lazo (2008)LAZO, D. M. Alcoolismo: o que você precisa saber. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 2008. define, ainda, o alcoolismo como uma doença, um transtorno psicológico que afeta o sistema nervoso central, produzindo uma sensação de prazer, que se dá através do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, de modo que interfira na vida pessoal, profissional, social ou familiar de uma pessoa, provocando mudança de comportamento e dependência de quem o consome. Com exceção do cigarro, o álcool mata mais pessoas que todas as outras drogas combinadas. Com as mudanças socioeconômicas e a facilidade em obtê-la, é uma das drogas mais utilizadas e mais nocivas ao ser humano.

O álcool provoca sensação de desinibição e favorece a conversação e interação com amigos, especialmente se consumido em maior quantidade numa mesma ocasião, o que aumenta a sensibilidade à fase estimulante e a tolerância à fase depressora. Apesar desse padrão de uso não trazer os mesmos prejuízos orgânicos do que o uso crônico, a impulsividade e a perda de reflexos podem trazer prejuízos sociais como o envolvimento em comportamento sexual de risco e acidentes de trânsito. Em contrapartida, a intoxicação pelo uso agudo pode gerar desânimo, apatia, irritabilidade, diminuição da capacidade motora, náuseas, vômitos, entre outros (AMATO, 2010AMATO, T. C. Resiliência e uso de drogas: como a resiliência e seus impactos se relacionam aos padrões no uso de drogas por adolescentes.2010. 90 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.).

O uso problemático de álcool é uma questão de saúde pública. No Brasil, do total da população adulta, 28% já fizeram uso pesado de álcool pelo menos 1 vez ao ano. Levando em conta uma população de 120 milhões com 18 anos e acima, tem-se que 33,6 milhões de adultos já beberam de forma abusiva pelo menos em uma ocasião (BRASIL, 2007BRASIL. I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira (I LENAD). 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_padroes_consumo_alcool.pdf>. Acesso em: 20 out. 2015.
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).

Quando o consumo excessivo de álcool é analisado entre homens e mulheres, os efeitos do álcool são mais rápidos no sexo feminino do que no masculino, visto que a mulher possui uma maior proporção de tecido gorduroso, por variações no decorrer do ciclo menstrual e por diferenças na concentração gástrica do metabolismo do álcool. Estudos dessa magnitude são mais difíceis de encontrar na literatura brasileira, principalmente em se tratando do sexo feminino (VARELLA, 2011VARELLA, D. Alcoolismo em mulheres. 2011. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/alcoolismo/alcoolismo-em-mulheres/>. Acesso em: 21 out. 2015.
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).

O uso de substâncias psicoativas pela população feminina é pouco aceito socialmente, levando-as a apresentar preferência pelo uso de substâncias lícitas, como medicamentos, álcool e tabaco (VARGAS 2015VARGAS, D. et al. O primeiro contato com as drogas: análise do prontuário de mulheres atendidas em um serviço especializado. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 106, jul./set. 2015.). Os indivíduos que fazem uso dessas substâncias tendem a buscar se esconder para não mostrar a família, aos amigos e a sociedade o seu grau de dependência, visto que muitas vezes nem o próprio dependente aceita que está doente e precisa de tratamento, o que torna difícil encontrar uma amostra válida, especialmente composta apenas por mulheres.

Kalton e Anderson (1986)KALTON, G.; ANDERSON D. W. Sampling rare populations. Journal of the Royal Statistical Society: Series A, Londres, v. 149, n. 1, p. 65-82. 1986. definiram por população oculta ou de difícil acesso quando a população é pequena em relação à população em geral, geograficamente dispersa e quando a adesão da população envolve estigma ou o grupo tem rede em que é difícil pessoas externas penetrarem.

Para Morell (2010)MORELL, M. G. G. et al. A efetividade do uso da metodologia Respondent Driven Sampling para vigilância comportamental do HIV em trabalhadoras do sexo na cidade de Santos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 17., 2010,Caxambu. Anais eletrônicos... Caxambu: Abep, 2010. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_2/abep2010_2099.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.
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populações de difícil acesso são usuários de drogas, homens que fazem sexo com homens e trabalhadoras do sexo. Em que os programas de prevenção a eles dirigidos muitas vezes têm dificuldades de serem implantados e avaliados, devido à necessidade que essas pessoas apresentam de não serem identificadas por medo do preconceito e discriminação.

As políticas voltadas para o tratamento do uso de álcool e outras drogas vêm demonstrando, de maneira inequívoca, a importância do processo de cuidado ao usuário, especialmente nas dimensões da prevenção e da promoção da saúde. O exercício do cuidado em usuários de álcool e outras drogas, requer lidar com singularidades, sendo que as intervenções desenvolvidas devem promover as potencialidades e a autonomia dos usuários diante da vida (LIMA; TEIXEIRA; PINHEIRO, 2012LIMA, S. S.; TEIXEIRA, R. M.; PINHEIRO, C. M. O conceito de crise na clínica para usuários de álcool e outras drogas: ampliando reflexões. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 93, p. 275-281, abr./jun. 2012.)

Compreendendo a problemática do consumo excessivo de álcool e considerando que as ações e serviços de saúde mental requerem análises aprofundadas para auxiliar os gestores nos processos de tomada de decisão, visando às problemáticas de cada local e o tempo, este estudo objetiva identificar fatores associados ao consumo excessivo de álcool por mulheres.

Métodos

Diferentes técnicas de amostragem são utilizadas para o tratamento de populações de difícil acesso. Dentre eles, o método de amostragem Respondent Driven Sampling (RDS), que utiliza um modelo matemático que pondera os indivíduos da amostra conforme seu grau de relações sociais, tentando eliminar o viés de seleção e obter estimativas confiáveis nos estudos de populações escondidas ou de difícil acesso. Neste método é o próprio participante o responsável por recrutar outros indivíduos. É oferecida ao participante uma recompensa por sua participação e ainda por cada recrutamento (HECKATHORN, 1997HECKATHORN, D. D. Respondent-Driven Sampling: A New Approach to The Study of Hidden Populations. Social Problems, Oxford, v. 44, n. 2, p. 174-199. 1997.).

O RDS começa com a identificação, pelos pesquisadores, dos primeiros participantes do estudo, denominados 'sementes', que têm a função de iniciar a seleção de outros membros. O recrutamento se expande em ondas, em que a Onda 1 é formada pelos participantes indicados pelas sementes, a Onda 2 pelos participantes indicados pelos componentes da Onda 1, e assim cada recrutamento é um elo da cadeia. Cada participante é recrutado através de cupons identificados por números. Esse processo continua até que a amostra atinge o tamanho projetado. Com exceção das sementes todos os participantes são recrutados por pessoas do grupo, garantindo que estejam efetivamente participando de uma rede social (MORELL ., 2010MORELL, M. G. G. et al. A efetividade do uso da metodologia Respondent Driven Sampling para vigilância comportamental do HIV em trabalhadoras do sexo na cidade de Santos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 17., 2010,Caxambu. Anais eletrônicos... Caxambu: Abep, 2010. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_2/abep2010_2099.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.
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).

Trata-se de um estudo observacional e transversal, realizado em João Pessoa (PB), entre junho e julho de 2015. Indivíduos com idades acima de 18 foram recrutados e obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: (1) Ser do sexo feminino; (2) Fazer consumo excessivo de álcool uma vez ou mais por semana (Classificação feita através do instrumento Audit); (3) Viver na região metropolitana de João Pessoa; (4) Apresentar um convite válido para a participação no estudo, fornecido por uma 'semente'; 5) Fornecer autorização escrita para a participação na pesquisa (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE).

Amostra

A amostra foi recrutada através do método de amostragem RDS e nove mulheres foram selecionadas como 'sementes', que são definidas no RDS como sendo os indivíduos em que se dará o início de aplicação do método, as quais faziam tratamento em uma das seguintes unidades de referência: Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III (Caps AD III) - David Capistrano da Costa Filho, Centro de Referência especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e o Serviço Especializado de Abordagem Social (Ruartes). Cada mulher definida como semente (ponto de partida do método) recebeu três cupons exclusivos para distribuir a seus iguais. O número de cupons foi controlado fazendo uso de um código de barras. As mulheres que chegassem a uma das unidades de referência com um cupom válido e obedecessem aos critérios de inclusão, definiram a primeira rodada do estudo. Este procedimento foi repetido até que satisfizesse ao tamanho de amostra necessário e que atendesse o limite estabelecidopelo método de cálculo de tamanho de amostra para população de difícil acesso apresentada por Valliant, Dever e Kreuter (2013)VALLIANT, R.; DEVER, J. A.; KREUTER, F. Practical Tools for Designing and Weighting Survey Sample. Nova Iorque: Springer, 2013.. No cálculo, é apresentada uma proporção populacional denotada por p. Essa medida pode ser calculada com base em indicadores populacionais de estudos anteriores ou por meio de amostragem piloto. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) (PNUD, 2013PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS(PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponívelem<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/download/>.Acessoem: 24 dez. 2015.
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), a proporção de mulheres que faz uso abusivo de álcool na Paraíba é de 7,8%. Dessa forma, como se tratou do indicar mais recente acerca da problemática, decidiu-se utilizar [p] = 0,078. Assim, o tamanho de amostra obtido para o estudo foi de 36 mulheres.

Mensuração

Para avaliar os problemas devido ao uso de álcool, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibilizou um manual de intervenção, denominado Audit. O instrumento é importante para auxiliar os profissionais dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) a lidar com pessoas que apresentam problemas decorrentes do uso excessivo de álcool. O teste, já validado no Brasil por Mendez (1999), possui 10 questões com pontuações que podem variar de 0 a 40 pontos.Na zona 1 (0-7 pontos), o tipo de intervenção indicada é a educação para o uso do álcool. Na zona 2 (8-15 pontos) é indicado um aconselhamento simples. O aconselhamento simples mais psicoterapia breve e monitoramento contínuo é aconselhado para o usuário que se encontra na zona de risco 3 (16-19 Pontos). A última zona (20-40 pontos), o usuário deve ser encaminhado para o especialista para avaliação diagnóstica e tratamento. É importante ressaltar que o objetivo do questionário não é tratar dependentes de álcool, que requerem tratamentos mais longos, intensivos e especializados.

Foi realizado, ainda, um levantamento sociodemográfico para avaliar o perfil das mulheres que fazem uso excessivo de álcool, usando perguntas sobre idade, escolaridade, religião, participação em grupos de apoio, tempo que utiliza bebida alcoólica e se faz uso de outras substâncias.

Análise estatística

Foram utilizadas tabelas de contingência e suas respectivas estatísticas, utilizando o software R. Para a análise da amostra via RDS foi utilizado o RDSAT e para a construção dos gráficos de cadeias de recrutamento o NetDraw.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, submetido através da Plataforma Brasil sob número de Parecer 969.560, CAAE: 39399814.6.0000.5188 e data de relatoria 11 de fevereiro de 2015, mediante autorização prévia da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa.

Resultados e discussão

Os resultados foram obtidos com base em informações de 36 mulheres dependentes de álcool no município de João Pessoa, levando em consideração as mulheres que buscavam tratamento no Caps AD III, Centro POP e Ruartes.

Buscando atender aos objetivos propostos, inicialmente foi feita uma análise descritiva dos dados, para descrever o perfil sociodemográfico dessas mulheres (tabela 1).

Tabela 1
Descritivas relacionadas ao perfil de mulheres que fazem uso excessivo de álcool. João Pessoa, 2015

Segundo dados do Programa das Nações Unidas (PNUD) (2013)PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS(PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponívelem<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/download/>.Acessoem: 24 dez. 2015.
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, para o estado da Paraíba, 36,1% das mulheres que fazem uso excessivo de álcool estavam na faixa etária de 18 a 39 anos de idade e cerca de 14% não possuíam grau de instrução.

O estudo de Almeida (2013)ALMEIDA, R. A. Fatores associados ao abandono do tratamento por usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas em João Pessoa. 2013. 119 f. Dissertação (Mestrado em Modelos de Decisão e Saúde) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013. também confirmou a prevalência da baixa escolaridade entre os usuários de drogas. Entre as pessoas acompanhadas pelo Caps AD em João Pessoa, 88,23% tinham baixo grau de instrução educacional: analfabetos (4,11%) e ensino fundamental completo (71,53%).

Isto corrobora com os percentuais mais altos para as faixas etárias de 19 a 32 anos (27,8%) e de 33 a 42 anos (27,8%) e, com o percentual de mulheres analfabetas (16,7%), vistas neste estudo.

Com relação à religião, 50% das mulheres afirmaram ser católica, 30,6% não possuíam religião e 19,4% disseram ser evangélica. São concordes principalmente religiosos e psicólogos quando abordam o sentido do evento traumático e da resiliência, sobre a qual exercem influência as raízes culturais e religiosas dos indivíduos. Para os autores, a fé, religião e espiritualidade são encaradas como fundamentos de utilidade para desencadear mecanismos de proteção, de amparo e de fortalecimento no lidar com a problemática (BARTOLOMEI, 2008BARTOLOMEI, M. A fé como fator de resiliência no tratamento do câncer: uma análise do que pensam os profissionais da saúde sobre o papel da espiritualidade na recuperação dos pacientes. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.).

Foi realizada uma investigação a respeito da influência da religião sobre a zona de risco do Audit. Assim, verificou-se evidência através do Audit que as mulheres que se dizem católicas estão na zona de risco 4, esta zona requer mais atenção do especialista encaminhando o usuário para avaliação diagnóstica e tratamento. Ou seja, 41,67% das recrutadas são católicas e encontram-se na zona de risco 4. Outra informação importante é que 58,33% das mulheres que afirmaram possuir alguma religião estão na mesma zona de risco.

Entre as entrevistadas que relataram consumir excessivamente bebidas alcoólicas 91,67% relataram fazer uso em conjunto com outras drogas. As variedades mais frequentes utilizadas foram maconha e cigarro, 69,44% cada. A ingestão de crack e antidepressivos foram relatados por 41,66% das mulheres, respectivamente. Já a cocaína e os inalantes são utilizados conjuntamente com álcool por 30,56% das mulheres, cada um.

O uso de antidepressivos e de cigarro pode ser entendido como uma busca dessas substâncias como terapia para auxiliar no tratamento da dependência de álcool, visto que o antidepressivo é prescrito provavelmente pelos médicos onde as mulheres buscam tratamento e o cigarro é tido como uma droga de menor risco que o álcool (FINOTTI, 2015FINOTTI, P. Álcool, cigarro, maconha ou cocaína: qual é o mais perigoso? 2015. Disponível em: <http://sossolteiros.bol.uol.com.br/alcool-cigarro-maconha-ou-cocaina-qual-e-o-mais-perigoso/>. Acesso em: 15 out. 2015.
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).

Sobre o uso de álcool, a maioria (79,46%) também confirmada no estudo de Almeida (2013)ALMEIDA, R. A. Fatores associados ao abandono do tratamento por usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas em João Pessoa. 2013. 119 f. Dissertação (Mestrado em Modelos de Decisão e Saúde) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013., faz uso de álcool isoladamente ou combinado com outras drogas. Tal estudo objetivou averiguar os fatores associados ao abandono do tratamento para a dependência química no município de João Pessoa, concluindo que o consumo do crack e principalmente do álcool são grandes contribuintes para o abandono do tratamento.

Após análises descritivas e discussões relacionadas ao consumo excessivo de álcool dar-se-á a apresentação metodológica com relação ao recrutamento por meio do RDS. Assim, das 36 mulheres estudadas, nove foram sementes, participantes escolhidas de forma não aleatória. No presente estudo as nove sementes foram recrutadas nas unidades de referência da pesquisa. Observa-se, de acordo com a figura 1, que quatro destas sementes não conseguiram recrutar respondentes, respectivamente os indivíduos 1, 2, 3 e 4. Apesar disso, as cinco sementes restantes (5, 8, 15, 25 e 33) conseguiram uma cadeia de recrutamentos bem extensa. Além disso, a semente '25' é a responsável pela maior cadeia de contatos.

Figura 1
Recrutamento pelo RDS das mulheres que fazem uso excessivo de álcool. João Pessoa, 2015

Foi verificado o número de rodadas necessárias para se chegar ao equilíbrio para todas as variáveis. As variáveis que chegaram mais rápido ao equilíbrio foram a religião, a zona de risco e a participação em grupos de apoio, precisando de apenas 2 rodadas para se chegar ao equilíbrio. As variáveis escolaridade e nível de resiliência precisaram de 4 e 6 rodadas, respectivamente. Enquanto que a variável idade foi a mais complicada e precisou de 9 rodadas para se estabilizar.

A tabela 2 fornece as estimativas simples da proporção, a proporção de equilíbrio, a estimativa ajustada pela ponderação do método RDS, a estimativa de prevalência, além da homofilia, que é definida como um indicador de proximidade e controle do método RDS, para que não haja o risco de, nas indicações feitas pelos indivíduos selecionados, de que sejam entrevistados indivíduos que não possuem a característica de interesse (alcoolismo). Quanto mais próximo 1 estiver o indicador, maior é a evidência de que se está entrevistando de fato indivíduos com a característica de interesse do estudo.

Tabela 2
Estimativa de indicadores para mulheres que fazem consumo excessivo de álcool. João Pessoa, 2015

As estimativas simples da proporção é uma simples relação de quantos membros de um grupo particular foram recrutados para o número total de recrutas. A proporção de equilíbrio representa a proporção da população de cada grupo com base apenas na distribuição de equilíbrio dessa variável, isto é, a proporção da amostra quando ela atinge o equilíbrio, sem levar em consideração o tamanho médio da rede dos grupos. A estimativa ajustada pela ponderação do método RDS estima se algum grupo tem capacidade maior ou menor de recrutamento. A homofilia é uma medida de preferência para conexões com o próprio grupo, ou seja, representa o quanto o individuo recruta dentro do próprio grupo (SPILLER; CAMERON; HECKATHORN, 2012SPILLER, M. W.; CAMERON, C.; HECKATHORN, D. D. RDSAT 7.1: User Manual. 2012. Disponível em: <http://www.respondentdrivensampling.org/reports/RDSAT_7.1-Manual_2012-11-25.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2017.
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). Por fim, a estimativa de prevalência é uma estimativa do número de indivíduos com o evento de interesse pela população sobre risco em um determinado período de tempo (WAGNER, 1998WAGNER, M. B. Medindo a ocorrência da doença: prevalência ou incidência? Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 74, p. 157-162. 1998.).

Nota-se, de acordo com a tabela 2, que na variável idade, as categorias acima de 33 anos parecem ter sido subestimadas, isto pode estar relacionado ao fato de possuírem um menor número de ligações que pode ser visualizado com a figura 2. Talvez fossem necessárias mais algumas rodadas para que a estimativa chegasse ao equilíbrio.

Figura 2
Tamanho médio das redes

Ainda na tabela 2, observa-se que há um alto nível de homofilia no grupo em que a religião é católica. Indicando que as mulheres que estão nesse grupo recrutam com mais freqüência dentro do próprio grupo. Já nos grupos em que as mulheres são menores de 42 anos e nas que são maiores que 47 anos, nas que possuem nível médio completo de escolaridade, nas que frequentam grupos de apoio e nas que estão na zona de risco 3, existe uma homofilia intermediária, indicando que elas recrutam qualquer uma independente do grupo. Nos grupos que possuem ensino fundamental incompleto, e nas que não participam de grupos de apoio, há heterofilia intermediária. Enquanto que nos grupos de mulheres com faixa etária de 43 a 46 anos, nas que não possuem grau de escolaridade ou que possuem grau de escolaridade fundamental completo ou médio incompleto, nas que são evangélicas e nas que estão na zona de risco 2, há um alto nível de heterofilia, indicando que elas só recrutam fora de seus grupos. O ideal seria estudar porque as mulheres que declararam ser católicas não estão recrutando de forma aleatória. Acredita-se que isto se deve ao fato de haver mais mulheres autodeclaradas católicas.

Com relação à taxa de prevalência, observa-se que segundo a faixa etária, existem mais mulheres com idade acima de 47 anos. Isto é, mais da metade (57,5%) das mulheres alcoólatras investigadas possuem mais de 47 anos. A faixa etária com menor percentual de mulheres que fazem uso excessivo de álcool é de 33 a 42 anos. Quase a metade (48,1%) das mulheres estudadas não possui qualquer tipo de escolaridade. A proporção ainda é maior na classe de mulheres que não possuem religião (45,8%) e nas que não participam de grupos de apoio (71,6%). Apenas uma mulher afirmou participar de reuniões semestralmente, o que não resultou taxa de prevalência. 81,2% das mulheres estão na zona de risco do Audit considerada mais alta, zona 4, o que alerta para a grande quantidade de mulheres que fazem desordens devido o uso excessivo de álcool.

Foi realizada para o presente estudo, uma estimativa do total de mulheres que fazem uso excessivo de álcool em João Pessoa de acordo com cada zona de risco do Audit. Para tanto, considerou-se o Censo, em 2010, que determina que a população de João Pessoa é de 723.515 habitantes, sendo 337.783 homens e 385.732 mulheres (PNUD, 2013PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS(PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponívelem<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/download/>.Acessoem: 24 dez. 2015.
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). E sabendo que o percentual de mulheres que fazem consumo excessivo de álcool é de 7,8% (PNUD, 2013PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS(PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponívelem<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/download/>.Acessoem: 24 dez. 2015.
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). Uma estimativa do total de mulheres que fazem uso excessivo de álcool em João Pessoa é de aproximadamente 30.087 a quem chamaremos de N_a. Assim, a tabela 3 apresenta os percentuais de mulheres que fazem consumo excessivo de álcool segundo as zonas de risco do Audit.

Tabela 3
Estimativa do total de mulheres que fazem consumo excessivo de álcool de acordo com sua zona de risco do Audit

Conclusões

O presente estudo objetivou identificar fatores associados ao consumo excessivo de álcool por mulheresas quais faziam tratamento em uma das seguintes unidades de referência: Caps AD III - David Capistrano da Costa Filho, Centro de Referência especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e o Serviço Especializado de Abordagem Social (Ruartes).

É importante ressaltar a viabilidade do RDS para a análise das estimativas. O método, que busca obter boas estimativas nos estudos de população de difícil acesso, tornou-se um aliado importante, pois, nesse método, é o próprio participante que recruta outros indivíduos. Contudo, a ideia de estímulos financeiros ou bonificações não foi permitida, visto que o comitê de ética não aprova qualquer tipo de ajuda financeira. Isto se tornou uma dificuldade na realização do método, que foi contornada mostrando e incentivando as mulheres a buscar ajuda, e contou ainda, com o auxílio de um chip de celular auxiliar, um chip de telefone que foi utilizado exclusivamente para essa finalidade. As mulheres que quisessem participar da pesquisa puderam ligar a cobrar diretamente para o número repassado às suas recrutadoras e as informações sobre a pesquisa seriam repassadas às mesmas.

Sabe-se que a mídia tem papel importante em destacar os prejuízos oriundos do consumo de crack e mascarar os prejuízos decorrentes do consumo de álcool. Por isso, nesse estudo foi dada a devida importância à magnitude dos problemas advindos ao uso excessivo de álcool, para mostrar a importância de apresentar a sociedade o quão complexa é essa problemática, de modo a subsidiar os governos a tomarem decisões cabíveis para apoiar, não apenas as mulheres, mas todos os que precisam de ajuda para tratar o vício do álcool. É nesse momento, que as unidades de apoio aos dependentes se tornam mais importantes. Considerando esta realidade, a assistência deve ultrapassar as barreiras das unidades de saúde e trabalhar com a desmistificação dos estigmas sociais sofridos com relação às mulheres dependentes de álcool.

Os resultados obtidos neste trabalho também fornecem contribuição importante para a construção de estratégias futuras de prevenção e tratamento direcionadas a essa população. A construção dessas estratégias deve seguir as diretrizes da política nacional de atenção integral à saúde da mulher, preconizando ações de redução da vulnerabilidade e do uso de álcool e outras drogas.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • ÁLCOOL o que você precisa saber. Brasília, DF: SENAD, 2000. (Série Diálogo nº 06).
  • AMATO, T. C. Resiliência e uso de drogas: como a resiliência e seus impactos se relacionam aos padrões no uso de drogas por adolescentes.2010. 90 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • ALMEIDA, R. A. Fatores associados ao abandono do tratamento por usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas em João Pessoa 2013. 119 f. Dissertação (Mestrado em Modelos de Decisão e Saúde) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.
  • BARTOLOMEI, M. A fé como fator de resiliência no tratamento do câncer: uma análise do que pensam os profissionais da saúde sobre o papel da espiritualidade na recuperação dos pacientes. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
  • BRASIL. I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira (I LENAD) 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_padroes_consumo_alcool.pdf>. Acesso em: 20 out. 2015.
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  • BORGATTI, S. P. NetDraw Software for Network Visualization. Analytic Technologies: Lexington, KY. 2002. Disponível em: <www.analytictech.com/Netdraw/setup.exe>. Acesso em: 10 ago. 2017.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    Fev 2017
  • Aceito
    Jun 2017
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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