Avaliação em saúde: dimensão processual e estrutural da saúde da criança na atenção primária

Simone Elizabeth Duarte Coutinho Altamira Pereira da Silva Reichert Jordana Almeida Nogueira Beatriz Rosana Gonçalves de Oliveira Toso Neusa Collet Sobre os autores

RESUMO

O estudo teve como objetivo avaliar os atributos da dimensão processual e estrutural da atenção primária à saúde da criança em dois modelos de atenção à saúde. Estudo quantitativo, realizado com dados secundários de estudo multicêntrico, com cuidadores de crianças em unidades de saúde da família e unidades de atenção básica tradicional, de dois municípios de médio porte brasileiros, cuja coleta de dados ocorreu em 2012 e 2013. O Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) versão criança foi utilizado para a avaliação da efetividade dos modelos. Análise estatística inferencial. Na avaliação dos atributos essenciais, o escore médio foi igual ou superior ao esperado (6,6) e o escore geral ficou abaixo (6,4). Na perspectiva do cuidador da criança, os dois modelos de atenção estão orientados à atenção primária apenas nos atributos essenciais, porém, não no escore geral. As fragilidades e potencialidades dos modelos de atenção indicam a necessidade de mudanças na organização dos serviços para contemplar o cuidado integral à criança.

PALAVRAS-CHAVE
Atenção Primária à Saúde; Saúde da criança; Avaliação em saúde; Estrutura dos serviços; Efetividade

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) apresenta-se como uma estratégia de organização e reorganização dos sistemas de saúde em seu primeiro nível de atenção, e um modelo de mudança da prática clínico-assistencial dos profissionais de saúde11 Fertonani HP, Pires DEP, Biff D, et al. Modelo assistencial em saúde: conceitos e desafios para a atenção básica brasileira. Ciênc. Saúde Colet . 2015; 20(6):1869-78..

No sistema público de saúde brasileiro, a APS percorreu ciclos. Entre eles, o ciclo da Atenção Básica à Saúde (ABS), caracterizada pela emergência e consolidação do Programa Saúde da Família (PSF), enquanto estratégia de reorientação do modelo assistencial11 Fertonani HP, Pires DEP, Biff D, et al. Modelo assistencial em saúde: conceitos e desafios para a atenção básica brasileira. Ciênc. Saúde Colet . 2015; 20(6):1869-78. em uma historicidade de construção do Sistema Único Saúde (SUS) e de lutas contra uma hegemonia dominante no setor saúde22 Rodrigues K. A voz que vem dos municípios. Rev. Conasems [internet]. 2016 [acesso em 2018 jun 16]; 67:11-18. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2017/02/revista_conasems_edicao_67_web-1.pdf.
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. Porém, o PSF, como um modelo estratégico para o SUS, não provocou uma homogeneização da sua adoção em todo o território nacional, coexistindo nos municípios brasileiros tanto Unidades de Saúde da Família (USF) como Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais, que adotam diferentes olhares em relação à APS, e, atualmente, com a mudança da Portaria Nacional da Atenção Básica (PNAB)33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do SUS. Diário Oficial da União . 22 de Set 2017., ampliou-se o leque de opções por modelos de atenção básica no País. Se antes a Estratégia Saúde da Família (ESF) era o modelo prioritário, agora passa a ser uma opção.

As principais lutas de modificações da APS brasileira colocam-na como o centro de comunicação das redes de atenção à saúde. Para isso, a APS terá de exercitar-se, incorporando os atributos de primeiro contato, coordenação, longitudinalidade, integralidade, orientações familiar, comunitária e competência cultural, e cumprir as funções essenciais de resolubilidade e responsabilização pela saúde das populações44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 jun 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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A avaliação no âmbito da atenção básica no Brasil vem sendo acompanhada pelo Ministério da Saúde (MS)55 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Avaliação na atenção Básica em Saúde: caminhos da institucionalização. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2005.. Esta tem um papel importante no aprimoramento dos eixos de intervenção com o propósito de transformar os serviços em saúde orientados pela APS, principalmente quando aborda a perspectiva da população e considera aspectos da APS, como a adequação da prestação de serviços e a avaliação dos resultados na sua área66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002..

Nesse contexto, a saúde da criança manteve uma ideação aludida a alavancar os diferentes olhares da APS, pois o cuidado infantil pode ser revelador da organização dos serviços de APS e da repercussão na mortalidade infantil, por incluir significativas ações de promoção à saúde, como de prevenção a doenças77 Pasche DF, Vilela MEA, Giovanni M, et al. Rede Cegonha: desafios de mudanças culturais nas práticas obstétricas e neonatais. Divulg. saúde debate [internet]. 2014 [acesso em 2018 ago 15]; (52):58-71. Disponível em: http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2014/12/Divulgacao-52.pdf.
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. Além disto, as crianças têm necessidades singulares, requerendo ampla variedade de oferta de serviços com foco na avaliação e no apoio ao desenvolvimento integral77 Pasche DF, Vilela MEA, Giovanni M, et al. Rede Cegonha: desafios de mudanças culturais nas práticas obstétricas e neonatais. Divulg. saúde debate [internet]. 2014 [acesso em 2018 ago 15]; (52):58-71. Disponível em: http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2014/12/Divulgacao-52.pdf.
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Este estudo tem foco na avaliação do grau de orientação aos atributos da APS de modelos de atenção à saúde primária infantil, a partir da ferramenta Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) versão criança, voltada a demonstrar a existência da atenção primária relacionada a desfechos positivos na saúde da criança. Identifica aspectos de estrutura e processos dos serviços, na busca da qualidade do planejamento e da execução das ações, nos diferentes contextos de modelos de atenção, em tipos de organização de unidades básicas distintas, no caso, a USF e a UBS.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar os atributos da dimensão processual e estrutural da APS da criança, em dois modelos de atenção à saúde.

Material e métodos

Aspectos éticos

A pesquisa atende às normas da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, tendo o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética e parecer favorável. Para acesso aos dados de relatórios de atendimentos realizados nas USF e UBS da amostra, obteve-se autorização formal das secretarias municipais de saúde dos municípios em estudo, através do termo de aceite do responsável pelo campo de estudo. Os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, local do estudo e período

Pesquisa quantitativa de avaliação da efetividade de estrutura e processo dos serviços em APS da criança, classificada como estudo transversal observacional em epidemiologia guiado pelo protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe), a qual integrou projeto multicêntrico de avaliação da efetividade da atenção primária em saúde da criança. Estudo desenvolvido em dois dos municípios de médio porte brasileiros, um no estado da Paraíba e outro na região Oeste do Paraná. Na Paraíba, o estudo foi realizado em um dos distritos sanitários do município, o Distrito Sanitário III, na ocasião da coleta de dados com o maior número de famílias cadastradas na ESF e em funcionamento com quase 100% de cobertura88 João Pessoa. Prefeitura. Relatório Anual de Gestão-2012. Distrito Sanitário III. João Pessoa: Secretaria Municipal de Saúde; 2012.. No município paranaense, foram incluídas as 23 UBS urbanas no modelo tradicional de APS, existentes à ocasião da coleta de dados. A coleta de dados primários do estudo ocorreu de outubro de 2012 a fevereiro de 2013. A confecção do banco de dados ocorreu em 2013 e os dados dos distintos locais foram agrupados para análises inferenciais posteriores, desenvolvidas em tese de doutorado concluída em 2016, cujos resultados se apresentam nesse momento, dada a relevância do tema, a partir das mudanças ocorridas nos modelos de atenção primária aqui estudados.

População e amostra

A população do estudo primário foi composta de familiares (pai, mãe) e/ou cuidadores (avós, tios, cuidadores legais) de crianças com idade inferior a 12 anos. Adotou-se uma margem de erro de 3,286%, com grau de confiança de 95%, para a obtenção da amostra de familiares participantes da entrevista. A amostra constituiu-se de 344 na Paraíba e 531 no Paraná. A seleção dos participantes foi não probabilística, distribuídos por partilha proporcional, segundo o número de unidades de saúde dos municípios. Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: residir na área urbana dos municípios e na área de abrangência das unidades; o acompanhante da criança, na unidade de saúde, deveria ser o principal cuidador; a idade da criança deveria ser inferior a 12 anos; o respondente deveria conhecer a unidade que iria avaliar (pelo menos, dois atendimentos). Já o critério de exclusão foi: familiares que utilizavam esporadicamente a unidade para finalidades específicas.

Protocolo do estudo

Para a aplicação do formulário PCATool-Brasil versão criança44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 jun 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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, os participantes (cuidadores das crianças) foram recrutados na espera para consulta médica ou puericultura (medicina e enfermagem), nas dependências das unidades de saúde. O contato e a aplicação do instrumento de coleta com os familiares ocorreram na fila de espera, do último ao primeiro, até atingirem o n amostral para cada unidade. O PCATool-Brasil versão criança possui 55 questões, das quais 52 são para mensurar os atributos da APS referentes aos aspectos de estrutura e processo, e 3 questões aferem o grau de afiliação do usuário ao serviço de saúde como componente estrutural do atributo longitudinalidade. As respostas são do tipo Likert, com intervalos que variam de 1 a 4 (1=com certeza não; 2=provavelmente não; 3=provavelmente sim; 4=com certeza sim) para cada item que compõe o atributo, desconsiderando, para cada componente, a soma de respostas em branco. Durante a análise, obedeceram-se às orientações do manual do instrumento em relação ao cálculo dos escores dos atributos da APS44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 jun 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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. A partir dessas respostas, foram calculados os escores de cada atributo e o escore geral sobre a qualidade dos serviços de APS. As variáveis analisadas foram: atributos essenciais processuais e estruturais-longitudinalidade (grau de afiliação com o serviço de saúde e longitudinalidade do cuidado); acesso de primeiro contato (acessibilidade e utilização); integralidade (serviços disponíveis e serviços prestados); coordenação (sistema de informações e integração de cuidados); e atributos derivados – orientação familiar e orientação comunitária.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram tabulados em planilhas Excel, sendo apresentados em tabelas, utilizando-se do auxílio do software SPSS-versão 13. O escore final de cada um dos atributos foi obtido pela média das respostas dos entrevistados, atingindo valor de ponto de corte ≥3 (6,6 para o valor transformado em escala de 0 a 10), classificado como satisfatório ou como orientado para a APS44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 jun 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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. Escores inferiores a 6,6 foram considerados como desempenho insatisfatório. Como as perguntas e as escalas são iguais para todos os entrevistados, foi possível a comparação dos diferentes modelos de atenção. O nível de significância dos testes foi de α=0,05. As análises estatísticas inferenciais dos atributos essenciais e derivados, bem como os escores essencial e geral da APS foram realizadas a partir de medidas descritivas dos escores (0-10), do teste t para comparação das médias ou do equivalente teste não paramétrico U de Mann-Whitney e do teste de associação de Qui-quadrado.

Resultados

Na tabela 1, apresentam-se os atributos essenciais relacionados à dimensão processual e estrutural, segundo os distintos modelos de atenção.

Tabela 1
Medidas descritivas dos escores (0-10) dos atributos essenciais relacionados a processos e estrutura dos serviços de APS da criança, dos municípios estudados (2012-2013)

Quanto aos componentes processuais, apenas os atributos longitudinalidade e integralidade-serviços prestados apresentaram resultados estatisticamente significantes entre os distintos modelos de atenção (p<0,05). Evidenciou-se semelhança no escore médio e a não existência de associação entre os modelos de atenção e os atributos acesso-utilização e coordenação do cuidado.

Considerando os escores médios de cada atributo processual, ambos os modelos de atenção apresentaram desempenho satisfatório para o atributo acesso-utilização (USF – 8,3 e UBS – 8,5). O modelo UBS apresentou-se orientado à APS (7,0) no atributo coordenação. Os atributos longitudinalidade e integralidade-serviços prestados foram considerados insatisfatórios, com escores médios inferiores a 6,6.

Em relação aos componentes estruturais, todos os atributos apresentaram resultados estatisticamente significantes entre os distintos modelos de atenção (p<0,05). Na análise dos escores médios, dois atributos (longitudinalidade-grau de afiliação e coordenação-sistemas de informação) apresentaram desempenhos satisfatórios em ambos os modelos. Em contrapartida, os dois modelos estudados obtiveram desempenho insatisfatório nos atributos acesso-acessibilidade (USF – 5,0; UBS – 5,6) e integralidade-serviços disponíveis (USF – 5,2; UBS – 6,0).

Por fim, o escore essencial da APS entre os modelos de atenção à saúde dos municípios estudados foi satisfatório, com diferença estatisticamente significante entre os escores médios essenciais (UBS – 6,8; USF – 6,6).

A tabela 2 mostra a distribuição percentual dos atributos processuais e estruturais, segundo os escores de satisfação identificados nos dois modelos de atenção. No uso do teste de associação ao nível de significância de 5% (α=0,05), evidenciou-se diferença estatisticamente significante para os atributos processuais, exceto para o atributo coordenação de cuidados (p=0,153).

Tabela 2
Avaliação dos atributos estrutura e processo, e escore essencial da APS da criança, segundo modelos de atenção USF e UBS (2012-2013)

Os atributos acesso-utilização, coordenação de cuidados e integralidade-serviços prestados alcançaram maiores percentuais para desempenho satisfatório no modelo de atenção UBS. Entretanto o atributo longitudinalidade obteve percentual de desempenho mais satisfatório no modelo USF (53,4%).

Quanto aos competentes estruturais, evidenciou-se diferença significante para todos os atributos investigados. O modelo de atenção UBS apresentou maiores percentuais para desempenho satisfatório nos atributos acesso-acessibilidade (61,2%), coordenação-sistemas de informação (89,6%) e integralidade-serviços disponíveis (51,6%). O atributo grau de afiliação obteve percentual de desempenho mais satisfatório no modelo USF (73,3%).

Os percentuais foram insatisfatórios para os atributos de integralidade-serviços disponíveis (24,8%) e acesso-acessibilidade (33,6%) para a USF.

O escore essencial quanto à orientação à APS, obtido por meio das médias de cada atributo entre os tipos de serviços (USF e UBS), demonstrou que 58,2% da amostra do estudo conferem um desempenho satisfatório nas duas modalidades de atenção estudadas. Quando comparados, o modelo UBS apresentou percentual superior ao modelo USF.

A tabela 3 apresenta os resultados dos atributos derivados: orientação familiar e orientação comunitária, respectivamente, e o escore geral da APS do estudo.

Tabela 3
Medidas descritivas dos escores (0-10) dos atributos derivados, relacionados à APS da criança nas USF da Paraíba e UBS do Paraná (2012 -2013)

Os dois componentes dos atributos derivados apresentaram diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Em nenhum desses atributos, no entanto, o escore médio alcançou desempenho satisfatório. Quanto à comparação entre os serviços da APS, a partir do escore geral, verificou-se que ambos os serviços foram avaliados como insatisfatórios.

A tabela 4 compara os modelos de atenção da APS. Os dados mostram diferença significativa (p<0,05) para os atributos derivados, com percentuais insatisfatórios para orientação familiar – USF (59,2%) e UBS (68,4%), e orientação comunitária – USF (52,7%) e UBS (64,1%). O escore geral confirma que os dois modelos de atenção não são orientados à APS.

Tabela 4
Avaliação dos atributos derivados e escore geral da APS da criança, segundo unidades de saúde dos modelos USF e UBS (2012-2013)

Discussão

Na análise dos atributos, aborda-se acesso como direito e cidadania, partindo-se do princípio primeiro da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (CDUS)99 Brasil. Ministério da Saúde. Resolução CNS nº 553, de 09 de agosto de 2017. Carta dos direitos e deveres da pessoa usuária da saúde: Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017., que garante a todo cidadão a facilidade de acesso aos serviços de saúde do SUS e às suas instituições conveniadas. Na CDUS, o acesso tem uma concepção de entrada dos usuários no sistema de saúde pela APS e para a rede de atenção à saúde. Para a criança, é um direito fundamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 11, como a garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde1010 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Estatuto da Criança e do Adolescente 2017. Rio de Janeiro: Cedeca-RJ; 2017..

O acesso é a forma como a criança e sua família experimentam a atenção ao primeiro contato na unidade de saúde de seu território8. A utilização dos serviços compreende todo contato, direto ou indireto, e resulta da interação da reação dos usuários e profissionais de saúde diante das características e práticas de cada um destes sujeitos e dos serviços disponíveis1111 Albuquerque MSV, Lyra TM, Farias SF, et al. Acessibilidade aos serviços de saúde: uma análise a partir da Atenção Básica em Pernambuco. Saúde debate [internet]. 2014 [acesso em 2018 set 10]; 38(esp):182-94. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38nspe/0103-1104-sdeb-38-spe-0182.pdf.
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No acesso, a utilização das unidades de saúde, seja USF ou UBS, no presente estudo, foi satisfatória para o cuidador em suas vivências de contato e interação com os indivíduos no processo. Sendo assim, os cuidadores têm conseguido utilizar os serviços de USF e UBS ao adentrarem com as crianças na rede de atenção à saúde, no SUS.

Esse resultado de desempenho satisfatório nem sempre tem se apresentado em estudos de avaliação do atributo acesso por cuidadores de crianças. No entanto, estudo relacionado à ESF em Diamantina (MG) mostrou que o atributo acesso ocorre por condições relacionadas com a escolha da família por proximidade da moradia, e não pela facilidade de acesso aos serviços de saúde1212 Ribeiro LCR, Ramos-Jorge ML, Rocha RL. Fatores associados ao acesso aos serviços de saúde na concepção de cuidadores de crianças. Rev. Científ. Vozes Vales [internet]. 2014 [acesso em 2018 jul 19]; 6(3):1-14. Disponível em: www.ufvjm.edu.br/vozes.
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No atributo acesso, a acessibilidade à rede de atenção é necessária para que as crianças e suas famílias cheguem aos serviços e recebam a atenção ao primeiro contato66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002.. O resultado geral em relação aos itens do componente acessibilidade, em ambos os modelos de atenção, teve desempenho insatisfatório, evidenciando fragilidades relacionadas à rede, bem como à organização do serviço. Tal aspecto deve ser refletido pelas gestões municipais para que o acesso não seja penalizado devido a problemas organizacionais e de falta de compreensão da abrangência do direito fundamental ao atendimento às crianças e suas famílias1313 Marques AS, Freitas DA, Leão CDA, et al. Atenção Primária e saúde materno-infantil: a percepção de cuidadores em uma comunidade rural quilombola. Ciênc. Saúde Colet . 2014; 19(2):365-71.. Normas do MS33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do SUS. Diário Oficial da União . 22 de Set 2017. referentes ao acesso dispõem que a acessibilidade aos serviços de saúde é tão importante quanto a sua utilização, principalmente em sistemas de saúde em rede de atenção.

A longitudinalidade pode ser construída como a existência de garantia de fonte contínua de atenção pela equipe de saúde, e sua utilização consistente ao longo do tempo em um ambiente de continuidade das ações, em uma relação mútua, que poderá caracterizar o vínculo/interação entre equipe de saúde, crianças e famílias, refletindo uma intensa relação interpessoal44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment Tool PCATool Brasil [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. [acesso em 2018 jun 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_avaliacao_pcatool_brasil.pdf.
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,66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002..

Em relação ao acompanhamento da criança e de sua família, a partir da garantia de uma fonte contínua de atenção, sua utilização e continuidade ao longo do tempo se organizam como eixo estratégico relevante, que envolve várias ações tecnológicas para a longitudinalidade de seu crescimento e desenvolvimento. Desta feita, ocorrem melhores resultados, como a efetividade e qualidade de ações de promoção da saúde e de prevenção de agravos de alta prevalência, que poderão produzir diagnóstico e tratamentos precisos, reduzindo encaminhamentos desnecessários para especialistas e contribuindo para a redução do índice de internações da saúde infantil1414 Simone SD, Nóbrega VM, Coutinho SED, et al. Saúde da criança no Brasil: orientação da rede básica à Atenção Primária à Saúde. Ciênc. Saúde Colet . 2016; 21(9):2961-73..

Com o resultado dos escores no componente processual longitudinalidade, analisa-se que as USF estão em construção de um vínculo terapêutico e da continuidade informacional. Nesta perspectiva, estudos1515 Braz JC, Mello DF, David YGM, et al. A longitudinalidade e a integralidade no cuidado às crianças menores de um ano: Avaliação de cuidadores. Medicina [internet]. 2013 [acesso em 2018 jun 16]; 46(4):416-23. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br.
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,1616 Frank BRB, Viera CS, Ross C, et al. Avaliação da longitudinalidade em unidades de Atenção Primária à Saúde. Saúde debate , 2015; 39(105):400-410. avaliam que o resultado do atributo longitudinalidade é importante para a USF por ser uma característica central e exclusiva deste nível de atenção e estar relacionado à efetividade na APS e à proposta da ESF, enquanto um modelo de atenção na consolidação do SUS.

No componente estrutural grau de afiliação, a literatura66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002. assevera que a unidade de saúde precisa ser capaz de identificar claramente sua população eletiva, e esta precisa reconhecer a unidade ou os profissionais como fonte regular de atenção.

A partir do desempenho satisfatório do grau de afiliação na USF (73,35%) (8,0), evidencia-se que os cuidadores a reconhecem como a sua unidade. Trata-se de um dado importante porque caracteriza o modelo de atenção referente à sua população eletiva. Em linhas gerais, a população adscrita é vista, a partir do ambiente físico-social, o território, para regular e estabelecer o campo de atuação, com áreas de abrangência que vão do território-área à atuação das equipes de saúde, passando pela microárea de atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS) e finalizam no território-moradia, lugar de residência da família.

As UBS também tiveram desempenho satisfatório para o grau de afiliação ao serviço, tendo o reconhecimento dos cuidadores de crianças, o que é importante, visto que os serviços ofertados aos usuários pela UBS tradicional ocorrem por livre demanda da área de abrangência da unidade de proximidade à moradia do cidadão e, a partir da nova PNAB, de livre escolha do cidadão.

A avaliação satisfatória no componente estrutural denota a dimensão do atributo longitudinalidade de identificação das unidades de saúde, USF e UBS, como sua fonte regular de cuidado à criança, principalmente no seguimento da puericultura, ou para episódios de doenças66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002..

A importância da longitudinalidade e da integralidade no cuidado às crianças menores de 1 ano na avaliação de seus cuidadores em USF também foi corroborada em estudo1616 Frank BRB, Viera CS, Ross C, et al. Avaliação da longitudinalidade em unidades de Atenção Primária à Saúde. Saúde debate , 2015; 39(105):400-410. que evidenciou um escore elevado, uma boa experiência dos cuidadores com as ações derivadas desse atributo, favorecendo a relação com os profissionais e conhecimento da situação de saúde das crianças.

Apesar da existência de diversos ângulos da discussão sobre o atributo integralidade, que não são excludentes entre si, para avaliar as práticas na APS, o referencial de Starfield66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002., utilizado por este estudo, é entendido como uma proposta que permite a operacionalização, na medida em que identifica categorias que compõem e caracterizam a APS1717 Silva FCS. O princípio da integralidade e os desafios de sua aplicação em saúde coletiva. Rev. Saúd. Desenv. [internet]. 2015 [acesso em 2018 jun 16]; 7(4):94-107. Disponível em: https://www.uninter.com/revistasaude/index.php/saudeDesenvolvimento/article/view/373/274.
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No componente processual da integralidade, serviços prestados estão relacionados ao processo de trabalho da equipe de saúde, objetivando a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento no ambiente social, bem como aos problemas de natureza funcional e orgânicos66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002..

A integralidade na saúde da criança tem provocado discussões conceituais, considerando as necessidades específicas das crianças em rede de atenção à saúde, o repensar das práticas e conformações dos serviços públicos de saúde, a redefinição de práticas focadas no vínculo, além de acolhimento e autonomia para um cuidado centrado na criança e sua família, com a valorização de subjetividades, necessidades singulares e o dimensionamento dos riscos e vulnerabilidades aos quais as crianças estão expostas no seu ambiente social. Contrapõe-se, na discussão da atenção à saúde da criança, uma abordagem fragmentária, reducionista e voltada à atenção curativa1818 Araújo JP, Silva RMM, Collet N, et al. História da saúde da criança: conquistas, políticas e perspectivas. Rev. Bras. Enferm . [internet]. 2014 [acesso em 2018 jun 16]; 67(6):1000-7. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670620.
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,1919 Ferreira TLS, Costa ICC, Andrade FB. Avaliação do atributo integralidade em serviços de puericultura na atenção primária à saúde. Revista Ciênc. Plu. [internet]. 2015 [acesso em 2018 jun 16]; 1(1):22-9. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/7320/5497.
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Os resultados estatisticamente significativos com escore de desempenho insatisfatório para ambos os modelos de atenção, as UBS e as USF, evidenciam a necessidade da reorganização do processo de trabalho dos serviços de saúde. Também foram identificadas fragilidades e potencialidades nos documentos oficiais das respectivas gestões municipais, que apontam alguns elementos em relação aos serviços prestados.

Em relação à USF2020 João Pessoa. Prefeitura. Plano Municipal de Saúde 2010-2013. João Pessoa: SMS-JP; 2011., a gestão tem como estratégia o cuidado integral e humanizado no SUS, organizando-se em módulos operacionais de atenção, gestão e vigilância em saúde. Na atenção à saúde da criança, há seguimento na rede de atenção e os indicadores de saúde são sequenciados pela vigilância em saúde. Desde os resultados iniciais da gestão do cuidado, a dificuldade é a fragilidade da construção da integralidade2121 João Pessoa. Prefeitura. Relatório de Gestão 2010. João Pessoa: SMS-JP; 2011., por estar baseada na produção das relações, tanto entre gestão e trabalhadores como entre os trabalhadores e usuários, para a efetivação da ação.

No atributo coordenação, avalia-se a capacidade de garantir a continuidade no interior da rede de atenção à saúde. A continuidade no componente processual se dá por reconhecimento de problemas/doenças, no atendimento pelo profissional da unidade de APS, envolvendo, para esta ação, responsabilização e aspectos administrativos. A gestão do cuidado no setor saúde unifica toda a atenção que a criança/família recebe como uma resposta integral às suas demandas, por meio de uma coordenação articulada entre os serviços e as ações de saúde, e a transferência de informações sobre o usuário. A coordenação é relevante para os demais atributos, por ordenar os usuários e suas informações na rede de atenção à saúde66 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia . Brasília, DF: Unesco Brasil; Ministério da Saúde; 2002.,1414 Simone SD, Nóbrega VM, Coutinho SED, et al. Saúde da criança no Brasil: orientação da rede básica à Atenção Primária à Saúde. Ciênc. Saúde Colet . 2016; 21(9):2961-73.,2222 Souza GTS, Alves BA, Tacla MTGM, et al. Avaliação do princípio da coordenação na atenção primária à saúde da criança em Londrina-PR. Semina. 2015; 36(1):39-46..

Medidas buscando intensificar o protagonismo da APS na coordenação do cuidado têm sido propostas2222 Souza GTS, Alves BA, Tacla MTGM, et al. Avaliação do princípio da coordenação na atenção primária à saúde da criança em Londrina-PR. Semina. 2015; 36(1):39-46.. Estas entendem sua função de integradora entre as instituições, com profissionais e trabalhadores dos serviços de saúde, evitando fragmentações em busca de uma atenção integral e, principalmente, integrada.

Nos documentos oficiais dos dois modelos de atenção, foi possível identificar que a rede de atenção à saúde das USF está organizada em cinco distritos sanitários, nos três níveis de atenção à saúde: atenção básica; serviços especializados; atendimento pré-hospitalar e hospitalar; assistência farmacêutica; e laboratórios. O fluxo na rede é por regulação. O papel da USF é fazer a marcação na rede de serviços. Nas UBS, a rede de atenção é organizada por três distritos sanitários na atenção básica, tendo o mesmo fluxo que o modelo de atenção da USF.

O atributo coordenação, ao ser avaliado em estudo correlacionando unidades de saúde da APS, também não apresentou diferenças nas avaliações entre a USF e a UBS2323 Martins JS, Abreu SCC, Quevedo MP, et al. Estudo comparativo entre Unidades de Saúde com e sem Estratégia Saúde da Família por meio do PCATool. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade [internet]. 2016 [acesso em 2018 jun 16]; 11(38):1-13. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc11(38)1252.
http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc11(38)125...
. Em outro estudo, analisa-se a fragilidade de alguns itens na APS da criança, referindo ser principal o cuidado integral no serviço especializado2424 Nicola T, Pelegrini AHW. Avaliação em saúde nos serviços de atenção primária no Brasil: revisão integrativa da literatura. J. Nurs. Health. 2018; 8(1):e188102.. A avaliação do atributo coordenação do cuidado remete à necessidade de criar estratégias para intensificar o protagonismo da APS na coordenação do cuidado, principalmente para a sua função integradora e uma atenção integral2222 Souza GTS, Alves BA, Tacla MTGM, et al. Avaliação do princípio da coordenação na atenção primária à saúde da criança em Londrina-PR. Semina. 2015; 36(1):39-46..

O e-SUS2525 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. e-SUS Atenção Básica: manual do Sistema com Coleta de Dados Simplificada. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. aponta para essa realidade, asseverando que, com a implantação do sistema de informação por meio do prontuário digital e cartão SUS, a movimentação do usuário na rede de serviços pode ser registrada, potencializada e ir além, com uma conjunção sistêmica por internet para a integração na rede, sendo a intranet para a comunicação dos dados nas instituições, e a extranet, para a garantia de informações ao cidadão. Essas ações poderão ter resultados no atributo coordenação do cuidado, como também atingir os outros atributos e a transversalidade entre os nós críticos encontrados nos atributos essenciais.

Na organização do Sistema de Informação em Saúde (SIS), tanto os profissionais da saúde quanto o cuidador e as instituições devem ter acesso garantido às informações da criança e sua mobilidade na rede, o que pode levar a um diagnóstico da situação do fluxo, demanda e tempo perdido por problemas organizacionais, além de colocar a APS como porta de entrada e coordenadora do cuidado na rede, por ser a equipe de saúde da área adscrita chamada à responsabilização pelo território-moradia da família, mas também à gestão, como corresponsável por dar atividades-meio para facilitar as atividades-fim da APS.

Diante da avaliação de dois modelos de atenção da APS, o resultado dos escores essenciais demonstrou fragilidades e potencialidades a serem repensadas com novas práticas e ações, com relação à obtenção dos atributos da APS. As diferenças encontradas no estudo dos dois modelos de saúde são, por vezes, de raízes políticas e organizacionais relacionadas à manutenção da prática, ainda enraizada, de uma visão biologicista da atenção à saúde; outras vezes, de avanços e recuos, principalmente quando se fala em saúde da criança.

No resultado dos atributos derivados, destaca-se que as USF e UBS têm ações mais ampliadas em relação à orientação comunitária da APS do que à orientação familiar, mesmo no modelo saúde da família. Diante disto, pontua-se como importante a discussão do fortalecimento da orientação familiar na educação permanente, que é assumida como uma política de suporte para um movimento de transformação das práticas do setor, sendo uma das bandeiras das gestões das USF, devendo o mesmo ocorrer nas UBS, visto que os atributos derivados obtiveram desempenho insatisfatório.

Estudo acerca dos atributos derivados, abordando a orientação familiar, corrobora o resultado abaixo do escore médio esperado, apontando que esta realidade precisa ser aprimorada para cumprir o papel de ser um serviço provedor de APS e dirigido à população2626 Cascavel. Prefeitura. Relatório Anual de Gestão - RAG 2013. Cascavel: SESAU; 2014.. Ao comparar as unidades de saúde, outro estudo apresentou resultados semelhantes a esse, ou seja, orientação familiar com desempenho insatisfatório na USF, mas, ainda assim, melhor do que nas UBS2727 Araújo JP, Viera CS, Toso BRGO, et al. Avaliação dos atributos de orientação familiar e comunitária na saúde da criança. Acta Paul. Enferm. 2014; 27(5):440-6..

A orientação comunitária considera o reconhecimento das necessidades da população no seu contexto social, requerendo o conhecimento de sua realidade, quando do planejamento das ações1818 Araújo JP, Silva RMM, Collet N, et al. História da saúde da criança: conquistas, políticas e perspectivas. Rev. Bras. Enferm . [internet]. 2014 [acesso em 2018 jun 16]; 67(6):1000-7. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670620.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014...
,2525 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. e-SUS Atenção Básica: manual do Sistema com Coleta de Dados Simplificada. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014.,2828 Reichert APS, Leôncio ABA, Toso BRGO, et al. Orientação familiar e comunitária na Atenção Primária à Saúde da criança. Ciênc. Saúde Colet . 2016; 21(1):119-27.. Sua importância na efetividade da APS é percebida quando se avalia se os serviços são direcionados à população, ao apresentarem os atributos essenciais e os atributos derivados para uma interação entre os serviços da APS, família e comunidade2828 Reichert APS, Leôncio ABA, Toso BRGO, et al. Orientação familiar e comunitária na Atenção Primária à Saúde da criança. Ciênc. Saúde Colet . 2016; 21(1):119-27..

Alguns estudos2424 Nicola T, Pelegrini AHW. Avaliação em saúde nos serviços de atenção primária no Brasil: revisão integrativa da literatura. J. Nurs. Health. 2018; 8(1):e188102.,2727 Araújo JP, Viera CS, Toso BRGO, et al. Avaliação dos atributos de orientação familiar e comunitária na saúde da criança. Acta Paul. Enferm. 2014; 27(5):440-6.,2929 Daschevi JM, Tacla MTGM, Alves BA, et al. Avaliação dos princípios da orientação familiar e comunitária da atenção primária à saúde da criança. Semina: Ciênc. Biol. Saúde. 2015; 36(1):31-8., ao avaliarem a orientação comunitária na atenção à saúde da criança, ou na ESF2929 Daschevi JM, Tacla MTGM, Alves BA, et al. Avaliação dos princípios da orientação familiar e comunitária da atenção primária à saúde da criança. Semina: Ciênc. Biol. Saúde. 2015; 36(1):31-8. e em comparações entre modelos de atenção2727 Araújo JP, Viera CS, Toso BRGO, et al. Avaliação dos atributos de orientação familiar e comunitária na saúde da criança. Acta Paul. Enferm. 2014; 27(5):440-6., demonstram ser uma dimensão com proporção de percentuais baixos para uma resposta positiva2727 Araújo JP, Viera CS, Toso BRGO, et al. Avaliação dos atributos de orientação familiar e comunitária na saúde da criança. Acta Paul. Enferm. 2014; 27(5):440-6., embora com melhor avaliação do que a orientação familiar2424 Nicola T, Pelegrini AHW. Avaliação em saúde nos serviços de atenção primária no Brasil: revisão integrativa da literatura. J. Nurs. Health. 2018; 8(1):e188102., como neste estudo.

Ao avaliar os resultados do escore dos atributos essenciais, percebeu-se que os dois modelos de atenção tiveram desempenho satisfatório, ou seja, os escores essenciais são orientados para APS nas modalidades de atendimento à saúde, USF e UBS, tendo esta última maior destaque.

Trazendo os resultados dos atributos derivados, pode-se fazer a análise conjunta de comparação do escore geral da APS, entre os serviços de saúde de USF e UBS, pois não foi apresentada diferença significativa entre os escores médios gerais. Ambos os serviços de saúde da atenção básica tiveram o mesmo valor no escore geral (6,4), considerado insatisfatório.

Diante do exposto, apesar do resultado negativo, pode-se avaliar que os modelos de atenção estão próximos do valor referido como ideal. Assim sendo, em presença da configuração dos atributos de acordo com o cuidador da criança atendida nas unidades, não foram apresentadas diferenças significativas quanto ao tipo de unidade de saúde da APS, ou seja, independentemente dos modelos de atenção aqui avaliados.

Limitações do estudo

O estudo apresenta limitações por trazer a comparação de duas localidades com diferentes contextos, embora esta prática seja possível pela uniformização do instrumento utilizado.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Reforça-se a importância da avaliação no cotidiano dos serviços de saúde, na perspectiva dos integrantes do processo de cuidar na APS – entre eles, o enfermeiro –, para que a avaliação efetive o seu papel na construção da resolutividade do cuidado na atenção em saúde e, assim, possa ser utilizada como medida de redução das iniquidades e no fortalecimento da APS.

Conclusões

Na avaliação dos atributos da dimensão processual e estrutural da APS da criança em dois modelos de atenção à saúde, evidenciou-se que USF e UBS apresentaram diferenças e semelhanças, podendo-se afirmar que, na perspectiva do cuidador da criança, estão orientados à APS apenas nos atributos essenciais, porém, não estão orientados no escore geral.

Embora o instrumento utilizado nesta pesquisa tenha respondido ao objetivo na perspectiva do cuidador da criança, são necessárias pesquisas que contemplem os profissionais de saúde e os gestores, a fim de ampliar o processo de avaliação do sistema com relação aos óbices encontrados e à congruência entre as diferentes perspectivas. Apontam-se lacunas de publicações relacionadas aos atributos derivados na saúde infantil e seus contextos. Tais estudos podem fomentar a discussão e contribuir com a consolidação da APS enquanto organizadora do sistema de saúde.

  • Suporte financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Brasil, Edital Universal 14/2011, processo nº 474743/2011-0

Agradecimentos

Ao apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2019
  • Aceito
    20 Jan 2020
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