O cuidado a Pessoas em Situação de Rua pela Rede de Atenção Psicossocial da Sé

Lívia Bustamante van Wijk Elisabete Ferreira Mângia Sobre os autores

RESUMO

Este estudo qualitativo teve como objetivos conhecer as ações dirigidas às Pessoas em Situação de Rua que apresentam transtorno mental, desenvolvidas por dois serviços da Rede de Atenção Psicossocial da Sé; identificar obstáculos e pontos de força presentes no cotidiano de trabalho; e conhecer a opinião dos usuários sobre o cuidado recebido. A maioria das ações oferecidas pelos serviços encontra-se alinhada às diretrizes das políticas públicas, considera as características da população e busca responder às suas necessidades. O vínculo entre profissionais e usuários foi compreendido como essencial, mas há sobrecarga e risco de adoecimento dos profissionais.

PALAVRAS-CHAVE
Pessoas em Situação de Rua; Saúde; Colaboração intersetorial; Serviços de saúde mental

Introdução

O cuidado voltado às Pessoas em Situação de Rua (PSR) deve considerar as características desse grupo e responder às suas necessidades a partir de ações intersetoriais, preferivelmente, coordenadas pela Atenção Primária à Saúde (APS) (WHO, 2005WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). How can health care systems effectively deal with the major health care needs of homeless people. [S. l.]: WHO, 2005. Disponível em: <http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/74682/E85482.pdf?ua=1>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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). Dados da literatura mostram que essa população apresenta precárias condições de vida e saúde (AGUIAR; IRIART, 2012AGUIAR, M. M.; IRIART, J. A. B. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 115-24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000100012>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; VALENCIA 2011VALENCIA, E. et al. Homelessness and mental health in New York City: an overview 1994-2006. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 20-26, 2011. Disponível em: <http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2011_1/artigos/CSC_v19n1_20-26.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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); é marginalizada; não tem acesso a direitos humanos e/ou direitos sociais básicos (SARRADON-ECK; FARNARIER; HYMANS, 2014SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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) e se encontra exposta a fatores de risco e a violências (AGUIAR; IRIART, 2012AGUIAR, M. M.; IRIART, J. A. B. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 115-24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000100012>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; BARATA 2015BARATA, R. B. et al. Desigualdade social em saúde na população em situação de rua na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, supl. 1, p. 219-232, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902015000500219&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; RIO NAVARRO 2012RIO NAVARRO, J. et al. Physical and sexual violenve, mental health indicators and treatment seeking among street-based population groups in Tegucigalpa, Honduras. Revista Panamericana de Salud Publica, Washington, v. 31, n. 5, p. 388-395, 2012. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22767039>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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), o que a torna muito vulnerável (BARATA ., 2015BARATA, R. B. et al. Desigualdade social em saúde na população em situação de rua na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, supl. 1, p. 219-232, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902015000500219&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
; CHRYSTAL 2015CHRYSTAL, J. et al. Experience of primary care among homeless individuals with mental health condicions. PLOS ONE, [S. l.], v. 10, n. 2, 2015. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4319724/>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; HALLAIS; BARROS, 2015HALLAIS, J. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, p. 1497-1504, jul. 2015.; SILVA 2014SILVA, F. P.; FRAZÃO, I. S.; LINHARES, F. M. P. Práticas de saúde das equipes dos Consultórios de Rua. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 805-814, abril 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2014000400805&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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).

Esse grupo frequentemente é discriminado, o que dificulta seu acesso a oportunidades de emprego (ZERGER 2014ZERGER, S. et al. Differential experiences of discrimination among ethnoracially diverse persons experiencing mental illness and homelessness. BMC Psychiatry, Londres, v. 14, n. 353, 2014. Disponível em: <https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12888-014-0353-1>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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) e a serviços de saúde (CHRYSTAL , 2015CHRYSTAL, J. et al. Experience of primary care among homeless individuals with mental health condicions. PLOS ONE, [S. l.], v. 10, n. 2, 2015. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4319724/>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; SARRADON-ECK; FARNARIER; HYMANS, 2014SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?...
; SKOSIREVA 2014SKOSIREVA, A. et al. Different faces of discrimination: perceived discrimination among homeless adults with mental illness in healthcare settings. BMC Health Care Research, Londres, v. 14, n. 376, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4176588/>. Acesso em: 2 abr. 2017. Não paginado.
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). O acesso aos serviços ocorre, principalmente, quando há mediação de programas específicos ou instituições socioassistenciais e, no geral, na presença de agravos significativos da condição de saúde (BORYSOW; FURTADO, 2013BORYSOW, I. C.; FURTADO, J. P. Acesso e intersetorialidade: o acompanhamento de pessoas em situação de rua com transtorno mental grave. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 33-50, 2013. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=400838260003>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; RIO NAVARRO 2012RIO NAVARRO, J. et al. Physical and sexual violenve, mental health indicators and treatment seeking among street-based population groups in Tegucigalpa, Honduras. Revista Panamericana de Salud Publica, Washington, v. 31, n. 5, p. 388-395, 2012. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22767039>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2276...
; VARANDA; ADORNO, 2004VARANDA, W.; ADORNO, R. C. F. Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade da população de rua e o desafio para políticas de saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 56-69, jan./abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902004000100007&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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).

Os serviços de saúde oferecem resistências para responder às necessidades dessa população e restringem o seu acesso, o que frequentemente resulta no abandono dos acompanhamentos (AGUIAR; IRIART, 2012AGUIAR, M. M.; IRIART, J. A. B. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 115-24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000100012>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; BARATA ET AL., 2015BARATA, R. B. et al. Desigualdade social em saúde na população em situação de rua na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, supl. 1, p. 219-232, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902015000500219&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
; BORYSOW; FURTADO, 2013BORYSOW, I. C.; FURTADO, J. P. Acesso e intersetorialidade: o acompanhamento de pessoas em situação de rua com transtorno mental grave. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 33-50, 2013. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=400838260003>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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, 2014______. Acesso, equidade e coesão social: avaliação de estratégias intersetoriais para a população em situação de rua. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 48, n. 6, p. 1069-76, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt_0080-6234-reeusp-48-06-1069.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt...
; HALLAIS; BARROS, 2015HALLAIS, J. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, p. 1497-1504, jul. 2015.; SILVA ET AL., 2014SILVA, F. P.; FRAZÃO, I. S.; LINHARES, F. M. P. Práticas de saúde das equipes dos Consultórios de Rua. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 805-814, abril 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2014000400805&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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). Alguns estudos destacam as limitações nas políticas públicas voltadas para esse grupo (BORYSOW; FURTADO, 2013BORYSOW, I. C.; FURTADO, J. P. Acesso e intersetorialidade: o acompanhamento de pessoas em situação de rua com transtorno mental grave. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 33-50, 2013. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=400838260003>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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, 2014______. Acesso, equidade e coesão social: avaliação de estratégias intersetoriais para a população em situação de rua. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 48, n. 6, p. 1069-76, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt_0080-6234-reeusp-48-06-1069.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2017.
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; CHRYSTAL ., 2015CHRYSTAL, J. et al. Experience of primary care among homeless individuals with mental health condicions. PLOS ONE, [S. l.], v. 10, n. 2, 2015. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4319724/>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; SKOSIREVA ., 2014SKOSIREVA, A. et al. Different faces of discrimination: perceived discrimination among homeless adults with mental illness in healthcare settings. BMC Health Care Research, Londres, v. 14, n. 376, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4176588/>. Acesso em: 2 abr. 2017. Não paginado.
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).

O campo da saúde tem como objetivo a produção do cuidado e não somente a promoção e a proteção da condição de saúde de cada indivíduo. O cuidado deve ter o cidadão como foco das ações, juntamente com seus projetos de vida e sua felicidade, de modo que as intervenções busquem retomar aspectos psicossociais e culturais do adoecimento, em vez de priorizar recursos técnico-científicos (GARIGLIO, 2012GARIGLIO, M. T. O. O cuidado em saúde. In: MINAS GERAIS. Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Oficinas de qualificação da atenção primária à saúde em Belo Horizonte: Oficina 2 - Atenção Centrada na pessoa. Belo Horizonte: ESPMG, 2012.).

A política de saúde propõe diretrizes para o acompanhamento das PSR que apresentam transtorno mental, porém, a prática assistencial é permeada por desafios referentes às características dessa população, à disponibilidade de profissionais e recursos e a entraves relacionados ao funcionamento dos serviços e das redes de atenção.

Este trabalho teve como objetivos: conhecer as ações dirigidas às PSR que apresentam transtorno mental, desenvolvidas pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps) da região Sé no município de São Paulo, em especial, pelas equipes do Consultório na Rua (CR) da Unidade Básica de Saúde (UBS) Sé e do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Adulto II Sé; identificar obstáculos e pontos de força encontrados no cotidiano de trabalho; e conhecer a opinião dos usuários sobre o cuidado recebido.

Métodos

Este estudo, de inspiração etnográfica, insere-se no campo da pesquisa qualitativa (DALMOLIN; LOPES; VASCONCELLOS, 2002DALMOLIN, B. M.; LOPES, S. M. B.; VASCONCELLOS, M. P. C. A construção metodológica do campo: etnografia, criatividade e sensibilidade na investigação. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 19-34, 2002.). Os dados foram coletados a partir de pesquisa documental, entrevistas semiestruturadas e observações participantes (FLICK, 2009AFLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009a.).

A pesquisa documental consistiu em busca e leitura de textos da Política de Saúde Mental e das políticas voltadas ao cuidado à população em situação de rua, bem como dos projetos institucionais do Caps Adulto II Sé e das equipes de CR da UBS Sé, além de registros e estatísticas de cada serviço e da rede de atenção.

As entrevistas semiestruturadas seguiram um roteiro previamente elaborado e foram realizadas com gestores dos 2 serviços; 4 profissionais do Caps Adulto II Sé (1 auxiliar de enfermagem, 1 técnico de farmácia, 1 psicólogo e 1 terapeuta ocupacional); 13 profissionais de ambas as equipes de CR (1 psicólogo, 1 assistente social, 1 médico, 2 enfermeiros, 1 auxiliar de enfermagem, 2 Agentes Sociais (AS) e 5 Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e 5 usuários acompanhados pelo Caps Adulto II Sé; e pela equipe 5 ou pela equipe 8 do CR da UBS Sé. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas.

As observações participantes foram guiadas por um roteiro observacional e registradas no caderno de campo, que contemplou informações, impressões, fatos e demais aspectos que contribuíram para a compreensão do objeto estudado.

Foram realizadas 27 horas de observação: 10 horas referentes a ações do Caps; 12 horas referentes ao CR e 5 horas referentes a ações compartilhadas. A estrutura da observação foi modulada a partir das características das ações e das equipes que compõem os serviços, de modo a incluir situações típicas da prática junto às PSR que apresentam transtorno mental. Todos os dados foram coletados no período entre fevereiro e abril de 2016.

O conjunto de dados obtidos a partir das entrevistas e observações foi textualizado e o material foi lido e codificado por dois pesquisadores, de modo a obter consenso quanto às categoriais temáticas. A codificação se deu de forma híbrida: a partir dos dados (GIBBS, 2009GIBBS, G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2009.) e a partir de conceitos, sendo norteada pelos objetivos da pesquisa. Os achados da pesquisa documental, das entrevistas e das observações foram triangulados, de modo a ampliar sua qualidade e sua fidedignidade (FLICK, 2009B______. Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009b.).

Os objetivos e procedimentos da pesquisa foram apresentados aos participantes, cuja adesão se deu após a leitura e assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Optou-se por preservar a identidade dos participantes, tanto no registro dos dados quanto na análise posterior. Para tanto, todos foram decodificados de acordo com o local em que trabalham (CR ou Caps) e numerados pela ordem de realização das entrevistas. Os gestores dos serviços foram discriminados (CRG e CAPSG).

O projeto de pesquisa foi aprovado por duas Comissões de Ética (CAPPesq e CEP/SMS-SP), conforme os pareceres número 1.309.689, CAAE 46268215.4.0000.0068, e número 1.318.055, CAAE 46268215.4.3001.0086.

Contexto do estudo

O centro da cidade de São Paulo ocupa uma área de 26,20 Km2. É composto pelos seguintes distritos: Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé. A população da região, estimada pelo Censo de 2000, foi de 374.680 habitantes; e pelo Censo de 2010, 431.106 habitantes, o que mostra significativo crescimento de sua densidade demográfica (SÃO PAULO, 2010______. Prefeitura de São Paulo. Dados demográficos dos distritos pertencentes às Subprefeituras. 2010. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/regionais/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758>. Acesso em: 27 nov. 2014.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
).

Em 2015, havia 15.905 PSR em São Paulo, sendo que 8.570 se encontravam em centros de acolhida e 7.335 pernoitavam nas ruas. Desse grupo, 3.864 (52,7%) se encontravam na região da Sé (SÃO PAULO, 2015SÃO PAULO. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Prefeitura de São Paulo. Censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 2015: Resultados. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/observatorio_social/2015/censo/FIPE_smads_CENSO_2015_coletivafinal.pdf/>. Acesso em: 30 jul. 2015.
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).

A Raps da Coordenadoria Regional de Saúde Centro é composta por 1 Centro de Saúde Escola (CSE); 8 UBS; 11 equipes de CR; 4 serviços de Assistência Médica Ambulatorial (AMA); 2 Caps AD III; 1 Caps Adulto II; 1 Caps Infantil II; 2 Prontos-Socorros (PS), que não são referências para saúde mental; 3 unidades de acolhimento.

O Caps Adulto II Sé é um serviço em funcionamento desde julho de 2012 e que, até abril de 2016, contava com equipe composta por 34 profissionais de diferentes formações (gerente; enfermeiros; auxiliares de enfermagem; médicos; psicólogos; terapeutas ocupacionais; assistentes sociais; farmacêutico; técnicos de farmácia; educadores físicos; músico; artista plástico; auxiliares técnico-administrativos; funcionários de apoio - que contribuem com o desenvolvimento de ações de limpeza, manutenção e cuidado, em especial, com oferecimento de refeições aos usuários). De acordo com dados do serviço, em setembro de 2015, havia, aproximadamente, 380 pessoas em acompanhamento.

As duas equipes de CR (equipes 5 e 8) da UBS Sé foram instituídas em 2012, porém, desde 2008, já funcionavam como equipes de Programa de Saúde da Família Especial. Até abril de 2016, ambas se organizavam para cobrir todo o território da UBS Sé, e cada uma era composta por 1 médico, 2 enfermeiros, 1 auxiliar de enfermagem, 6 ACS e 2 AS. Uma assistente social e um psicólogo ofereciam apoio às duas equipes. De acordo com dados do serviço, em janeiro de 2016, cada uma acompanhava, aproximadamente, 200 usuários.

Resultados

Ações desenvolvidas pelos serviços

A PRÁTICA DO CAPS ADULTO II SÉ

Para os entrevistados, a proposta de trabalho do Caps encontra-se alinhada à política pública de saúde mental e aos pressupostos da reabilitação psicossocial. São objetivos do trabalho: a construção de redes; o desenvolvimento da autonomia e a organização dos usuários; a ampliação de vivências; a sensibilização na luta por direitos; a ampliação da rede de cuidados; e a redução de riscos e vulnerabilidades.

É consenso entre os profissionais que o cuidado à PSR deve, inicialmente, responder às necessidades imediatas, como oferta de alimentação, banho e descanso, para que seja possível acolhê-la e escutá-la. Todos referem que essa conduta também contribui para a vinculação do usuário ao serviço.

Os profissionais descrevem a realização de ações no território como estratégia para acessar usuários que não chegam ou não se vinculam à unidade e para ofertar cuidados necessários. A permanência do usuário no serviço é compreendida como fator que contribui para a organização do cotidiano:

O próprio fato da pessoa ir lá todos os dias e ter aquela rotina de tomar o remédio, conversar com algumas pessoas, se alimentar, tomar banho, já é um recurso. (Caps1).

As situações de crises de usuários demandam intensificação de ações, como o acionamento de serviços de urgência e emergência e presença da equipe no contexto em que o usuário se encontra. Porém, observou-se que a possibilidade de atender casos graves se encontra limitada pela falta de recursos e pelas dificuldades de atendê-los diante das demandas dos demais usuários.

O conceito de 'porta aberta', definido como a disponibilidade do serviço para o acolhimento durante todo o seu horário de funcionamento, sem necessidade de agendamentos (BRASIL, 2015SÃO PAULO. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Prefeitura de São Paulo. Censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 2015: Resultados. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/observatorio_social/2015/censo/FIPE_smads_CENSO_2015_coletivafinal.pdf/>. Acesso em: 30 jul. 2015.
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), caracteriza o funcionamento do Caps: "A porta de entrada é sempre o primeiro acolhimento. É porta aberta das 7 às 19h, de segunda a sexta, é um CAPS II" (CAPSG).

Apesar da consonância das entrevistas sobre os norteadores do trabalho, percebe-se que as ações e concepções de cuidado não são consensuais entre os profissionais. Há divergências teórico-técnicas que podem restringir a inserção de usuários no serviço e produzir ações que não dialogam com as concepções de todos. Entre os profissionais, há também diferentes graus de engajamento e implicação: alguns não se responsabilizam pelo desenvolvimento do trabalho, o que pode gerar sobrecarga aos demais:

Tem algo mais dos profissionais do que uma coisa mais consolidada, de uma política [sobre o] que fazer com o acolhimento. [...] Tem algumas diretrizes gerais, mas depende do que o profissional avaliou naquele momento, e, dependendo do profissional, esse usuário pode ser inserido ou não no serviço. (Caps1).

A realização do trabalho sobrecarrega os profissionais, pois há insuficiência de recursos humanos, estruturais e materiais; insuficiência de alimentação para usuários; de verba para transporte; de medicamentos e de insumos de enfermagem.

A equipe não recebeu treinamento ou capacitação inicial; apenas um processo de discussões e apresentações sobre o trabalho. A equipe não conta com supervisão clínico-institucional.

AS PRÁTICAS DAS EQUIPES DE CR DA UBS SÉ

Os entrevistados descrevem a proposta de trabalho de forma complementar e destacam, entre as ações que realizam: sensibilização da PSR quanto aos seus direitos; prevenção e atenção a grupos de risco; acompanhamentos a consultas externas e a serviços; oferta de atendimentos, medicações e cuidados básicos, como alimentação, banho e roupa; contato com familiares e rede social de apoio. Evidenciam que a demanda do usuário definirá as ações a serem realizadas.

As PSR podem acessar livremente a UBS de acordo com sua demanda. O acesso ao serviço é facilitado a partir da presença constante de um profissional das equipes na unidade e do encaminhamento direto às salas de atendimento, sem a necessidade de abertura de fichas de identificação:

Não tem que agendar nada para paciente de rua. É ele chegar e ele faz. [...] conseguir adaptar o serviço de alguma forma para as necessidades de quem cuidamos faz toda a diferença. (CR9).

A presença das equipes nas ruas diariamente é uma estratégia para manter a frequência de abordagens aos usuários e assegurar a continuidade do cuidado. A busca ativa e a constância no território são recursos para aproximação e vinculação, que são lentas na maioria dos casos, ocorrem no tempo do usuário e demandam persistência:

Uma das experiências que eu tive é que, desde a primeira semana aqui, semanalmente faço visitas com uma agente comunitária, e eu passei um ano chamando essa [pessoa]: 'vamos lá', perguntando o que ele tem: 'não, não quero', essa era a resposta, 'não tenho nada'. Na semana passada, antes mesmo de eu chegar até ele, ele veio até mim e pediu ajuda [...] não era o tempo do serviço, era o tempo dele. (CR2).

A persistência da equipe e sua responsabilização pelo cuidado são ressaltadas pelos profissionais, que descrevem abordagens voltadas às necessidades dos usuários:

A gente vai fazer o que precisar para [a ação] acontecer, mas tem que acontecer. Paciente que faz uso de medicação contínua e não dá conta de tomar sozinho, é a equipe que controla a medicação, fraciona, separa, dispensa todos os dias. Se ele não vem aqui, você vai [até onde for] para procurá-lo e dar a medicação. (CR9).

A respeito do desenvolvimento do trabalho, é consenso entre os profissionais que os recursos humanos são insuficientes frente às demandas da PSR. Os casos que apresentam melhoras no decorrer do acompanhamento são poucos:

Não temos perna nem braço suficiente. Muitas vezes, teremos um limite e pararemos ali; não vamos conseguir mais que aquilo. (CR1).

De 100, 150, 200 pacientes, tem 1 que a gente consegue organizar para melhorar sua situação. (CR10).

Faltam recursos físicos e estruturais, como espaço, sala, mobiliário, transporte; e recursos materiais, como insumos, medicação, alimentação e verba. A restrição de recursos é compreendida como fator de limitação do trabalho e produz sofrimento aos profissionais.

As equipes não recebem supervisão e cuidado à saúde mental e não tiveram treinamento; atualmente, recebem capacitações pontuais. Referem não haver diretrizes e norteadores claros para o trabalho, e, portanto, o aprendizado se dá pelo enfrentamento da prática.

ARTICULAÇÕES ENTRE OS SERVIÇOS

A articulação entre serviços é compreendida como necessária ao cuidado da PSR, porém, os profissionais descrevem dificuldades de articulações e compartilhamento com a rede e afirmam que o resultado do compartilhamento dependerá da relação estabelecida entre os serviços (se horizontal ou hierárquica) e da concepção de cuidado, organização e permeabilidade de cada um deles para receber a PSR. Divergências quanto ao alinhamento do cuidado podem comprometer ações e limitar a continuidade:

Quando você trabalha com serviços que têm formas de funcionar e fluxos muito diferentes, é um pouco complicado [...] a especialidade se coloca em um lugar muito superior em relação à Atenção Básica. É muito difícil discutir com [o especialista], porque ele sabe tudo sobre aquele assunto e ignora o que a equipe que está no território todo dia pode trazer. (CR9).

As articulações entre serviços são facilitadas a partir de contatos pessoais e da relação prévia entre profissionais; por isso, a saída de um deles pode afetar a continuidade do trabalho em rede.

A dificuldade dos serviços em se corresponsabilizar pelas ações resulta em pouca abertura aos usuários, novos encaminhamentos, sobrecarga das equipes responsáveis e limitação do cuidado: "Às vezes, você procura uma rede de apoio, e essa rede manda para outra, e fica meio que um jogo de empurra". (CR1).

Há dificuldades e descompromisso da gestão em sustentar com equipes encaminhamentos de situações que demandam articulação e convocação de pontos de atenção.

Obstáculos do cotidiano de trabalho

DESAFIOS DO CUIDADO

Todos os profissionais entrevistados consideram que o desenvolvimento do trabalho junto à população em situação de rua é desafiador devido às características dessa população, tais como nomadismo, imediatismo nas demandas apresentadas, uso de álcool e outras drogas, ausência de rede social de apoio, dificuldade de organização e percepção de discriminação.

O nomadismo é entendido como a situação permanente de circulação itinerante da pessoa em situação de rua por diferentes regiões, que dificulta a continuidade do cuidado.

O imediatismo é compreendido como a urgência em obter o que deseja e se relaciona com o acesso aos serviços pelo fato de esse grupo conhecer os recursos da rede de atenção, mas só procurá-los ou aceitar ajuda ao perceber necessidade urgente ou ao se ver diante de piora evidente de sua condição de saúde. Nesse sentido, é importante responder à solicitação de cuidado da PSR no momento em que ela procura o serviço ou aceita ajuda:

O usuário é imediatista, é naquele momento que ele decidiu querer se ajudar. E [quando] a gente [chega aos serviços, encontra profissionais que não atendem e dizem]: 'não é aqui, tem que ir lá', e até o paciente percebe e já desiste também. (CR11).

Profissionais afirmam que é difícil respeitar e compreender o tempo do usuário em aceitar o cuidado e, por vezes, vivenciam a sensação de fracasso, sofrimento e não reconhecimento de seu trabalho, o que traz o risco de algumas ações serem impostas:

A equipe já fez de tudo por ele: internações, cuidado com a saúde clínica, intervenção multidisciplinar, intersetorial, bastante atuação do Caps. Só que esqueceram de perguntar para [ele] o que ele queria... isso é terrível. (CR2).

O consumo de álcool é apresentado como um grande problema que, além de resultar em agravos à saúde, coloca-se como obstáculo para o acesso aos usuários. A presença do transtorno mental também é um fator que dificulta o cuidado, mas sua incidência é considerada menor do que a dependência do álcool.

A dificuldade da PSR quanto à organização, em especial, à orientação temporal, é descrita como fator a ser considerado no desenvolvimento do cuidado:

[A pessoa] não tem relógio, não sabe nem que dia da semana é [...] A temporalidade fica muito prejudicada para quem vive na rua; é importante lembrar quando tem uma consulta marcada. (CR9).

O incômodo das pessoas e dos profissionais diante da apresentação e das condições de higiene da PSR é percebido por esses usuários. A vivência de situações de discriminação nos serviços pode produzir o abandono do acompanhamento e restringir a procura por ajuda:

Muitas vezes, eles têm dificuldade de vir [aos serviços], às vezes, por não terem sido bem recepcionados em algum momento. E acham que em todos os serviços que forem, a atenção será a mesma. (CR1).

RISCO DE SOBRECARGA E ADOECIMENTO DOS PROFISSIONAIS

A exposição constante ao contexto e às fragilidades dos usuários, somada ao envolvimento emocional inerente ao desenvolvimento do trabalho, gera sobrecarga, produz sensação de esgotamento e risco de adoecimento, o que justifica a necessidade de cuidar das equipes:

Quando você sai daqui, se sente esgotado, ou de não ter dado conta daquilo, ou de ter dado conta, mas aquilo ter mexido muito com você. (CR1).

Teve uma agente que trabalhou 90 dias, ficou traumatizada e saiu, pois não conseguia dormir à noite, então, a gente também precisa de cuidados em todos os sentidos. (CR3).

O contato com dificuldades ligadas ao desenvolvimento do trabalho pode prejudicar o envolvimento do profissional e, consequentemente, a oferta de cuidado. Não se implicar é uma forma de se proteger diante de situações difíceis, mas que pode produzir ações desvinculadas das necessidades do usuário e das diretrizes do cuidado.

Pontos de força do cotidiano de trabalho

ESTABELECIMENTO DO VÍNCULO COMO BASE DO CUIDADO

As dificuldades presentes na construção de vínculos com essa população são explicitadas e atribuídas ao nomadismo, à interação prejudicada pelo consumo de álcool e outras drogas e à desconfiança, que advém das situações de sofrimento e privação vivenciadas pelas PSR. A vinculação é entendida como o processo de aproximação do usuário para cadastrá-lo e dar início ao acompanhamento e, também, como o processo de construção da relação de cuidado, que envolve estabelecimento de relação de confiança, proximidade e responsabilização:

Eu tinha uma paciente, que não é uma história positiva, a d. M. Foi uma das primeiras que eu cadastrei e que a gente fez um vínculo muito forte. E quando ela teve um AVC e morreu, eu fiquei muito mal, senti muito. E nós fizemos o enterro, fomos atrás, foi uma coisa que parecia alguém da minha família. (CR13).

Os profissionais explicitam que deve haver envolvimento afetivo na construção do processo de vinculação e que, portanto, não é possível não se afetar por cada caso e suas trajetórias:

Você tem que se preocupar se [a pessoa] vai voltar para a rua, se vai dormir no relento. Por mais que você fale: 'ah, eu não penso', mas pensa, sim. Eu acho que isso sobrecarrega muito os profissionais, tanto os de saúde mental como nós, do CR. Tem emoção... Se as palavras que mais usam são vínculo, empatia, como que eu vou falar 'ah, o problema é dele'? A partir do momento que você conhece a história da pessoa e não faz julgamentos, fica difícil se desligar. (CR13).

Os vínculos afetivos tendem a mobilizar os profissionais a se dedicarem mais ao cuidado em decorrência da aproximação, da compreensão e do reconhecimento das fragilidades e necessidades dos usuários. Tal dedicação pode resultar na realização de ações fora do horário de trabalho ou sustentadas por recursos próprios:

A gente conversa, mesmo fora do trabalho. Às vezes, o vejo na rua, paro e converso. Sei que não está certo, fora do meu horário de trabalho. Quem sabe só de conversar ele se sente importante. (CR7).

Tinha um paciente, I. [...] Ele faleceu, e eu que tive que reconhecer o corpo dele. Tirei do meu bolso o dinheiro para ir ao IML 3 dias seguidos para ele não ser enterrado como indigente. (CR10).

CIDADANIA COMO NORTEADORA DO CUIDADO

A promoção da cidadania e o acesso aos direitos são pontos de força na realização do trabalho, e sua presença como norteadora de ações qualifica o cuidado oferecido:

Os usuários são tratados como cidadãos [...] são vistos como pessoas de direito, que têm vontade, desejo, vida, não são um CID 10. Isso é um ponto muito forte dessa equipe [...] vamos atrás do direito dessas pessoas, de um benefício [...] mudamos a condição de vida delas, fazendo com que possam ter alguns de seus direitos garantidos. (CAPSG).

O envolvimento do usuário no processo de cuidado é um ponto de força e fonte de potência e qualidade para o desenvolvimento de ações:

Quando conseguimos acessar o usuário, envolvê-lo e respeitá-lo, na sua totalidade, temos [muito] potencial. Conseguimos tirar o paciente do ponto A e levar para o ponto B. É aí que vemos a qualidade do nosso trabalho e a diferença enorme que podemos fazer na prática diária, no serviço que disponibilizamos. (CR2).

Para os profissionais do Caps Adulto II Sé, esse serviço se diferencia de outros Caps por atender grande número de PSR. O trabalho desenvolvido demanda muito da equipe e a expõe a situações violentas e insalubres, mas que precisam ser enfrentadas para que o cuidado seja ofertado de modo a garantir o direito de acompanhamento dessas pessoas.

O trabalho das equipes de CR é caracterizado como ponto de força e facilitador para o cuidado oferecido por outros serviços, por ampliar o acesso e por já haver vínculo com o usuário e contato com seu contexto de vida:

Essa pessoa, se viesse sozinha, não teria o acolhimento que tem. Mesmo vindo com algum profissional de saúde, tem dificuldade de acesso. O CR é um facilitador para que a pessoa possa acessar outros serviços. (CR1).

Os ACSs e ASs, ao acompanhar usuários, oferecem segurança e defendem seu direito de atendimento e de acesso aos serviços:

Aí é uma briga, porque eu não vou deixar o paciente voltar sem ser atendido. Se aquele que está na supervisão não quer atender, eu vou em quem é maior do que ele, e alguém tem que atender. (CR12).

Opinião dos usuários sobre o cuidado recebido

É consenso entre os usuários entrevistados que os serviços, os profissionais e o cuidado ofertado são bons. Um deles destaca que o cuidado é dotado de atenção e comprometimento, diferentemente de outros serviços pelos quais já passou, que só renovavam receita e não o atendiam bem.

Os usuários descrevem que a busca de direitos, como auxílio para conseguir emprego, benefícios e moradia, e a ampliação de possibilidades cotidianas, como inserção em novas atividades, são ações ofertadas pelos serviços:

Hoje eu estou em um barraquinho, que o Caps e o CR ajudaram a achar. Eles me ajudaram a fazer o Loas [Lei Orgânica da Assistência Social], e, com o [dinheiro] que eu pego do banco, eu pago aluguel, compro as [coisas] de casa. (U5).

A importância de ter alguém para conversar, que ofereça carinho e atenção, é reconhecida pelos usuários, que ressaltam que os serviços ampliam a rede social de apoio a partir da construção de novas relações.

Todos os usuários destacam a importância do vínculo entre profissionais e usuários para a efetivação do cuidado. O rompimento de relações a partir da saída de profissionais produz sofrimento e traz o risco de descontinuidade do acompanhamento.

Discussão

Desenvolvimento de ações

O trabalho desenvolvido pelas equipes dos serviços mostra-se alinhado às políticas públicas de saúde e de saúde mental. As ações são norteadas por princípios éticos e por pressupostos da reabilitação psicossocial, configurados pela construção e/ou resgate da cidadania e pela validação da população atendida como sujeito de direitos. Os usuários reconhecem que as ações desenvolvidas pelos serviços trazem benefícios cotidianos no âmbito social, na validação de seus direitos e na construção de novas possibilidades de vida.

O Caps Adulto II Sé, por ser norteado pelo princípio de 'porta aberta', assegura o direito ao acolhimento de todos os usuários que buscam atendimento. A priorização do atendimento à PSR na UBS Sé e a não burocratização dos procedimentos de acesso são evidentes na ausência de agendamentos prévios e abertura de fichas de identificação. Há, assim, a 'discriminação positiva' dessa população, pois a facilitação do acesso respeita o princípio de equidade e reconhece a maior vulnerabilidade desse grupo. Estudos destacam a importância de abordagens no contexto de vida das pessoas e de ações que busquem facilitar seu acesso aos serviços (LISBOA, 2013LISBOA, M. S. Os loucos de rua e as redes de saúde mental: os desafios do cuidado no território e a armadilha da institucionalização. 2013. 281 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.; LONDERO; CECCIM; BILIBIO, 2014LONDERO, M. F. P.; CECCIM, R. B.; BILIBIO, L. F. S. Consultório de/na rua: desafio para um cuidado em verso na saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 251-260, 2014.; SARRADON-ECK; FARNARIER; HYMANS, 2014SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?...
; SILVA ., 2014SILVA, F. P.; FRAZÃO, I. S.; LINHARES, F. M. P. Práticas de saúde das equipes dos Consultórios de Rua. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 805-814, abril 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2014000400805&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
). Apesar disso, há profissionais que desconhecem, não são preparados ou não se colocam de acordo com as diretrizes da Política, e, por isso, desenvolvem práticas orientadas por critérios pessoais e subjetivos.

Nota-se o esforço da maioria das equipes em desenvolver um trabalho de qualidade em meio a obstáculos como: ausência de cuidado com as equipes, no âmbito da saúde mental e no âmbito formativo; necessidade de melhoria de ações e articulações intersetoriais; insuficiência de recursos humanos, estruturais e materiais; falta de acompanhamento e respaldo da gestão no desenvolvimento do trabalho. Os resultados explicitam que as ações são desenvolvidas de acordo com as diretrizes, mas é necessário superar dificuldades para que isso ocorra.

Os profissionais, em especial, os do CR, destacam a dificuldade de alguns serviços em considerar as especificidades do trabalho com a PSR e em não adaptar seu funcionamento para responder às necessidades desse grupo. Há serviços que não asseguram seu direito ao atendimento ou que atendem de forma discriminativa essa população, o que contraria princípios norteadores de cuidado propostos pelas políticas.

A dificuldade de articulação entre os pontos da rede e a ausência de corresponsabilização são descritas como desafios do cuidado à PSR. Seu acolhimento nos serviços pode ser prejudicado pela discriminação e pelo afastamento dos profissionais, bem como pela burocratização do cuidado. A discrepância entre concepções de cuidado que norteiam os serviços também prejudica a construção do trabalho compartilhado (BORYSOW; FURTADO, 2013BORYSOW, I. C.; FURTADO, J. P. Acesso e intersetorialidade: o acompanhamento de pessoas em situação de rua com transtorno mental grave. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 33-50, 2013. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=400838260003>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=40...
, 2014______. Acesso, equidade e coesão social: avaliação de estratégias intersetoriais para a população em situação de rua. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 48, n. 6, p. 1069-76, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt_0080-6234-reeusp-48-06-1069.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt...
; HALLAIS; BARROS, 2015HALLAIS, J. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, p. 1497-1504, jul. 2015.; LISBOA, 2013LISBOA, M. S. Os loucos de rua e as redes de saúde mental: os desafios do cuidado no território e a armadilha da institucionalização. 2013. 281 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.;).

A articulação entre serviços é facilitada entre contatos pessoais a partir da relação prévia entre profissionais. Desse modo, o trabalho em rede se apresenta fragilizado, já que a ausência de um profissional articulador pode comprometer o cuidado (BORYSOW; FURTADO, 2014______. Acesso, equidade e coesão social: avaliação de estratégias intersetoriais para a população em situação de rua. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 48, n. 6, p. 1069-76, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt_0080-6234-reeusp-48-06-1069.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n6/pt...
).

Os resultados do estudo possibilitam afirmar que as normativas propostas pelas políticas de saúde e saúde mental não são suficientes para garantir o alinhamento dos processos de trabalho e do cuidado. Isso talvez se deva à ausência de modelos que orientem com mais clareza e objetividade o desenvolvimento das práticas, em especial, no que se refere ao papel da equipe e de seus diferentes componentes. Essa lacuna é um dos aspectos que determinam as diferenças no estilo e na modelagem do trabalho desenvolvido pelos serviços e pelas equipes em uma mesma rede.

Para Hallais e Barros (2015)HALLAIS, J. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, p. 1497-1504, jul. 2015., as políticas públicas atuais não garantem o cuidado integral à PSR, e a oferta de ações pelos serviços de saúde é limitada diante das condições de precariedade, privação e invisibilidade dessa população. Lisboa (2013)LISBOA, M. S. Os loucos de rua e as redes de saúde mental: os desafios do cuidado no território e a armadilha da institucionalização. 2013. 281 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. destaca a necessidade de se construir uma linha de cuidados para a PSR que seja pautada nas suas características e considere os determinantes do processo saúde-doença, problemas clínicos e dificuldades enfrentadas no relacionamento com a rede de cuidados.

Obstáculos e pontos de força do trabalho

Aspectos que caracterizam a opinião dos profissionais a respeito da PSR e que influenciam o desenvolvimento de ações são concordantes com achados da literatura nacional e internacional e reafirmam a complexidade envolvida na compreensão e na oferta de cuidado a esse grupo. O trabalho junto à população em situação de rua é intuitivo e experimental, portanto, demanda intensa aproximação dos usuários acompanhados, além de criatividade e imaginação por parte dos profissionais. Porém, não é reconhecido enquanto cuidado. É desvalorizado e mal compreendido (SARRADON-ECK; FARNARIER; HYMANS, 2014SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?...
).

A construção de vínculos entre profissionais e usuários é o eixo do processo de cuidado. A importância e a centralidade da construção de vínculos como estratégia central do trabalho em saúde são um consenso na literatura, debatido também no campo da atenção a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social (HALLAIS; BARROS, 2015HALLAIS, J. S.; BARROS, N. F. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 7, p. 1497-1504, jul. 2015.; LISBOA, 2013LISBOA, M. S. Os loucos de rua e as redes de saúde mental: os desafios do cuidado no território e a armadilha da institucionalização. 2013. 281 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.; LONDERO; CECCIM; BILIBIO, 2014LONDERO, M. F. P.; CECCIM, R. B.; BILIBIO, L. F. S. Consultório de/na rua: desafio para um cuidado em verso na saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 251-260, 2014.; SARRADON-ECK; FARNARIER; HYMANS, 2014SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?...
; SILVA ., 2014SILVA, F. P.; FRAZÃO, I. S.; LINHARES, F. M. P. Práticas de saúde das equipes dos Consultórios de Rua. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 805-814, abril 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2014000400805&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
). O investimento na construção, manutenção e ampliação dos vínculos é possivelmente a principal característica do trabalho e está articulada às diretrizes do SUS para o funcionamento da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e da Raps (BRASIL, 2010BRASIL. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 dez. 2010., 2011______. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 dez. 2011.).

As entrevistas com usuários também confirmam essa importância, pois evidenciam que, para eles, a percepção sobre como são acolhidos, escutados e orientados, somada ao caráter afetivo desses momentos de comunicação, são o melhor indicador de qualidade de um serviço ou de uma equipe. Para eles, o cuidado se mostra efetivo quando reconhecem a existência de vínculo com os profissionais que ofertam as ações, de modo que a escuta e o afeto tenham lugar no decorrer do processo de acompanhamento.

A empatia sustenta a construção das relações nas quais profissionais e usuários se afetam mutuamente: profissionais se compadecem a partir do contato com as fragilidades dos usuários, o que influencia a realização de ações; e usuários encontram carinho e acolhimento nas ações ofertadas pelos profissionais. Para Sarradon-Eck, Farnarier e Hymans, (2014)SARRADON-ECK, A.; FARNARIER, C.; HYMANS, T. D. Caring on the margins of the healthcare system. Anthropology & Medicine, Londres, v. 21, n. 2, p. 251-263, 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?term=%22Anthropol+Med%22[Title+Abbreviation>. Acesso em: 2 abr. 2017.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/nlmcatalog?...
, é essencial e vital que as PSR sintam que alguém se importa com elas.

A presença dessa forma de vinculação contribui para a construção de relações humanizadas, o que favorece o reconhecimento das necessidades da população e a produção de ações que busquem respondê-las. Os profissionais, em especial, os ACS, defendem os direitos das PSR de acessar os serviços e receber atendimentos de qualidade. A função dos ACS como potencializadora do trabalho é também descrita no estudo de Lisboa (2013)LISBOA, M. S. Os loucos de rua e as redes de saúde mental: os desafios do cuidado no território e a armadilha da institucionalização. 2013. 281 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013..

A sobrecarga dos profissionais diante do contato com as fragilidades dos usuários e com a precarização dos serviços pode também explicar a heterogeneidade das práticas e sua relação mais ou menos forte com as diretrizes da política de saúde. Na tentativa de evitar maiores desgastes, a não implicação com o desenvolvimento do trabalho pode ser uma resposta de alguns profissionais, o que evidencia a necessidade de cuidar das equipes e oferecer processos de apoio e supervisão permanentes e não ocasionais (LONDERO; CECCIM; BILIBIO, 2014LONDERO, M. F. P.; CECCIM, R. B.; BILIBIO, L. F. S. Consultório de/na rua: desafio para um cuidado em verso na saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 251-260, 2014.).

Os resultados também destacam a importância de espaços de formação e capacitação que ampliem as possibilidades de respostas das equipes frente às necessidades da PSR (BORYSOW; FURTADO, 2013BORYSOW, I. C.; FURTADO, J. P. Acesso e intersetorialidade: o acompanhamento de pessoas em situação de rua com transtorno mental grave. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 33-50, 2013. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=400838260003>. Acesso em: 2 abr. 2017.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=40...
; LONDERO; CECCIM; BILIBIO, 2014LONDERO, M. F. P.; CECCIM, R. B.; BILIBIO, L. F. S. Consultório de/na rua: desafio para um cuidado em verso na saúde. Interface, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 251-260, 2014.).

Diante do exposto, é importante ressaltar que são múltiplos os fatores que definem o direcionamento das ações voltadas à população em situação de rua. Há, portanto, a necessidade de todos os envolvidos, em especial, a gestão, implicarem-se com o conjunto de elementos que determinam a produção das ações assistenciais e de cuidado e na organização e na gestão de serviços e equipes.

Conclusões

O cuidado oferecido pelos serviços de saúde à população de PSR que apresentam transtorno mental encontra-se alinhado às diretrizes propostas. Em sua maioria, o trabalho das equipes se caracteriza pela implicação dos profissionais que buscam responder às necessidades desse grupo.

As relações estabelecidas entre profissionais e usuários são humanizadas e contribuem para a construção de ações pautadas no afeto, nas quais o usuário é validado como sujeito de direitos.

Nesse contexto, o setor saúde tem papel importante na construção da cidadania, e as equipes estão próximas do novo paradigma de cuidado em saúde mental, no qual os sujeitos não são reduzidos a objetos ou a diagnósticos. A cidadania norteia o processo de cuidado e imbui os profissionais da responsabilidade de serem mediadores da relação dos usuários com outros serviços, de modo a assegurar seu acesso e buscar atendimentos voltados às suas necessidades.

O trabalho intersetorial é compreendido como essencial no cuidado a essa população, mas sua efetivação nem sempre é possível, devido às dificuldades dos serviços em considerar características e necessidades desse grupo em seu planejamento e sua organização.

As políticas públicas de saúde e saúde mental propõem objetivos complexos e exigentes. Apesar dos esforços da equipe em cumpri-los, há aspectos reais que limitam a realização de boas práticas e evidenciam a necessidade de articulação entre políticas públicas e implicação de diferentes setores, além da saúde e da assistência social, na construção do cuidado direcionado a essa população.

A possibilidade de aprofundamento na temática e as limitações das publicações existentes até o momento indicam a necessidade de estudos futuros mais abrangentes sobre o trabalho com a PSR.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • AGUIAR, M. M.; IRIART, J. A. B. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 115-24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000100012>. Acesso em: 2 abr. 2017.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000100012
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    Abr 2017
  • Aceito
    Set 2017
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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