Bases jurídicas e técnicas das sentenças dos Juizados Especiais Fazendários do Rio de Janeiro (RJ), 2012-2018

Elizabeth Maria Saad José Braga Elvira Maria Godinho de Maciel Sobre os autores

RESUMO

O trabalho analisa razões fáticas e jurídicas das decisões e sentenças prolatadas pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública do município do Rio de Janeiro (2012-2018). Buscou-se conhecer como são tomadas as decisões sobre pedidos de medicamentos, perquirindo argumentos jurídicos, pareceres do Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal (NAT) e evidências científicas. Foram recuperados 19.773 processos e realizada amostragem aleatória simples para seleção de 500 processos, dos quais 290 foram de medicamentos. Em 94,1% dos processos, usou-se apenas o laudo médico na decisão, seguido da prescrição médica; e, embora a consulta ao NAT seja obrigatória, o parecer técnico somente foi usado em 22,2%. De 221 sentenças de mérito, 94,6% basearam-se no art. 196 da Constituição Federal; 85,5%, em jurisprudência dos tribunais superiores; e 62,5%, afastadas teses da Fazenda Pública da reserva do possível e princípio da legalidade orçamentária. Medicamentos mais solicitados tratavam doenças endócrino-metabólicas (insulina, ranibizumabe), doenças renais (cinacalcete), complicações obstétricas (enoxaparina), doenças imunológicas e inflamatórias (adalimumabe). Apenas 32% dos pareceres recomendavam o medicamento com base científica, 14% 'não recomendado' e 54% 'recomendado sem base científica'. Conclui-se que o parecer técnico é pouco usado, mas quando presente, não explicita evidência científica, visto que, apenas nas causas obstétricas, 100% das recomendações tiveram base científica.

PALAVRAS-CHAVE
Judicialização da saúde; Assistência farmacêutica; Medicina baseada em evidências; Sistema Único de Saúde; Uso de medicamentos

Introdução

A saúde é um direito humano reconhecido na Constituição Federal (CF) Brasileira11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
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, o qual é materializado nas políticas de saúde pública. Cabe ao Estado atuar na prevenção de doenças e na promoção e recuperação da saúde do cidadão. Com a finalidade de orientar a assistência à saúde, há protocolos e diretrizes de manejo clínico baseados em pesquisas científicas que devem ser observados, tanto para racionalizar o uso de recursos públicos quanto para possibilitar a adoção de tratamentos efetivos e seguros.

A CF de 198811 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
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elevou a saúde à condição de direito fundamental social. Em capítulo próprio sobre a ordem social, o art. 193 prevê a saúde como um dos objetivos do Estado, assim como o primado do trabalho, o bem-estar e a justiça social. A configuração de Estado de bem-estar social é consubstanciada nas determinações previstas nos arts. 194, 195 e 196, tendo sido formulado um modelo de assistência e previdência social nos moldes da seguridade social. Com a promulgação da Lei nº 8.080/9022 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 20 Set 1990. [acesso em 2019 jan 10]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm.
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, nasce legalmente o Sistema Único de Saúde (SUS), embasado na ideia da saúde como direito de todos e dever do Estado, e nos princípios de igualdade (que a doutrina entende tratar-se de equidade) e integralidade na atenção à saúde. Assim, a CF de 198811 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
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, consagrou no âmbito interno da ordem jurídica brasileira, o direito humano à saúde universal.

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), são inúmeros os pedidos: i) de medicamentos utilizados como rotina em determinadas condições clínicas que deveriam ser fornecidos gratuita e regularmente pelo SUS, mas não o são – tais como imunossupressores prescritos a pacientes transplantados; ii) de medicamentos excepcionais e tratamentos propostos, mas ainda que ainda não fazem parte de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) ou que tenham sido incorporados pelo SUS.

Sabe-se que, na via judiciária relativa ao fornecimento do medicamento solicitado, decisões tomadas com frequência sem bases técnicas ou evidências científicas capazes de responder não só a questões de eficácia como também bioéticas – princípio da não maleficência – vêm proporcionando um aumento excessivo de demandas visando à garantia do atendimento do cidadão no SUS, a despeito da insuficiência da dotação orçamentária para a universalização do atendimento. Tais medidas convertem-se em gastos não previstos, favorecendo um desencontro maior entre o orçamento público e a prestação de serviços, gerando um ciclo vicioso. Além disso, construiu-se, nas últimas décadas, uma jurisprudência que, na discussão jurídica envolvendo integralidade e equidade, desconsidera os limites orçamentários segundo princípios constitucionais impostos ao administrador público.

Assim, a decisão dos juízes teria por premissa que a atuação do Poder Judiciário é limitada por parâmetros constitucionais e legais, que regulam e disciplinam adequadamente a tutela jurisdicional do direito à saúde e por parâmetros técnicos tais como evidências de eficácia e segurança das intervenções julgadas. No entanto, em plantões noturnos, por exemplo, os magistrados, premidos pela urgência referida no laudo médico, tomam decisões sobre o fornecimento de insumos solicitados com impactos no orçamento público dos entes federativos.

Cabe refletir que acerca da judicialização do direito à saúde, seu alcance constitucional, legal e ético, é conveniente considerar ao lado dos princípios constitucionais do SUS e dos princípios orçamentários, parâmetros científicos, técnicos e éticos. Dessa forma, este estudo objetiva: i) descrever os motivos da judicialização; (ii) identificar as fundamentações jurídicas e técnicas (no âmbito dos Juizados Especiais Fazendários da capital do Rio de Janeiro) usadas para a concessão de medicamentos; iii) identificar as doenças e os medicamentos mais requeridos judicialmente para tratamento; e iv) avaliar se as decisões e sentenças se apoiam nos pareceres técnicos científicos do Núcleo de Apoio Técnico (NAT).

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo de dados secundários dos registros do TJRJ que avalia o perfil das decisões e sentenças que deferiram ou não os pedidos de antecipação de tutela para fornecimento de medicamentos em face da Fazenda Pública do estado do Rio de Janeiro ou município do Rio de Janeiro no período de 1º de julho de 2012 a 31 de maio de 2018, nos Juizados Especiais Fazendários na Comarca da Capital. Procedeu-se à análise do motivo da judicialização, as principais síndromes clínicas e medicamentos requeridos, indicando se há problemas tais como irregularidade no abastecimento, pedido de medicamentos não incorporados, uso off label ou outros. Os registros dos processos do TJRJ são integralmente eletrônicos e foram analisados individualmente, on-line, no período entre 18 de janeiro e 20 de fevereiro de 2019.

Foi avaliado se houve consulta ao NAT antes da decisão que deferiu ou não a antecipação de tutela, observada a frequência de decisões favoráveis ao requerente deferidas liminarmente, bem como qual o documento mais utilizado como base da decisão e se foi observada a recomendação científica no parecer do NAT.

Também se procedeu à análise das decisões, verificando se a concessão ou não do pedido de antecipação de tutela e sentença para fornecimento do medicamento foram proferidas com fundamentação jurídica e com base em razões científicas (evidência científica da efetividade/eficácia) do medicamento requerido. Observou-se a recomendação feita no parecer do NAT com relação ao medicamento requerido quanto à existência de evidência científica para o uso na doença do autor. Foram extraídos dados da base do TJRJ referentes ao período citado anteriormente, em demandas relacionadas com a Assistência Farmacêutica (AF), especificamente nos Juizados Especiais Fazendários, situados na Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Os processos foram classificados segundo códigos padronizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): 10069: Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos, 10892: Medicamento/Tratamento/Cirurgia de Eficácia não Comprovada, 11884: Fornecimento de Medicamentos, 30323: Fornecimento de Medicamentos – Desabilitado – Lançar, 11884; Deige (necessário para processos antigos), 30434: Fornecimento de Insumos, 10856: Prescrição por Médico não vinculado ao SUS, 30431: Medicamento não Padronizado pelo SUS, 30431: Medicamento não Padronizado pelo SUS, 30432: Medicamentos – Outros, 30433: Medicamento sem Registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 30435: Fornecimento de Leite, 30436: Fornecimento de Fraldas, 30437: Equipamento Médico-Hospitalar, 30438: Fornecimento de Insumos – e Outros; 30459: Medicamentos e Outros Insumos de Saúde – Juizados Fazendários.

Como forma de viabilizar e otimizar a pesquisa, foram escolhidos apenas registros da base eletrônica de processos, em razão da possibilidade de acesso integral aos autos e documentos, permitindo a análise da motivação da decisão. Tratando-se de dados públicos de acesso restrito, foi requerido e autorizado pelo TJRJ o uso das informações para fins acadêmicos. Não foram identificados o nome dos autores, juízes, promotores, defensores e procuradores que atuaram nos processos. Foram excluídos os processos que tramitaram em segredo de justiça.

Embora técnicos, os Pareceres do NAT, muitas vezes, não se referiam à existência ou não de evidência científica. Entretanto, eles indicavam quando o medicamento não possuía registro sanitário na Anvisa33 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Termo de referência: grupo de trabalho em promoção de medicamentos: proposta para o plano de trabalho 2008 -2009. Rede PANDRH [internet]. [S.l.]: ANVISA; 2008. [acesso em 2018 nov 10]. Disponível em: http://new.paho.org/hq/dmdocuments/2009/GT_PMTReferencia.pdf.
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, se era ou não incorporado ao SUS, se era indicado para a doença do requerente segundo a bula, se o pedido era para uso fora dos PCDT do SUS, se havia medicamento ou PCDT fornecido pelo SUS, bem como se a parte já era cadastrada no setor competente, se o médico assistente informava o uso prévio dos PCDT sem sucesso. De modo geral, com exceção dos casos de evidente uso off label ou da falta de registro na Anvisa, o Parecer do NAT apontava os elementos acima sem fazer juízo de valor sobre a existência de evidência científica, embora, em alguns casos, indicasse que a prática médica atual ainda não incorporara em protocolos clínicos o medicamento pleiteado.

Ao analisar-se os pareceres do NAT, procurou-se classificar a conclusão de recomendação ou não de acordo apenas com a existência e o uso previsto no PCDT do SUS que, em nosso entendimento, caracterizaria a evidência científica de eficácia do medicamento, motivo necessário à incorporação.

O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca após o exame de qualificação e obteve dispensa de análise pelo Comitê, conforme Parecer 14/2018.

Resultados

Para este estudo, foram inicialmente extraídos os dados dos processos do período estudado, encontrados nos três Juizados Especiais Fazendários da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que, em razão de disposição legal, devem apreciar questões de menor complexidade que não precisam de perícia técnica, havendo, no entanto, a obrigatoriedade do parecer do NAT por determinação do Tribunal de Justiça. Foram recuperados 19.773 processos correspondentes ao período de 2012 a 2018. Em seguida, foi realizada pela técnica de amostragem aleatória simples a seleção de 500 processos. Após análise individual, foram selecionados 290 processos referentes ao pedido de medicamentos, especificando a doença e os medicamentos prescritos que eram objetos da ação judicial. Assim a nossa amostra teve a seguinte distribuição por ano: 2012=1 (0,3%), 2013=26 (9,0%), 2014=71 (24,5%), 2015=53 (18,3%), 2016=61 (21,0%), 2017=59 (20,3%) e 2018=19 (6,6%).

Em alguns processos, foram requeridos mais de um medicamento, razão pela qual o número não se iguala ao número de processos analisados. A maioria dos pedidos ou dos medicamentos – 56,3% – em juízo no Juizado Especial da Fazenda Pública (Jefaz) o são em razão da sua não incorporação na lista do SUS, o que prejudica outros pacientes com a mesma doença e sem facilidade de acesso ao judiciário e que poderiam se beneficiar de ação coletiva com vistas à incorporação do medicamento pelo SUS. Uma significativa proporção – 22,5% – dos processos referiam-se a medicamentos que, embora incorporados, não tiveram a dispensação administrativa deferida em razão do médico prescritor ter requerido seu uso fora dos PCDT do SUS. Observou-se 27 requerimentos de fármacos incorporados, feitos em razão da falta na rede pública – 8,4% –, indicando problemas na gestão, possivelmente em razão da crise que atingiu o estado do Rio de Janeiro (Tabela 1).

Tabela 1
Motivos da judicialização de medicamentos do Jefaz/RJ, 2012-2018

O resultado obtido com relação à fundamentação técnica da decisão liminar e da sentença (que podem utilizar mais de um fundamento) espelha o já apontado em outros estudos, indicando que, ao fundamentar a sentença e a decisão que antecipa a tutela, o magistrado, em 94,1% das vezes, usa o laudo médico como justificativa principal para sua decisão, seguido do receituário médico (prescrição); e, embora a consulta ao NAT seja obrigatória, o parecer técnico somente é utilizado como fundamentação em 22,2% dos casos (Tabela 2).

Tabela 2
Fundamentos técnicos das apreciações de mérito e tipos de sentenças prolatadas no Jefaz/RJ, 2012-2018

Na Tabela 2, observa-se que dos 290 processos estudados, 49 foram extintos sem mérito, seja por inércia do autor que não deu andamento ao feito ou pelo requerimento da desistência do processo, representando 16,9% dos feitos totais.

Conforme já apontado, a classificação é feita pelo requerente usando códigos padronizados pelo CNJ. Como na grande maioria das ações o autor é patrocinado pela defensoria pública, a instituição é a responsável pela classificação.

Deve ser esclarecido ainda que, frequentemente, o pedido de antecipação de tutela refere-se apenas ao medicamento pleiteado, enquanto o pedido final inclui um requerimento final padrão:

[...] julgamento pela procedência do pedido, com a condenação dos réus ao fornecimento dos medicamentos reclamados, ou outros medicamentos, aparelhos e utensílios que o autor venha a necessitar no curso do tratamento, nas quantidades prescritas, em prestações mensais e contínuas por tempo indeterminado44 Jusbrasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - apelação / reexame necessário: reex 03805262420108190001 Rio de Janeiro capital 9 vara faz pública - inteiro teor [internet]. Rio de Janeiro: Jusbrasil; 2013. [acesso em 2018 nov 10]. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/381906934/apelacao-reexame-necessario-reex-3805262420108190001-rio-de-janeiro-capital-9-vara-faz-publica/inteiro-teor-381906937.
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Razão pela qual possivelmente a classificação mais utilizada seja “medicamentos e outros insumos de saúde”44 Jusbrasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - apelação / reexame necessário: reex 03805262420108190001 Rio de Janeiro capital 9 vara faz pública - inteiro teor [internet]. Rio de Janeiro: Jusbrasil; 2013. [acesso em 2018 nov 10]. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/381906934/apelacao-reexame-necessario-reex-3805262420108190001-rio-de-janeiro-capital-9-vara-faz-publica/inteiro-teor-381906937.
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Mesmo no ambiente mais simplificado dos Juizados, há necessidade de fundamentação das decisões e sentenças sob o risco de serem nulas. As sentenças possuem diversas fundamentações tanto jurídicas como técnicas, usadas, na maior parte das vezes, em conjunto. Estudamos os fundamentos utilizados pelos magistrados para deferir o pedido. Do total de 221 sentenças de mérito, em 94,6% foi referido o art. 196 da CF11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. [acesso em 2018 set 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
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; em 85,5%, a decisão fundou-se em jurisprudência dos tribunais superiores sobre o tema (TJRJ/STJ/STF); em 62,5%, foram afastadas as teses da Fazenda Pública da reserva do possível e princípio da legalidade orçamentária; em 56,6%, referiu-se à Súmula 65 do TJRJ; em 40,7%, ao art. 198 da CF; 34,4% das decisões foram tomadas com base no entendimento da obrigação dos entes federativos de fornecimento de medicamento mesmo fora da lista do SUS22 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 20 Set 1990. [acesso em 2019 jan 10]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm.
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. A hipossuficiência econômica da parte foi o fundamento em 23,1% dos casos (Tabela 3).

Tabela 3
Classificação dos fundamentos jurídicos mais usados nas sentenças no Jefaz/RJ (2012-2018)

Verificou-se que 14,2% das decisões que anteciparam a tutela requerida para concessão do medicamento usaram como argumento apenas a necessidade do autor e a apresentação de comprovação médica para o pedido, sem apresentar fundamentos jurídicos. A fundamentação técnica das decisões de tutela antecipada constava em 98,1%, perfazendo um total de 255 casos. Quanto à classificação ou à natureza dos fundamentos técnicos das sentenças de mérito no Jefaz/RJ (2012-2018), 94,1% fizeram uso da comprovação da enfermidade por laudo médico, 69,7% valeram-se da alegação de necessidade do medicamento atestada pela receita médica, 22,2% (49 casos) basearam-se no parecer do NAT. Em um caso, sob a alegação de 'necessidade de comprovar atendimento prévio', houve recusa administrativa no fornecimento do medicamento.

Dos 290 processos estudados, 49 foram extintos sem mérito seja por inércia do autor (26), que não deu, por algum motivo, andamento ao feito, seja por ter requerido a desistência do processo (5), representando mais de 10% dos feitos totais. Somente em um caso houve sentença apontando que o autor não comprovou ter feito uso anterior dos PCDT do SUS.

De maneira geral, as contestações ou não concessões das tutelas antecipadas pelas Fazendas Públicas são padronizadas e alegam, em síntese, os seguintes itens: 1) que o medicamento requerido não se encontra integrado à lista de dispensação do SUS ou do ente público (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename, Relação Estadual de Medicamentos – Resme, Relação Municipal de Medicamentos Essenciais – Remume); 2) que o autor requer o uso do medicamento fora dos PCDT do SUS ou do registro na Anvisa; 3) que o medicamento requerido não existe no mercado brasileiro (importado e sem registro na Anvisa).

No nosso estudo, classificaram-se as doenças em grandes grupos: as endócrino-metabólicas (23,5%); as doenças renais e complicações (16,9%); as imunológicas e inflamatórias (14,8%) as neuropsiquiátricas (12,4%); as genéticas (2,4%); as doenças e complicações obstétricas (4,1%); as neoplasias (3,1%); as doenças respiratórias (3,8%) as oftalmológicas (7,2%); as linfo-hematopoéticas e tromboembólicas (2,1%) e outras (9,7%). Observamos ainda que a judicialização ocorre predominantemente com relação a doenças crônicas de modo mais específico, diabetes mellitus tipo I e II, insuficiência renal crônica, doença de Alzheimer, doença de Crohn, esquizofrenia, psoríase, epilepsia, entre outros.

Os medicamentos mais requeridos em Juízo no Jefaz/RJ (2012-2018) foram compatíveis com o perfil de doenças. Entre os processos analisados, há 14 pedidos de enoxaparina sódica, sendo 13 com laudo particular e 1 com laudo de rede pública, tendo sido encontrados 3 pacientes que apresentaram tanto laudo particular como da rede pública. Os medicamentos mais solicitados foram para o tratamento de doenças endócrino-metabólicas (insulina, ranibizumabe), doenças renais e complicações (cinacalcete), doenças e complicações obstétricas (enoxaparina), doenças imunológicas e inflamatórias (adalimumabe), e neuropsiquiátricas (Tabela 4).

Tabela 4
Medicamentos requeridos no Jefaz/RJ (2012-2018) em relação ao grupo de doenças

A despeito do parecer do NAT anterior à apreciação do pedido liminar ser obrigatório no TJRJ, conforme Ato Normativo TJRJ 05/2012, pudemos observar que as decisões não se baseiam em evidência científica de eficácia do medicamento pleiteado, já que apenas 93 (32,1%) dos pareceres recomendavam o medicamento com explicitação da base científica, e 197 (67,9%) não recomendavam ou recomendavam sem referir-se à base científica: parecer 'não recomendado', 41 (14,1%); e 'recomendado sem base científica', 156 (53,8%).

Observa-se que a maior parte dos pareceres que recomenda o medicamento sem base científica o faz sob a alegação de que o paciente já fez uso das alternativas disponibilizadas pelo SUS, como as insulinas NPH e regular no caso de diabetes mellitus, por exemplo. Já mencionamos que o parecer do NAT informa sempre se o medicamento é indicado para a doença do requerente, em seguida, informa se está ou não incorporado ao SUS e a outros elementos relevantes. A maior parte dos pareceres do NAT recomendando o medicamento sem referir base em evidência científica encontra-se, entre os processos estudados, no grupo de doenças endócrino-metabólicas – 69,1%; seguidas pelo grupo de doenças neuropsiquiátricas – 66,7%; doenças oftalmológicas – 66,7%; doenças respiratórias – 63,6%; doenças renais e complicações – 53,1%; doenças imunológicas e inflamatórias – 44,12%. No grupo 'doenças e complicações obstétricas', a recomendação se deu com base em evidência em 100% dos casos. No grupo das neoplasias, o percentual foi de 66,7% (Tabela 5).

Tabela 5
Classificação da recomendação do NAT em relação aos grupos de doenças nos processos do Jefaz/RJ (2012-2018)

Discussões

As decisões e sentenças analisadas indicam que os pedidos de medicamento são deferidos, na grande maioria das vezes, sem análise da recomendação do NAT com relação à evidência científica do medicamento. Esse padrão de decisão jurisdicional, sem prévia apreciação dos elementos técnicos envolvidos, é objeto de crítica frequente na literatura especializada, afetando o ciclo da AF e o orçamento público na área da saúde.

Na prática judicial, a concessão de liminar é regra; e a prova necessária e suficiente de que o autor precisa do medicamento requerido é a prescrição de um médico uma vez que, para os juízes, cabe ao médico apontar as necessidades do paciente55 Catanheide ID, Lisboa ES, Souza LEPF. Características da judicialização do acesso a medicamentos no Brasil: uma revisão sistemática. Physis (Rio J.). 2016; 26(4):1335-1356.. O ponto que parece ser o de maior peso nas decisões é a indicação do medicamento para a doença, ainda que não haja comprovação do autor ter feito uso anterior dos medicamentos fornecidos pelo SUS22 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 20 Set 1990. [acesso em 2019 jan 10]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm.
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.

Quanto à fundamentação técnica da decisão liminar e da sentença, este estudo corrobora achados de outros estudos, indicando que, ao fundamentar a sentença e a decisão que antecipa a tutela, o magistrado, na grande maioria das vezes, usa o laudo médico como justificativa principal para sua decisão, seguida do receituário médico. Embora obrigatória a consulta ao NAT, o parecer técnico foi utilizado como fundamentação em apenas 22,2% dos casos, resultado semelhante ao encontrado na revisão feita por Catanheide et al.33 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Termo de referência: grupo de trabalho em promoção de medicamentos: proposta para o plano de trabalho 2008 -2009. Rede PANDRH [internet]. [S.l.]: ANVISA; 2008. [acesso em 2018 nov 10]. Disponível em: http://new.paho.org/hq/dmdocuments/2009/GT_PMTReferencia.pdf.
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sobre ações judiciais de 2011 a 2014 quando verificaram que, em mais de 90% dos casos, o único documento adicional à prescrição do medicamento juntado no processo era o relatório médico.

Os resultados obtidos confirmaram que a maioria dos pedidos (56,3%) de medicamento em juízo na Jefaz são em razão da sua não incorporação na lista do SUS22 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 20 Set 1990. [acesso em 2019 jan 10]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm.
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. Todos os pedidos foram feitos em ações individuais; e, ao considerarmos que outros pacientes têm a mesma doença e maior dificuldade de acesso ao judiciário, julgamos que um maior número de doentes poderia se beneficiar de ação coletiva capaz de levar à incorporação do medicamento ao SUS22 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 20 Set 1990. [acesso em 2019 jan 10]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm.
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. Com referência à judicialização individual das doenças crônicas para obtenção de medicamentos não incorporados em detrimento de ações coletivas, D'Espindula66 D'Espíndula TCAS. Judicialização da medicina no acesso a medicamentos: reflexões bioéticas. Rev bioét (Impr.). 2013; 21(3):438-447. aponta que portadores de doenças crônicas, em geral, ajuízam individualmente ações para obter seus medicamentos. O autor refere-se ainda à forte influência da indústria farmacêutica na classe médica e o pouco conhecimento acerca de diversos aspectos dos medicamentos dispensados pela AF do SUS. Tal desconhecimento talvez seja uma das causas do percentual expressivo de 22,5% de medicamentos que, embora incorporados, não tiveram a dispensação administrativa deferida em razão do médico prescritor ter requerido seu uso fora dos PCDT do SUS. Como exemplo, os pedidos de medicamentos como a enoxaparina sódica (Clexane ou Versa) em diferentes dosagens, fármaco que, segundo o PCDT do SUS, somente poderia ser dispensado durante internações hospitalares ou em atendimento em clínicas, vedando-se o uso ambulatorial requerido pela parte. Observou-se, ainda, requerimentos de fármacos incorporados feitos em razão da sua falta na rede pública (8,4%), indicando problemas na gestão da AF ou orçamentários, nos últimos anos, sobretudo, em razão da crise que atingiu o estado do Rio de Janeiro.

Para Travassos et al.77 Travassos DV, Ferreira RC, Vargas AMD, et al. Judicialização da Saúde: um estudo de caso de três tribunais brasileiros. Ciênc. Saúde Colet. 2013; 18(11):3419-3429., o dilema é semelhante ao posto aos juízes, no sentido do embate entre o direito individual do requerente a um tratamento ou medicamento e as necessidades de toda a população. Assim, para o magistrado, constituiria um equívoco considerar o não fornecimento de determinado serviço a um indivíduo como aplicação do direito à saúde, ao considerar que as leis enfatizam o direito individual à saúde, levando ao questionamento de como avaliar o direito de um indivíduo em relação ao do outro. Ou ainda, impõe-se um conflito de direitos, considerando-se que a quase totalidade das ações judiciais na área de saúde são individuais e que o indeferimento poderia acarretar o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de bens essenciais, como a vida, a integridade física e a dignidade da pessoa humana.

Quanto ao número expressivo de laudos particulares, acreditamos que poderia indicar que a parte requereu o medicamento para uso fora da rede do SUS, o que corroboraria o observado por Medeiros et al.88 Medeiros MM, Diniz D, Schwartz IVD. A tese da judicialização da saúde pelas elites: os medicamentos para mucopolissacaridose. Ciênc. Saúde Colet. 2013; 18(4):1089-1098., que afirmam que há um 'público misto' capaz de custear consultas e eventuais exames na rede particular, mas que se vale do SUS para obtenção de medicamentos de maior custo, afetando a justiça distributiva do sistema da saúde. Os pedidos de enoxaparina sódica, por exemplo, deram-se, em sua totalidade, por meio de laudos de médicos particulares.

Os medicamentos mais demandados inicialmente não estavam incorporados à Rename99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME 2018 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2019 fev 1]. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/dezembro/07/Rename-2018-Novembro.pdf.
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. No sistema público, por exemplo, somente são oferecidas as insulinas regular e NPH. As insulinas análogas de ação prolongada (glargina, detemir e degludeca) foram submetidas à análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS1010 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Adalimumabe, etanercepte, infliximabe, secuquinumabe e ustequinumabe para psoríase moderada a grave: relatório de recomendação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. (Conitec), em 6 de dezembro de 2018, que recomendou a não incorporação da referida tecnologia no SUS para o tratamento da diabetes mellitus tipo I. Já as insulinas análogas de ação rápida (asparte, lispro e glulisina) foram incorporadas ao SUS em fevereiro de 2017, o que pode indicar pressão da indústria farmacêutica para a incorporação da tecnologia, já que, em setembro de 2016, a Conitec1010 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Adalimumabe, etanercepte, infliximabe, secuquinumabe e ustequinumabe para psoríase moderada a grave: relatório de recomendação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. opinou contrariamente à incorporação, recomendando que a matéria fosse enviada à consulta pública.

O cloridrato de cinacalcete (Mimpara), indicado para o tratamento do hiperparatireoidismo secundário à doença renal de pacientes em diálise e refratários à terapia convencional, foi avaliado pela Conitec1010 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Adalimumabe, etanercepte, infliximabe, secuquinumabe e ustequinumabe para psoríase moderada a grave: relatório de recomendação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. e, em 15 de outubro de 2015, recomendado para incorporação na Rename99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME 2018 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2019 fev 1]. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/dezembro/07/Rename-2018-Novembro.pdf.
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. Muitos pedidos se deram em razão da não disponibilidade do medicamento após a incorporação, com demora na disponibilização pela rede pública.

A Conitec1010 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Adalimumabe, etanercepte, infliximabe, secuquinumabe e ustequinumabe para psoríase moderada a grave: relatório de recomendação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018., no dia 9 de maio de 2018, recomendou a incorporação no SUS de adalimumabe como primeira linha de tratamento biológico após falha da terapia padrão e secuquinumabe como segunda linha de tratamento biológico após falha do adalimumabe no tratamento da psoríase moderada a grave, já estando incorporado para tratamento de outras síndromes, como artrite reumatoide, desde junho de 2012.

O ranibizumabe foi avaliado pela Conitec1010 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Adalimumabe, etanercepte, infliximabe, secuquinumabe e ustequinumabe para psoríase moderada a grave: relatório de recomendação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. em outubro de 2015, concluindo-se que era eficaz e seguro, mas se equiparava em eficácia e segurança ao bevacizumabe, que teve a incorporação recomendada em razão da relação custo-efetividade no tratamento do edema macular diabético. Como o medicamento consta na Rename99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME 2018 [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2019 fev 1]. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/dezembro/07/Rename-2018-Novembro.pdf.
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para tratamento de outras doenças, os requerimentos caracterizavam uso fora dos PCDT, havendo informação nos pareceres do NAT em 2018 de que a Conitec faria nova avaliação.

Embora as cortes superiores e o CNJ já apontem na direção de uma maior ponderação e avaliação mais qualificada dos pedidos na área de saúde, observando-se requisitos padronizados e com maior rigor científico por parte dos magistrados, pelo menos desde 2010 com a Recomendação nº 31 do CNJ1111 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde [internet]. Diário de Justiça Eletrônico CNJ. 30 Mar 2010. [acesso em 2019 mar 18]. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=877.
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, ainda se percebia forte resistência dos magistrados em analisar mais detidamente o Parecer do NAT e requerer maiores subsídios técnicos para prolatar a decisão, ao menos antes do julgamento do tema 106 do STJ de 2018.

Observe-se que embora o Enunciado nº 5 do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ estabelecesse que se deveria evitar o processamento de ações que requeressem medicamentos não registrados pela Anvisa33 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Termo de referência: grupo de trabalho em promoção de medicamentos: proposta para o plano de trabalho 2008 -2009. Rede PANDRH [internet]. [S.l.]: ANVISA; 2008. [acesso em 2018 nov 10]. Disponível em: http://new.paho.org/hq/dmdocuments/2009/GT_PMTReferencia.pdf.
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, off label e experimentais1212 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Enunciados da I, II E III Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça [internet]. [Brasília, DF]: CNJ, 2019. [acesso em 2019 mar 18]. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/03/fa749133d8cfa251373f867f32fbb713.pdf.
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, o referido Enunciado foi revogado em 18 de março de 2019.

Na capital do estado, a partir da implantação da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde (CRLS) em 2014, muitos requerimentos de medicamentos passaram a ser deferidos sem a intervenção do judiciário. Entretanto, pedidos de medicamentos fora dos PCDT do SUS, ou ainda não incorporados, mesmo assim necessitam de ordem judicial para sua obtenção.

Não há como negar a forte pressão para incorporação no SUS de novas tecnologias e medicamentos, e que um dos instrumentos vem sendo a judicialização, que talvez pudesse ser minimizada com maior discussão e transparência sobre as deliberações das políticas de saúde pública, inclusive com reforma do currículo das carreiras médicas para que passem a dar atenção ao funcionamento do SUS, que deveria ser o sistema privilegiado. A maioria dos magistrados e dos profissionais da área médica parecem desconhecer o propósito coletivo do SUS.

O TJRJ e o CNJ têm envidado esforços para diminuir a judicialização da saúde com a criação de mecanismos administrativos prévios, como a CRLS em saúde e com a promoção de audiências públicas sobre o tema.

Com a crise financeira que atingiu o País, uma nova perspectiva deve se abrir ao tema no sentido de questionar se a parte demonstrou a não adequação dos PCDT existentes, tendo em vista que grande número de ajuizamento são de medicamentos para doenças crônicas, cujo uso se dará por tempo indeterminado, não havendo informação acerca do uso anterior dos PCDT do SUS, demonstrando que a maioria dos médicos, mesmo os do serviço público, não têm conhecimento das listas de medicamentos e tecnologias ou dos PCDT do SUS.

A análise foi feita antes do julgamento do Tema 106 do STJ (RESP. RG 1.657.156/RJ do STJ), que irá impactar as decisões no sentido de maior questionamento; e espera-se de acatamento das evidências científicas demonstradas, bem como maior rigor na prolação de decisões.

Por fim, é proposto um fluxograma decisório baseado no Tema 106 do STJ que seguiria os passos seguintes: o pedido inicial do medicamento tem laudo médico fundamentado e circunstanciado da imprescindibilidade do uso pelo paciente e da não adaptação pelo paciente dos PCDT do SUS. Se sim, cabe julgar se a parte tem capacidade financeira de adquirir o medicamento solicitado. Se não, cabe decisão requerendo adequação do laudo médico. Em havendo hipossuficiência financeira da parte, recorrer ao parecer do NAT visando à confirmação do registro do medicamento na Anvisa e da concordância entre a indicação clínica e o laudo médico. Em caso afirmativo, o pedido é julgado procedente e deferido. Em caso negativo, o pedido é julgado improcedente conforme art. 927, II do CPC – Tema 106 STJ. A partir do julgamento do tema 106 do STJ, não se pode mais ignorar a necessidade de observar as evidências científicas de eficácia e relação custo e risco/benefício dos medicamentos pleiteados, cabendo sempre fazer valer prioritariamente a escolha do administrador público, isto é, o uso do PCDT escolhido pelo SUS com base em critérios técnicos e científicos.

Considerações finais

Os juízes basicamente fundamentam as sentenças procedentes com argumento constitucional do art. 196 da CF, de que a saúde é direito de todos e dever do Estado (94,6% dos casos), e pelo art. 6º da Lei nº 8.080/90 que afirma a assistência terapêutica e farmacêutica integral do maior parte das sentenças afasta as teses de mérito das fazendas públicas, embora sem maiores fundamentações (65,2%), utilizando-se ainda de jurisprudências do TJRJ, do STJ e do STF como fundamento (85,5%) da solidariedade entre os entes e integralidade do direito à saúde, além do argumento técnico.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2019
  • Aceito
    15 Out 2019
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