Vulnerabilidade, Cuidado e integralidade: reconstruções conceituais e desafios atuais para as políticas e práticas de cuidado em HIV/Aids

José Ricardo Ayres Sobre o autor

RESUMO

As práticas de saúde de modo geral, e a resposta à epidemia de HIV/Aids em particular, atravessam período crítico e desafiador no contexto social e político do Brasil no momento atual. O presente ensaio teve como objetivo discorrer sobre alguns desses desafios e os construtos conceituais que se julgam relevantes como recursos para seu enfrentamento. A reflexão destaca a resistência à biomedicalização, às abordagens individualizantes e ao abandono da perspectiva dos direitos humanos como grandes desafios do combate à Aids e discute como os conceitos reconstrutivos de vulnerabilidade, Cuidado e integralidade, desenvolvidos no ambiente da reforma sanitária, da conformação do Sistema Único de Saúde e da própria construção da resposta brasileira à epidemia de HIV/Aids, podem trazer subsídios relevantes para a resistência ao desmonte das conquistas alcançadas e à construção de novos caminhos emancipadores para a saúde coletiva.

PALAVRAS-CHAVE
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Direitos humanos; Vulnerabilidade em saúde; Integralidade em saúde

Outra ameaça constante a ser superada, e que muitas vezes vem de mãos dadas com a anterior, é a individualização da resposta à epidemia. Se, por um lado, não deixam de ser importantes propostas que valorizem a liberdade das pessoas escolherem os modos de prevenção e tratamento que façam mais sentido para elas nos seus contextos singulares de vida e valores, por outro, ignorar que a maior das autonomias será sempre dependente dos contextos intersubjetivos nos quais as pessoas estão imersas, determinando largamente suas escolhas e possibilidades de implementá-las, é também construir outra ilusão paralisadora. Mais que isso, é uma perspectiva profundamente injusta, posto que diversos contextos intersubjetivos limitarão de tal forma o espectro de escolhas e possibilidades de sua implementação que falar de autonomia para se proteger do HIV/Aids soará aí quase como sarcasmo. Isso sem falar no aspecto estrutural, que já de largo conhecemos, no fato de que toda epidemia nasce das formas como coletivamente organizamos nossas relações entre nós e o nosso meio, e de que só coletivamente, portanto, poderemos transformar essas relações de modo a evitá-las e/ou controlá-las.

Por fim, destacaria o aspecto, já apontado ao início, da ameaça que representa o abandono dos direitos humanos como perspectiva orientadora do sentido das intervenções sobre o HIV/Aids, seja nas práticas de prevenção, seja nas de tratamento ou reabilitação. Embora saibamos dos limites desse referencial e do quanto sua concepção e linguagem estão ainda atravessados por aspectos colonialistas (base de racismos, etnocentrismos e diversas outras formas de discriminação), não me parece haver referência normativa mais aberta à reconstrução e ao compromisso com liberdade, equidade e felicidade humanas para a proposição e avaliação de políticas e ações de saúde pública.

Por perseguir critérios que cotejam diretamente a autoridade tecnocientífica com valores que extrapolam seu território de validade, isto é, por submeter os ‘como fazer’ da técnica ao escrutínio do ‘o que deve ser feito’, do ‘o que não pode ser feito’ e do ‘por que deve ou não ser feito’, próprios ao território discursivo dos direitos humanos, abrem-se possibilidades de definição de parâmetros para juízos mais públicos, éticos, politizados e socialmente sensíveis para a construção de respostas à epidemia de HIV/Aids, como aos demais desafios da promoção e proteção da saúde.

É válido destacar aqui três desses conceitos reconstrutivos que me parecem importantes para buscar enfrentar as ameaças acima, ou ao menos resistir ao seu avanço: vulnerabilidade, Cuidado e integralidade.

Comecemos pelo conceito de vulnerabilidade. Em um breve retrospecto, lembremos que o conceito aparece pela primeira vez na literatura com algum grau de sistematização no livro Aids in the World, organizado por Jonathan Mann, Daniel Tarantola e Thomas Netter e publicado nos Estados Unidos em 1992, depois traduzido para o português e editado no Brasil com organização de Richard Parker, Jane Galvão e José Stalin Pedrosa33 Mann J, Tarantola DJM, Netter TW. A aids no mundo. Rio de Janeiro: ABIA; IMS-UERJ; 1993.. O quadro conceitual avança e é retomado de forma mais aprimorada em Aids in the World II44 Mann J, Tarantola DJM. Aids in the world II. New York: Oxford University Press; 1996., editado por Mann e Tarantola, este não editado no Brasil. Aqui a relação entre vulnerabilidade e direitos humanos é claramente explorada.

Para além da participação de brasileiros, como Herbert Daniel e Richard Parker, no processo que gerou as publicações na América do Norte, iniciativa da Global Aids Policy Coalition, a chegada do conceito no Brasil encontrou um momento fecundo, tanto do ponto de vista político, com a reconstrução democrática pós-ditadura em ebulição desde a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, quanto no aspecto tecnocientífico, com importantes subsídios vindos da saúde coletiva, da educação, na perspectiva freiriana, da psicologia social construcionista, e das ciências sociais críticas. No entrecruzamento entre um contexto sociopolítico progressista e um ambiente acadêmico efervescente, um terceiro elemento mediador foi fundamental nesse cenário: os direitos humanos. Elemento impulsionador dos movimentos sociais na reivindicação de políticas eficazes e equitativas para responder à epidemia, a referência dos direitos humanos passou a ser um estímulo e um norte para a reconstrução conceitual a que venho me referindo55 Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I: Da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012..

Toda a crítica já formulada em relação ao preventivismo, à ‘educação bancária’ e às abordagens comportamentalistas no campo da saúde encontrou no quadro da vulnerabilidade uma potente oportunidade reconstrutiva de conceitos aplicados à saúde pública e à prevenção no contexto dos anos 1980-199066 Castellanos MEP, Baptista TWF, Ayres JRCM. Entrevista com José Ricardo Ayres. Saúde Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 10]; 27(1):51-60. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/5QM5j3Xmwbdgmfm5y85tckk/abstract/?lang=pt.
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. Ao mesmo tempo, na contramão de tendências mundiais, baseadas no neoliberalismo, em que o estado se desobrigava de compromissos sociais, o sistema de saúde no Brasil se reorganizava a partir da premissa da saúde como direito77 Escorel S. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1999.,88 Paim JS. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Salvador: Edufba; Fiocruz; 2008.. O País constrói essa ideia e cria um sistema único, universal e gratuito no momento em que se estavam desmontando serviços ou não investindo em saúde no mundo inteiro. A isso, some-se a experiência de movimentos anteriores à epidemia de HIV que já apontavam para essa tendência reconstrutiva orientada na perspectiva dos direitos humanos, como o movimento de atenção integral à saúde da mulher e o movimento antimanicomial ou a Reforma Psiquiátrica brasileira. Tudo isso deu ao conceito de vulnerabilidade feições próprias em nosso país, repercutindo na recepção internacional desse conceito99 Ayres JR, Paiva V, França Jr I. From Natural History of Disease to Vulnerability: Changing Concepts and Practices in Contemporary Public Health. In: Parker R, Sommer M. Routledge Handbook in Global Public Health. New York: Routledge; 2011.,1010 Paiva V, Ayres JR, Capriati A, et al. Prevención, promoción y cuidado: enfoques de vulnerabilidad y derechos humanos. Buenos Aires: Teseo; 2018..

Se em sua formulação original o conceito de vulnerabilidade e sua relação com os direitos humanos se desenvolviam principalmente como um instrumento de advocacy, uma chave para identificar inequidades e cobrar responsabilidades (accountability), no Brasil, bem ao modo de nossas melhores tradições ‘antropofágicas’, ele assume um caráter mais radical e ambiciona buscar as raízes sociais e políticas da exposição à infecção e ao adoecimento pelo HIV e sua distribuição desigual. Ao mesmo tempo, busca menos ser um conhecimento empírico-analítico, de caráter explicativo, mas se preocupa em fazer sínteses compreensivo-interpretativas que se aproximem das particularidades dos diversos contextos sociais e, dessa forma, assumem o caráter pragmático de instrumentos facilitadores da transformação desses contextos1111 Ayres JR. Vulnerabilidade, direitos humanos e cuidado: aportes conceituais. In: Barros S, Campos PFS, Fernandes JJS, organizadores. Atenção à saúde das populações vulneráveis. Barueri: Manole; 2014..

Em um esforço de síntese, podemos dizer que o quadro da ‘Vulnerabilidade e Direitos Humanos’ à brasileira, como construto conceitual, busca conformar totalidades compreensivas, nas quais, já de início, recusa-se a dicotomia entre o individual e o coletivo, articulando sempre, da forma mais estreita possível, as três dimensões clássicas das análises de vulnerabilidade – individual, social e programática. Mesmo no que se refere à dimensão individual, busca-se fortalecer uma compreensão que supere a ideia de um sujeito ‘mônada’, uma célula a partir da qual se interaja com as demais células no ‘tecido’ mundo. Parte-se, diversamente, da perspectiva imediatamente interacional da construção de subjetividades, de indivíduos entendidos como intersubjetividades vivas, sempre em devir. Nesse sentido, torna-se impossível pensar a determinação dos comportamentos individuais e as intervenções sobre eles sem levar em consideração as interações concretamente vividas, atravessadas sempre por relações de poder, por estruturas institucionais, por questões culturais relevantes, especialmente aquelas que nós já vínhamos discutindo na saúde coletiva: as relações de gênero, as relações raciais, as geracionais, entre outras.

Na mesma direção, a dimensão social é repensada como ‘contextos de intersubjetividade’, ou seja, como a estruturação dinâmica – cultural, política, moral, econômica – das interações que vão nos constituindo como comunidades e indivíduos. Nesse sentido, busca-se reconstruir a noção de identidades: ser mulher, ou ser negro, ou adolescente, ou pobre são elementos que nos remetem necessariamente a relações de gênero, relações raciais, relações geracionais etc. Nesse sentido, o ideal é que abandonemos a expressão, muito comum, ‘sujeitos vulneráveis’ ou ‘populações vulneráveis’ e que passemos a utilizar ‘populações vulnerabilizadas’ ou ‘relações vulnerabilizadoras’. Vai ser mais difícil, até do ponto de vista fonético, mudar o hábito de nos referirmos ao interesse de nossas análises como ‘populações vulneráveis’, mas a verdade é que, para sermos rigorosos com a perspectiva conceitual adotada, devemos nos esforçar nesse sentido.

Os direitos humanos são uma referência normativa importante aqui. Eles permitem estabelecer pontes entre as políticas identitárias e as políticas de solidariedade social exatamente porque mostram, pela experiência de desrespeito compartilhada por um grupo identitário, que benefícios que deveriam ser de todos estão sendo, na prática, privilégios de alguns. Ao mesmo tempo, permitem que esses grupos aportem novos e/ou diferentes bens e valores aos debates sobre direitos, concebidos a partir de sua situação particular, que, mesmo não sendo ainda reconhecidos como direitos, podem ser almejados e devem ser atendidos.

A dimensão programática das análises de vulnerabilidade também implica reconstrução de certas tradições no campo sanitário. Trata-se do fato de que as políticas, programas, serviços e ações, diversamente do habitual, não são visados por análises de situação realizadas à sua margem. O que já está sendo efetivamente feito faz parte das análises de situação, e um elemento programático não é sempre benéfico, pode, ao contrário, criar vulnerabilidades, tais como práticas excessivamente medicalizantes, pouco sensíveis à singularidade das pessoas e seus contextos de intersubjetividade, reprodutoras de estigmas e discriminações de gênero, raciais etc. Por isso mesmo, o critério de análise das condições programáticas não pode passar ao largo de avaliações sobre o quanto e de que modo ações tecnicamente propostas para a intervenção são favorecedoras ou obstaculizadoras do exercício de direitos, ou compatíveis com eles.

Vale também lembrar que as três dimensões da vulnerabilidade são apenas três ângulos do olhar para uma realidade que é única, ainda que, em geral, uma delas seja a ‘porta de entrada’ para essas análises. Não se pode dar conta da realidade inteira, mas é possível nos determos em alguns aspectos dela e termos clareza dessa relação maior e de cada dimensão com as demais. De modo esquemático, quando procurarmos compreender a vulnerabilidade de indivíduos ou populações ao HIV/Aids ou a qualquer outro agravo, devemos sempre ter clareza de qual agravo estamos tratando – não se é vulnerável geralmente; está-se vulnerável a algo e em tempos e contextos relacionais determinados. Isso é importante para não ‘essencializarmos’ a abordagem da vulnerabilidade, torná-la um atributo de alguém, de um grupo ou de alguma situação. Tendo isso claro, podemos buscar na epidemiologia e em outras ciências da saúde recursos para identificar ações, situações e exposição que impliquem vulnerabilidade. Nesse aspecto, vale destacar a importância da epidemiologia e das análises de risco. No entanto, a análise de vulnerabilidade não pode parar aí, ela tem sempre que pensar quais são os aspectos sociais que permitem entender aquilo que as associações epidemiológicas apontam, como uma espécie de ponta de iceberg. Aqui entra a fundamental interação com as ciências humanas, por trazer elementos para pensar esses aspectos estruturais, práticas e contextos intersubjetivos que estão na base das situações de vulnerabilização.

Tão importante para as aspirações de análises de vulnerabilidade quanto a mediação interdisciplinar entre os saberes científicos é a interação com os saberes práticos, com o que as pessoas envolvidas nas situações que desejamos transformar já sabem sobre seu problema e como elas o manejam no seu dia a dia. Esse saber local e cotidiano é fundamental para compreender o que acontece no concreto e que gera as vulnerabilidades. As ciências sociais já vêm apontando a importância da interseccionalidade entre os diversos marcadores sociais de diferença (gênero, raça, classe social etc.) para compreender as estruturas e as dinâmicas das relações sociais, o que assume especial relevância no campo da saúde1212 Mello L, Gonçalves E. Diferença e interseccionalidade: notas para pensar práticas em saúde. Cronos. 2010 [acesso em 2022 jan 20]; 11(2):163-172. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/handle/ri/16425#:~:text=Reposit%C3%B3rio%20da%20Universidade%20Federal%20de,para%20pensar%20pr%C3%A1ticas%20em%20sa%C3%BAde&text=Resumo%3A,social%20operam%20produzindo%20desigualdades%20m%C3%BAltiplas.
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. Ora, essas categorias transculturais e diacrônicas terão seu potencial de compreensão das realidades tão mais favorecidas quanto mais as experiências vividas e refletidas pelas pessoas nos seus diversos contextos conferirem a elas e aos seus efeitos interseccionais suas cores e feições locais. Por isso, a participação dos sujeitos imediatamente interessados, aqueles em situação de vulnerabilização, é fundamental tanto para a formulação do conhecimento quanto para sua aplicação no campo do HIV/Aids e demais situações de saúde a que se aplique o quadro da vulnerabilidade. A concretização de princípios de aplicação dos direitos humanos na organização das ações de saúde também depende desse envolvimento para evitar que tais princípios tornem-se mais especulativos que pragmáticos. Como avaliar aceitabilidade, acesso, acessibilidade, qualidade e efetividade das ações sem o testemunho e a participação dos destinatários dessas práticas?

Dessa forma, entramos na terceira dimensão analítica da vulnerabilidade: o elemento programático. Aqui, a atenção à biomedicalização e à individualização em seus efeitos alienantes e excludentes reclama cuidados e ajuda do quadro dos direitos humanos como critério normativo. Para além da comprovada eficácia técnica e do embasamento científico das ações de intervenção, em cada decisão que se toma aqui, é preciso refletir sobre escolhas de estratégias, ações e recursos que serão acionados. Quais direitos, com que alcance e em que medida estão sendo ou não respeitados, promovidos, protegidos e equitativamente distribuídos na construção de respostas à epidemia de HIV/Aids?

O segundo conceito reconstrutivo, que se relaciona com a terceira dimensão das análises de vulnerabilidade acima discutida, é o de Cuidado1313 Ayres JRCM. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: CEPESC; IMS/UERJ; ABRASCO; 2009. (grafado assim com maiúscula para chamar a atenção para sua pretensão conceitual, diferenciada de um uso mais corriqueiro, teoricamente ingênuo). Com efeito, de nada adianta procurarmos mudanças paradigmáticas no diagnóstico de situação para compreender e enfrentar o problema do HIV/Aids, ou de qualquer problema de saúde, sem pensar também na transformação dos processos de trabalho em saúde.

Fundamentais para a resistência à redução estritamente biomédica e individualizante da prevenção e atenção em HIV/Aids são a superação da tendência objetificadora sobre os destinatários das ações de saúde e a correlativa redução instrumental das interações entre os profissionais e os usuários dos serviços de saúde. É preciso superar a concepção tradicional, na qual um profissional de saúde detém saberes técnico-científicos que vão ser aplicados sobre os pacientes para produzir uma tradução objetiva para intervenção. Nesse modelo, os saberes práticos das pessoas ficam à margem do processo de trabalho operado, entendidos às vezes até como um ruído, e não como um saber necessário, capaz de revelar a determinação do agravo a ser prevenido ou tratado, e as implicações práticas que podem dar sentido e efetividade às ações técnicas propostas.

O conceito de Cuidado procura valorizar o aspecto intersubjetivo e o sentido prático dos encontros realizados entre profissionais e destinatários das ações de saúde. Quem cuida e quem é cuidado são entendidos aqui como sujeitos em seu sentido pleno, portadores de aspirações e saberes próprios, que podem, contudo, fundir horizontes em um interesse comum pela construção da saúde. Ambos possuem saberes tecnocientíficos e saberes práticos que, em proporções e com sentidos diversos, participam do Cuidado – ainda que, nessa relação, nós, profissionais de saúde, mobilizemos um conteúdo maior de saberes tecnocientíficos, do mesmo modo como se espera que os destinatários das ações de saúde participem mais ativamente com seus saberes práticos. Um objeto coconstruído, entre sujeitos, na interação entre saberes diversos e necessários: essa é a ideia do Cuidado. O conceito reconstrutivo de Cuidado almeja a formulação de uma atenção que não desapareça com os sujeitos, que não reduza o profissional de saúde a um aplicador acrítico e mecânico de conhecimentos tecnocientíficos, tampouco reduza o demandante da atenção a um objeto medicalizado. Almeja que não se ignore também os aspectos afetivos, emocionais, sociais e contextuais que estão antes, através e depois dos encontros cuidadores, acessíveis apenas na voz dos seus sujeitos.

Essas diferentes vozes em interação permitirão relacionar de forma mais profunda e fecunda a perspectiva de êxito técnico das ações de saúde, ou seja, os efeitos positivos almejados pela aplicação dos saberes tecnocientíficos, com o horizonte do seu sucesso prático, ou seja, aquilo que, de fato, vai fazer sentido para as pessoas, responder às suas necessidades na vida cotidiana. Em outras palavras, busca-se nesse encontro dialógico desenvolver processos de trabalho que articulem êxito técnico e sucesso prático tomando como seu horizonte normativo os projetos felicidade de pessoas, populações, grupos identitários; processos de trabalho orientados para o que move as pessoas, o que, efetivamente, é importante para elas, para o que elas querem construir nas suas vidas. Isso sempre pensado como um projeto existencial singular, mas sempre relacional, constantemente entendido a partir das diferentes situações de sujeitos em seus contextos de intersubjetividade.

As ciências da saúde têm muito a contribuir para os projetos de felicidades que construímos em compartilhamento, mas, como apontamos ao discutir a vulnerabilidade, as ciências sociais e humanas e os saberes práticos são também indispensáveis aqui. Ademais, não há como deixar de lembrar, igualmente, embora não caiba um maior desenvolvimento do tema aqui, o necessário exercício de uma sabedoria prática. Nós, humanos, somos seres dotados de capacidade de escolha. Na saúde não é diferente, embora o embasamento científico de suas práticas às vezes dê a ilusão de que elas não dependem de escolhas. Na saúde, estamos todo o tempo fazendo escolhas técnicas que têm implicações éticas, morais e políticas1414 Schraiber LB. No encontro da técnica com a ética: o exercício de jugar e decidir no cotidiano do trabalho em Medicina. Interface – Comunic, Saúde, Educ. 1997 [acesso em 2022 jan 10]; 1(1):123-138. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/KzgdT6NVynjd9MS-nNNxS3ts/abstract/?lang=pt.
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. Além disso, para essas escolhas, não há regras, não há lei, não há regularidade que nos permita de antemão saber tudo o que precisamos para agir e o resultado das nossas decisões. Nossos saberes científicos nos permitem antecipar e controlar parte dos efeitos instrumentais de nossas técnicas, mas não nos possibilitam assegurar quais serão as decisões mais virtuosas sobre o que fazer, isto é, aquelas mais capazes de responder aos projetos de felicidade daqueles de quem cuidamos. As únicas formas de fazê-lo serão buscar caminhos dialogicamente construídos nos espaços de prática e nos apoiarmos na sabedoria prática acumulada em horizontes normativos abertos também à construção dialógica do bem comum, ainda que com limites, como apontamos acima: os direitos humanos.

Essa perspectiva dialógica do Cuidado nos lembra, ademais, que qualquer interação cuidadora será sempre produzida em contextos de intersubjetividade, e que isso envolve dimensões ‘micro’ e ‘macro’ desses contextos. Abarca a questão da relação interpessoal: qual a melhor forma de chegarmos até as pessoas, de produzirmos efetivo e simétrico diálogo entre os envolvidos nos processos de trabalho em saúde. Entretanto, a possibilidade de esses diálogos acontecerem dependem também de aspectos macroestruturais: como é possível pensar em Cuidado, em sujeitos plenos se encontrando e construindo conjuntamente ações de saúde, se não houver um sistema de saúde que permita o acesso universal e equitativo a essas ações? Então, embora o conceito de Cuidado e sua base dialógica tendam a nos remeter mais facilmente ao aspecto interpessoal, às relações entre profissionais e destinatários das ações de saúde, não se pode subdimensionar a importância do seu apelo reconstrutivo nos planos macroestruturais também. Nesse sentido, a proposta do SUS precisa ser entendida (e defendida) como uma potente ação de Cuidado público1515 Calazans GJ, Pinheiro TF, Ayres JR. Vulnerabilidade programática e cuidado público: Panorama das políticas de prevenção do HIV e da Aids voltadas para gays e outros HSH no Brasil. Sex Salud Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 20]; 29:263-293. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/bfYWcm96qhvs45R-by64xzgh/abstract/?lang=pt.
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Para concluir, remeto ao conceito de integralidade1616 Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8. ed. Rio de Janeiro: Cepesc; Uerj; Abrasco; 2009.,1717 Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad. Saúde Pública. 2016 [acesso em 2022 jan 10]; 32(2):e00183415-13. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/cTPxLbqWxgb-jmyShw5FK8Sw/abstract/?lang=pt.
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, a que eu chamo também de reconstrutivo. Como o conceito de Cuidado, o conceito de integralidade não foi uma produção específica da resposta à epidemia de HIV/Aids. Ele foi conformado com a Reforma Sanitária, com a proposta do SUS, e consiste em um dos princípios daquele seu tripé importantíssimo, compondo com os princípios de universalidade e equidade, e sem o qual os outros dois perdem um pouco o sentido. Não faz sentido um sistema de saúde com ampla oferta de serviços para poucos, ou o acesso universal a apenas um pacote mínimo de serviços, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) já propôs; não faz sentido, da mesma forma, um acesso igualitário a ações de saúde para pessoas com necessidades e contextos diferentes, a equidade é fundamental também. Ainda, se considerarmos que as pessoas não têm apenas demandas pontuais de saúde, mas elas vivem a saúde-doença-cuidado como um processo contínuo e em devir no seu cotidiano, então é necessário que as práticas de saúde tenham flexibilidade e dinamismo capazes de responder de forma equitativa e universal às configurações diversas e às complexas demandadas para promoção, proteção e preservação da saúde.

No debate internacional, a ‘nossa’ integralidade tende a ser vista como equivalente a comprehensiveness, conotando uma atenção à saúde que reintegre, no caso particular de cada atendimento individual, aquilo que o processo de especialização pulverizou entre profissões e especialidades da saúde. Embora essa atitude integradora não seja estranha à nossa concepção de integralidade, e a componha também, entre nós, esse princípio acabou por se estender para além desse espaço da clínica. No Brasil, a integralidade implica também aspectos estruturais da organização dos serviços e da composição de modelos assistenciais.

Essa extensão e sua relação com o processo de constituição do SUS na interface entre movimentos sociais, gestores e acadêmicos tornaram complexa e de difícil apreensão, em uma única definição, o conceito de integralidade. Mais eficaz para dar conta conceitual desse princípio parece ser abordá-lo segundo alguns eixos em torno dos quais a ideia de integralidade foi sendo gestada e desenvolvida no plano das práticas, aqui interpretadas na perspectiva teórica do processo de trabalho em saúde1818 Ayres JR. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde Soc. 2009 [acesso em 2022 jan 10]; 18:11-23. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/QZX9gH7KmdDvBpfDBSdR-VFP/abstract/?lang=pt.
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O primeiro deles, o plano das necessidades, diz respeito à superação da restrição da leitura do que as pessoas precisam em termos de saúde às categorias pré-fixadas pela medicina ou pelas ciências da saúde mais tradicionais. Aqui a proposta é incorporar leituras mais ricas e amplas. É trazer para o âmago do Cuidado em saúde diagnósticos baseados na detecção de situações de vulnerabilização e de desrespeito a direitos humanos, instruindo práticas voltadas à redução de vulnerabilidades por ações individuais, comunitárias e/ou estruturais.

O segundo eixo corresponde às finalidades dos processos de trabalhos. Aqui, para além do sentido mais tradicional de incorporação ao leque de ações oferecidas pelo sistema de saúde de práticas que vão da promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento de enfermidades à reabilitação e cuidados terminais, remete-se à necessidade de não apenas justapor esses oferecimentos, mas de integrá-los de um modo que faça sentido prático para aquelas pessoas; construir arranjos entre esses diversos tipos de ação de modo que se consiga articular efetivamente seus potenciais de êxito técnico às motivações de sucesso prático nos diferentes contextos e situações dos destinatários das ações de saúde.

Para esse enriquecimento da leitura de necessidades e resposta a elas com finalidades abrangentes e integradas – e esse é um grande desafio para os programas de controle do HIV/ Aids –, torna-se fundamental o que chamamos de eixo das articulações. Para, de fato, responder de forma integral a necessidades e finalidades, tais como acima descritas, será necessário trabalhar em equipe e com sinergias entre variados níveis de atenção do setor de saúde e diversos outros setores para além da saúde. Aqui vive-se a desafiadora situação de descentralizar a formulação de políticas e ações de combate à Aids, para que os diversos contextos de vulnerabilidade possam receber leituras mais profundas e particularizadas de necessidades e ações pertinentes, ao mesmo tempo que se busca construir articulações de profissionais e de setores dos quais dificilmente se pode dispor na escala dos serviços descentralizados. Tal articulação depende de uma construção de linhas de cuidado, de redes assistenciais e de consórcios de serviços que enfrenta barreiras não apenas culturais, decorrentes da dinâmica própria dos diferentes territórios e suas formas de sociabilidade, mas também político-partidárias, fruto das disputas de poder no âmbito das diversas municipalidades.

Por fim, o eixo das interações. Esse talvez seja o mais básico e difícil eixo de reconstrução relacionado com a integralidade. Aspecto que tem sido trabalhado também pelas políticas de humanização, esse eixo diz respeito à construção de efetiva dialogia nas interações envolvidas nas ações de saúde. Na perspectiva da humanização, muitas vezes as propostas se prendem excessivamente, no nível local, à questão do bom trato interpessoal e no desenvolvimento de empatia entre profissionais e usuários dos serviços, não obstante a Política Nacional de Humanização seja bem mais radical em suas proposições. Na perspectiva da integralidade como princípio reconstrutivo dos processos de trabalho, o grande desafio é criar arranjos e dispositivos tecnológicos que estimulem a presença dos diversos sujeitos e a produção de contextos tais de intersubjetividade, entre profissionais e destinatários da atenção à saúde e entre os trabalhadores de saúde entre si, que permitam uma efetiva coconstrução de objetos de

Cuidado, com necessidades ricas e contextualizadas e com ações diversas e pertinentes do ponto de vista prático.

Em síntese, e como palavras finais deste ensaio, gostaria de acentuar a importância que teve a experiência da construção de respostas à epidemia de HIV/Aids no Brasil, na sua sinergia com o processo de consolidação do SUS, como fonte de motivação e de subsídios para o exercício teórico de aperfeiçoamento dos meios e fins na apreensão e na compreensão da determinação social dos processos de saúde-doença-cuidado, não apenas no âmbito específico do HIV/Aids, mas também para as práticas de saúde de modo geral. Por outro lado, procurei apontar a relevância que podem assumir quadros conceituais reconstrutivos para um retorno solidário ao plano das práticas, com vistas a potencializar o alcance dos ideais que de lá os provocaram. É preciso manter claro, contudo, que essa fecundidade generosa e criativa das práticas e seus correspondentes construtos conceituais não são imunes a retrocessos e destruições. A história nos mostra que as conquistas emancipatórias não são definitivas e que seus valores estão sempre em disputa. A experiência vivida nos últimos anos no Brasil não poderia dar-nos mais trágico e eloquente testemunho disso. Por isso, tanto do ponto de vista da prática quanto da teoria, no campo da Aids como fora dele, não há desafio mais urgente do que resistir à violência, à intolerância e ao autoritarismo; e avançar, não temer, insistir, com práticas e conceitos, em construir solidariamente o novo segundo nossos melhores e mais democráticos valores emancipatórios.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2022
  • Aceito
    10 Set 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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