Práticas Integrativas e Complementares ofertadas pela enfermagem na Atenção Primária à Saúde

Erika Cardozo Pereira Geisa Colebrusco de Souza Mariana Cabral Schveitzer Sobre os autores

RESUMO

Os objetivos do estudo foram mapear e analisar a oferta das Práticas Integrativas e Complementares (Pics) na atenção primária pela enfermagem no município de São Paulo e a interferência da pandemia da Covid-19 na oferta dessas práticas. Estudo descritivo de série temporal, realizado com dados secundá- rios a partir do banco de dados oficiais do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde no período entre 2018 e 2020. Os resultados demonstram que as Pics ofertadas pela enfermagem totalizaram 10.933 procedimentos em 2018, 24.684 em 2019 e 12.651 em 2020. Entre os anos de 2018 e 2019, houve um aumento de 120% na oferta, tendência interrompida em 2020 em decorrência da pandemia da Covid-19. A oferta dessas práticas pela enfermagem é uma forma de atendimento com vistas ao cuidado integral e apreensão ampliada do processo saúde-doença. Contudo, apesar do grande potencial para adoção dessa abordagem no cuidado, a categoria tem demonstrado percentuais pouco representativos do total ofertado no município analisado.

PALAVRAS-CHAVE
Cuidados de enfermagem; Atenção Primária à Saúde; Terapias complementares; Integralidade em saúde; Saúde pública

Introdução

Os sistemas de saúde no mundo que fortalecem a Atenção Primária à Saúde (APS) atendem aos requisitos de justiça social e diminuição das iniquidades nos atendimentos em saúde, essa é considerada uma das estratégias para promoção democrática do bem-estar social11 Declaration of Alma-Ata. International Conference on Primary Health Care, Alma-Ata, USSR, 6-12 September 1978. Geneva: WHO; 1978.. No Brasil, sua reorganização se deu majoritariamente a partir do cuidado familiar e comunitário, com a introdução de práticas de saúde organizadas em torno de um espaço geográfico e social de cuidado conduzido por equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF)22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 21 Set 2017.. Apesar de mudanças recentes na composição das equipes com variação do número de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), ainda prevê participação de enfermeiro, auxiliares e técnicos de enfermagem22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 21 Set 2017..

No que se refere à prática de medicinas tradicionais, a Declaração de Alma-Ata trouxe as primeiras recomendações em 197811 Declaration of Alma-Ata. International Conference on Primary Health Care, Alma-Ata, USSR, 6-12 September 1978. Geneva: WHO; 1978.. Em todo o mundo, a Medicina Tradicional (MT) é a base dos cuidados de saúde ou serve de complemento para esses; em alguns países a MT ou medicina não convencional recebe denominação de medicina complementar. Embora encontrada em todos os países e seja parte importante das práticas de saúde, muitas vezes é subestimada, sobretudo em países ocidentais.

Contudo, nos últimos anos, sua demanda tem aumentado; e muitos sistemas de saúde têm reconhecido a necessidade de desenvolver uma abordagem integrativa para os cuidados de saúde que permita utilizar as práticas complementares de maneira segura, respeitosa, econômica e eficaz. Trata-se, atualmente, de uma das estratégias global: promover, integrar, regulamentar e supervisionar as práticas complementares nos cuidados em saúde33 World Health Organization. Traditional Medicine Strategy 2014-2023. Geneva: WHO; 2013..

No Brasil, as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) foram assim denominadas e oficializadas no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2006, por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 971 de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União. 4 Maio 2006.. As Pics contemplam racionalidades médicas e recursos terapêuticos que envolvem abordagens que buscam estimular mecanismos naturais de prevenção de agravos, promoção e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras. Possuem ênfase no vínculo terapêutico, na escuta acolhedora, na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade e uma abordagem ampliada no processo saúde-doença.

A PNPIC trouxe diretrizes para a prática de medicina tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia e plantas medicinais e fitoterapia, e instituiu a implementação de observatórios de termalismo-crenoterapia e medicina antroposófica com o objetivo de aprofundar o conhecimento das experiências consolidadas no SUS44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 971 de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União. 4 Maio 2006.. Em 2017, 14 novas práticas foram inseridas: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 849, de 21 de março de 2017. Inclui a arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Diário Oficial da União. 21 Mar 2017.. E a partir da Portaria nº 702, de 21 de março de 2018, outras 10 novas práticas foram inseridas à PNPIC: aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC. Diário Oficial da União. 21 Mar 2018..

A oferta das Pics é realizada em todos os níveis de atenção do SUS, mas é na APS, considerada ordenadora de todo o cuidado sistêmico, que elas encontram campo fértil para contribuir no cuidado continuado, longitudinal, humanizado e integral à saúde44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 971 de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Diário Oficial da União. 4 Maio 2006.

5 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 849, de 21 de março de 2017. Inclui a arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Diário Oficial da União. 21 Mar 2017.
-66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC. Diário Oficial da União. 21 Mar 2018.
. A incorporação das Pics na APS também foi fomentada pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) devido à possibilidade de incluir médico acupunturista e homeopata na equipe. A partir disso, as Pics passaram a somar em outros programas e ações governamentais, como a Academia de Saúde e nos ‘Cadernos de Atenção Básica’. Nos anos seguintes, foi inserida no Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), e em um edital de fomento à pesquisa66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC. Diário Oficial da União. 21 Mar 2018..

A enfermagem triangula com as Pics e a APS. Tanto essa abordagem como o contexto da APS aparecem como espaço promissor para a prática profissional. Na APS, o enfermeiro tem ampliado o escopo clínico de sua prática, exemplificada pela realização da consulta de enfermagem, procedimentos, prescrição de medicamentos e solicitação de exames, de acordo com protocolos estabelecidos. As Pics têm sido apresentadas pelo conselho profissional como uma possibilidade de atuação, e enfatiza que, como oriundas de práticas milenares, não são exclusivas dessa categoria profissional77 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 197 de 19 de março de 1997. Estabelece e reconhece as práticas alternativas como especialidade e/ou capacitação do profissional de Enfermagem. Diário Oficial da União. 19 Mar 1997.

8 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 625 de 19 de fevereiro de 2020. Altera a Resolução Cofen nº 581, de 11 de julho de 2018, que atualiza, no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para Registro de Títulos de Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu concedido a Enfermeiros e aprova a lista de especialidades. Diário Oficial da União. 19 Fev 2018.
-99 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Parecer Normativo nº 001 de 20 de fevereiro de 2020. Regulamenta a ozonioterapia como prática do enfermeiro no Brasil. Diário Oficial da União. 20 Fev 2020.
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Nessa perspectiva, a liderança e a autonomia do enfermeiro na APS têm sido destacadas no contexto global e local como uma potente estratégia para atender à demanda crescente por atendimento em saúde, ao mesmo tempo que reduz os problemas decorrentes da escassez de profissionais de saúde em algumas regiões do globo. Recente publicação identificou-se que há um déficit de quase 6 milhões de profissionais, sendo que as regiões mais afetadas são Sudeste Asiático, África e América Latina1010 Pan American Health Organization. Expanding the Roles of Nurses in Primary Health Care. Washington (DC): PAHO; 2018..

No que se refere à regulamentação dessas práticas pela enfermagem, desde 1997, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen)77 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 197 de 19 de março de 1997. Estabelece e reconhece as práticas alternativas como especialidade e/ou capacitação do profissional de Enfermagem. Diário Oficial da União. 19 Mar 1997. busca reconhecer as Pics como uma especialidade da profissão, a partir de várias modalidades terapêuticas. Retrocessos1111 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN Nº 500/2015. Revogar a Resolução Cofen nº 197/1997 a qual estabelece e reconhece as Terapias Alternativas como especialidade e/ ou qualificação do profissional de Enfermagem. Diário Oficial da União. 8 Dez 2015. e avanços88 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 625 de 19 de fevereiro de 2020. Altera a Resolução Cofen nº 581, de 11 de julho de 2018, que atualiza, no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para Registro de Títulos de Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu concedido a Enfermeiros e aprova a lista de especialidades. Diário Oficial da União. 19 Fev 2018. ocorreram nesse processo, reconhecendo, desde 2018, as seguintes especialidades: fitoterapia, homeopatia, ortomolecular, terapia floral, reflexologia podal, reiki, yoga, toque terapêutico, musicoterapia, cromoterapia, hipnose, acupuntura. Recentemente, em 2020, a ozonioterapia foi também incluída no rol das Pics ofertadas pela enfermagem, condicionada à capacitação específica99 Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Parecer Normativo nº 001 de 20 de fevereiro de 2020. Regulamenta a ozonioterapia como prática do enfermeiro no Brasil. Diário Oficial da União. 20 Fev 2020..

Considerando a presença da enfermagem na APS na composição mínima da ESF, os aspectos ampliados de necessidades de saúde dos usuários nesse contexto, parte-se da premissa que as Pics têm sido uma abordagem que amplia o escopo da prática profissional.

Nesse sentido, o estudo teve como objetivo mapear e analisar a oferta das Pics na APS pela enfermagem no município de São Paulo, bem como analisar a interferência da pandemia da Covid-19 na oferta de Pics.

Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa documental de série temporal na qual foram selecionados dados secundários dos procedimentos cadastrados como Pics, realizados pela enfermagem na APS, extraídos do banco de dados oficiais do Departamento de Informática do SUS (Datasus) e gerados pelo Tabnet.

O aplicativo Tabnet é um tabulador genérico que permite organizar dados do portal Datasus - http://datasus.saude.gov.br/ Tem por objetivo disponibilizar publicamente informações que possam contribuir para subsidiar a tomada de decisão e a elaboração de programas e ações em saúde. Nesse sentido, compreende-se que os dados utilizados neste estudo são provenientes do movimento denominado ciência aberta, e utiliza dados abertos para análise das Pics. O estudo foi realizado a partir de dados de acesso universal e públicos, que dão subsídios para a tomada de decisão dos gestores do sistema de saúde de todas as esferas, mas também para interpretação e análise crítica da comunidade científica, por meio do reuso dos dados.

A seleção dos dados no Tabnet considerou: 1) tipo de informação; 2) abrangência geográfica; 3) variáveis; 4) período; e 5) tipo de visualização. Para analisar a oferta das Pics pela enfermagem e analisar a interferência da pandemia da Covid-19 na oferta de Pics, foram levantadas as seguintes informações: 1) número total de procedimentos ambulatoriais por tipo de Pics; 2) município de São Paulo; 3) número total de procedimentos ambulatoriais por tipo de Pics realizados pela enfermagem; 4) período selecionado de janeiro de 2018 a dezembro de 2020; 5) visualização em formato de tabelas.

A organização e a análise dos dados foram realizadas por meio do software Microsoft Excel 2013®. Foi realizada análise percentual de cada tipo de Pics ofertada pela enfermagem e pelo total ofertado no município de São Paulo.

Por se tratar de um estudo com dados secundários, a partir de informações de acesso público e irrestrito, não foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Os objetos de investigação foram o número de atendimentos e os tipos de intervenção ofertadas pela enfermagem na APS; dessa forma, não há identificação de nenhuma pessoa envolvida (nem os usuários nem os profissionais). Portanto, em suma, compreende-se não haver necessidade de tramitação em Comitê de Ética em Pesquisa visto que os dados utilizados neste estudo são de acesso público, e não nominais.

Resultados

O número total de atendimentos por Pics no período analisado foi de 635.379, sendo 183.202 no ano de 2018; 290.787 no ano de 2019 e 161.381 no ano de 2020. A oferta de Pics pela enfermagem totalizou 10.933 procedimentos em 2018, 24.684 em 2019 e 12.651 em 2020, o que correspondeu, aproximadamente, a 6% do total ofertado em 2018, 8,5% do total ofertado em 2019 e 7,8% do total ofertado em 2020 de todas as Pics ofertadas no município de São Paulo no período analisado.

Entre 2018 e 2019, houve aumento de 120% de oferta de Pics pela enfermagem. No ano de 2020, a oferta de Pics teve queda em comparação com 2019, em consonância com o esperado pelo contexto da pandemia da Covid-19, todavia manteve a representatividade da oferta pela enfermagem. O gráfico 1 apresenta a distribuição das Pics ofertadas pela enfermagem e o total (oferta de Pics no município por todos os profissionais) entre os anos de 2018 e 2020.

Gráfico 1
Práticas Integrativas e Complementares em Saúde ofertadas pela enfermagem e o total ofertado no município de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018-2020

Em relação aos tipos de práticas ofertadas no município, é possível identificar um predomínio de acupuntura com inserção de agulhas, auriculorerapia e práticas corporais em medicina tradicional chinesa, correspondendo a mais de 85% de todas as Pics ofertadas, conforme apresentado no gráfico 2.

Gráfico 2
Relação de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde ofertadas no município de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018-2020

No que se refere à enfermagem, constatou-se que 11 tipos de Pics que não foram ofertadas no ano de 2018 pela categoria profissional passaram a ser ofertadas nos anos seguintes: musicoterapia, biodança, constelação familiar, dança circular, sessões de aromaterapia, de cromoterapia, de geoterapia, de imposição de mãos, de terapia de florais e tratamentos antroposófico e em medicina tradicional chinesa. Em contrapartida, a sessão de reiki foi uma das Pics com registros somente no ano de 2018 pela enfermagem.

Do total de 48.268 Pics realizadas pela enfermagem no período analisado, destaca-se que 64% corresponderam à auriculoterapia (n=31.125); 9,6%, às práticas corporais em medicina tradicional chinesa (n=4.660); 5,8%, à imposição de mãos (n= 2.834); 2,4%, à massoterapia (n=1.171); 2,6%, à eletroestimulação (n=1.285); e 2,6%, à meditação (n=1.236). As demais práticas não alcançaram 2% das Pics ofertadas pela enfermagem no período consultado, conforme apresentado na tabela 1.

Tabela 1
Procedimentos de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde totais e ofertados pela enfermagem no município de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018-2020

A maior participação percentual da enfermagem no total da oferta de Pics no município de São Paulo está relacionada com as seguintes práticas: 100% do tratamento naturopático e antroposófico, 76,4% em terapias florais e 70% da aromaterapia. Do total de Pics no município, a enfermagem não registrou oferta de nenhum procedimento de bioenergética, tratamento ayurvédico, fitoterápico, quiroprático e tratamento termal crenoterápico.

Discussão

A enfermagem tem demonstrado tímido percentual de Pics em relação ao total ofertado no município de São Paulo. Apesar de ser uma das profissões que estão presentes na equipe mínima da ESF, as Pics realizadas pela enfermagem não chegam a 10% do total ofertado em nenhum dos três últimos anos analisados.

A integração das Pics nos SUS pode ser conceituada como uma institucionalização dessas abordagens: regulamentação do procedimento, requisitada pela formação e capacitação profissional específica para a sua oferta, monitoramento de resultados (cadastramento numérico do procedimento realizado) com vistas à melhoria do acesso, cobertura e qualidade do atendimento em saúde dos usuários1313 Amado DM, Rocha PRS, Ugarte OA, et al. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde 10 anos: avanços e perspectivas. J. Manag. Prim. Health Care. 2018; 8(2):290-298.. Destaca-se, neste estudo, que, embora timidamente, a oferta das Pics no SUS pela enfermagem pode ser uma das estratégias para consolidar a prática profissional em direção ao atendimento ampliado das necessidades de saúde dos usuários, e não somente uma prática mais autônoma.

No Brasil, pesquisa sobre as Pics na APS, especificamente na ESF, apontaram que os profissionais inseridos nas equipes são os principais responsáveis pela expansão das práticas no SUS, e não relacionaram sua oferta às iniciativas de ordens gerenciais, denotando-se que a presença de Pics são garantidas, sobretudo, por um interesse e disposição dos próprios profissionais em ofertá-las1414 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2019; 36(1):e00208818.. Nesse sentido, este estudo sugere que a enfermagem tem potencial para ampliar o escopo de sua prática na APS por meio das Pics.

Profissionais de saúde compreendem as Pics como cuidado integral, permitindo um novo olhar ao ser humano e ao processo saúde-doença, o que leva os que estão inseridos na APS a buscar estratégias mais humanizadas, que permitam a continuidade e a longitudinalidade do cuidado, atributos essenciais da APS1313 Amado DM, Rocha PRS, Ugarte OA, et al. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde 10 anos: avanços e perspectivas. J. Manag. Prim. Health Care. 2018; 8(2):290-298.

14 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2019; 36(1):e00208818.

15 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002.
-1616 Dalmolin IS, Heidemann ITSB, Freitag VL. Integrative and complementary practices in the Unified Health System: unveiling potentials and limitations. Rev Esc Enferm USP. 2019; 53:e03506.
. Além disso, são consideradas ações de promoção à saúde e redução de danos à medida que reforçam a autonomia e o empoderamento dos usuários por meio de práticas menos invasivas e menos medicalizantes, podem contribuir no atendimento das necessidades da população no processo de envelhecimento e no cuidado de doenças não transmissíveis1717 Park YL, Canaway R. Integrating Traditional and Complementary Medicine with National Healthcare Systems for Universal Health Coverage in Asia and the Western Pacific. Health. Syst. Reform. 2019; 5(1):24-31..

Identificou-se que, entre os anos 2018 e 2020, a enfermagem ofertou 25 modalidades diferentes de Pics no município de São Paulo, com destaque para a prática de auriculoterapia, que correspondeu a 64% desse procedimento ofertado por todas as categorias profissionais na APS.

Na auriculoterapia, considera-se que o pavilhão auricular possui um microssistema de representação dos órgãos vitais e estruturais do corpo. Utilizam-se agulhas, sementes ou cristais para estímulo em pontos específicos. Ao aplicar esses materiais, há transmissão de sinais para o cérebro que modula as funções fisiológicas da respectiva estrutura relacionada, com reequilíbrio do sistema nervoso central e alívio de uma variedade de condições patológicas. Outra constatação é que se trata de um procedimento relativamente simples, de fácil aplicação, rápido e acessível, realizado por profissionais com capacitação específica. Por permitir ser realizado com materiais não invasivos, os efeitos colaterais são mínimos1818 Zhao HJ, Tan JY, Wang T, et al. Auricular therapy for chronic pain management in adults: A synthesis of evidence. Complement. Ther. Clin. Pract. 2015; 21(1):68-78..

A enfermagem como prática baseada em evidência pode se apropriar dos resultados positivos da auriculoterapia no cuidado de mulheres com dismenorreia1919 Sousa FF, Sousa Júnior JFM, Ventura PL. Efeito da auriculoterapia na dor e função sexual de mulheres com dismenorreia primária. Braz. J. Pain. 2020; 3(2):127-130. e doença rara2020 Fabrizzio GC, Gonçalves Júnior E, Cunha KS, et al. Gestão do cuidado de um paciente com Doença de Devic na Atenção Primária à Saúde. Rev. Esc. Enferm. USP. 2018; 52:e03345. descritos em pesquisas. Esses resultados sugerem que se trata de uma prática segura e promissora para a profissão da enfermagem, seja para o cuidado dos trabalhadores na APS ou para o cuidado dos usuários.

Cabe destacar que, além da enfermagem, outras profissões também oferecem Pics na APS por reconhecerem a sua potencialidade na resolução de problemas de saúde e grande aceitação pelos usuários dos serviços. Em pesquisa sobre acupuntura com médicos atuantes na APS, esses elencaram como barreiras para ampliação desse procedimento a limitação de tempo e o espaço físico inadequado, enquanto valorizaram a potencialidade dessa abordagem no manejo das necessidades de saúde apresentadas pelos usuários e a aceitação da prática por eles2121 Bedin F, Moré AOO, Oliveira JC, et al. Profile of acupuncture use among primary care physicians working in the Brazilian public healthcare system. Acupunct. Med. 2020; 38(5):319-26..

O Brasil não é o único país a adotar essa abordagem na APS1717 Park YL, Canaway R. Integrating Traditional and Complementary Medicine with National Healthcare Systems for Universal Health Coverage in Asia and the Western Pacific. Health. Syst. Reform. 2019; 5(1):24-31.,2222 Ponte SB, Lino C, Tavares B, et al. Yoga in primary health care: A quasi-experimental study to access the effects on quality of life and psychological distress. Complement. Ther. Clin. Pract. 2019; 34:1-7.. Pesquisa na APS portuguesa sobre a oferta de Pics por profissionais das equipes, especificamente acerca da prática de yoga, destacou a importância do vínculo com os usuários e revelou que a prática de yoga nesse contexto é viável e segura, com altos índices de adesão e satisfação. A yoga mostrou-se uma abordagem terapêutica que, após 24 semanas de prática, melhorou significativamente todos os domínios da qualidade de vida dos praticantes: saúde geral, bem-estar psicológico, físico, social e ambiental2222 Ponte SB, Lino C, Tavares B, et al. Yoga in primary health care: A quasi-experimental study to access the effects on quality of life and psychological distress. Complement. Ther. Clin. Pract. 2019; 34:1-7.. O mapeamento realizado neste estudo mostrou que a prática de yoga foi quase insignificante, e não atingiu 1% das 48.268 Pics ofertadas pela enfermagem no período, o que demonstra que, apesar de ter sido bem aceita pelos usuários na pesquisa portuguesa2222 Ponte SB, Lino C, Tavares B, et al. Yoga in primary health care: A quasi-experimental study to access the effects on quality of life and psychological distress. Complement. Ther. Clin. Pract. 2019; 34:1-7., não foi ainda adotada amplamente pela enfermagem brasileira, especificamente no município de São Paulo.

Cabe destacar que, embora as Pics sejam vistas como uma abordagem complementar ao atendimento em saúde a partir do modelo biomédico hegemônico2323 Tesser CD, Sousa IMC, Nascimento MC. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira. Saúde debate. 2018; 42(1):174-188., considera-se haver grande potencial da sua oferta pela enfermagem, por sua tradição de pensar o cuidado de forma mais holística e integral. Na última década, houve um aumento na oferta de Pics, sobretudo na APS2222 Ponte SB, Lino C, Tavares B, et al. Yoga in primary health care: A quasi-experimental study to access the effects on quality of life and psychological distress. Complement. Ther. Clin. Pract. 2019; 34:1-7.. No município de São Paulo, os dados apresentados a partir do Tabnet corroboram essa tendência e indicam o aumento na oferta de Pics pela enfermagem entre 2018 e 2019. Esse panorama, inclusive, acompanhou cronologicamente a adoção, pelo município, ao Programa Municipal de Pics2424 São Paulo. Prefeitura de São Paulo. Portaria nº 204, de 27 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre o Programa Municipal de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde - PMPICS- SP, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo. 27 Fev 2019..

Contudo, o contexto da pandemia da Covid-19 modificou esse padrão, ainda que o quantitativo realizado pela enfermagem em 2020 tenha sido superior a 2018, em número e em percentual comparativo com todos os profissionais, visto que essa tendência não se repete quando analisado o total de Pics realizado por todos os profissionais. Do total de Pics por todos os profissionais, em 2020, houve decréscimo de 12% em relação a 2018 e decréscimo de aproximadamente 44% em relação a 2019. Isso demonstra que a oferta de Pics durante o primeiro ano de pandemia da Covid-19 teve impacto diferente entre as categorias profissionais.

Cabe destacar que, apesar do esforço em mapear e analisar a oferta de Pics pela enfermagem no município de São Paulo neste estudo, a partir de dados oficiais, pondera-se que pode não haver exatidão no número de Pics efetivadas pela enfermagem, visto que a demanda da APS é complexa e dificulta o adequado registro de todas atividades realizadas pelos profissionais, assim como pode existir receio de explicitar o tipo de prática ofertada devido a pouca valorização ou desconhecimento por outros profissionais da equipe, inclusive por algumas Pics serem pouco conhecidas e apenas recentemente incluídas e regulamentadas para realização no SUS.

Essa observação pode se ancorar em resultados de pesquisa que buscou convergir os dados sobre Pics no PMAQ-AB e Inquéritos com gestores. Chamou a atenção que 14,7% dos profissionais categorizaram as Pics ofertadas como ‘Outra’ apesar de haver 26 tipos descritos no questionário1414 Barbosa FES, Guimarães MBL, Santos CR, et al. Oferta de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde na Estratégia Saúde da Família no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2019; 36(1):e00208818.. Ou, ainda, que a Pics pode ser parte de um atendimento de demanda espontânea, e não somente como uma prática agendada2121 Bedin F, Moré AOO, Oliveira JC, et al. Profile of acupuncture use among primary care physicians working in the Brazilian public healthcare system. Acupunct. Med. 2020; 38(5):319-26..

Segundo levantamento realizado entre 2004 e 2015, o tai chi pai lin, o lian gong e a meditação mostraram uma crescente ampliação de sua oferta na rede de atenção básica do município de São Paulo2525 Telesi Júnior E. Práticas integrativas e complementares em saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estud. Av. 2016; 30(86):99-112.. Comparativamente ao período de 2018 a 2020, realizado nesta pesquisa, a enfermagem foi responsável por aproximadamente 9% da oferta de práticas corporais da medicina tradicional chinesa; e em relação à meditação, correspondeu a 15% das Pics ofertadas.

Reconhece-se que, entre os anos de 2014 e 2016, o município lançou o plano de capacitação em Pics, com objetivo de capacitar mil novos profissionais para oferta de práticas corporais aos usuários das Unidades Básicas de Saúde (UBS)2626 São Paulo. Plano Municipal de Saúde de São Paulo 2014 - 2017. 2. ed. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo; 2014.. Também foi instituída a Portaria nº 204/20192424 São Paulo. Prefeitura de São Paulo. Portaria nº 204, de 27 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre o Programa Municipal de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde - PMPICS- SP, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo. 27 Fev 2019. para fortalecimento e difusão do Programa Municipal de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. No âmbito da federação, destaca-se que o curso em auriculoterapia promovido pela Ministério da Saúde já formou mais de 4 mil profissionais de saúde da APS brasileira2727 Tesser CD, Moré AOO, Santos MC, et al. Auriculotherapy in primary health care: A large-scale educational experience in Brazil. J. Integr. Med. 2019; 17(4):302-309.. Todas essas iniciativas têm favorecido a adoção de Pics e a ampliação da oferta aos usuários; contudo, este estudo enfatiza que a categoria de enfermagem tem potencial para ampliar o escopo de sua prática a partir das Pics e que a porcentagem comparativa se mostrou baixa.

A oferta de Pics pela enfermagem inclui atividades individuais, como a auriculoterapia, e coletivas, como as práticas mente e corpo da medicina tradicional chinesa, meditação, dança circular, arteterapia, musicoterapia, entre outras. Dessa forma, ao incluir essa abordagem na APS, a enfermagem pode ampliar a compreensão de cuidado considerando a relação mente-corpo e, inclusive, melhorar o atendimento à necessidade de convívio social proporcionado pelas práticas em grupo. As práticas da enfermagem vêm sendo projetadas para reverberar o cuidado de maneira mais humanista, integral, que possam atender à complexidade imbricada nos processos saúde-doença. Nesse sentido, a oferta das Pics na APS segue essa dinâmica e vem, a cada ano, ganhando espaço pelos profissionais e adesão por parte dos usuários.

As Pics valorizam as tecnologias leves e a humanização, como o acolhimento e a escuta, fundamentais para promover o processo de cuidado necessário no contexto da APS, na contramão da queixa-conduta e do movimento de medicalização da vida. Nessa compreensão, as Pics na APS e no SUS, oferecidas pela enfermagem, podem ser mais uma forma de aproximação e apropriação de cuidado integral. Essa compreensão é amparada por pesquisa realizada com usuários, que confirmaram que a oferta de Pics aumentou o diálogo e a negociação com os profissionais acerca de suas necessidades de saúde. As possibilidades da adoção das Pics foram alternativa ao tratamento convencional, como prática complementar; e, até mesmo, em algumas situações tornou-se o tratamento único operado pelos profissionais da APS2828 Faqueti A, Tesser CD. Use of Complementary and Alternative Medicine in primary healthcare in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil: user perception. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(8):2621-2630..

Em estudo realizado com enfermeiros que atuam em equipes de ESF, percebeu-se que o desconhecimento da PNPIC, o desinteresse de gestores, a falta de investimento e a capacitação foram os aspectos dificultadores para a implementação das Pics na APS. Em compensação, a motivação profissional e a recepção positiva dos usuários foram consideradas facilitadores na oferta das Pics na APS2929 Soares DP, Coelho AM, Silva LEA, et al. Intervening factors of Integrative and Complementary Practices in Primary Health Care by nurses. Rev. Enferm. Atenção Saúde. 2019; 8(1):93-102.,3030 Soares DP, Coelho AM, Silva LEA, et al. National Policy on Integrative and Complementary Health Practices: discourse of Primary Care nursing. Rev. Enferm. Cent-Oeste Min. 2019; 9:1-9..

O ano de 2020 foi amplamente divulgado como de destaque para a enfermagem por três motivos: por ter sido definido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e Organização Mundial da Saúde (OMS) como o ano internacional dos profissionais de enfermagem e obstetrícia; pela campanha Nursing Now, que desde 2018 promove o incentivo à educação e desenvolvimento profissional com enfoque na liderança desses profissionais; e, inesperadamente, pelo maior enfrentamento de saúde pública no Brasil e no mundo dos últimos tempos, a pandemia da Covid-19. Diante desse crítico cenário de pandemia, as Pics podem amparar a valorização e a liderança da enfermagem no cuidado em saúde. Podem, inclusive, ser a ponte para reordenar as práticas de saúde da enfermagem na APS no que tem sido considerada a terceira e quarta onda pós-pandemia: prejuízos aos doentes crônicos que tiveram seus tratamentos interrompidos pela pandemia e aumento de transtornos e doenças mentais causados pelo isolamento social e pela perda de familiares, decorrentes da Covid-19.

Nessa mesma perspectiva, em recente publicação, as contribuições das Pics no combate à Covid-19 foram categorizadas em cinco grupos principais: fitoterapia, terapias mente-corpo, intervenções da medicina tradicional chinesa, medicamentos homeopáticos e antroposóficos dinamizados e suplementos; que atuam na resposta imunológica, na saúde mental e no manejo clínico complementar à infecção da Covid-193131 Portella CFS, Ghelman R, Abdala CVM, et al. Evidence map on the contributions of traditional, complementary and integrative medicines for health care in times of Covid-19. Integr. Med. Res. 2020; 9(3):100473.. Destaca-se que, nesse mapeamento realizado, a enfermagem ofertou, no município de São Paulo, yoga, práticas corporais da medicina tradicional chinesa, técnicas de meditação e aromaterapia, com possibilidade de adotar as demais Pics destacadas para o manejo do cuidado comunitário pós-pandemia.

Dessa forma, a oferta de Pics pela enfermagem na APS, no SUS, pode ser considerada uma prática efetiva e inovadora na perspectiva em que privilegia as tecnologias leves, e se distanciam do cuidado hegemônico de medicalização social, da perspectiva de cuidado como consumo de produtos de saúde: consulta médica, exames e medicamentos. As Pics têm sido consideradas abordagem diferencial para a promoção de cuidado integral, longitudinal, ampliada compreensão do processo saúde-doença, com vistas ao bem-estar social e melhor qualidade de vida; por isso essa perspectiva promissora para a enfermagem. Contudo, esse mapeamento demonstrou que a categoria tem se apropriado timidamente das Pics, com baixa representatividade na oferta desse tipo de atendimento no município de São Paulo.

Limitações do estudo

Como limitação deste estudo, aponta-se que pode existir uma subnotificação das Pics ofertadas pela enfermagem na APS e que reflete dificuldades em estimar com precisão o número de atendimentos ofertados dessa abordagem. Considera-se possível haver inadequação nos registros de atividades realizadas por esses profissionais, como, por exemplo, pode ser ofertada nas consultas de enfermagem e nas práticas de grupo sem que apareçam com o nome de Pics.

Contribuições para a área

As Pics na APS ofertadas pela enfermagem são exemplos de atividades que congregam diferentes potencialidades, o cuidado integral, humanizado, apreensão ampliada do processo saúde-doença, mas também têm como potencialidade a consagração da prática profissional com maior valorização e liderança no cuidado em saúde. Manifesta-se também a necessidade de documentação dos procedimentos de Pics pela enfermagem para valorização dessa prática pela categoria profissional.

Conclusões

A oferta de Pics pela enfermagem na APS cresceu no município de São Paulo entre os anos de 2018 e 2019, e esse aumento foi interrompido pela pandemia da Covid-19, em 2020. A enfermagem tem apresentado baixa porcentagem de realização de Pics, visto que, do total ofertado nos três anos analisados, a categoria não foi responsável nem por 10% do total de procedimentos.

Salienta-se que existem dificuldades de ofertar essa abordagem durante a pandemia da Covid-19 devido ao necessário distanciamento social e à suspensão de atividades grupais e eletivas, mas enfatiza-se que as Pics têm potencial para lidar com os problemas que são inferidos na terceira e quarta onda pós-pandemia. Nesse aspecto, a enfermagem pode ampliar a adoção dessa abordagem nas práticas de cuidado individuais e coletivas, com vistas ao cuidado integral, mas também com vistas à valorização e liderança no cuidado em saúde. Infere-se ser possível ampliar o escopo da prática da enfermagem na APS por meio das Pics.

Buscou-se, neste artigo, valorizar a oferta de Pics pela enfermagem na APS, considerando limitações a partir dos dados obtidos, que aventa como possibilidade que seja ofertada com registros de outros procedimentos (como pode ocorrer dentro de uma consulta de enfermagem, por exemplo). Assim, busca-se também promover o adequado registro desses procedimentos pelos profissionais de saúde no SUS. Sugere-se que investimentos em pesquisas sejam feitos sobre Pics e a enfermagem tanto no acompanhamento da ampliação dessas abordagens como para compreensão dos seus efeitos no cuidado ofertado pela categoria no SUS.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    30 Ago 2021
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