Uso de ferramentas de gestão na micropolítica do trabalho em saúde: um relato de experiência

RESUMO

Ao longo dos anos, o Ministério da Saúde vem implementando políticas de incentivo para qualificar a gestão, revendo processos de trabalho e estruturando as redes de atenção à saúde, para a melhoria da assistência na atenção básica. O objetivo deste estudo foi apresentar relato dos alunos do Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado sobre o uso das ferramentas de gestão, na micropolítica do trabalho em saúde. É um relato de experiência da primeira edição do referido curso no estado de Goiás e no Distrito Federal. Foi realizado o agrupamento dos conteúdos apresentados nas 25 narrativas reflexivas de acordo com os temas das Unidades de Aprendizagem e as ferramentas praticadas (Processo Circular, Fluxograma Descritor, Gestão de Materiais e temas da Rede, Linha de Cuidado, Projeto Terapêutico Singular, Regulação e Planejamento em Saúde). Identificou-se nas narrativas que as ferramentas mais trabalhadas e que demonstraram resultados potentes para os processos de gestão das Unidades Básicas de Saúde foram Processo Circular, seguido do Projeto Terapêutico Singular e Fluxograma Descritor. Concluiu-se que todas ferramentas ofertadas pelo curso têm condição de serem colocadas em prática, contribuindo para o processo de trabalho e qualificação do cuidado.

PALAVRAS-CHAVE
Gestão em saúde; Serviços de saúde; Atenção Primária à Saúde

Introdução

O processo de trabalho em saúde é permeado por diferentes nuances, como tomada de decisões, dificuldades, conflitos, interesses, imprevistos e encontros, que carregam entre si as características do território e as relações interpessoais dos profissionais e usuários. Os encontros perpassam pela relação entre usuário-trabalhador, entre equipes, trabalhadores e gestão, em que todos carregam diferente saberes, anseios e experiências, porém, com o objetivo comum que é a obtenção de um cuidado qualificado.

Feuerwerker11 Feuerwerker LCM. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação [internet]. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. (Coleção Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde). [acesso em 2019 set 18]. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/humanizacao/biblioteca/dissertacoes-e-teses/micropolitica_e_saude_laura_camargo.pdf.
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descreve a dinâmica da micropolítica no trabalho em saúde e como é a atuação e a produção dos profissionais no cotidiano das práticas de saúde. Para a autora,

Os serviços de saúde, então, são uma arena em que diversos atores, que se produzem micropoliticamente e têm intencionalidades em suas ações, disputam o sentido geral do trabalho. Atuam fazendo uma mistura, nem sempre evidente, entre seus territórios privados de ação e o processo público de trabalho. O cotidiano, portanto, tem múltiplas faces e está em permanente produção11 Feuerwerker LCM. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação [internet]. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. (Coleção Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde). [acesso em 2019 set 18]. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/humanizacao/biblioteca/dissertacoes-e-teses/micropolitica_e_saude_laura_camargo.pdf.
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(67).

Muitas são as ferramentas disponíveis que podem ser utilizadas para melhorar o processo de trabalho e produzir um cuidado qualificado na atenção à saúde. Há diferentes ferramentas que contribuem para a análise do processo de trabalho, proporcionando aos gestores a identificação de nós críticos na produção do cuidado e favorecendo o planejamento de intervenções para a solução dos problemas, bem como a mediação de conflitos11 Feuerwerker LCM. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação [internet]. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. (Coleção Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde). [acesso em 2019 set 18]. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/humanizacao/biblioteca/dissertacoes-e-teses/micropolitica_e_saude_laura_camargo.pdf.
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. Essas ferramentas podem ser classificadas em: organizadoras do processo de trabalho (por exemplo: gestão compartilhada, fluxograma descritor e mapas analíticos) e mediadoras de conflitos entre a equipe e entre profissionais e usuários (por exemplo: chuvas de ideias, e matriz de análise de conflitos)22 Pessôa LR. Manual do Gerente: desafios da média gerência na saúde. Processo de trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011..

Esforços têm sido dispendidos pelo Ministério da Saúde ao longo dos anos, que vem propondo políticas de incentivo para a qualificação do profissional e da gestão. Nesse sentido, no ano de 2016, foi disponibilizada a primeira edição do Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado, vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF). O curso foi realizado em cooperação com o Departamento da Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS) e ofertado para todos os municípios brasileiros.

O propósito do referido Curso, na modalidade semipresencial, foi apoiar a formação de gerentes de Unidades Básicas de Saúde (UBS), aprimorando o processo de trabalho das equipes e contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços na atenção básica apoiado na perspectiva da micropolítica, do predomínio das tecnologias leves e no fortalecimento da organização das redes de saúde33 Brasil. Ministério da Educação. Universidade Federal Fluminense. Edital do Processo Seletivo de tutores para o curso de aperfeiçoamento Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Rio de Janeiro; 27 de junho de 2016. [acesso em 2019 dez 20]. Disponível em: http://www.cead.uff.br/site/2019/09/17/curso-de-gerencia-de-unidades-basicas-de-saude-gestao-da-clinica-e-do-cuidado-processo-seletivo-tutores/.
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Esse curso teve como objetivo valorizar o cotidiano do gerente de unidade básica e seus desafios na condução do serviço e na oferta do cuidado, de forma a responder às reais necessidades de saúde da população33 Brasil. Ministério da Educação. Universidade Federal Fluminense. Edital do Processo Seletivo de tutores para o curso de aperfeiçoamento Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Rio de Janeiro; 27 de junho de 2016. [acesso em 2019 dez 20]. Disponível em: http://www.cead.uff.br/site/2019/09/17/curso-de-gerencia-de-unidades-basicas-de-saude-gestao-da-clinica-e-do-cuidado-processo-seletivo-tutores/.
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. Ofertado para diversas regiões do País, em que uma das regiões contempladas foi a de Goiás/Distrito Federal.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é apresentar o relato dos alunos do Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado, realizado no estado de Goiás e no Distrito Federal, sobre o uso das ferramentas de gestão, propostas no curso, na micropolítica do trabalho em saúde.

Material e métodos

O estudo configura-se como um relato de experiência baseado na avaliação das narrativas reflexivas elaboradas pelos alunos da primeira edição do Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado, financiado pelo Ministério da Saúde, realizado no estado de Goiás e no Distrito Federal, no período de novembro de 2016 a maio de 2017.

Esse curso teve como público-alvo 25 profissionais de nível superior na área da saúde, que atuavam na atenção básica, na função de gerência da clínica e do cuidado em saúde33 Brasil. Ministério da Educação. Universidade Federal Fluminense. Edital do Processo Seletivo de tutores para o curso de aperfeiçoamento Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Rio de Janeiro; 27 de junho de 2016. [acesso em 2019 dez 20]. Disponível em: http://www.cead.uff.br/site/2019/09/17/curso-de-gerencia-de-unidades-basicas-de-saude-gestao-da-clinica-e-do-cuidado-processo-seletivo-tutores/.
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Realizado na modalidade semipresencial, teve carga horária total de 180 horas, sendo 48 horas presenciais, divididas em três encontros ao longo da sua duração (seis meses), e as demais horas a distância no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). A proposta pedagógica foi a problematização, a qual leva o aluno a refletir sobre o seu processo de trabalho com intuito de estabelecer estratégias para melhoria da qualidade da assistência e do cuidado33 Brasil. Ministério da Educação. Universidade Federal Fluminense. Edital do Processo Seletivo de tutores para o curso de aperfeiçoamento Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Rio de Janeiro; 27 de junho de 2016. [acesso em 2019 dez 20]. Disponível em: http://www.cead.uff.br/site/2019/09/17/curso-de-gerencia-de-unidades-basicas-de-saude-gestao-da-clinica-e-do-cuidado-processo-seletivo-tutores/.
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Organizado em três Unidades de Aprendizagem (UA), em cada uma delas foi trabalhada uma macrocompetência e ofertadas diferentes ferramentas de trabalho44 Abrahão AL. Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Niterói: CEAD-UFF; 2016..

As UA com a sua correspondente macrocompetência e ferramentas4 estão relacionadas no quadro 1.

Quadro 1
Macrocompetência da gestão e suas ferramentas

O processo avaliativo do aluno constituiu-se da participação nos fóruns virtuais disponíveis em cada UA, bem como do envio, no AVA, do relato da aplicação das quatro ferramentas no processo de trabalho (Fluxograma Descritor, Processo Circular, Planilha de Gerenciamento de insumos e Projeto Terapêutico Singular) e da narrativa reflexiva. Dessa forma, as ferramentas, além subsidiar a avaliação, também foram propostas no processo formativo para potencializar as ações do gerente nas referidas macrocompetências e no seu cotidiano de trabalho.

A narrativa reflexiva constituiu-se como a quinta e última atividade avaliativa, e a proposta foi de que ela fosse elaborada individualmente, postada na plataforma e socializada no terceiro encontro presencial. Na elaboração da narrativa, cada aluno devia registrar o aprendizado significativo durante o curso, a experimentação das ferramentas ou conteúdo ofertado, as decisões tomadas, as possibilidades ou dificuldades vivenciadas e as possíveis mudanças ocorridas no trabalho após esse caminhar no processo formativo.

O intuito era que cada aluno selecionasse e narrasse sobre uma ferramenta ou tema vivenciado, incluindo o Processo Circular, o Fluxograma Descritor, a Gestão de Materiais e os temas da Rede, Linha de Cuidado, Projeto Terapêutico Singular, Regulação e Planejamento em Saúde. Portanto, essa narrativa tratava-se de um relato livre, individual e reflexivo de cada aluno, que discorria sobre a trajetória profissional, escolha do curso, uso da plataforma e a percepção sobre os conteúdos apreendidos no seu processo de formação em cada UA ou as experimentações das ferramentas propostas e aplicadas no seu cotidiano do trabalho.

Inicialmente, para apresentação da narrativa, foi solicitado que cada aluno selecionasse previamente três frases descritas na narrativa que foram significativas no processo de ensino-aprendizagem. No encontro presencial, os alunos leram as frases, explicando sobre o que elas representavam para sua vivência, e os demais alunos dialogavam a sua perspectiva sobre elas.

Para produção deste relato de experiência, foi realizado o agrupamento dos conteúdos apresentados nas 25 narrativas reflexivas de acordo com os temas das UA e as ferramentas praticadas (Processo Circular, o Fluxograma Descritor, a Gestão de Materiais e os temas da Rede, Linha de Cuidado, Projeto Terapêutico Singular, Regulação e Planejamento em Saúde).

O estudo não foi submetido ao Comitê de Ética por se tratar de um relato de experiência, e a identidade dos participantes foi preservada. Para garantir essa privacidade, cada aluno foi codificado com a letra A, seguida de um número de ordem de apresentação no texto.

Resultados e discussão

As narrativas apresentadas possibilitaram identificar a potência das ferramentas ofertadas na organização do trabalho e, consequentemente, na qualificação do cuidado.

Nas narrativas, predominou o relato sobre o Processo Circular (PC) (66%), seguido do Projeto Terapêutico Singular (PTS) (18%), Fluxograma Descritor (8%), Gestão Compartilhada (GC) (4%) e Gestão de Materiais (GM) (4%).

O PC, também denominado Círculo de Construção de Paz, é considerado uma ferramenta para o diálogo na construção da grupalidade. Este tem origem em povos da América e da Nova Zelândia e tem sido utilizado na Justiça Restaurativa, pois favorece o diálogo, promove a autonomia dos participantes e o empoderamento do grupo. Há vários tipos de Círculos de Construção de Paz, denominados conforme propósitos e motivações, tais como círculo para: avaliação, integração, apoio e comemoração55 Pranis K. Processos Circulares: teoria e prática. São Paulo: Palas Athenas; 2010. (Série Da reflexão à ação)..

Nas narrativas, foi mencionado, por exemplo, que o PC favorece o empoderamento da equipe para organizar o processo de trabalho, a horizontalidade, a escuta e contribui para o trabalho e o pertencimento ao grupo.

A potência dessa ferramenta para empoderar a equipe e a sua capacidade de promover mudanças é verificada nos seguintes relatos:

Os círculos de celebração levam ao empoderamento da equipe, gera horizontalidade nas relações, melhora o senso de pertencimento ao grupo e é uma poderosa ferramenta para o diálogo. (A1).

O PC é um instrumento que promove escuta e reflexão para gestão compartilhada e mediação de conflito. A experiência ao realizar a roda me despertou a escuta qualificada, que envolve empatia com o colega de trabalho. Outro ganho com este instrumento foi a reflexão de que se quisermos promover mudanças, cabe ao gestor ter a sensibilidade de ouvir e empoderar os seus colaboradores para atuarem no processo de mudança. (A2).

A possibilidade de expressão de todos foi manifestada nos relatos pelos alunos:

A experiência mostrou-se muito eficaz para participação de pessoas tímidas, permitiu a expressão de todos, gerou inclusão e possibilitou aos que costumavam dominar os espaços coletivos, aprender a ouvir e respeitar as demais opiniões. (A3).

O PC é uma ferramenta utilizada para organizar uma reunião seja ela conflituosa ou não, pode ser utilizada em vários momentos no processo de trabalho, aconselhamento, no acolhimento ao usuário etc. Foi uma experiência única. Esse processo veio aprimorar minha escuta, até mesmo a falar e a colocar em prática minhas funções com mais segurança. (A4).

O sentimento de pertencimento ao grupo por meio do PC foi observado, conforme segue:

[...]. Todos participaram e sentiram pertencer à equipe, pois eles puderam dar a sua opinião. No final aconteceu um momento de integração e interação da equipe. Foi um momento produtivo para todos os profissionais, pois até o presente momento não havia participado de tal experiência no local de trabalho. Todos se sentiram importantes em contribuir para o bom funcionamento da unidade. Todos relataram que o processo fortalece vínculos com a equipe e respeito à individualidade de cada um. (A4).

O PC permitiu dialogar sobre questões conflituosas, e o resultado obtido foi muito rico e potente. Este permitiu mediar a relação interpessoal e potencializou a reunião de equipe. Foi citado também que essa ferramenta favorece o convívio com opiniões diferentes, trabalha a escuta e propicia o surgimento de novas ideias. Além disso, é importante no planejamento participativo, na identificação de propostas de soluções para os problemas. Este registro exemplifica essa condição:

Entende-se que essa ferramenta pode nortear e facilitar o planejamento dos processos de trabalhos nas gerências de serviços e estimular a gestão participativa na Unidade Básica de Saúde. (A5).

A experimentação do PC também possibilitou à equipe pensar sobre a situação discutida e foi de extrema importância para a solução de conflitos, com resultados positivos e sem complicações. O seu impacto no trabalho pode ser evidenciado no seguinte relato:

Usamos a ferramenta Processo Circular em todas as reuniões com as equipes para acalmar possíveis desacordos ou discórdias e resolução de conflitos ou problemas, para discutir a responsabilidade coletiva, entre outros. (A6).

Ainda sobre a utilização da ferramenta na prática da gestão e da vida: “o processo circular aproxima o gestor do servidor e nos ensina a ouvir e respeitar. Vou levar o processo circular para minha vida”. (A7).

Em outro relato, verificou-se que:

o uso da ferramenta - processo circular - manteve os gerentes muito mais próximos, organizou os encontros e nos estimulou a implementá-lo na rotina dos serviços, trazendo um impacto positivo. (A6).

A possibilidade de incorporação do PC no dia a dia do trabalho da gestão foi mencionada também no relato a seguir:

A proposta para o futuro é manter essa ferramenta [PC] nas principais reuniões de equipe. Sugiro a utilização desta ferramenta por todos os gestores devido a sua capacidade de adaptação a diferentes grupos e seu efeito benéfico no funcionamento de organização do serviço prestado. (A8).

Diante de todos os relatos sobre o PC, observa-se que os conflitos tiveram um aspecto positivo, pois este foi gerenciado como uma oportunidade de diálogo, aprendizagem e restabelecimento das relações entre o grupo44 Abrahão AL. Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado. Niterói: CEAD-UFF; 2016..

A segunda ferramenta mais citada, o PTS possibilitou, de acordo com os alunos, a inclusão da família e do usuário no processo do cuidado. É um instrumento de qualificação do cuidado, proporciona o envolvimento de todos da equipe, bem como a responsabilidade do usuário.

Um dos depoimentos sobre o PTS relata o sentimento de pertencimento, humanização no atendimento e a qualificação da atenção:

Realizar o trabalho em equipe soma na troca de conhecimento e promove uma assistência mais qualificada e assertiva. Realizar o PTS com a equipe despertou em mim, como profissional, o sentimento de pertencimento, cooperatividade, empoderamento nas tomadas de decisões. O trabalho interdisciplinar traz uma perspectiva de um atendimento mais humanizado e holístico. (A2).

Também foi mencionado que o PTS é importante e organiza o serviço, além de contribuir para que a equipe multidisciplinar conheça o caso; e ficou claro o papel de cada profissional dentro do processo. Porém, relata que infelizmente o PTS acontece somente em casos mais complexos, pois fazê-lo demanda disposição e tempo da equipe e, às vezes, esse movimento não é possível.

O PTS é utilizado para análise e planejamento de ações de situações mais complexas, podendo ser utilizado para discussão e responsabilização pelas ações22 Pessôa LR. Manual do Gerente: desafios da média gerência na saúde. Processo de trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011.. Assim, o ele é considerado uma ferramenta para disparar processos de mudanças nas práticas de saúde, trata-se de uma abordagem centrada na pessoa e é construído coletivamente66 Cunha GTA. A construção da clínica ampliada na atenção básica [dissertação] [internet]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2004. 24 p. [acesso em 2019 fev 18]. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/312384/1/Cunha_GustavoTenorio_M.pdf.
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,77 Oliveira GNO. O Projeto terapêutico como contribuição para a mudança das práticas de saúde [dissertação] [internet]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007. 203 p. [acesso em 2019 fev 18]. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000409274.
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. A construção do PTS pode ser dividida dos seguintes momentos: diagnóstico, definição de metas, divisão de responsabilidades e reavaliação77 Oliveira GNO. O Projeto terapêutico como contribuição para a mudança das práticas de saúde [dissertação] [internet]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007. 203 p. [acesso em 2019 fev 18]. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000409274.
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.

Em seguida, aparece, nos relatos, o Fluxograma Descritor, que foi citado como um organizador do processo de trabalho tendo o foco no usuário.

O Fluxograma Descritor consiste na representação gráfica do processo de trabalho, com intuito de descrever o itinerário terapêutico do usuário para o acesso a assistência conforme fluxos estabelecidos pelos serviços de saúde88 Franco TB, Merhy EE. O uso das ferramentas analisadoras para apoio ao planejamento dos serviços de saúde: o caso do serviço social do Hospital das Clínicas da Unicamp [internet]. São Paulo: Hucitec; 2003 [acesso em 2019 fev 20]. Disponível em: http://docplayer.com.br/23369168-O-uso-de-ferramentas-analisadoras-dos-servicos-de-saude-o-caso-do-servico-social-do-hospital-das-clinicas-da-unicamp-campinas-sp.html.
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. Nele, percebem-se todas as etapas do processo de trabalho, como elas estão organizadas e possibilita identificar os nós críticos, isto é, o que precisa ser melhorado ou resolvido na organização das práticas assistenciais. Dessa forma, o Fluxograma permite detectar os problemas que os usuários enfrentam para alcançar o acesso à saúde88 Franco TB, Merhy EE. O uso das ferramentas analisadoras para apoio ao planejamento dos serviços de saúde: o caso do serviço social do Hospital das Clínicas da Unicamp [internet]. São Paulo: Hucitec; 2003 [acesso em 2019 fev 20]. Disponível em: http://docplayer.com.br/23369168-O-uso-de-ferramentas-analisadoras-dos-servicos-de-saude-o-caso-do-servico-social-do-hospital-das-clinicas-da-unicamp-campinas-sp.html.
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Uma das experiências referidas foi sobre o fluxograma para o acolhimento. Mencionaram que ele permitiu ao trabalhador se colocar no lugar do usuário, contribuiu para visualizar o fluxo de atendimento do usuário e identificar os nós críticos a serem analisados pela equipe, constituindo-se em uma ferramenta importante para o planejamento das ações. Foi relatado que:

[...] realizar a confecção do fluxograma descritor trouxe um conhecimento mais próximo da realidade. Percebo que muitos processos de trabalho são realizados sem a discussão dos reais ‘nós’. O que me acrescentou foi, através da gestão compartilhada, apontar os problemas e junto com a equipe buscar caminhos que sejam viáveis dentro da realidade e atribuições de todos da equipe. (A2).

A potência do Fluxograma Descritor na organização dos serviços é identificada na reflexão a seguir:

Testei todas as ferramentas estudadas, algumas impactaram mais nos serviços da UBS, tais como o Fluxograma Descritor, pois eu havia recém assumido a gestão e me possibilitou conhecer a realidade dos serviços ofertados e de posse dessas informações pude intervir e propor melhorias no processo de trabalho. Permitiu uma reflexão coletiva das equipes e mudança de fluxos para melhorar o acesso da população aos serviços. (A9).

O relato emocionante de uma das alunas traz a importância do curso para sua atuação profissional e das ferramentas vivenciadas.

Quero aqui registrar dois momentos que foram primordiais para minha formação profissional no tocante ao curso. Cresci muito como gestora e pude levar a teoria para a prática. Primeiro, realizar o Fluxograma Descritor foi um desafio tanto para mim e como para equipe, pois conhecia a ferramenta, mas não havia colocado em prática. Com ela vivenciamos a realidade do nosso usuário, sua dificuldade no trajeto dentro da unidade, visualizarmos essas dificuldades, ou seja, os nós críticos e tentar de alguma maneira solucionar os mesmos... Acredito que com esta ferramenta nosso processo de trabalho fluirá melhor, será organizado e evitará futuras reclamações por parte do usuário, promovendo com isto atendimento com qualidade em todos os aspectos. (A4).

A discussão dos fluxogramas viabilizou a mudança de comportamento e de rotinas existentes na unidade para melhor atender o usuário e buscar solução para os nós críticos, aumentar a resolutividade e a efetividade do serviço prestado.

Uma narrativa sobre a gestão de insumos também foi apresentada. Nela, foi mencionado que essa oferta conceitual contribuiu para a organização do ambiente de forma satisfatória.

Na narrativa da GC, foi mencionado que ela contribuiu para o papel de coordenação de equipes, para o planejamento e para a tomada de decisão compartilhada.

É importante destacar que a Comunicação Não Violenta (CNV) também foi apresentada como um instrumento importante para o cotidiano do gestor, e foi mencionado por um aluno que, após o aprendizado teórico, tem utilizado a CNV no trabalho.

Estudar a Comunicação Não Violenta (CNV) me fez entender o que são e quais existem. Ao tomar conhecimento do conteúdo, percebi que já aplicava no dia a dia da unidade, mas sem de fato ter conhecimento de tais abordagens. Principalmente a escuta empática, a qual deve ser mais comum, pelo menos no dia a dia do meu serviço. Frequentemente os profissionais chegam até você para compartilhar situações que ele precisa resolver. (A3).

A CNV é uma ferramenta que favorece a escuta, provoca o respeito e a empatia, além disso, o desejo de ajudar o outro. Assim, a CNV é uma abordagem que ajuda a nos aproximar uns dos outros, possibilitando que o sentimento de compaixão aconteça99 Rosemberg MB. Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais [internet]. São Paulo: Ágora; 2006. [acesso em 2019 fev 15]. Disponível em: https://pt.slideshare.net/katafrakta/comunicao-no-violenta-marshall-b-rosenberg.
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Há diferentes situações em que se utiliza a CNV, como nas interações com consigo mesmo, com o outro ou com a equipe77 Oliveira GNO. O Projeto terapêutico como contribuição para a mudança das práticas de saúde [dissertação] [internet]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007. 203 p. [acesso em 2019 fev 18]. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000409274.
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. Portanto, essa abordagem pode ser utilizada em situações, como: relacionamentos íntimos, famílias, escolas, organizações e instituições, terapia e aconselhamento, negociação diplomáticas e comerciais, ou disputas e conflitos de toda natureza99 Rosemberg MB. Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais [internet]. São Paulo: Ágora; 2006. [acesso em 2019 fev 15]. Disponível em: https://pt.slideshare.net/katafrakta/comunicao-no-violenta-marshall-b-rosenberg.
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Na prática, verifica-se que a CNV é utilizada para responder compassivamente a si mesmo, ou fortalecer as relações pessoais, ou gerar relacionamento eficaz no trabalho ou na política. Porém, frequentemente essa comunicação é utilizada para mediar conflitos e disputas77 Oliveira GNO. O Projeto terapêutico como contribuição para a mudança das práticas de saúde [dissertação] [internet]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007. 203 p. [acesso em 2019 fev 18]. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000409274.
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. No relato apresentado pelo aluno sobre a CNV, observou-se que esta foi empregada para mediar conflitos e estabelecer relações mais eficazes no ambiente de trabalho.

De maneira geral, os alunos consideraram que as ferramentas ofertadas pelo curso são ricas e de fácil implementação, “o curso materializou o que se ouvia falar” (A10). Segundo eles, as ferramentas apresentadas foram bem simples, mas, só de serem aplicadas, fizeram uma grande diferença no dia a dia dos profissionais envolvidos e, consequentemente, na melhoria do ambiente de trabalho e na qualidade do serviço prestado.

Considerações finais

Na análise das narrativas reflexivas, observou-se que todas as ferramentas ofertadas no Curso de Aperfeiçoamento em Gerência de Unidades Básicas de Saúde, Gestão da Clínica e do Cuidado têm condição de serem colocadas em prática e contribuírem para o processo de trabalho e para a qualificação do cuidado.

A elaboração da narrativa reflexiva foi, para maioria dos alunos, um processo fácil de produzir e que possibilitou refletir sobre a aplicação das ferramentas, sobre as potencialidades e sobre os desafios no uso das ferramentas. Além disso, permitiu identificar o impacto do processo formativo provocado no trabalho e na qualificação do cuidado. Porém, para alguns alunos, refletir e escrever a vivência em forma de narrativa foi um processo desafiador, pois o exercício de descrever a sua percepção sobre os processos de trabalho é uma prática raramente realizada.

Nas narrativas reflexivas dos alunos do curso, predominaram relatos sobre o PC, seguido do PTS e do Fluxograma Descritor como as ferramentas com apresentação de resultados potentes. Destacou-se o PC como um potente instrumento, fundamental para dialogar sobre questões conflituosas, visto que organiza e favorece a participação e a expressão de opiniões de todos os envolvidos. Essa ferramenta foi a mais citada nas narrativas dos alunos.

O PTS também foi mencionado como um instrumento que promove inclusão dos envolvidos, em um plano de cuidado desde o usuário até a equipe multiprofissional.

O Fluxograma Descritor foi uma das ferramentas menos citada pelos alunos, mas não menos importante, já que permite o foco no usuário e a organização de fluxos e o melhor entendimento sobre eles dentro do serviço de saúde.

De maneira geral, concluiu-se que as ferramentas apresentadas no curso se constituem em elementos importantes na prática da gestão para a identificação de problemas, para o planejamento das ações, para a qualidade do serviço, para a economia de recursos materiais e, consequentemente, para a satisfação de trabalhadores, usuários e gestores. Ademais, a oferta e a participação dos gestores em cursos de capacitação possibilitam a formação de profissionais mais qualificados, o que se reflete em ambientes de trabalho mais harmônicos, integrados e serviços mais organizados e qualificados.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2019
  • Aceito
    14 Nov 2019
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br