Covid-19: repercussões na saúde mental de estudantes do ensino superior

Eliany Nazaré Oliveira Maristela Inês Osawa Vasconcelos Paulo César Almeida Paulo Jorge de Almeida Pereira Maria Socorro Carneiro Linhares Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes Neto Joyce Mazza Nunes Aragão Sobre os autores

RESUMO

Este artigo teve como objetivo avaliar as repercussões da Covid-19 e do isolamento social na saúde mental de estudantes do ensino superior no Ceará, Brasil. A amostra foi composta por 3.691 alunos do ensino superior participando de aulas on-line no período de junho a setembro de 2020, que responderam a dois instrumentos: um questionário sociodemográfico e situacional referente à pandemia/isolamento social e o Inventário de Saúde Mental. Os resultados mostraram que 21,2% dos alunos tiveram suas atividades canceladas, sem expectativa de retorno. A maioria, 77,2%, relatou preocupação com a morte de parentes e conhecidos pela Covid-19. O estado geral de saúde mental médio, medido pelo inventário, foi de 48,8. Esse resultado sugere que os alunos tiveram sua saúde mental afetada pelas condições impostas pela pandemia. Assim, as instituições de ensino devem promover estratégias para proteger a saúde mental da comunidade estudantil.

PALAVRAS-CHAVE
Ensino superior; Pandemia; Alienação social; Saúde mental; Covid-19

Introdução

O surto de coronavírus (Sars-CoV-2, ou infecção por Covid-19), espalhou-se rapidamente por várias regiões do mundo e gerou diferentes impactos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 15 de janeiro de 2021 os casos confirmados de Covid-19 eram 91.816.091 em todo o mundo11 World Health Organization. Coronavirus disease (Covid-19) outbreak. 2021. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019?gclid=EAIaIQobChMI7_qHtLGi7gIVhAeRCh01Lw6cEAAYAiAAEgIxGPD_BwE
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A Covid-19 instalada globalmente se refletiu nas formas de sociabilidade da população. Impôs desafios complexos para o funcionamento das economias locais com a adoção de medidas de isolamento social22 Dweck E, Rocha CF, Freitas F, et al. Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de economia; 2020. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/GIC/GIC_IE_NT_ImpactosMacroSetoriaisdaC19noBrasilvfinal22-05-2020.pdf
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. Com base no Produto Interno Bruto (PIB) mundial33 World Bank. Global Economic Prospects. Washington, CD: World Bank Group; 2020. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/33748
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, estima-se que os impactos macroeconômicos causados pela Covid-19 são maiores que os do registrados após a Segunda Guerra Mundial.

Pouco conhecimento científico sobre o novo coronavírus, a alta velocidade de disseminação e a capacidade de causar mortes em populações vulneráveis levam a incertezas sobre as melhores conduta e estratégias a serem usadas para enfrentar a pandemia no mundo. No Brasil, os desafios são ainda maiores devido a fatores que incluem conhecimento insuficiente sobre as características de transmissão do vírus, um cenário de grande desigualdade social, com milhares de pessoas vivendo em condições precárias de moradia e saneamento, difícil acesso à água e situações de aglomeração44 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de Covid-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 36(5):e00068820. Available at: https://doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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A crise sanitária causada pela epidemia de Covid-19 pegou a população brasileira em uma situação extremamente vulnerável, com altas taxas de desemprego e cortes profundos nas políticas sociais. Além disso, nos últimos anos, especialmente após a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, com a implementação radical de um teto de gastos públicos e políticas econômicas impostas pelo atual governo, há um crescente e intenso entrave nos investimentos em saúde e em pesquisa no Brasil. Entretanto, neste preciso momento de crise, a sociedade exige um sistema científico e tecnológico forte e um sistema único de saúde que garanta o direito universal à saúde44 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de Covid-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 36(5):e00068820. Available at: https://doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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A rápida disseminação da Covid-19 e a grande quantidade de informações divulgadas no contexto da pandemia (algumas não confiáveis) geraram mudanças no comportamento da população, sofrimento psicológico e doença mental55 Qian M, Wu Q, Wu P, et al. Psychological responses, behavioral changes and public perceptions during the early phase of the Covid-19 outbreak in China: a population based cross-sectional survey. MedRxiv, preprint. 2020. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://doi.org/10.1101/2020.02.18.20024448
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. Além disso, a pandemia fez com que uma grande parte dos planos, projetos e expectativas fossem repensados, o que resultou em medo, incerteza e insegurança. Ao mesmo tempo, houve mudanças na educação, tais como suspensão do calendário escolar, introdução de novas metodologias de ensino e incorporação de tecnologias digitais. Este cenário de ensino-aprendizagem, que está carregado de tensão, ansiedade e incertezas, desencadeia desequilíbrios emocionais e problemas de saúde mental.

Um estudo de Son et al.66 Son C, Hegde S, Smith A, et al. Efeitos do Covid-19 na saúde mental de estudantes universitários nos Estados Unidos: Estudo de pesquisa de entrevista. JMIR. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 22(9):e21279. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7473764/
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com 195 estudantes universitários revelou um aumento de estresse e ansiedade em 138 estudantes (71%) devido à pandemia de Covid-19. Segundo a pesquisa, vários estressores relacionados ao estresse, ansiedade e pensamentos depressivos foram identificados entre os estudantes, como medo e preocupação com a própria saúde e a de seus entes queridos (91%), dificuldade de concentração (89%), distúrbios do padrão de sono (86%), diminuição das interações sociais devido às medidas de isolamento (86%), e aumento da preocupação com o desempenho acadêmico (82%).

Antes da pandemia de Covid-19, alguns estudos já haviam identificados os estudantes universitários como uma classe com muitos desafios que afetam a saúde mental77 Mortier P, Auerbach RP, Alonso J, et al. Suicidal thoughts and behaviors among college students and same-aged peers: results from the World Health Organization World Mental Health Surveys. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2018 [access on 2021 Jun 22]; 53(3):279-288. Available at: https://doi.org/10.1007/s00127-018-1481-6
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,88 Alonso J, Mortier P, Auerbach RP, et al. Severe role impairment associated with mental disorders: Results of the WHO World Mental Health Surveys International College Student Project. Depress Anxiety. 2018 [access on 2021 Jun 22]; 35(9):802-814.
. Por exemplo, de acordo com Auerbach et al.99 Auerbach RP, Alonso J, Axinn WG, et al. Mental disorders among college students in the World Health Organization World Mental Health Surveys. Psychol Med. 2016 [access on 2021 Jun 22]; 46(14):2955-2970. Available at: https://doi.org/10.1017/S0033291716001665
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, um em cada cinco estudantes universitários sofre de um ou mais distúrbios mentais diagnosticáveis em todo o mundo.

Durante a pandemia, todas as instituições de ensino superior decidiram suspender as aulas presenciais regulares e afastar os estudantes devido às crescentes preocupações. Para alguns especialistas, esta ação pode gerar consequências psicológicas negativas entre os estudantes universitários. Além disso, o fechamento de escolas pode trazer emoções negativas, já que para muitos estudantes o campus universitário é um lugar acolhedor para encontrar amigos1010 Zhai Y, Du X. Addressing collegiate mental health amid covid-19 pandemic. Psychiatry Research. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 288:113003. Available at: https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.113003
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Neste contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar as repercussões da Covid-19 e do isolamento social sobre a saúde mental dos estudantes de educação superior no estado do Ceará, Brasil.

Material e métodos

Este é um estudo exploratório, descritivo, utilizando uma abordagem transversal. A pesquisa transversal é caracterizada pela exposição a um determinado fator ou causa e a medição de causa e efeito ao mesmo tempo1111 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de Pesquisa em Enfermagem: avaliação de evidências para a prática da enfermagem. 7. ed. Porto Alegre: Artmed; 2011.,1212 Rouquayrol MZ, Gurgel M. Epidemiologia e saúde. 8. ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2017..

A população foi de aproximadamente 260.000 estudantes matriculados em universidades públicas ou privadas, em centros de ensino superior e faculdades no Ceará, Brasil1313 Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior 2018: notas estatísticas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2019.. O cálculo do tamanho da amostra foi baseado em uma prevalência de 20% de estudantes universitários com baixos níveis de saúde mental na região norte do estado do Ceará1414 Oliveira LS. Qualidade de vida e saúde mental de estudantes universitários. [dissertation]. Sobral: Universidade Federal do Ceará; 2019. 142 p.. Estabelecemos um nível de significância de 1% e um erro absoluto de amostragem de 2%. Estes valores são relativos a populações infinitas (N=260.000), resultando no tamanho da amostra de 2.662 estudantes. Devido à possibilidade de questionários devolvidos ou incompletos e sem retorno, foi adicionado um valor de 25%, resultando em uma amostra de 3.691 alunos.

Um total de 3.691 estudantes universitários participaram do estudo. Os critérios de inclusão foram a idade, 18 anos ou mais, e matrícula ativa em uma instituição de ensino superior no estado do Ceará. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário de perfil sociodemográfico e situacional em relação à pandemia e ao isolamento social. Também foi utilizada uma versão adaptada do Inventário de Saúde Mental (MHI-38), um modelo de investigação epidemiológica desenvolvido por pesquisadores do Rand Corporation Health Insurance Study. Este último instrumento visa avaliar a saúde mental nas populações gerais ou específicas numa perspectiva bidimensional, incluindo aspectos positivos e negativos1515 Ribeiro JLP. Inventário de saúde mental. Lisboa: Placebo Editora; 2011..

O MHI tem uma grande capacidade discriminativa, sendo utilizado em jovens para estudar o desenvolvimento positivo e as dificuldades nos processos de ajuste de forma global. Também tem sido considerado um bom instrumento para diferenciar níveis de saúde mental em pessoas sem condições psicopatológicas ou disfuncionais. A pesquisa tem demonstrado sua utilidade e adequação em diferentes culturas e populações não-clínicas, tanto na Europa quanto no Brasil1616 Damásio BF, Borsa JC, Koller SH. Adaptation and psychometric properties of the Brazilian Version of the Five-item Mental Health Index (MHI-5). Psicol. Reflexo. Crit. 2014 [access on 2021 Jun 22]; 27(2):323- 30. Available at: https://doi.org/10.1590/1678-7153.201427213
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,1717 Trainor K, Mallett J, Rushe T. Age related differences in mental health scale scores and depression diagnosis: Adult responses to the CIDI-SF and MHI-5. J Affect Disord. 2013 [access on 2021 Jun 22]; 151(2):639-45. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23993442
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O instrumento MHI contém 38 itens distribuídos em cinco escalas, agrupadas em duas principais dimensões. A dimensão do sofrimento psicológico (negativa) inclui indicadores negativos tradicionais de sofrimento psicológico divididos nas seguintes subdimensões: Escalas de Ansiedade (10 itens), Depressão (5 itens), e Perda de controle emocional ou comportamental (9 itens). A dimensão de Bem-Estar Psicológico (positivo) abrange estados positivos de saúde mental e é dividida em escalas de Afeto positivo geral (11 itens) e de Laços emocionais (3 itens). O instrumento é pontuado usando escalas do tipo Likert de cinco a seis pontos. Cada dimensão deriva da soma bruta dos subitens e a soma das duas dimensões (negativa e positiva) fornece o Índice de Saúde Mental. Valores altos do MHI correspondem a altos níveis de sanidade mental1515 Ribeiro JLP. Inventário de saúde mental. Lisboa: Placebo Editora; 2011..

O MHI-38 foi testado psicometricamente usando os seguintes procedimentos: cada uma das dimensões primárias, subdimensões e a escala global teve seus valores calculados pela soma das respostas dadas pelos indivíduos (após o processo de recodificação mencionado acima). Em seguida, as dimensões Bem-Estar e Sofrimento foram citadas da seguinte forma: Bem-Estar = (Dim2 - Apego emocional) + (Dim1 - Afeto positivo geral); e Sofrimento = (Dim3 - Perda de controle emocional ou comportamental) + (Dim4 - Ansiedade) + (Dim5 - Depressão). Ao final, a escala global foi calculada da seguinte forma: MHI-38 = Bem-Estar + Sofrimento.

Os resultados foram transformados, para fins de comparação, em pontuações finais variando de ‘0’ a ‘100’. O seguinte algoritmo foi usado para transformar os resultados em pontos: = 100 x (pontuação bruta - pontuação mais baixa possível) / (variação da pontuação) [variação da pontuação = pontuação mais alta possível - pontuação mais baixa possível].

Dado o cenário atípico e a obrigação de isolamento social e de interrupção das aulas presenciais, o recrutamento dos participantes foi feito por meio das redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter) usando a técnica de bola de neve. Segundo Flick1818 Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009., esta técnica de coleta de dados é como um bom repórter que descobre ‘pistas’ de uma pessoa para outra. Inicialmente, o pesquisador especifica as características dos membros da amostra selecionada, depois identifica uma pessoa ou um grupo de pessoas com características similares de interesse para o estudo. Em seguida, o pesquisador apresenta a proposta do estudo e, após obter/registrar tais características, solicita que os participantes indiquem outras pessoas.

O instrumento de pesquisa foi criado e disponibilizado aos participantes através do Google Forms, disponível em: https://forms.gle/YdD8iPKT4EyJz5fC8 Um formulário de consentimento informado contendo explicações gerais sobre o estudo e sua natureza voluntária também foi disponibilizado antes da participação. Devido às circunstâncias impostas pela pandemia, o formulário de consentimento on-line não nos permitiu coletar a assinatura e um e-mail foi enviado aos participantes com o objetivo de coletar formulários de consentimento assinados. A coleta de dados foi realizada entre 6 de julho e 10 de setembro de 2020.

Uma análise descritiva dos resultados foi realizada. Primeiro, o teste estatístico qui-quadrado foi aplicado para avaliar comportamentos, sentimentos e o gênero. Em seguida, o teste Anova foi aplicado para correlacionar os resultados do MHI-38 e o gênero. A comparação de médias foi realizada usando o teste Anova, seguido de múltiplas comparações pelo teste Games-Howell.

Resultados e discussão

De acordo com a tabela 1, a maioria dos estudantes foi de mulheres (61,4%) de Fortaleza e Sobral (28,1% e 20,4%, respectivamente), solteiras (85,0%) e autodeclaradas pardas e brancas (54,1% e 30,6%, respectivamente).

Tabela 1
Dados sociodemográficos

As mulheres, em geral, parecem aderir mais aos estudos, especialmente aqueles sobre saúde mental. Por exemplo, em um estudo realizado no Rio Grande do Sul sobre a Covid-19 e seus impactos na saúde mental, 82,7% da amostra eram mulheres1919 Duarte MQ, Santo MAS, Lima CP, et al. Covid-19 e os impactos na saúde mental: uma amostra do Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 25(9):3401-3411. Available at: https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.16472020
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O estado civil dos participantes de nosso estudo foi semelhante ao encontrado em um estudo realizado com 460 estudantes portugueses, no qual 99,3% da amostra eram solteiros e 81,4% composta por mulheres solteiras2020 Maia BR, Dias PC. Ansiedade, depressão e estresse em estudantes universitários: o impacto da Covid-19. Estud. psicol. (Campinas). 2020 [access on 2021 Jun 22]; 37:e200067. Available at: https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200067
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Segundo dados do Mapa do Ensino Superior Brasileiro de 20192121 SEMESP. Mapa do Ensino Superior no Brasil. 2019. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://www.semesp.org.br/wpcontent/uploads/2019/06/Semesp_Mapa_2019_Web.pdf
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, a maioria dos estudantes de Instituições de Ensino Superior no país tem perfil bem definido: brancos, mulheres, entre 19 e 24 anos de idade, estudando em instituições privadas, com aulas à noite, fizeram o ensino médio em escolas públicas, moram com os pais e trabalham com uma renda de até dois salários mínimos.

Em um estudo realizado no estado do Ceará sobre os aspectos comportamentais e crenças da população durante a pandemia de Covid-19 observou-se que a abordagem da pandemia de Covid-19 varia de acordo com aspectos sociais, tais como idade, sexo, educação, local de residência e sistema de crenças2222 Lima NT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de Covid-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 36(7):e00177020. Available at: https://doi.org/10.1590/0102-311x00177020
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Neste cenário de crise sanitária, isolamento e distanciamento social, os estudantes do ensino superior sofreram significativamente os impactos no processo educacional.

A tabela 2 mostra aspectos importantes relacionados ao processo ensino-aprendizagem durante o isolamento social. Entre os estudantes entrevistados, 1.492 (40,4%) estavam matriculados em atividades acadêmicas remotas com atividades e avaliações parcialmente on-line, e 1.305 (35,4%) estavam matriculados em atividades e avaliações de ensino a distância. Além disso, 21,2% dos estudantes afirmaram que as atividades foram canceladas, sem previsão de retorno.

Tabela 2
Condições de aprendizagem e percepções do isolamento social

A crise sanitária global levou ao cancelamento das aulas presenciais regulares. As instituições educacionais precisavam se adaptar para reduzir os danos pedagógicos e os riscos à saúde pública, garantindo a manutenção de uma educação de qualidade e segura. Sabemos que cabe aos órgãos decisórios de tais instituições adotar medidas para apoiar as decisões dos professores sobre como conduzir suas aulas. Serão necessários ajustes nos planos de desenvolvimento institucional, projetos pedagógicos dos cursos e gestão departamental para lidar com a situação emergencial2323 Gusso HL, Archer AB, Luiz FB, et al. Ensino superior em tempos de pandemia: diretrizes à gestão universitária. Educ. Soc. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 41:e238957. Available at: https://doi.org/10.1590/es.238957
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Os alunos relataram estar satisfeitos com a participação nas atividades educacionais à distância durante o isolamento social. As respostas foram variadas e usando uma escala de 0 a 10 e somando as respostas pontuadas de 0-5 e 5-6 observa-se que metade da amostra ficou satisfeita e a outra metade insatisfeita.

Quando as aulas migram para o ensino a distância, uma questão a ser levantada é se alunos e professores têm acesso a computadores de boa qualidade e à internet. Antes da pandemia, a maioria das casas tinham um computador pessoal disponível e era suficiente para toda a família. No entanto, a pandemia fez muitas pessoas trabalharem remotamente e ter apenas um computador não era compatível com as novas exigências. Assim, muitas pessoas começaram a usar seus computadores para trabalhar. Segundo Dias e Pinto2424 Dias É, Pinto FCF. A Educação e a Covid-19. Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 28(108):545-554. Available at: https://doi.org/10.1590/s0104-40362019002801080001
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, estudantes e professores que costumavam ter computadores disponíveis em casa não tinham mais acesso ilimitado a eles.

Para Gusso et al.2323 Gusso HL, Archer AB, Luiz FB, et al. Ensino superior em tempos de pandemia: diretrizes à gestão universitária. Educ. Soc. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 41:e238957. Available at: https://doi.org/10.1590/es.238957
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, a necessidade emergencial de educação remota pode ter trazido limitações relacionadas ao tempo, planejamento, treinamento e suporte técnico com efeitos negativos na qualidade do ensino. Além disso, as consequências podem ser percebidas nas instituições que adotaram tal modelo de ensino até o final do primeiro semestre acadêmico após o início da pandemia e podem incluir: 1) baixo desempenho acadêmico dos estudantes; 2) maior reprovação; 3) maior probabilidade de abandono do ensino superior; e 4) sobrecarga de trabalho dos professores devido ao acúmulo de atividades e aos desafios de lidar com novas tecnologias.

Algumas dificuldades relatadas em estudos sobre educação remota durante a pandemia incluem: falta de contato físico com colegas, problemas de acesso à internet, excesso de atividades, aspectos pessoais que afetam o monitoramento integral dos estudantes, falta de conhecimento tecnológico de alguns professores, dificuldade para oferecer materiais facilmente acessíveis aos estudantes, dificuldade de acesso às plataformas virtuais ou de localizar links e e-mails, falta de acesso a computadores/smartphones com memória suficiente para evitar falhas, dificuldade de ajustar horários para conciliar as aulas (devido ao aumento da demanda), distanciamento físico das pessoas e comprometimento das relações interpessoais2525 Vercelli LCA. Aulas remotas em tempos de Covid-19: a percepção de discentes de um programa de mestrado profissional em educação. Revista @mbienteeducação. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 13(2):47-60. Available at: http://publicacoes.unicid.edu.br/index.php/ambienteeducacao/article/view/932
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,2626 Ribeiro Junior MC, Figueiredo LS, Oliveira DCA, et al. Ensino remoto em tempos de Covid-19: aplicações e dificuldades de acesso nos estados do Piauí e Maranhão. Boletim de Conjuntura (BOCA). 2020 [access on 2021 Jun 22]; 3(9):107-126. Available at: http://dx.doi.org/10.5281/zenodo.4018034
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Vale lembrar que no Brasil, antes da pandemia, o ensino a distância só era autorizado para o ensino superior (total ou compreendendo até 40% da carga horária), e parcialmente para o ensino médio (até 30% da carga horária durante a noite e 20% durante o dia). Além disso, a legislação brasileira atual não permite o ensino a distância na educação infantil e no ensino fundamental. No entanto, dada a emergência sanitária e a situação atípica, as regras de ensino foram flexibilizadas para que os alunos pudessem ter aulas à distância2727 Paz I. Desafios do ensino remoto na pandemia: Adaptações repentinas, desigualdade de acesso a tecnologias e configurações adversas de lares dificultam aprendizagem longe da sala de aula. Revista Babel. 2020 [access on 2020 Nov 8]. Available at: http://www.usp.br/cje/babel/?p=168
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A preocupação dos alunos com a continuidade das aulas presenciais regulares foi bastante expressiva (48,8%). Em uma escala de 0 a 10, observa-se que a demonstração deste sentimento foi notória. O medo de ser infectado pelo vírus também se destacou entre as respostas (76,7%).

Observamos também que as preocupações dos estudantes estão alinhadas com as apresentadas pela população em geral: preocupação com a gravidade da doença no município (55,7%), no estado (50,9%), no Brasil (63,0%), no mundo (56,5%), e preocupação com a morte de uma pessoa da família/amigo de Covid-19 (77,2%).

De acordo com monitoramento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mais de 160 países decretaram lockdown em seus territórios impactando mais de 87% da população estudantil mundial2828 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Suspensão das aulas e resposta à Covid-19. 2020. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse
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. Neste cenário, a expectativa é a de que as pessoas se preocupem mais sobre o que pode acontecer com suas vidas com muitos efeitos negativos sobre a saúde mental.

Os estudantes relataram ter medo de serem infectados pelo coronavírus (58,8%), especialmente estudantes do sexo feminino (79,7%) e a maioria relatou estar adaptada à nova rotina imposta pela pandemia.

O medo de perder um parente ou um amigo devido ao coronavírus foi uma das principais preocupações relatado por (79,9%) de estudantes do sexo feminino, (72,8%) do sexo masculino e (82,4%) dos participantes não-binários.

Como processo social, morrer tem sido um grande desafio durante a pandemia devido às dificuldades impostas pelo isolamento. As experiências relacionais permitem compreender e aceitar a terminalidade, mas a proibição de rituais funerários (que poderiam facilitar a entrada dos familiares no processo de luto) afeta os mecanismos para lidar com a perda2929 Ingravallo F. Death in the era of the Covid-19 pandemic. The Lancet Public Health. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 5(5):e258. Available at: https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30079-7
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A pandemia trouxe mudanças drásticas nas circunstâncias que envolvem a morte e o luto. Como consequência, milhares de pessoas estão vivendo em condições adversas ao passarem pela experiência da perda de um ente querido, aumentando o risco de desenvolverem sofrimento mental persistente3030 Dantas CR, Azevedo RCS, Vieira LC, et al. O luto nos tempos da Covid-19: desafios do cuidado durante a pandemia. Rev. Latinoam. Psicopatol. Fundam. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 23(3):509-533. Available at: https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p509.5
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A tabela 3 mostra que as mulheres se preocupam mais do que os homens em todas as questões pesquisadas. Outros estudos seguem esta tendência. Por exemplo, Barros et al.3131 Barros MBA, Lima MG, Malta DC, et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 29(4):e2020427. Available at: http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742020000400018
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analisaram a frequência de tristeza, nervosismo e distúrbios do sono durante a pandemia de Covid-19 no Brasil e constataram maior impacto psicológico do isolamento social nas mulheres. O mesmo estudo identificou maior frequência de sentimentos de depressão, tristeza, ansiedade e falta de sono entre as mulheres.

Tabela 3
Comportamentos e sentimentos durante a pandemia

Um estudo de Pereira et al.3232 Pereira C, Medeiros A, Bertholini F. O medo da morte flexibiliza perdas e aproxima polos: consequências políticas da pandemia da Covid-19 no Brasil. Rev. Adm. Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 54(4):952-968. Available at: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200327
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analisou até que ponto o medo da morte pode alterar as percepções e crenças dos indivíduos e os resultados sugeriram que à medida que os indivíduos tomavam consciência de vítimas fatais entre seus conhecidos, suas percepções mudavam. Como resultado, alguns indivíduos se tornaram favoráveis ao isolamento e dispostos a adotá-lo por períodos mais longos.

A segunda preocupação mais frequente diz respeito à gravidade da doença (65,2% de mulheres, 59,4% dos homens e 70,6% participantes não-binários). A epidemia da Covid-19 ocorreu num período em que a população brasileira se encontrava extremamente vulnerável, com taxas de desemprego muito elevadas e cortes significativos nas políticas sociais. Nos últimos anos, a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 (que impõe uma redução radical dos gastos públicos) e das políticas econômicas implementadas pelo governo causou um entrave crescente e intenso nos investimentos em saúde e pesquisa no Brasil44 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de Covid-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 36(5):e00068820. Available at: https://doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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O medo dos estudantes quanto à seriedade da Covid-19 no Brasil pode estar relacionado ao que Werneck e Carvalho44 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de Covid-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad. Saúde Pública. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 36(5):e00068820. Available at: https://doi.org/10.1590/0102-311X00068820
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alegam, já que o panorama epidemiológico do país com o número crescente de casos e mortes se soma à falta de medidas para proteger a população brasileira e à supressão pelo governo federal das recomendações das autoridades sanitárias nacionais e internacionais.

A tabela 4 mostra os resultados da avaliação do MHI-38 com ênfase nas melhores pontuações do estado de saúde mental. As altas pontuações correspondem a altos índices de sanidade mental (níveis reduzidos de ansiedade, depressão e perda de controle emocional). As notas obtidas foram medianas em todas as dimensões (com desvios padrão em torno de 20), indicando que alguns estudantes podem ter obtido notas ‘muito baixas’ ou ‘muito altas’1515 Ribeiro JLP. Inventário de saúde mental. Lisboa: Placebo Editora; 2011..

Tabela 4
Dimensões de saúde avaliadas pelo Inventário de Saúde Mental

De acordo com um estudo realizado em 2019 com 880 estudantes antes da pandemia, e com o uso do MHI-38, o estado geral de sanidade mental era de 53,4, o índice de angústia era de 56,1, bem-estar positivo de 48,9, ansiedade de 52,6, depressão de 58,7, perda de controle de 58,6, afeto positivo de 47,7 e laços emocionais com 53,41414 Oliveira LS. Qualidade de vida e saúde mental de estudantes universitários. [dissertation]. Sobral: Universidade Federal do Ceará; 2019. 142 p.. Os autores concluíram que a saúde mental dos estudantes foi afetada, uma vez que todas as sub-dimensões tiveram baixa pontuação. Nogueira e Sequeira3333 Nogueira MJ, Sequeira C. A Saúde Mental em Estudantes do Ensino Superior: Relação com o género, nível socioeconómico e os comportamentos de saúde. Rev. Port. Enferm. Saúde Mental. 2017 [access on 2021 Jun 22]; (5):51-56. Available at: http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0167
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também avaliaram a sanidade mental dos estudantes de ensino superior usando a Escala Global de Saúde Mental (MHI-38), e a pontuação média encontrada foi 64,3, que é maior do que a encontrada em nossa pesquisa (48,8).

Em um estudo que identificou indicadores de estresse psicossocial durante a pandemia, aqueles que estavam em isolamento social temiam serem infectados pelo vírus, se preocupavam com a necessidade de sair de casa, tinham o padrão de sono alterado e relatavam tristeza ou preocupação, resultando na necessidade de realizar atividades para aliviar o sofrimento3434 Bezerra CB, Saintrain, MVL, Braga DRA, et al. Impacto psicossocial do isolamento durante pandemia de covid-19 na população brasileira: análise transversal. Saude Soc. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 29(4):e200412. Available at: https://doi.org/10.1590/S0104-12902020200412
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Quanto ao gênero, a tabela 5 mostra que a pontuação dos estudantes do sexo masculino foi maior em todas as dimensões avaliadas. O grupo não-binário teve as notas mais baixas. Em todas as comparações, os resultados foram estatisticamente significativos.

Tabela 5
Pontuações de saúde mental avaliadas pelo Inventário de Saúde Mental usando gênero como elemento de comparação

Na China, um estudo avaliou 52.730 pessoas durante a pandemia e constatou que cerca de 35% dos entrevistados apresentaram problemas psicológicos com as mulheres passando por sofrimento psicológico significativamente maior3535 Qiu J, Shen B, Zhao M, et al. A nationwide survey of psychological distress among Chinese people in the COVID-19 epidemic: implications and policy recommendations. Gen Psychiatr. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 33(2):e100213. Available at: http://dx.doi.org/10.1136/gpsych-2020-100213
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Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com 2.534 estudantes de sete universidades, entre final de fevereiro a meados de maio de 2020, mostrou que os alunos sofreram impactos negativos em sua saúde mental e estilo de vida. Quanto aos fatores sociodemográficos, as mulheres estavam mais sujeitas aos riscos do que os homens3636 Browning MH, Larson LR, Sharaievska I, et al. Impactos psicológicos do COVID-19 entre estudantes universitários: Fatores de risco em sete estados dos Estados Unidos. PLoS ONE. 2021 [access on 2021 Jun 22]; 16(1):e0245327. Available at: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0245327
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O estudo ‘The Impact of the Covid-19 Pandemic on the Mental Health of University Students: a longitudinal examination of risk and protection factors’ (‘O Impacto da Pandemia de Covid-19 na Saúde Mental de Estudantes Universitários: um exame longitudinal de fatores de risco e proteção’) mostra uma associação entre o gênero feminino e o sofrimento psicológico. As mulheres relataram maior transtorno nas atividades diárias, na saúde mental e física e nas finanças pessoais do que os homens3737 Zimmermann M, Bledsoe C, Papa A. The impact of the Covid-19 pandemic on college student mental health: A longitudinal examination of risk and protective factors. PsyArXiv Preprints. 2020. [access on 2021 Jun 22]. Available at: https://doi.org/10.31234/osf.io/2y7hu
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Na Itália, os resultados do estudo ‘Affective temperament, attachment style and the psychological impact of the Covid-19 outbreak’ (‘Temperamento afetivo, estilo de apego e impacto psicológico do surto de Covid-19’) identificaram que os homens estavam, até certo ponto, menos propensos a desenvolver sintomas psicológicos diante de um evento estressante. Por outro lado, as mulheres mostraram-se mais vulneráveis a estímulos estressantes; conseqüentemente, elas apresentaram maior sofrimento mental3838 Moccia L, Janiri D, Pepe M, et al. Temperamento afetivo, estilo de apego e o impacto psicológico do surto de Covid-19: um primeiro relatório sobre a população italiana em geral. Brain, Behavior and Immunity. 2020 [access on 2021 Jun 22]; 87:75-79. Available at: https://doi.org/10.1016/j.bbi.2020.04.048
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Pontos fortes e limitações

Os principais pontos fortes deste estudo foram a identificação das condições de ensino e aprendizagem durante a pandemia e o isolamento social; a identificação de sentimentos e percepções diante da crise sanitária; e o reforço do uso do MHI-38 como instrumento para medir as dimensões psicossociais afetadas durante a pandemia.

A abordagem virtual utilizada para o recrutamento e participação das pessoas pode ser considerada uma limitação do estudo. Além disso, a coleta de dados pode ter sido realizada no momento mais crítico da pandemia (junho a setembro de 2020), quando todos pareciam estar cansados e desmotivados devido ao isolamento social. Outra limitção é a distribuição desigual de universidades no estado do Ceará. Como consequência, a adesão à participação no estudo foi maior entre os estudantes de instituições públicas, com maior envolvimento de estudantes de Fortaleza e Sobral.

Conclusões

A crescente disseminação da Covid-19 pelo mundo, o isolamento social, dúvidas e incertezas sobre como controlar a doença e sua gravidade, a imprevisibilidade de sua duração e a previsão de produção de vacinas e tratamento, a circulação de notícias falsas em torno da pandemia são fatores que representam riscos para a saúde mental da população em geral.

Para os estudantes, a suspensão das atividades escolares presenciais e a adaptação a novas metodologias de ensino-aprendizagem podem, neste momento de instabilidade e incerteza, causar distúrbios mentais ou desencadear transtornos psicológicos. Como já demonstrado pelos autores, os estudantes universitários têm altas taxas de prevalência de sintomas de ansiedade e depressão, que podem até ser maiores do que os encontrados na população em geral.

O presente estudo mostrou a importância da pesquisa sobre as repercussões da pandemia de Covid-19 na saúde mental dos estudantes universitários cearenses, apontando indícios das situações que os colocam em estado vulnerável.

Quanto ao ensino e à aprendizagem durante o isolamento social, muitos estudantes continuaram suas atividades estudantis remotamente. Outros tiveram as atividades escolares canceladas e sem previsão de retorno.

O resultado geral sugere que a saúde mental dos estudantes foi afetada pelo isolamento social imposto pela pandemia, com maior intensidade entre as mulheres.

Assim, conhecer a saúde mental e o bem-estar psicossocial dos estudantes neste cenário de crise global sanitária é relevante para educadores, pais e profissionais de saúde.

Os órgãos educacionais podem apresentar alternativas para minimizar os impactos negativos na saúde mental dos estudantes. É essencial criar ou melhorar centros de apoio psicossocial para monitorar os estudantes no cenário atual.

Conclui-se que os universitários do Ceará foram negativamente afetados pela pandemia de Covid-19 e cabe às instituições educacionais promover estratégias para a proteção da saúde mental deste grupo por meio de projetos para identificar estudantes com problemas de adaptação à situação pandêmica e criar redes de assistência a esses estudantes.

Algumas recomendações para instituições de ensino superior incluem: criar uma comissão técnica para monitorar indicadores de saúde mental, planejar e implementar ações para responder às necessidades institucionais, realizar estudos para avaliar a saúde mental de estudantes, professores e trabalhadores, realizar projetos para acolher estudantes durante e após a pandemia e a implementação de um serviço permanente de apoio psicossocial na universidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2020
  • Aceito
    08 Fev 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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