Rotatividade da força de trabalho médica no Brasil

Turnover of the medical workforce in Brazil

Celia Regina Pierantoni Cid Manso de Mello Vianna Tania França Carinne Magnago Marcus Paulo da Silva Rodrigues Sobre os autores

Resumos

Objetivou-se calcular o índice de rotatividade dos médicos brasileiros. Estudo descritivo, exploratório, quantitativo, realizado por meio de dados secundários, que foram analisados por estatística descritiva. Constatou-se maior índice de rotatividade nas regiões Sudeste e Sul, com médias superiores à nacional (36,7%). A menor média foi evidenciada na região Norte (24,7%). A estratificação por porte populacional aponta para maior rotatividade nos grupamentos de municípios com população entre dez mil e cem mil habitantes; e menor índice nos municípios de grande porte. A rotatividade não pode ser inteiramente compreendida sem que se analise o contexto no qual estão inseridos os profissionais.

Recursos humanos em saúde; Atenção Primária à Saúde; Administração de recursos humanos; Médicos


The objective was to calculate the turnover rate of Brazilian physicians. Descriptive, exploratory and quantitative study, carried out through secondary data, which were analyzed using descriptive statistics. It is found a higher turnover rate in the Southeast and South regions, with averages higher than the national (36.7%). The lowest average was observed in the North region (24.7%). Stratification by population size indicates higher turnover in the groups of municipalities with a population between ten thousand and one hundred thousand inhabitants; and lower rates in big cities. Turnover cannot be fully understood without examining the context in which professionals are inserted.

Health manpower; Primary Health Care; Personnel management; Physicians


Introdução

O desenvolvimento econômico brasileiro, impulsionado pelo mercado interno e externo, trouxe aumento do emprego formal e dos salários a todos os setores da economia (BRASIL, 2011 BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Saúde da Família: avaliação da implementação em dez grandes centros urbanos: síntese dos principais resultados. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005.), incluindo o setor saúde. Este se constitui por atividades desenvolvidas eminentemente por recursos humanos, que, a despeito das inovações tecnológicas, diferentemente de outros setores, exigem mão de obra qualificada, fazendo crescer, por decorrência, a demanda efetiva da força de trabalho (FIOCRUZ, 2012).

Ademais, a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, e a posterior implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), em 1994, inauguram a política de municipalização da saúde, com a transferência de responsabilidades sanitárias da esfera federal para a municipal, sobretudo no que se refere aos serviços básicos de saúde. Tal fenômeno trouxe, atreladas, modificações tecnológicas, organizacionais, políticas e institucionais que refletiram no aumento exponencial da demanda por serviços de saúde e, consequentemente, sobre o volume ocupacional do setor saúde, alterando seu peso em relação aos demais setores econômicos e à distribuição institucional da força de trabalho setorial (GIRARDI; CARVALHO, 2002GIRARDI, S. N.; CARVALHO, C.L. (Coord.). Agentes institucionais e modalidades de contratação de pessoal no Programa de Saúde da Família no Brasil. Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina, Núcleo de Educação em Saúde Coletiva, Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado, 2002.).

Entretanto, o crescimento do número de postos de trabalho em saúde, no contexto da flexibilidade contratual do mercado de trabalho formal brasileiro, acarretou a contratação de pessoal via vínculos inseguros para o trabalhador, agravando, portanto, a precarização do trabalho em saúde, com consequências sociais importantes, como instabilidade no emprego e arrefecimento dos salários.

O trabalho precário é resultante do desenvolvimento da globalização e do neoliberalismo, que implicam, respectivamente, em: maior movimentação de capital, produção e trabalho; e desregulação, redução do poder do Estado mediante privatizações e destituição de proteções sociais (KALLEBERG, 2009KALLEBERG, A.L. O crescimento do trabalho precário: um desafio global. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 69, p. 21-30, fev. 2009.).

O trabalho precário, embora seja um fenômeno mundial, apresenta-se diversificado de acordo com o país, pois é dependente de suas características econômicas, culturais e sociais. No Brasil, observam-se, minimamente, três processos que expõem a precariedade, quais sejam: a ascensão de contratos trabalhistas legais, porém com baixa proteção social; a crescente flexibilização do trabalho exposta pela diversidade de vínculos empregatícios e pelas contratações via cooperativas de trabalho e Organizações Não Governamentais (ONGs); e a terceirização de mão de obra para atividades não centrais para a saúde, como é o caso dos profissionais de limpeza (DEDECCA, 2008DEDECCA, C.S. O trabalho no setor saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 87-103, jul./dez. 2008.; PIERANTONI; VARELLA; FRANÇA, 2004PIERANTONI, C. R.; VARELLA, T. C.; FRANÇA, T. Recursos humanos e gestão do trabalho em saúde: da teoria para a prática. In: BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Observatório de Recursos Humanos em Saúde no Brasil: estudos e análises. Brasília: Ministério da Saúde, p. 52-70, 2004.).

Nessa conjuntura, observa-se a dificuldade de fixação de profissionais na saúde, especialmente de médicos, configurando-se como um dos maiores problemas enfrentados pelos gestores atualmente, inclusive em grandes metrópoles, que apresentam mercado de trabalho mais favorável (MAGNAGO; PIERANTONI, 2014MAGNAGO, C.; PIERANTONI, C.R. A percepção de gestores dos municípios de Duque de Caxias e Rio de Janeiro quanto à rotatividade de profissionais na Estratégia Saúde da Família. Revista Cereus, Gurupi, v. 6, n. 1, p. 3-18, jan./abr. 2014.). Esta situação decorre da insatisfação profissional com diversos fatores, que, por conseguinte, têm elevado o percentual de rotatividade na saúde.

A rotatividade ou turnover define a flutuação de profissionais, expressa pela relação entre as admissões e os desligamentos da mão de obra profissional contratada, ocorridos de forma voluntária ou não, em determinado período. Ela não é causa, mas efeito de fenômenos internos ou externos à organização que condicionam o comportamento do pessoal (CHIAVENATO, 2009CHIAVENATO, I. Recursos Humanos: o capital humano das organizações. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2009.).

De forma genérica, a rotatividade produz custos elevados de várias naturezas, tais como: de recrutamento e seleção para reposição de pessoal; de treinamento do recém-admitido; e de desligamento. Ademais, além dos custos diretos, a rotatividade gera impactos de tempo e de recursos que incluem perda de produtividade e de capital intelectual, e desmotivação das pessoas (CHIAVENATO, 2009; CAMPOS; MALIK, 2008CAMPOS, C. V. A.; MALIK, A.M. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, p. 347-368, mar./abr. 2008.).

No setor saúde, a rotatividade pode comprometer o vínculo das equipes com a população, obstando o alcance dos resultados esperados para os serviços de saúde, especialmente na ESF, já que, no modelo dessa estratégia, o foco da atenção está na família e na comunidade, em que se valoriza um vínculo estreito entre elas e os profissionais de saúde (CAMPOS; MALIK, 2008; RODRIGUES; PEREIRA; SABINO, 2013RODRIGUES, J. A. C.; PEREIRA, M. F.; SABINO, M. M. F. L. Proposta para adoção de estratégias para diminuir a rotatividade de profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz. In: PEREIRA, M. F.; COSTA, A. M.; MORITZ, G. O. (Org.). Contribuições para a gestão do SUS. v. 2, p. 65-81, 2013. (Coleção Gestão da Saúde Pública).; NUNES; SANTINI; CARVALHO, 2015NUNES, E. F. P. A.; SANTINI, S. M. L.; CARVALHO, B.G. Força de trabalho em saúde na Atenção Básica em Municípios de Pequeno Porte do Paraná. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 29-41, jan./mar. 2015.).

Estudos apontam o médico como o profissional da ESF com maior grau de rotatividade em Brasília (DF), Goiânia (GO), Rio de Janeiro (RJ) e Duque de Caxias (RJ) (MAGNAGO; PIERANTONI, 2014; BRASIL, 2005). Nesse contexto, o turnover médico tem sido alvo de pesquisas nos últimos anos, pois se espera que o conhecimento dos índices de rotatividade e dos fatores que a ocasionam possa subsidiar a tomada de decisão gerencial.

Nesse sentido, este estudo objetivou calcular o índice de rotatividade dos médicos brasileiros.

Método

Trata-se de estudo descritivo, exploratório, de abordagem quantitativa, realizado por meio de dados secundários.

O índice de rotatividade (ir) de pessoal foi calculado a partir dos dados referentes às admissões, às demissões e ao número de vínculos médicos dos anos de 2009, 2010 e 2011, de todos os municípios brasileiros existentes em 2012 (n=5.565), os quais foram coletados no sistema da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, e cuja fórmula empregada foi: (nº de admissões (t) + nº de saídas (t/2)) / nº de empregados (t-1).

Ressalta-se que a Rais trata apenas dos vínculos formais (celetistas e estatutários) de emprego da administração pública e privada. Não foi possível estimar a rotatividade apenas dos médicos de Atenção Primária à Saúde (APS), pois a Rais agrupa os médicos em grandes áreas, não os distinguindo por nível de atuação.

Os dados foram processados e analisados por estatística descritiva, com auxílio de planilha eletrônica do Microsoft Excel 2010(r), e os resultados apresentados por meio de medidas de tendência central e de dispersão, por grupamentos de municípios estratificados segundo região geográfica e porte populacional, os quais foram caracterizados com uso de variáveis complementares: Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), Produto Interno Bruto (PIB), PIB per capita, Taxa de Empregos Formais (TEF) e renda salarial média de médicos.

Os dados demográficos municipais (contagem da população) foram obtidos pelo Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por esta fonte coletaram-se, ainda, os dados referentes ao PIB, ao PIB per capita e à TEF. A renda salarial média de médicos no ano de 2010, por sua vez, foi obtida pela Rais.

O IFDM foi obtido por meio do estudo de periodicidade anual da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que acompanha o desenvolvimento de todos os municípios brasileiros em três áreas: emprego e renda; educação; e saúde. Ele é realizado exclusivamente com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos Ministérios do Trabalho, da Educação e da Saúde. O índice varia de 0 (mínimo) a 1 ponto (máximo) para classificar o nível de cada localidade, em quatro categorias de desenvolvimento: baixo (de 0 a 0,4), regular (0,4001 a 0,6), moderado (de 0,6001 a 0,8) e alto (0,8001 a 1). Neste estudo, utilizou-se o IFDM 2012, calculado com base nos dados de 2010.

Resultados

Em 5.565 municípios brasileiros foram contabilizados 250.926 vínculos formais de médicos, cuja maior proporção (59,7%) refere-se à região Sudeste. A estratificação por região e porte aponta para a maior concentração de médicos nesta mesma região, no agrupamento de municípios (n=5) com mais de um milhão de habitantes (27,2%). A menor proporção de vínculos está relacionada à região Nordeste (4,2%). Tal comportamento é também observado nas relações de médico por três mil habitantes, parâmetro recomendado pelo Ministério da Saúde na ESF, e de médico por mil habitantes (tabela 1).

Tabela 1.
Média de vínculos médicos, relação médico por três mil habitantes e por mil habitantes, segundo região, por porte populacional. Brasil, 2010

No gráfico 1 estão apresentados os índices médios de rotatividade por região geográfica. Constatam-se maiores valores para as regiões Sudeste e Sul, com médias superiores à nacional (36,7%). A menor média foi evidenciada na região Norte (24,7%).

Gráfico 1.
Índice médio de rotatividade por região. Brasil, 2010

O gráfico 2, por sua vez, apresenta o índice médio de rotatividade por grupamento de municípios, segundo porte populacional. Nele se visualizam maiores índices para os agrupamentos de municípios com população entre dez mil e cem mil habitantes, com médias superiores à nacional. E os menores percentuais de turnover são identificados nos grupamentos de municípios de grande porte.

Gráfico 2.
Índice médio de rotatividade por grupamentos de municípios segundo porte populacional. Brasil, 2010

A rotatividade apresentou maiores médias nas regiões Sudeste (62%) e Centro-Oeste (58,2%); entretanto, o maior índice de rotatividade nacional foi apresentado por um município de até 10 mil habitantes da região Sul. O menor valor, à exceção daqueles que apresentaram rotatividade zero, foi observado em um município com população entre 100.001 e 500 mil habitantes, da região Sudeste (tabela 2).

Tabela 2.
Média do índice de rotatividade de médicos, segundo região por porte populacional. Brasil, 2010

Para todas as regiões, os agrupamentos de municípios com menor índice de rotatividade foram encontrados entre aqueles com maiores PIB e PIB per capita, TEF e IFDM (>0,7440). Por outro lado, os maiores índices variaram entre os grupamentos de municípios com IFDM entre 0,5725 (Norte) e 0,7008 (Sudeste). Nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, a maior rotatividade se deu no agrupamento de municípios com o menor PIB per capita(tabela 3).

Tabela 3.
Média do índice de rotatividade de médicos, por variáveis socioeconômicas selecionadas, segundo região por porte populacional. Brasil, 2010

Em relação aos níveis de rotatividade considerados adequados a uma organização, Campos e Malik (2008) apontam para a produção de alto impacto financeiro quando eles se encontram acima de 26%. E acima de 50%, há o risco de comprometimento da produtividade e da qualidade. Tendo este parâmetro como base, em todas as regiões, nos grupamentos municipais de porte acima de um milhão de habitantes os índices são inferiores a 26%; e, na região Norte, todos os grupamentos apresentam rotatividade inferior a 50%. E, ainda, em todas as regiões, os municípios com índices superiores a 50% são os de pequeno porte, isto é, com até cem mil habitantes.

Discussão

No Brasil, a rotatividade da população economicamente ativa se apresenta demasiadamente elevada, muito acima da verificada em países como os Estados Unidos, o Japão e os que compõem a União Europeia, chegando a ser de duas a cinco vezes superior à observada em outras economias (POCHMANN, 2009POCHMANN, M. O trabalho na crise econômica no Brasil: primeiros sinais. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23, n. 66, p. 41-52, 2009.).

Em se tratando do setor saúde, estudo realizado em dois grandes municípios do Rio de Janeiro aponta o médico como sendo aquele com maior grau de rotatividade, quando comparado aos outros profissionais que compõem a equipe da ESF (MAGNAGO; PIERANTONI, 2014). Nessa linha, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (NERI, 2008NERI, M.C. Escassez de médicos. Brasília, DF: Instituto Brasileiro de Economia, Fundação Getúlio Vargas. 2008.) aponta que os médicos são os profissionais mais raros no mercado de trabalho brasileiro.

Ao analisar os resultados dessa pesquisa, observa-se uma maior rotatividade de médicos em municípios cujos indicadores econômicos, como TEF e PIB, se mostram inferiores. Esses dados podem ser explicados, em parte, pelo pedido de dispensa do próprio trabalhador em busca de um posto de trabalho que ofereça melhores rendimentos, tendo em vista o crescimento de postos de trabalho no setor saúde percebido nos últimos anos (FIOCRUZ, 2012).

A maior rotatividade de médicos nas regiões Sudeste e Sul, por sua vez, pode decorrer da existência de um mercado de trabalho mais concorrido, especialmente no que tange à Atenção Básica, que passou a ser gerida, em grande medida, nos grandes municípios dessas regiões, por Organizações Sociais (OS), que oferecem maiores salários e diferentes estímulos para a atração desses profissionais (MAGNAGO; PIERANTONI, 2013; CARNEIRO JUNIOR, 2011CARNEIRO JUNIOR, N.; NASCIMENTO, V. B; COSTA, I.M.C. Relação entre Público e Privado na Atenção Primária à Saúde: considerações preliminares. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 971-979, 2011.).

No que tange aos fatores que desencadeiam a rotatividade, ela varia significativamente entre municípios com diferentes portes, de uma mesma região, assim como entre municípios de mesmo porte, de diferentes regiões. Mesmo em municípios próximos, ela pode variar segundo diferentes fatores, dentre os quais se podem citar: demografia; epidemiologia; localização das unidades de saúde; estruturação da rede de saúde; modalidades de contratação e remuneração praticadas; infraestrutura do município; e proximidade de centros urbanos.

Diversos fatores tentam explicar os motivos pelos quais os profissionais deixam uma organização ou nela permanecem, mas a satisfação no trabalho - e sua correlação com a rotatividade - conforma-se como o fator mais pesquisado. A literatura científica considera que o principal fator que leva um funcionário a deixar uma organização é seu nível de insatisfação com a função que exerce. Esta pode ser causada por qualquer um dos muitos aspectos que compõem o trabalho (CAMPOS; MALIK, 2008).

Tais aspectos podem estar relacionados com as condições de trabalho, em que podem ser considerados os fatores concernentes ao ambiente físico, ao posto de trabalho, e aos equipamentos e materiais disponíveis para a execução do trabalho; à organização do trabalho, que inclui as motivações relativas à divisão de tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho; à localização, que agrega motivos referentes à localidade ou região em que se encontra a unidade de saúde ou o município; à carreira, que pode sintetizar os aspectos ligados à remuneração, aos benefícios e à carreira profissional; ou, ainda, ao suporte externo, em que se podem considerar fatores atrelados ao apoio dos outros níveis de complexidade da rede de saúde, que concretizam o sistema de referência e contrarreferência.

Dessa forma, as motivações que desencadeiam a saída do profissional médico de uma unidade ou equipe de saúde estão intimamente vinculadas às condições gerais existentes para a realização de seu trabalho, que podem diferir entre municípios de uma mesma região.

Pesquisa realizada no município de São Paulo (SP), por exemplo, apontou que a alta rotatividade médica está diretamente relacionada ao ambiente físico, à localização das unidades de saúde e à disponibilidade de insumos materiais (CAMPOS; MALIK, 2008). Já em pesquisa realizada no Vale do Taquari (RS) (MEDEIROS; JUNQUEIRA; SCHWINGEL, 2010MEDEIROS, C. R. G.; JUNQUEIRA, A. G. W.; SCHWINGEL, G. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 1, p. 1521-1531, jun. 2010.), ficou evidenciado que o regime de trabalho figura entre os principais fatores da rotatividade de médicos, de modo que, quando empregados por meio de modalidades de contratação precária, migram de um município a outro conforme a proposta financeira que recebem.

Em Duque de Caxias (RJ), os principais fatores de rotatividade médica observados em duas pesquisas (MAGNAGO; PIERANTONI, 2014; NEY; RODRIGUES, 2012NEY, M. S.; RODRIGUES, P.H.A. Fatores críticos para fixação do médico na Estratégia Saúde da Família. Physis, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1293-1311, 2012.) foram: a carga horária elevada, a remuneração praticada, a sobrecarga de trabalho gerada pelo excesso de usuários vinculados a uma equipe de saúde da família e as condições de trabalho.

Em Santo Amaro da Imperatriz (SC), os médicos referiram, entre as principais causas de insatisfação com o trabalho na ESF, a baixa remuneração, a falta de capacitação profissional e o alto nível de estresse a que estão submetidos cotidianamente. Dos que participaram da pesquisa, mais de 14% pretendem pedir demissão nos próximos meses (RODRIGUES; PEREIRA; SABINO, 2013).

No município de Cachoeirinha (RS), se evidenciou que, para os médicos, sua decisão de permanência na ESF está sobremaneira relacionada à infraestrutura das unidades, o suporte das redes secundária e terciária, especialmente no que tange ao acesso a recursos diagnósticos, e salários (PANNI, 2012PANNI, P. G. Motivos para a rotatividade dos médicos na Estratégia Saúde da Família no município de Cachoeirinha/RS. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão em Saúde) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.).

Em suma, os fatores desmotivantes para o trabalho podem indicar possíveis causas da rotatividade, como apontado por estudo realizado no município de São Paulo (SP) (CAMPOS; MALIK, 2008), que constatou uma correlação negativa (-0,46) entre o grau de satisfação geral no trabalho dos médicos paulistas com a rotatividade. Isto é, quanto menor a satisfação, maior a rotatividade.

Nesse sentido, uma avaliação mais criteriosa da satisfação do médico com seu trabalho, em âmbito local, pode indicar os fatores de maior gravidade e que demandam, portanto, maior atenção e maiores estratégias de reversão e de fixação de médicos, este que é, hoje, um dos maiores desafios para a consolidação do SUS.

Conclusão

A relação entre a satisfação do médico com o trabalho e a rotatividade não pode ser inteiramente compreendida sem que se analise o contexto no qual estão inseridos os profissionais. Devem-se considerar aspectos como a cooperação e o trabalho em equipe, os modelos de gestão empregados e a infraestrutura municipal.

Assim, verifica-se que a rotatividade varia de acordo com as características municipais e, portanto, torna-se complicado analisá-la sem considerar os indicadores locais. Neste sentido, o desenvolvimento de pesquisas localizadas que analisem os fatores geradores de rotatividade se faz necessário para o melhor planejamento de recursos humanos e a adoção de estratégias de superação do turnover.

Referências

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  • Suporte financeiro: Centro Colaborador da Opas/OMS para Fortalecimento da Capacidade de Planejamento e Informação da Força de Trabalho em Saúde, e financiado pelo Ministério da Saúde/Opas, por meio de Carta Acordo nº BRLOA1000077.001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    Abr 2015
  • Aceito
    Jun 2015
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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