As formas de cuidado, na percepção do trabalhador da Atenção Primária, prestada aos usuários portadores de transtorno mental do município de Cristália, Minas Gerais

The forms of care, in the perception of the worker of Primary Health Care, provided to the users with mental disorders in the municipality of Cristália, Minas Gerais

Ellen Carla Santos César Rota Júnior Cristina Andrade Sampaio Sobre os autores

RESUMO

Foi feita uma pesquisa qualitativa com objetivo de analisar formas de cuidado, na percepção do trabalhador da Atenção Primária, prestadas aos usuários com transtorno mental do município de Cristália, Minas Gerais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com dez trabalhadores da Atenção Primária, gravadas e transcritas em sua íntegra. O processo de revisão privilegiou a análise do discurso e categorias empíricas foram identificadas e descritas. Foi possível perceber que existe uma visão voltada para a medicalização como única forma de tratamento e um julgamento do portador de sofrimento mental como pessoas perigosas. Concluiu-se que é fundamental que a equipe do Programa Saúde da Família trabalhe a promoção em saúde, melhorando a assistência, o que possibilitará manter um bom nível de entendimento quanto ao desenvolvimento das ações envolvidas no adoecer psíquico.

PALAVRAS-CHAVE:
Saúde mental; Atenção Primária à Saúde; Trabalhadores de saúde

ABSTRACT

Qualitative research aimed to examine forms of care, in the perception of the worker of Primary Attention, provided to users with mental disorder, in the municipality of Cristália, Minas Gerais. Semi-structured interviews, with ten workers of primary care were conducted, recorded and fully transcribed. The review process focused discourse analysis and empirical categories were identified and described. It was possible to perceive that there is a view toward the medicalization as the only form of treatment. Also, there is an opinion that people with mental disorder are dangerous people. It was concluded that is essential that the team of Family Health Program works in health promotion, improving care, making it possible to maintain a good level of understanding about the development of the actions involved in becoming mentally illness.

KEYWORDS:
Mental health; Primary Health Care; Health workers

Introdução

A Constituição Federal Brasileira de 1988, inspirada na Conferência Nacional de Saúde de 1986, garantiu a saúde como um direito de todos e instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando como princípios doutrinários a universalidade, a equidade, a integralidade e a participação popular, ampliando o conceito de saúde, não como apenas ausência de doença, mas aliando-o com as condições de vida e trabalho (COSTA; POLIGNANO, 2008COSTA, C.M.; POLIGNANO, M.V. Integralidade da saúde no Programa de Saúde da Família: proposta de um Indicador. Revista Médica de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 18, n. 4, fev. 2008, p. 19-24.).

A atenção à saúde no Brasil tem como marco histórico a criação do SUS, trazendo uma percepção ampliada do seu conceito, superando a visão de saúde como apenas ausência de doença e com o objetivo de reorientar a saúde no Brasil. Os princípios do SUS vêm assegurar atendimento gratuito a todos, assistindo de forma integral e garantindo o respeito e a dignidade humana. As ações são descentralizadas, hierarquizadas e regionalizadas, delegando as responsabilidades para os municípios, estados e a união, de acordo com o papel de cada um (RIBEIRO 2010RIBEIRO, L.M. et al. Saúde mental e enfermagem na estratégia saúde da família: como estão atuando os enfermeiros? Revista da Escola de Enfermagem da USP, Sâo Paulo, v. 44, n. 2, abr./jun. 2010, p. 376-382. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en_19.pdf>. Acesso em: 31 out. 2010.
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).

Atualmente, essa realidade vem mobilizando setores organizados a defenderem a reforma sanitária brasileira para um investimento no modelo de atenção à saúde, passando para uma organização que tem a atenção primária como porta de entrada (BRASIL, 2009). Com a implantação do SUS, a oferta à assistência à saúde tem representado um avanço na história do país, possibilitando uma atenção integral, com condições de acesso, principalmente para a população mais vulnerável (LYRA, 2007LYRA, M.A.A. Desafios da saúde mental na atenção básica. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 57-66.). Nesse contexto, de acordo com Nascimento e Oliveira (2010)NASCIMENTO, D.D.G.; OLIVEIRA, M.A.C. Reflexões sobre as competências profissionais para o processo de trabalho nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. O mundo da Saúde, Sâo Paulo, v. 34, n. 1, dez. 2010, p. 92-96., a partir de 1994, a Atenção Básica foi reestruturada e reorganizada, e o SUS implantou o Programa Saúde da Família (PSF).

O SUS dispõe de condições para promover, proteger e recuperar a saúde, dando importância ao reconhecimento dos problemas, considerando as diversidades de cada território, E uma das atividades mais relevantes é o PSF, pois, antes, a atenção era centrada na doença e no hospital, o cuidado era fragmentado; não havendo visão do sujeito como um todo, cada profissional cuidava da sua parte, prestando apenas uma assistência medicalizante, com pouca ênfase nas práticas de prevenção e promoção da saúde. Apenas, valorizava-se o modelo biomédico, e pouco era considerado quanto aos aspectos sociais, psicológicos e coletivos. O PSF vem para reorganizar o serviço, focalizando sua prática na família e em seu contexto social (ANJOS 2010ANJOS, R.M.P. et al. Vivendo o SUS, uma experiência prática no cenário da atenção básica. Revista Brasileira de Educação Médica, São Paulo, v. 34, n. 1, ago. 2010, p. 172-183.).

O PSF é uma política pública, sendo o primeiro contato da população com o serviço de saúde. Por ser um programa considerado potente para a universalização do atendimento e implementação dos regulamentos da reforma sanitária, teve o incentivo para transformar-se em ‘Estratégia’ de um projeto único do sistema de saúde e responsável pela Atenção Primária de Saúde (PEREIRA, 2007PEREIRA, A.A. Saúde mental para médicos e enfermeiros que atuam no PSF: uma contribuição sobre o processo de formação em serviço. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 13-33.).

Segundo Scóz e Fenili (2003)SCÓZ, T.M.X.; FENILI, R.M. Como desenvolver projetos de atenção à saúde mental no programa de saúde da família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 5, n. 2, jul./dez. 2003, p. 71-77. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 31 out. 2010.
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, o Ministério da Saúde tem a proposta de implementação de um modelo de saúde que atenda de forma adequada as demandas da população, visualizando o sujeito como unidade de cuidado, em seu contexto familiar e social com suas reais necessidades locais e, assim, recentemente ampliou o investimento na cobertura da atenção primária por via da Estratégia de Saúde da Família (ESF) (BRASIL, 2009).

A ESF é uma estratégia estrutural do SUS, possibilitando um impulso para o acesso da população à assistência à saúde, que tem como objetivo prestar assistência integral para as famílias, no âmbito da atenção básica (LYRA, 2007LYRA, M.A.A. Desafios da saúde mental na atenção básica. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 57-66.). A ESF prevê a contratação de uma equipe de saúde composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde, focalizando áreas estratégicas de atuação para cuidar de um determinado número de famílias por território (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. A prática da psicologia e o núcleo de apoio à saúde da família. Brasília, 2009.).

Para Nascimento e Oliveira (2010)NASCIMENTO, D.D.G.; OLIVEIRA, M.A.C. Reflexões sobre as competências profissionais para o processo de trabalho nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. O mundo da Saúde, Sâo Paulo, v. 34, n. 1, dez. 2010, p. 92-96., de acordo com as ações da equipe, foi necessária a participação de outros profissionais da saúde, organizando assim uma estrutura de apoio matricial, o Núcleo de Apoio à Família (NASF), que busca qualificar e complementar a equipe da ESF, atuando de forma compartilhada para superar a lógica fragmentada no cuidado à saúde, visando à construção de redes e integrando o cuidado físico e mental dos usuários do serviço. Essa equipe é formada por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, como psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, assistentes sociais, educadores físicos, farmacêuticos, médicos acupunturistas e homeopatas, dentre outros. Esses profissionais vêm dando apoio às equipes da ESF, no cuidado aos portadores de sofrimento mental e seus familiares e incluindo, também, a atenção aos idosos, usuários de álcool e outras drogas, crianças, adolescentes, mulheres vítimas de violência e outros grupos vulneráveis (BRASIL, 2009).

Para Lobosque e Souza (2006)LOBOSQUE, A.M.; SOUZA, M.E.(Org). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte, 2006., a equipe de técnicos não é um aglomerado de pessoas, cada um exercendo sua função, e nem apenas uma forma de dividir o trabalho. O trabalho em equipe é a participação aditiva na construção de um projeto comum, que implica em trocas, sem interesses individuais. Na equipe, não pode haver uma profissão ou profissional ocupando um lugar de maior saber, pois a lógica de cuidados é a de que nenhum saber ocupa esse centro. O diagnóstico e o tratamento podem ser feitos por qualquer profissional, apenas a medicação é prescrita pelo médico. Nesse sentido, a noção de cuidado ocupa um lugar privilegiado dessa discussão.

Para Barros, Oliveira e Silva (2007)BARROS, S.; OLIVEIRA, M.A.F.; SILVA, A.L. A. Práticas inovadoras para o cuidado em saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 41, n. spe, dez. 2007, p. 815-819. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342007000500013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 07 fev. 2012.
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, a questão que envolve o cuidado em saúde mental relaciona-se com o novo modelo assistencial proposto pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, afirmando que as mudanças ocorrem em três esferas: no objeto de intervenção, saindo da doença e se pautando no sujeito-social com transtorno mental; a finalidade da intervenção, que não se baseia na remissão do sintoma, mas nas necessidades de saúde do sujeito e nos instrumentos de intervenção, onde se conjugam saberes e práticas.

A psiquiatria no Brasil, até a década de 1970, foi marcada pela institucionalização dos portadores de transtorno mental, má assistência, comercialização da loucura e cronificação da doença mental, tendo como principal vertente o modelo médico e hospitalocêntrico. No final da década de 1970, surgem os movimentos que denunciam tal situação, com a perspectiva de melhoria na qualidade de saúde dos portadores, dando origem ao movimento da reforma psiquiátrica (LOBOSQUE; SOUZA, 2006LOBOSQUE, A.M.; SOUZA, M.E.(Org). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte, 2006.). Os objetivos da reforma enfatizam a substituição dos manicômios por serviços substitutivos (VILLELA; SCATENA, 2004VILLELA, S.C.; SCATENA, M.C.M. A enfermagem e o cuidar na àrea da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 6, n. 57, nov./dez. 2004, p. 38-41.).

De acordo com Heck (2008)HECK, R.M. et al. Gestão e saúde mental: percepções a partir de um centro de atenção psicossocial. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 4, n. 17, outydez. 2008, p. 647-655., os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgem para romper com o modelo anterior, hospitalocêntrico, que estava centrado em reproduzir os isolamentos, segregação, exclusão e submissão. Dessa forma, nos últimos vinte anos a área da saúde vem atravessando um processo de mudança, passando a entender o sujeito em seu contexto familiar e social, reabilitando e inserindo-o na produção de sua vida social, no trabalho, lazer, cultura, educação e saúde. Hoje, o processo de desinstitucionalização, que tem como objetivo reinserir as pessoas portadoras de sofrimento mental na sociedade, exige dispositivos que garantam o vínculo dessas pessoas com o sistema de saúde.

A desistitucionalização prevista na reforma psiquiátrica implica em ampliar o conceito de cidadania, no sentido de admitir a pluralidade dos sujeitos com suas diferenças e diversidades, colocando-os no mesmo patamar de sociabilidade e dando-lhes o real direito ao cuidado, para que possam receber ajuda em sofrimento, sua positividade e em sua possibilidade de sujeito de desejos e projetos. (HECK , 2008, p. 648HECK, R.M. et al. Gestão e saúde mental: percepções a partir de um centro de atenção psicossocial. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 4, n. 17, outydez. 2008, p. 647-655.).

Nesse contexto, surge uma rede de atenção em saúde mental, que busca suprimir as necessidades de cuidado do portador de sofrimento, tendo os CAPS surgido como uma forma mais adequada aos princípios da reforma psiquiátrica. A necessidade do cuidado, de acordo com Amarante (2007)AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007. pauta-se no abandono da concepção de cura, o que traz implicações. O acolhimento deve permitir aos sujeitos expressarem suas “dificuldades, temores e expectativas” (p. 82), permitir o estabelecimento de vínculos afetivos e profissionais com a equipe, possibilitando que se deixe de lidar com a ‘doença’ para se lidar com as pessoas.

As políticas públicas em saúde mental surgem como forma de garantir o direito do tratamento das pessoas com sofrimento mental e, assim, organizando uma rede de atenção integral à saúde (HECK 2008HECK, R.M. et al. Gestão e saúde mental: percepções a partir de um centro de atenção psicossocial. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 4, n. 17, outydez. 2008, p. 647-655.). Assim, no Brasil, estão sendo criadas condições favoráveis para uma política de saúde mental com ênfase em atenção básica. Devido aos esforços do Ministério da Saúde, através dos Programas de Agentes Comunitários e Saúde da Família, a inclusão dos serviços de saúde mental, na atenção primária, vem acontecendo (SILVEIRA, 2001SILVEIRA, A.R. Programa de Saúde da Família: as práticas de cuidados dos problemas de saúde mental. 2001. 108f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

Segundo Lyra (2007)LYRA, M.A.A. Desafios da saúde mental na atenção básica. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 57-66., a criação e expansão do SUS ocorreram paralelamente com o movimento da Reforma Psiquiátrica, levando ao encontro da saúde mental com a atenção básica. Como até então o tratamento dos portadores de sofrimento mental eram entendidos como casos de hospitalização e medicalização, nem sequer constavam na ficha da família, nas Unidades Básicas de Saúde, a não ser casos mais leves, encaminhados ao ambulatório especializado, restringindo o atendimento apenas à repetição das receitas prescritas pelos psiquiatras.

O PSF e a Reforma Psiquiátrica vêm propondo mudanças radicais no modelo de assistência à saúde, ambos defendendo os princípios do SUS. A incorporação de ações na atenção primária vem contribuir para acelerar o processo da reforma psiquiátrica brasileira, embora tenham sido criados, até maio de 2006 mais de 800 CAPS, ainda não são suficientes e não dispõem de profissionais capacitados para atender essa população. Além disso, os serviços especializados não são os únicos responsáveis por essa demanda, pois o adoecimento psíquico está na esfera da atenção primária. Percebendo assim que há uma necessidade de qualificação desses profissionais, em particular os do PSF (PEREIRA, 2007PEREIRA, A.A. Saúde mental para médicos e enfermeiros que atuam no PSF: uma contribuição sobre o processo de formação em serviço. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 13-33.).

Na maior parte das vezes, os CAPS são os serviços de referência, mas sabemos que o CAPS, para atender toda a saúde mental na perspectiva psicossocial, não é suficiente, sendo assim necessário o serviço de atenção primária acolher essa demanda, garantindo o tratamento do portador de sofrimento mental. Porém, em todo o Brasil, apesar da demanda de saúde mental existente, pode-se perceber que as equipes da atenção primária expressam dificuldades em diagnosticar e acompanhar pessoas com transtorno mental (LUCCHESE 2009LUCCHESE, R. et al. Saúde mental no programa Saúde da Família: caminhos e impasses de uma trajetória necessária. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, set. 2009, p. 2033-2042.).

Para Silveira (2001)SILVEIRA, A.R. Programa de Saúde da Família: as práticas de cuidados dos problemas de saúde mental. 2001. 108f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001., atualmente a saúde mental passou a fazer parte dos serviços da atenção primária, resultado de diversos fatores, principalmente, pelo avanço da psiquiatria, mas isso não significa uma questão resolvida. E uma das questões mais problemáticas é que uma boa parte dos pacientes com transtorno mental não estão sendo atendidos na atenção básica, e mesmo quando ocorre o diagnóstico, não recebem um tratamento adequado.

Os transtornos mentais são presentes na população, consequentemente existe uma política voltada para intervenção sobre esses agravos, recomendando, assim, que os problemas de saúde mental foçam parte do projeto das equipes da atenção básica, tendo na reforma psiquiátrica o eixo norteador desse trabalho, mesmo sendo visível que as práticas adotadas por essas equipes, em relação ao trabalho da saúde mental, sejam ainda incipientes. Muitas vezes, por falta de preparo das equipes, j á que, na maioria das vezes, os médicos são treinados para diagnosticar com estratégias de exclusão, e os enfermeiros já foram preparados mais para administrar do que cuidar. Mesmo quando há a presença de um psicólogo na equipe, a qualidade do serviço não está garantida, pois muitas vezes esses não foram preparados para atuar nessas condições, a partir dessa mesma perspectiva (SILVEIRA, 2001SILVEIRA, A.R. Programa de Saúde da Família: as práticas de cuidados dos problemas de saúde mental. 2001. 108f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

Os portadores de sofrimento mental são, na maioria das vezes, vistos como pessoas difíceis de lidar e perigosas e, com isso, são encaminhadas diretamente para um técnico de saúde mental, ou um serviço especializado, antes mesmo de saber o que a pessoa procura, ou seja, não há um acolhimento e, simplesmente, o caso é passado adiante. Porém, defende-se aqui que os portadores de sofrimento mental são capazes de dizer o que querem, e tanto o acolhimento, quanto o acompanhamento dessas pessoas, pode ser realizado pela equipe do PSF. Todos os trabalhadores de saúde devem conhecer o modelo de assistência em saúde mental existente no município, pois com isso poderá encaminhar o usuário quando necessário para o serviço adequado (LOBOSQUE; SOUZA, 2006LOBOSQUE, A.M.; SOUZA, M.E.(Org). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte, 2006.).

Como o acolhimento não pode ser feito de forma frágil, o vínculo e a responsabilização de cuidados também não podem. Quem cuida de alguém, cuida de forma incondicional, da mesma maneira que não se nega atendimento a um diabético, não se pode deixar de atender um alcoólatra, por exemplo. Para cuidar de pessoas tidas como difíceis, é preciso criar estratégias. Lidar e se responsabilizar exige firmeza, não autoritarismo (LOBOSQUE; SOUZA, 2006LOBOSQUE, A.M.; SOUZA, M.E.(Org). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte, 2006.).

Metodologia

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo é analisar as formas de cuidado, na percepção do trabalhador da Atenção Primária, prestada aos usuários portadores de transtorno mental de Cristália, Minas Gerais.

Este estudo foi realizado no município de Cristália (MG), nas áreas de abrangência dos serviços de PSF (urbana e rural), isto é, nas Unidades de Saúde do município onde atuam as equipes de PSF.

As Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) estão localizadas no centro da cidade, em região de fácil acesso para a comunidade, próximos aos pontos de ônibus. Estão locadas em prédios novos, inaugurados em março de 2008; porém, em suas construções faltaram alguns ambientes essenciais para o bom desempenho das equipes de saúde como: sala de reuniões, sala para os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), lavanderia, escovário, etc.

O território do PSF VIDA é composto por seis microáreas, sendo três localizadas na zona rural (Região da Comunidade Paiol, Santa Cruz e São João) e três situadas na zona urbana (composta basicamente pelo centro da cidade). A área da abrangência do outro PSF Vida Nova é formada por seis microáreas, sendo três localizadas na sede (composta por uma parte do centro da cidade e pelo bairro planalto) e três situados na zona rural (povoado de Boa Vista, Comunidades do Barreiro e da Piedade) compondo um PSF de área mista. A amostra se constituiu de 10 profissionais das duas equipes do PSF do ano de 2010.

Após a autorização da Secretaria Municipal de Saúde do Município e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Unidades do Norte de Minas – FUNORTE (n.º 041/2010), iniciou-se a coleta de dados no segundo semestre de 2010. Desse modo, foi marcado horário e dia a todos interessados em participar deste estudo. Foi feito um convite a cada profissional, após seu aceite em participar da pesquisa, esclarecemos todos os procedimentos que compreendem este estudo através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para a interpretação dos dados foi realizada, inicialmente, a transcrição do material gravado na íntegra, obtido através das entrevistas. A leitura em profundidade se seguiu para a identificação dos núcleos temáticos contidos nas falas dos sujeitos. A análise de discurso foi o método escolhido, sendo identificadas categorias representativas da visão que possuem os trabalhadores do serviço, em questão acerca da atenção à saúde mental. Em seguida, procedeu-se a discussão com a literatura. As categorias são apresentadas com os depoimentos relacionados, bem como a discussão da mesma.

Resultados e discussão

Como descrito, foram realizadas entrevistas com dez profissionais da área da saúde, em nível de atenção primária e, logo após de serem transcritas na íntegra, os dados foram levantados e selecionados, as falas mais expressivas foram direcionadas à temática da pesquisa, e se estabeleceram algumas categorias, sob as quais serão discutidas e analisadas, e serão esplanadas no decorrer do texto as falas e termos-chave mais significativos na categoria enquadrada.

Categoria 1 – o louco: inadequado e perigoso

O transtorno mental ainda é obscuro perante a medicina, não existe uma causa que explique esse sofrimento tão estigmatizante. No entanto, o adoecer psíquico é facilmente percebido, pois, todas as pessoas consideradas hostis às formas tradicionais de conduta, são taxadas de loucas, existindo, assim, o paradigma da exclusão social que se resume em isolamento dos doentes, que não são aceitos dentro dos padrões habituais. A estigmatização da loucura faz com que o doente mental perca sua cidadania, sofra preconceitos e seja segregado da sociedade. Hoje, o portador de sofrimento mental necessita de assistência adequada, socialização e apoio para seus familiares. A socialização ainda é um processo difícil, pois a doença mental é vista como transgressões de normas estabelecidas pela sociedade, com isso não é tolerada e, portanto, segregada (SPADÍNI; SOUZA, 2006).

Os portadores de sofrimento mental são muitas vezes vistos como pessoas difíceis de lidar e perigosas. São pessoas capazes de dizer o que querem, apenas é preciso um pouco de paciência para entendê-los. E tanto o acolhimento, quanto o acompanhamento dessas pessoas, pode ser realizado pela equipe do PSF. Todos os trabalhadores da área de saúde devem conhecer o modelo de assistência em saúde mental existente no município, pois com isso poderão encaminhar o usuário, quando necessário, para o serviço adequado (LOBOSQUE; SOUZA, 2006LOBOSQUE, A.M.; SOUZA, M.E.(Org). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte, 2006.).

Sabe-se que a ESF tem como umas das suas propostas a humanização das práticas de saúde, através dos relacionamentos das equipes com a comunidade, busca a satisfação dos usuários, estimulando o reconhecimento da saúde como direito de cada um.

Pode-se notar que existe dificuldade dos profissionais em entender qual seria o procedimento adequado para o atendimento ao usuário do serviço de saúde mental, no decorrer do seu tratamento ou num momento de crise. Com a maioria dos entrevistados, foi possível perceber que os mesmos acreditam que os portadores de sofrimento mental não têm condições de entendimento, discernimento, são pessoas difíceis de relacionar. Não são vistos como pessoas comuns, que podem ter uma vida como as outras. E alguns relataram, também, que tinham receio e medo de fazer uma visita domiciliar, por exemplo, pois o ‘doido’ poderia ‘sair correndo atrás’, ser agressivo, ou lhe causar qualquer tipo de prejuízo.

[...] Muitas vezes é dificil, por que uma pessoa com essa necessidade, às vezes não entende, se a gente falar, também às vezes fica até pior, porque eles podem agir agressivamente [...] (El).

[...] É difícil para a família, assim você chega que é de fora eles têm mais educação e com a própria família eles são mais estúpidos, sei lá, são estúpidos, estúpidos com a própria família, estúpidos com o próprio filho, próprio irmão, próprio esposo, entendeu? [...] (E2).

[...] Têm alguns que estão agressivos e querem agarrar a gente e a gente por ser mulher, mais frágil, a gente tem que ter um certo cuidado [...] (E3).

De acordo com Spadini e Souza (2006)SPADINI, L.S.; SOUZA, M.C.B.M. A doença mental sob o olhar de pacientes e familiares. Revistada Escola de Enfermagem da USP, Sâo Paulo, v. 40, n. 1, mar. 2006, p. 123-127, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf>. Acesso em: 08 nov. 2010.
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, a história da doença mental é relatada desde os primórdios da civilização. Muitas explicações para a doença eram sobrenaturais, quando se tratava o doente mental com métodos mágicos, religiosos, eram exorcizados e queimados. Com o passar dos anos, houve um reconhecimento da influencia psicológica das emoções sobre o corpo. E, na era do Iluminismo, a doença passou a ser explicada mais pela razão, e os aspectos sobrenaturais perderam a força na explicação da doença. Mas, o doente continuava sendo excluído e tratado a chicote, e morria por falta de cuidados.

No século XVIII, Pinel trouxe um entendimento novo sobre o adoecimento mental, passando a ser um distúrbio do sistema nervoso. Mas, o isolamento e a exclusão do portador eram mantidos, pois se acreditava que aquele tipo de tratamento era necessário (SPADINI; SOUZA, 2006SPADINI, L.S.; SOUZA, M.C.B.M. A doença mental sob o olhar de pacientes e familiares. Revistada Escola de Enfermagem da USP, Sâo Paulo, v. 40, n. 1, mar. 2006, p. 123-127, Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf>. Acesso em: 08 nov. 2010.
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).

Nos últimos 20 anos, como visto, a área da saúde vem passando por um processo de mudanças, passando a ver o sujeito em seu contexto familiar e social, reabilitando e inserindo-o na produção de sua vida social, no trabalho, lazer, cultura, educação e saúde. Hoje, o processo de desinstitucionalização, que tem como objetivo reinserir as pessoas portadoras de sofrimento mental na sociedade, exige dispositivos que garantam o vínculo dessas pessoas com o sistema de saúde (HECK 2008HECK, R.M. et al. Gestão e saúde mental: percepções a partir de um centro de atenção psicossocial. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 4, n. 17, outydez. 2008, p. 647-655.).

Alguns dos entrevistados já têm a visão da reforma psiquiátrica, da reabilitação, da inserção social, enfim, do trabalho que existe hoje, voltado ao sujeito portador de sofrimento mental, mas ainda é visível perceber que tem um estigma quanto a essa pessoa, pois em suas falas é notável que exista um preconceito ou, até mesmo, um desconhecimento do que seria realmente o adoecimento psíquico.

[...] Podia também tá fazendo o ajuntamento dessas pessoas para conversar, para vê o quê essas pessoas na verdade são doidas, mas não são tão doidas [...] (E4).

[...] Aquela mesmo não é doida [a entrevistada fez referência a uma usuária da sua unidade de PSF], assim totalmente, pode ter crise dela, mas não é direto (E5).

[...] Ela hoje me abraça, manda entrar só que eu estou mais acompanhada com agente de saúde seja uma medida de proteção pra mim e pra própria pessoa também [...] (E6).

Categoria 2 – medicalizaçâo

A Reforma Psiquiátrica propõe uma transformação das práticas profissionais e de conceitos da saúde mental, pois se distanciam das antigas visões punitivas e excludentes, procurando preservar a subjetividade do sujeito, a sua história de vida, suas relações interpessoais, estabelecendo formas de tratamento em serviços abertos, criativos e maleáveis. (SCÓZ; FENILI, 2003SCÓZ, T.M.X.; FENILI, R.M. Como desenvolver projetos de atenção à saúde mental no programa de saúde da família. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 5, n. 2, jul./dez. 2003, p. 71-77. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 31 out. 2010.
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).

Através dos relatos das entrevistas percebeu-se que o serviço está centrado apenas na doença, o cuidado está fragmentado, prestando apenas uma assistência medicalizadora, não havendo ênfase na prevenção e promoção da saúde mental. Dessa forma, o trabalho não condiz com a política do SUS e com o PSF, que tem como objetivo reorganizar, focalizando sua prática na família e em seu contexto social (ANJOS 2010ANJOS, R.M.P. et al. Vivendo o SUS, uma experiência prática no cenário da atenção básica. Revista Brasileira de Educação Médica, São Paulo, v. 34, n. 1, ago. 2010, p. 172-183.).

De acordo com as falas dos entrevistados, pôde-se notar que a equipe não foi capacitada e nem treinada para trabalhar com a atenção à saúde mental, sendo que a maioria relata apenas o medicamento como forma de tratamento, além da dificuldade encontrada em lidar com esse usuário, Puderam-se identificar profissionais desinformados em relação aos serviços, tendo o medicamento como a única alternativa de tratamento. A falta de informação da equipe proporciona alienação, dificultando assim o atendimento ao portador de sofrimento mental, sendo, dessa forma, estigmatizado, dificultando seu convívio social.

Segundo Holmwood (1998), citado por Silveira, Stralen e Campos (2003)SILVEIRA, A.R.; STRALEN, C.J.V.; CAMPOS, F.E. Os cuidados primários em saúde mental: Uma revisão bibliográfica. Revista Mineira de Saúde Pública, Belo Horizonte, v. 2, n. 02/03, jan./dez. 2003. p. 76-83., as dificuldades dos profissionais em atuarem na assistência primária de saúde mental vêm da deficiência na graduação. Mas, apesar dessa deficiência, a demanda continua chegando à atenção primária devido à facilidade de acesso aos serviços e à rapidez no atendimento.

Foi observado, também, que não existe nenhum trabalho de assistência primária nessa área que promova a saúde mental e previna a doença. Dessa forma, as pessoas não têm alternativa de ajuda a não ser o medicamento. Pensando nessas questões, o modelo de assistência à saúde mental no PSF, onde são realizadas capacitação e educação permanentes aos profissionais de saúde na atenção básica, não vem sendo, de fato, implementado.

[...] Geralmente fazemos essa intervenção quando o paciente entra em surto [...] (E1).

[...] Esse acompanhamento é feito de forma de caráter urgência mesmo, né, digamos de apagar a fogueira no momento [...] (E2).

[...] Até mesmo por que fazemos o nosso acompanhamento nesta questão da medicação mesmo, né, do médico tá prescrevendo, da gente tá administrando e acompanhando aquela medicação [...] (E3).

[...] Ela toma injeção que [n]o caso não é a gente que acompanha [...] (E4).

[...] O que a gente faz mesmo que ela passa e pede pra fazer uma receitinha pra ela, renova a receita porque ela toma muitos remédios, ela pede pra gente renovar receita e pede também pra medir a pressão porque ela gosta [...] (E5).

[...] É, a gente conversa, dá orientações de como usar os remédios [...] (E6).

[...] Oriento tá levando ele, o paciente ao médico, aí eu volto pra saber se tá usando o medicamento direitinho [...] (E7).

[...] A gente tem que tá atrás, pedindo pra ir tomar medicamento [...] (E7).

[...] A gente visitando, olhando que tá precisando, se tá tomando a medicação certa [...] (E8).

[...] Normalmente prescreve o remédio, que já chega num estado mais avançado [...] (E9).

[...] Eu faço medicamento nele, ele agride [...] (E10).

Para Amarante (1995)AMARANTE, P. Novos sujeitos, novos direitos: o debate sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, jul./set. 1995, p. 491-494., a rede de novos serviços é um investimento, não apenas técnico e social, mas também financeiro. E quando falamos em desinstitucionalização, não estamos falando apenas em desospitalização, mas em desconstruir o modelo arcaico de conceito de doença.

Desinstitucionalização significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições concretas de vida. Isto significa não administrar-lhe apenas fármacos ou psicoterapias, mas construir possibilidades. (AMARANTE, 1995, p. 494AMARANTE, P. Novos sujeitos, novos direitos: o debate sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, jul./set. 1995, p. 491-494.).

Considerações finais

Os transtornos mentais são presentes na população, consequentemente existe uma política voltada para intervenção sobre esses agravos, recomendando, assim, que os problemas de saúde mental façam parte do projeto das equipes da atenção básica, tendo na reforma psiquiátrica o eixo norteador desse trabalho, mesmo sendo visível que as práticas adotadas por essas equipes, em relação ao trabalho da saúde mental, sejam ainda incipientes. Muitas vezes, isso acontece por falta de preparo das equipes, já que, na maioria das vezes, os médicos são treinados para diagnosticar com estratégias de exclusão, e os enfermeiros já foram preparados mais para administrar do que cuidar. Mesmo quando há a presença de um psicólogo na equipe, a qualidade do serviço não está garantida, pois, muitas vezes, esses não foram preparados para atuar nessas condições, a partir dessa mesma perspectiva (SILVEIRA, 2001SILVEIRA, A.R. Programa de Saúde da Família: as práticas de cuidados dos problemas de saúde mental. 2001. 108f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.).

A formação dos profissionais ainda está no modelo médico, fragmentado e especializado, o que dificulta a compreensão no processo saúde-doença e nas intervenções. Dentro das dificuldades identificadas através das entrevistas, no processo de trabalho da equipe, a formação dos profissionais não está atendendo às necessidades da atenção primária, distanciando-se da proposta dos serviços da ESF.

Para que se possa atingir a integralidade da atenção à saúde, é fundamental que a equipe do PSF trabalhe a promoção, percebendo que é necessário melhorar a assistência aos portadores de transtorno mental. A equipe também precisa realizar reuniões periódicas, das quais participem todos profissionais, o que possibilita manter um bom nível de entendimento quanto ao desenvolvimento das ações e quanto ao conhecer do adoecer psíquico. Com isso, seria possível desmistificar a associação do ‘louco’ à periculosidade, agressividade, ‘difícil de lidar’ e para quem apenas o medicamento é forma de tratamento possível.

O tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas de sociabilidade a subjetividade. O doente, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um sujeito, e não um objeto do saber psiquiátrico. (AMARANTE, 1995, p. 494AMARANTE, P. Novos sujeitos, novos direitos: o debate sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, jul./set. 1995, p. 491-494.).

Sabe-se que a transformação das práticas é um desafio a ser superado em várias instâncias, pois implica mudanças de paradigmas já estruturados nos serviços. Capacitações e diálogos talvez possam minimizar o descompasso entre serviço e a proposta da ESF, para construir um novo modo de trabalho em saúde, centrado na qualidade do usuário.

Acredita-se na ESF como estratégia para mudar o modelo da assistência, mas se faz necessário conscientizar os profissionais que todas as pessoas são do território de atuação da equipe, que devemos visar o atendimento integral e que a saúde mental está inserida na atenção básica. Nem sempre a atenção básica oferece condições de mudanças, faltam recursos, o que acaba prejudicando o desenvolvimento das equipes; além disso, atender pessoas em sofrimento psíquico é tarefa complexa.

Com a Reforma Psiquiátrica, o modelo de assistência à saúde vem proporcionando mudanças. Além disso, os serviços especializados como, por exemplo, os CAPS não são os únicos responsáveis pela demanda, pois é da esfera da atenção primária, percebendo assim que há uma necessidade de qualificação das equipes (PEREIRA, 2007PEREIRA, A.A. Saúde mental para médicos e enfermeiros que atuam no PSF: uma contribuição sobre o processo de formação em serviço. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, mar./abr. 2007, p. 13-33.).

Diante desses resultados, verifica-se que é necessário aprimorar a formação dos profissionais, a necessidade de qualificá-los e um maior envolvimento de todos para que possa existir um suporte para as famílias e inserção, de fato e de direito, do portador de transtorno mental na sociedade.

  • Suporte financeiro: Não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2012

Histórico

  • Recebido
    Ago 2011
  • Aceito
    Mar 2012
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