A vigilância popular do trabalho escravo contemporâneo

Luís Henrique da Costa Leão Thomaz Ademar Nascimento Ribeiro Sobre os autores

Resumo

Considerando os movimentos sociais (MS) como agentes de produção de informação e ação fundamentais para melhoria das condições de saúde dos trabalhadores e sua relevância na história das relações saúde-trabalho no Brasil, o artigo analisa saberes e práticas de MS relativas à coleta, sistematização, divulgação de informações e ação de intervenção na escravidão contemporânea na perspectiva da vigilância em saúde do trabalhador (VISAT). Realizou-se pesquisa exploratória de natureza qualitativa sobre práticas discursivas de MS na luta pela erradicação do trabalho escravo no Brasil. As entrevistas com militantes, documentos produzidos pelos MS e a observação de encontros e seminários foram analisadas aqui conforme o pensamento foucaultiano. Os resultados demonstram a existência de uma vigilância popular do trabalho escravo contemporâneo, operacionalizada por MS com mecanismos pioneiros e originais de coleta, sistematização e publicização de dados sobre ocorrências da escravidão associadas a estratégias de intervenção para a defesa da vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Conclui-se que essa prática popular de vigilância da escravidão desafia o SUS a ampliar os diálogos com os diferentes saberes e MS para inserir a temática em suas ações de VISAT.

Palavras-chave:
movimentos sociais; vigilância popular; saúde do trabalhador

Introdução

Este artigo aborda saberes e práticas de movimentos sociais (MS) no enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo (TEC) na perspectiva da vigilância em saúde do trabalhador (VISAT).

É notório que mesmo após a promulgação da Lei Áurea, a escravidão persistiu na sociedade brasileira sob novas roupagens. Essas formas contemporâneas de trabalho escravo começaram a ser reportadas por sindicatos, grupos e MS organizados na década de 1970, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros movimentos vinculados à Teologia da Libertação, à luta pela terra e à reforma agrária e eles têm sido um dos principais sujeitos coletivos na luta pela erradicação do TEC (MARTINS, 2004MARTINS, J. de S. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.). Eles desenvolveram estratégias e acumularam experiências concretas de respostas a esse problema social e as pressões exercidas por eles fizeram o governo brasileiro reconhecer o TEC na década de 1990 e institucionalizar políticas e ações de Estado.

Esse fenômeno precisa receber maior atenção na área de saúde do trabalhador (ST), especialmente porque até hoje o TEC não constitui objeto de ações institucionais e de estudos específicos nesse campo (LEÃO, 2016LEÃO, L. H. C. Trabalho escravo contemporâneo como um problema de saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3927-3936, 2016.). Do ponto de vista histórico, reconhece-se que a ST no Brasil recebeu grande influência de MS operários, urbanos e industriais, especialmente o Modelo Operário Italiano, que no combate às nocividades dos ambientes de trabalho inspirou novas experiências nas relações saúde-trabalho (VASCONCELLOS; PAIVA, 2011VASCONCELLOS, L. C. F.; PAIVA, M. J. Modelo Operário Italiano: o surgimento do campo da saúde do trabalhador. In: VASCONCELLOS, L. C. F.; OLIVEIRA, M. H. B. de. (Orgs.). Saúde, Trabalho e Direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam, 2011.). Por outro lado, as atividades dos MS do campo, que inauguraram importantes iniciativas de interesse da saúde dos trabalhadores no mesmo período, nem sempre recebem o devido reconhecimento na história do campo de relações saúde-trabalho no Brasil. Este artigo busca suprir essa lacuna, resgatando e reconhecendo a luta dos MS do campo na defesa da vida dos trabalhadores submetidos ao TEC.

A escravidão contemporânea (EC) ou trabalho escravo contemporâneo são formas coercitivas de submissão de trabalhadore(a)s a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes, restrição de locomoção em razão de dívida, retenção de documentos, uso de violência e tráfico humano (BRASIL, 2003). Os termos mais utilizados na literatura para referir-se a essas modalidades de exploração são: trabalho não-livre, trabalho análogo ao de escravo, semiescravidão, servidão por dívida, escravidão moderna, escravidão branca, trabalho forçado e TEC (ESTERCI, 2008ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.; FIGUEIRA, 2004FIGUEIRA, R. R. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.; BALES, 1999BALES, K. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1999.; MARTINS, 2004MARTINS, J. de S. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.). Para Orlando Patterson (1982PATTERSON, O. Slavery and Social Death. A comparative Study. Massachusetts: Harvard University Press, 1982.), em sua relevante análise comparativa “Slavery and Social Death”, a escravidão é uma das formas mais extremas de dominação e as relações de poder que a caracterizam são atravessadas por facetas sociais, culturais e psicológicas, constituídas por violência, alienação e desonra capazes de levar à experiência de morte social.

Esse fenômeno foi alvo de atenção e debate de organismos internacionais de modo que, no decorrer do século XX, se produziram muitas declarações e convenções normativas visando ao seu combate, a exemplo das convenções sobre trabalho forçado da OIT (nº 29 de 1930 e nº 105 de 1957) e das convenções das Nações Unidas sobre a escravatura de 1926 (que a definia ainda enquanto direito de propriedade) e abolição das práticas análogas à escravidão de 1956 e ainda o Protocolo de Palermo, de 2000, que trata do tráfico humano.

Do ponto de vista acadêmico, o TEC também é objeto de estudo de diferentes campos disciplinares (História, Sociologia, Direito, Antropologia, Economia, Geografia etc.) sob distintas abordagens teórico-metodológicas e, no cenário brasileiro, relevantes contribuições do ponto de vista das Ciências Sociais podem ser encontradas em Figueira (2004FIGUEIRA, R. R. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.) e Esterci (2008ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.). Em nível internacional, a publicação de Disposable People (1999) ganhou notoriedade, abrindo ainda mais debates acadêmicos sobre o tema. Bales (1999BALES, K. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1999.) caracteriza a EC não do ponto de vista do direito de propriedade, mas a partir das práticas de controle sobre trabalhadores/trabalhadoras e uso da violência com fins de obtenção de lucro. Ainda segundo o autor (BALES, 2007______. Ending Slavery. How we free today´s slaves. London, University of California Press, 2007.), a EC está vinculada ao modelo de desenvolvimento econômico da acumulação capitalista e aos conflitos e degradações ecológicas, tomando formas mais fluidas e menos visíveis do que quando sua existência tinha respaldo legal. Estima-se que 40,3 milhões de pessoas estavam em escravidão no ano de 2018 no mundo e, no Brasil, 53.607 trabalhadores foram resgatados dessas condições de 1995 a 2018 (MPT, 2019).

As condições de EC demonstram se tratar de um importante problema de saúde pública, porque causa mortes e severos níveis de adoecimento na classe trabalhadora e representa um nicho de exposição a riscos ambientais e ocupacionais que somados às violências físicas, intenso esforço físico sem possibilidades de reposição das energias e más condições de alimentação, água, alojamentos, impedem a reprodução das forças dos trabalhadores (ZIMMERMAN; HOSSAIN; WATTS, 2011ZIMMERMAN, C.; HOSSAIN, M.; WATTS, C. Human trafficking and health: A conceptual model to inform policy, intervention and research. Social Science e Medicine, v. 73, n. 2, p. 327-335, 2011.; LEÃO, 2016LEÃO, L. H. C. Trabalho escravo contemporâneo como um problema de saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3927-3936, 2016.).

Reduzir a ocorrência de trabalho escravo é, portanto, contribuir para uma sociedade mais saudável. Entretanto, faltam diretrizes e estratégias de vigilância para diminuir/controlar a morbimortalidade relativa à EC, ainda que a Política Nacional de ST objetive fortalecer a VISAT incluindo sua colaboração para “identificação e erradicação de situações análogas ao trabalho escravo” (BRASIL, 2012, p. 47).

A VISAT, especificamente, é um conjunto de ações de investigação e intervenção sobre os processos de trabalho, a fim de eliminar ou controlar os condicionantes, riscos, vulnerabilidades sociais e sanitárias, seguindo princípio de universalidade, pluri-institucionalidade, controle social, participação dos trabalhadores e o caráter transformador das condições laborais e de saúde, entre outros (BRASIL, 1998).

Para avançar na vigilância da escravidão, são necessárias maiores aproximações da VISAT nas ações de enfrentamento ao TEC e maior engajamento da academia na produção de conhecimento. Poucos artigos abordam a relação da vigilância e EC, reconhecendo o mérito da saúde pública na identificação de grupos de risco, avaliação de risco e medidas de controle (TODRES, 2011TODRES, J. Moving Upstream: The Merits of a Public Health Law Approach to Human Trafficking. North Carolina Law Review, v. 89, n. 2, p. 447-506, 2011.), preveem um modelo de intervenção organizado em cada estágio do tráfico humano (ZIMMERMAN; HOSSAIN; WATTS, 2011ZIMMERMAN, C.; HOSSAIN, M.; WATTS, C. Human trafficking and health: A conceptual model to inform policy, intervention and research. Social Science e Medicine, v. 73, n. 2, p. 327-335, 2011.) e consideram a importância da vigilância das condições de trabalho na EC e monitoramento das iniquidades em saúde a ela relacionadas (BENACH et al., 2012BENACH, J. et al. The challenge of monitoring employment-related health inequalities. Journal Epidemiology Community Health, v. 66, n. 12, p. 1085-1087, 2012.).

Considerando a escassez de produções acadêmicas brasileiras, poucas iniciativas institucionais do setor saúde na vigilância da EC e a experiência de mais 40 anos dos MS no combate ao TEC, este artigo objetiva analisar as práticas e saberes de MS relativas à coleta, sistematização, divulgação de informações e ação de intervenção na escravidão contemporânea na perspectiva da vigilância em saúde do trabalhador.

Trajetória teórico-metodológica

Este artigo é um dos resultados do projeto de pesquisa “Promoção e Vigilância da Saúde de Trabalhadores em Contextos de Escravidão: perspectivas para o fortalecimento das estratégias de intervenção”, no qual se inseriu a dissertação de mestrado intitulada “Vigilância da escravidão contemporânea: saberes e práticas de movimentos sociais em Mato Grosso”, tomada como uma das bases para a produção deste texto.

Temos buscado investigar abordagens teóricas, saberes e práticas mobilizados nas lutas pela erradicação do TEC sob a ótica de atores da academia, MS, instituições do Estado e trabalhador(a)es resgatados, mas para este artigo apresentamos um recorte sobre a perspectiva dos MS que exercem pressão para o enfraquecimento do sistema de dominação escravocrata presente na sociedade brasileira.

Os MS são organizações e grupos sociais mobilizadores de ações coletivas que contestam, questionam e lutam contra determinado modo de dominação social generalizada. Eles têm caráter sociopolítico e cultural e favorecem distintos modos de a população reivindicar direitos, elaborar demandas, estabelecer resistências frente a opressões e construir meios de libertação (TOURAINE, 2006TOURAINE A. Na Fronteira dos Movimentos Sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, p. 17-28, 2006.; GOHN, 2011GOHN, M. G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, 2011.). Buscamos então investigar saberes e práticas de MS engajados na luta contra o TEC e para isso realizamos uma pesquisa qualitativa de tipo exploratório no estado de Mato Grosso por ser um dos estados brasileiros com maior prevalência de escravidão e pela presença de MS de resistência.

O trabalho de campo durou um ano e meio - entre o segundo semestre de 2018 e o final de 2019 - e a produção de dados consistiu no emprego concomitante de (a) observação participante, (b) análise documental e (c) entrevistas individuais.

  1. (a) A observação participante teve por finalidade obter maior aproximação com ativistas de MS e verificar seus pronunciamentos em encontros, eventos, seminários e reuniões científicas regionais e nacionais sobre o tema. Essa técnica foi realizada em cinco eventos públicos (simpósio de trabalho escravo organizado por auditores fiscais do trabalho, fórum de fluxos migratórios, reuniões científicas nacionais do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC-UFRJ) e seminário de combate ao TEC em MT). Adotamos o uso de diário de campo para permitir anotações de nossas percepções, e também expressões dos MS relativas aos meios e finalidades de suas formas de atuação.

  2. (b) Para a análise documental, buscamos mapear materiais públicos escritos por MS através de entrevistas informais com ativistas dos MS, conversas com especialistas e pesquisas no website dos MS. A intenção foi conhecer materiais escritos sobre o TEC (cartilhas, notas, relatórios, notícias, formulários, textos de denúncias de TEC etc.) Obtivemos acesso a um acervo particular da CPT com documentos desde as primeiras denúncias realizadas na década de 1970. Dado o volume imenso de materiais encontrados, optamos por fazer um recorte temático, incluindo na amostra apenas aqueles documentos cujo objeto central fosse o TEC e utilizados para formação (descrição da campanha e panfleto educativo), formulário de denúncias (a ficha da denúncia padronizada e duas cartas pastorais) e publicização de dados (9 Cadernos Conflitos no Campo - 2011 a 2019), chegando ao total de 14 documentos. Analisamos esse material para verificar que informações foram produzidas e qual o seu propósito.

  3. (c) As entrevistas individuais foram realizadas com militantes históricos na luta contra o TEC no Brasil e representantes de MS de defesa de trabalhadores e trabalhadoras rurais no estado de Mato Grosso. Os critérios de inclusão dos participantes foram: 1) ser membro de MS e possuir experiência com ações de prevenção, articulação, denúncias, atenção e assistência frente a problemática da escravidão contemporânea e 2) ser membro do movimento há mais de seis meses. Foram ouvidas nove pessoas, seis homens e três mulheres, e as entrevistas tiveram duração média de 60 minutos e ocorreram em ambientes providenciados pel(a)os próprios entrevistad(a)os. Utilizamos a entrevista semiestruturada, composta por questões abertas sobre características e procedimentos da atuação do MS na luta pela erradicação da EC, especialmente quanto à produção de informações para intervenção e erradicação. Todas foram gravadas e transcritas na íntegra.

O processo de produção de dados se encerrou por meio da saturação (FONTANELLA, 2011FONTANELLA, B. J. B.; et.al. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro. v. 27, n. 2, p. 389-394, 2011.) e todos os dados das entrevistas, documentos e observações compuseram o corpus da pesquisa.

Para a análise procedemos à organização dos dados e realizamos a leitura em profundidade das entrevistas, documentos e observações registradas, considerando suas inter-relações com aspectos socioculturais, políticos e econômicos. Para isso, nos apoiamos na Análise do Discurso, sob uma perspectiva foucaultiana, o que nos possibilitou conhecer condições, circunstâncias e transformações operadas nas atividades dos MS em torno do TEC. Assim, compreendemos o discurso não de modo reduzido como mera proposição, sentença ou fala, mas enquanto um conjunto de enunciados (unidades básicas do discurso) que são demarcados por regularidades e apoiados em uma mesma formação discursiva (que opera por princípio de dispersão dando condições de emergência de distintos pontos de vista, concepções, conceitos etc.) (FOUCAULT, 1969). Sob esse escopo, descrevemos como o objeto trabalho escravo passa a ser alvo de uma intensa produção de saberes e práticas de vigilância dos MS em cenários de conflitos econômicos e sociais que atuam na sua emergência e proveniência.

A compreensão desse fenômeno conformado numa “prática discursiva” - que segundo Foucault nos remete às regras determinadas historicamente no tempo-espaço e fornece as condições para a função enunciativa - nos permitiu analisar como o TEC emerge como elemento real e digno de atenção, em torno do qual práticas sociais de vigilância passam a ser tecidas. Assim, não buscamos proceder a uma análise exegética do corpus da pesquisa como quem procura sentidos internos profundos para descobrir coisas novas ali encerradas, mas descrever enunciados que atuam para conformar o TEC como objeto de luta sociopolítica e as formas que assumem as estratégias dos movimentos.

Realizamos a intepretação e discussão à luz da concepção e princípios da VISAT, circunscrevendo três categorias adotadas como analisadores centrais: informação (detecção-identificação de demanda-problema, modos de produzir conhecimento para gerar denúncias e disponibilização da informação para a sociedade), intervenção (inspeção de ambientes de trabalho e processos educativos para mitigar problemas identificados) e o princípio da participação/saber dos trabalhadores ressaltando o protagonismo dos movimentos e grupos sociais como elemento fundamental para conhecer e transformar realidades sócio-sanitárias, desenvolvidas nas abordagens da Epidemiologia Crítica (BREILH, 2003BREILH, J. De la vigilancia convencional al monitoreo participativo. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n.4, p. 937-951, 2003.), Popular (BROWN, 1992BROWN, P. Popular Epidemiology and Toxic Waste Contamination: Lay and Professional Ways of Knowing Source. Journal of Health and Social Behavior, v. 33, n. 3, p. 267-281, 1992.), Comunitária (TOGNONI, 1997TOGNONI, G. Manual de Epidemiologia Comunitaria. Edición CECOMET, 1997.) e Civil (SEVALHO, 2016SEVALHO, G. Apontamentos críticos para o desenvolvimento da vigilância civil da saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 611-632, 2016.). Essas epidemiologias críticas têm em comum o reconhecimento da relevância da voz dos grupos sociais e MS na produção de informação, prevenção, defesa e promoção da saúde e se contrapõem à epidemiologia tradicional alicerçada na estatística e na técnica burocratizada e fechada à participação e aos saberes populares.

A pesquisa seguiu os aspectos éticos da pesquisa em saúde conforme a Resolução 466/2012 e foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso, recebendo parecer de aprovação número 3.293.655. No decorrer do artigo, citamos apenas alguns recortes literais das entrevistas, utilizando nomes fictícios para preservar o anonimato dos sujeitos, assim como citações de documentos públicos dos MS.

Resultados e Discussão

Tornar visível: o processo de geração de informação

As informações sobre a existência da exploração do TEC começaram a aparecer na cena pública nacional devido à presença e prática de grupos sociais e religiosos, engajados na defesa de direitos de trabalhadores no cenário dos conflitos sócio-territoriais do campo, em diferentes regiões do Brasil na década de 1970, especialmente na Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Movimento de Educação de Base (MEB) e sindicatos de trabalhadores rurais. Esses atores sociais se viram diante de violências, explorações e inúmeras violações da dignidade de trabalhadores mais pobres, camponeses, povos tradicionais, agricultores familiares em cenários que simbolizavam um “barril de pólvora”, devido ao exercício do poder dos grandes capitalistas latifundiários nas pressões pelo domínio territorial e controle do uso da terra.

Muitos trabalhadores fugindo das explorações e violências nas fazendas tinham apenas a Igreja para buscar ajuda e os agentes da pastoral os acolhiam, os ouviam e ofereciam suporte, alimentação, hospedagem, segurança, conforto, conversa, amparo e estratégias protetivas possíveis para evitar que fossem mortos. Nesse contexto, iniciaram os primeiros registros de depoimentos das pessoas submetidas ao TEC.

Como aponta um entrevistado, os agentes deixavam o trabalhador falar livremente sobre as condições de trabalho vivenciadas e “as doenças contraídas no trabalho, explicar os sintomas, como a febre, dar detalhes e descrever a fuga, questões criminais e qualquer aspecto que demonstrasse a violência, as circunstâncias de assassinato, de tortura” (José).

Nessa atuação, os MS reconheceram o trabalhador submetido à escravidão como uma classe, uma categoria que tem sua própria particularidade (SILVA, 2016SILVA, M. P. O trabalho escravo contemporâneo e a atuação da CPT no campo (1970-1995). 264fl. Tese (Doutorado em História Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 2016.) e direito à voz e, assim, se tornaram interlocutores confiáveis dos trabalhadores (FIGUEIRA; PRADO, 2014FIGUEIRA, R. R.; PRADO, A. Trabalhadores denunciam o trabalho escravo. Hendu, v. 4, n. 1, p. 22-40, 2014.). Suas denúncias se constituíram uma maneira de reação ativista diante de um contexto de extermínio de classe (FREITAS; RIBEIRO, 2017FREITAS, E. O.; RIBEIRO, A. M. M. O trabalho escravo contemporâneo e a CPT na Amazônia: memória e luta pela libertação. In: Encontro Anual da ANPOCS, 41., 2017, Caxambu-MG. Anais, 2017.). Esses agentes foram os primeiros que coletaram, anotaram, compreenderam e transmitiram os “elementos fundamentais da cultura dos pobres da terra, no período contemporâneo da história da marginalização social no Brasil” (MARTINS, 2004MARTINS, J. de S. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004., p. 148).

Ao longo de anos de acolhimento de trabalhadores, coleta de informações e formulação de denúncias, as metodologias e os modos de operacionalização da CPT se modificaram na tentativa de uniformizar os registros e organizar as informações prestadas pelos trabalhadores. Novos meios de contato com os trabalhadores foram disponibilizados (por exemplo, uso do telefone para recepção de denúncias), foram criados escritórios estratégicos em regiões de aliciamento e passagem de trabalhadores (FIGUEIRA; PRADO, 2014FIGUEIRA, R. R.; PRADO, A. Trabalhadores denunciam o trabalho escravo. Hendu, v. 4, n. 1, p. 22-40, 2014.), e foi desenvolvido um formulário próprio com campos de registro sobre local, situação relatada, quantidade de trabalhadores envolvidos, ameaças sofridas, perfil social e demográfico da vítima, doenças e acidentes de trabalho referidos, entre outros - uma espécie de ficha de notificação-registro como instrumento de vigilância. A intenção era aprimorar a geração de informação e registrar o máximo de elementos que o depoente pudesse disponibilizar e assim prover melhores condições para formular denúncias e subsidiar a ação de autoridades (especialmente com a criação do Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho na década de 1990) e também permitir conhecimento acurado dessa realidade.

Para a formulação de denúncias, os MS usam não apenas as narrativas das vítimas, mas fontes secundárias em materiais como jornais, documentos oficiais etc. Após o acesso a esse conjunto de dados, seu registro e sistematização, observa-se um fluxo informacional em uma rede de colaboração que permite a circulação do conhecimento gerado entre diferentes bases de distintas regiões do país.

O fluxo de informações da CPT vai desde suas bases regionais, que enviam dados para o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC) na cidade de Goiânia-GO, onde são sistematizados. Esses dados são publicados de diversas formas e muitas delas são incluídas na publicação anual intitulada “Conflitos do Campo: Brasil”, que funciona como memória e subsídio contra as inúmeras violações aos direitos humanos, considerado pelos MS como “nossa arma mais poderosa para denunciar a violência no campo com relação ao trabalho escravo” (Luiz).

A mais recente publicação destes cadernos traz um panorama das violências ocorridas entre os anos de 2010 e 2019 e aponta que houve 1.377 conflitos que envolvem causas trabalhistas no campo. Destes, 1.263 estão relacionados ao TEC, envolvendo 26.369 trabalhadores e foram registrados 2 assassinatos (CPT, 2020).

O trabalho de gerar informação e publicizá-la formou um dos mais importantes acervos documentais sobre as lutas pela terra e formas de resistência dos camponeses, quilombolas e povos originários no Brasil, além de levar a conquistas de direitos de trabalhadores e punição de criminosos (CPT, 2017). Não se trata somente de produzir dados estatísticos, mas de registrar a história de luta de uma classe explorada, excluída e violentada historicamente, de expor o quadro da real situação, características, formas, tipos, impactos das formas de escravidão dando visibilidade pública às populações afetadas e de pressionar a sociedade e o Estado em prol da defesa da vida dos trabalhadores.

Fica claro que existe um ciclo de atividades cujas etapas abrangem: acolhimento de trabalhador, escuta do seu relato, registro de detalhes do caso, formulação e formalização de denúncias com uso de dados secundários também, fluxo da informação entre agentes do MS, organização, sistematização e publicação de dados em nível nacional, que visa tornar visíveis as violências ocultadas e ser uma base de estratégias para acuradas intervenções repressivas, punitivas e preventivas por parte de instituições e sociedade civil. Esse processo se torna possível porque existe uma rede de agentes espalhados pelo território brasileiro, vivendo no meio de conflitos de terra e ao lado de camponeses, assentados, acampados, agricultores familiares, povos indígenas e trabalhadores rurais, em comunicação e fluxo informacional bem organizados como fruto de robusto compromisso emancipatório.

Assim, considerando a vigilância como informação para a ação, sabe-se das dificuldades do registro de casos e da análise da real incidência e prevalência da EC não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo. Por isso, os MS, particularmente a CPT dão importante contribuição ao desvendar essa realidade auxiliando no processo de evidenciação das expressões e características do TEC no cenário brasileiro, de modo que sem o trabalho dos MS saberíamos muito pouco sobre essas formas contemporâneas de escravidão no Brasil.

Esse trabalho de vigilância dos MS, portanto, tem pioneirismo e relevância, porque os sistemas de informação da Vigilância em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), embora prevejam notificações de TEC, não conseguem captar essa realidade. Na verdade, como afirma Kevin Bales (2007______. Ending Slavery. How we free today´s slaves. London, University of California Press, 2007.) em Ending Slavery, os casos de trabalho escravo no Brasil vão além da capacidade dos governos lidarem com ele e a CPT desenvolve um trabalho vital que mereceria ser replicado ao redor do mundo.

Importante assinalar ainda que os discursos não se reduzem a um “vigiar” no sentido de um “olhar” restrito a reconhecer o TEC, mas incorpora a intervenção com finalidade de transformar essa realidade.

Transformar a realidade: as estratégias de intervenção

As ações de intervenção envolvem eixos interconectados de prevenção de novos casos, suporte às comunidades vulneráveis e vítimas da escravidão, desenvolvimento-participação em fóruns coletivos e colaboração em fiscalização de ambientes de trabalho.

A lógica de prevenção que emerge no discurso dos MS remete às estratégias para diminuir o “risco da escravidão” e superar as limitações das ações repressivas, posto que são apontadas como insuficientes para resolver o problema. Segundo dados da própria CPT, de 1995 a 2019, as operações do Grupo de Fiscalização Móvel GEFM resgataram em torno de 54.000 trabalhadores, mas por si só não conseguem quebrar os ciclos do TEC e evitar a reescravização, porque “[...] quanto mais se libertava trabalhador, mais aparecia outros, a libertação em si não é um combate ao trabalho escravo” (João). Daí a relevância dada aos processos de transformação sociocultural pela educação emancipatória através de campanhas, seminários e formação direcionadas a reduzir a vulnerabilidade para que as pessoas fiquem “vacinadas” contra a doença social da EC.

Uma campanha central nessa direção se chama “De olho aberto para não virar escravo”, que conta com folhetos, cartazes e cartilha didática conhecida por sanfoninha. A cartilha sanfoninha reporta ao gênero história em quadrinhos retratando o processo de aliciamento e escravização, e ensina meios de denunciar, autoridades a recorrer etc. Materiais assim são muito utilizados em diferentes regiões do Brasil em processos de formação que, ao mesmo tempo que previnem, identificam novos casos pelo processo de reflexão crítica que faz o próprio trabalhador “abrir os olhos” e reconhecer a experiência de TEC outrora vivenciada:

Dentro desse assentamento de 173 famílias, cento e poucas passaram por escravidão [...]. Depois que nós apresentamos algumas situações de violência, sobre toda a realidade do trabalho escravo, cento e poucas famílias falaram que já passaram por essas situações de trabalho escravo. (Sebastião).

Esse processo de conscientização se dirige aos diferentes estratos sociais (população geral, trabalhadores, sindicatos, órgãos públicos etc.), usando diferentes estratégias (campanhas, seminários, visita a acampamentos, cursos) para transformar múltiplas dimensões que determinam o TEC (níveis políticos, socioeconômicos e jurídicos etc.). Isso se desdobra no desenvolvimento de novos instrumentos de combate ao TEC, na criação de legislação e políticas relacionadas ou seu aperfeiçoamento e na penalização financeira e econômica de escravizadores. Essas pressões, inclusive, resultaram na criação do Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições de escravidão - popularmente conhecida como a Lista Suja do Trabalho Escravo - e no aprimoramento da legislação e definição de escravidão, que resultou na nova redação do artigo 149 do Código Penal Brasileiro, aprovado no final de 2003.

Quanto ao suporte das comunidades vulneráveis e vítimas da escravidão, merece destaque a criação de uma plataforma de transformação efetiva da realidade de territórios e regiões onde se alastra o TEC, em um criterioso acompanhamento social e comunitário, apoiado por redes interinstitucionais de atenção e vigilância (CDVDH/CB; CPT, 2017). Conhecido como Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão (RAICE), ela se constitui em trabalhos em bairros, comunidades e municípios “selecionados pela mais intensa frequência de aliciamento, de migração, de risco, para fazer o trabalho conectado com as instituições municipais” (João). Essa prática se dá pela formação de uma “rede de vigilância” entre Estado e Sociedade que busca “propor ações e alternativas que possam mudar a rota desses trabalhadores [...] tratando o caso desses trabalhadores como um caso estrutural” (João).

A noção que orienta o projeto RAICE é a superação do enfoque reducionista voltado para vítimas da escravidão tomados como indivíduos isolados, desvinculados de uma realidade social, comunitária, estrutural, marcada pela falta de garantia de acesso à educação, saúde e trabalho digno etc. A rede procura ampliar as possibilidades de reinserção social, oportunizando não apenas acesso ao mercado de trabalho formal, mas superação de vulnerabilidades para que famílias saiam da rota da escravidão.

Os MS consideram que o problema da escravidão é estrutural, construído historicamente e empurra para as margens da sociedade as populações mais pobres, reduzindo suas chances e oportunidades e negando seus direitos. Para quebrar esse ciclo, seria preciso fortalecer as ações em rede, conectando o poder público local, estadual e federal, MS e comunidade de modo a pôr em funcionamento um sistema de vigilância comunitária da escravidão (TOGNONI, 1997TOGNONI, G. Manual de Epidemiologia Comunitaria. Edición CECOMET, 1997.). Essas ações já ocorrem em cerca de 20 municípios do interior do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins (CDVDH/CB; CPT, 2017) e buscam superar a lógica de que o trabalhador seria escravizado “porque ele é desqualificado, e qualificando-o vamos poder propor para ele um trabalho decente” (João).

Para fortalecer ainda mais as intervenções, os MS mobilizam a criação do Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no estado de MT, unindo-o a uma já existente articulação coletiva em Mato Grosso a partir do Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade e contribuem no desenvolvimento e atuação da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) e do Fórum de Direitos Humanos e da Terra, articulando TEC às questões fundiárias e migratórias.

Esses espaços permanentes, abertos, plurais e diversificados fortalecem a articulação dos MS e Estado em prol da defesa de grupos sociais vulneráveis, povos e comunidades tradicionais feridos nos princípios da cidadania e dignidade, atingidos diretamente pelo processo capitalista de desenvolvimento hegemônico em suas diferentes expressões em Mato Grosso.

Um último ponto importante como eixo de intervenção é a colaboração dos MS nas fiscalizações dos processos e ambientes de trabalho. No cenário de Mato Grosso, em que o TEC se vincula ao processo de ocupação do espaço geográfico e à colonização que gerou conflitos de terra, violências e perdas de territórios de populações tradicionais, existem históricas tentativas de formar coalizões para resistir aos fortes grupos econômicos-oligárquicos e criar melhores condições para a classe trabalhadora.

Essas ações foram iniciadas em 1980, principalmente no Centro de Pastoral de Migrantes que recebia trabalhadores vindos do Nordeste no processo de expansão agrícola no estado, mas é na década de 1990 que houve tentativas mais incisivas de inserir agentes dos MS nas fiscalizações da Superintendência Regional do Trabalho de MT em ambientes de trabalho, com o objetivo de serem o “olhar da sociedade” e o “olhar crítico” para potencializar as inspeções.

Aqui observa-se claramente a operação dos princípios da VISAT - intersetorialidade e participação social - porque as entidades atuantes nas fiscalizações apontaram a participação de “toda esta equipe” em um esforço de colaboração entre órgãos do Estado (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho) e MS (CPT, Pastoral do Migrante, Centro Burnier Fé e Justiça, e ainda algumas entidades sindicais dos trabalhadores rurais).

Sobre essas práticas de intervenção, uma analogia importante surge em uma entrevista. Ela narra que essas ações colaborativas com participação dos MS tinham a intenção de ser “caixa de ressonância” (Gabriela). Interpretamos que essa metáfora sinaliza a potencialidade dos MS em exercer uma função similar à caixa de amplificação de som de um instrumento musical, que reverbera, dá maior intensidade às ondas sonoras e estende seu alcance e amplitude tornando a existência do TEC mais audível para públicos variados mobilizando mais medidas de defesa dos trabalhadores.

O discurso dos MS no contexto de trabalho escravo-conflito por terra aqui delineados, portanto, aponta a história, meios, formas e finalidades de uma vigilância popular do trabalho escravo contemporâneo (VPTEC), operacionalizada por MS. Evidencia-se que o TEC foi constituído um alvo específico de um ciclo de vigilância composto por processos de geração de informação original e formas múltiplas de intervenção não necessariamente sequencial, mas sistemático (figura 1), alinhado à concepção de VISAT em termos de uma atuação contínua e sistemática de análise e intervenção nos fatores determinantes e condicionantes dos agravos relacionados ao trabalho (BRASIL, 1998).

Figura 1
Mecanismos da vigilância popular da escravidão contemporânea

Interpretando essa prática de MS como uma VPTEC, do ponto de vista de sua natureza, destacamos que se trata de uma vigilância não necessariamente estatal, porque se forja com certa autonomia frente aos instrumentos e dispositivos do Estado, ao passo que também opera ora em cooperação com ele (ações conjuntas de fiscalização do ambiente de trabalho), ora com exigências a ele (produção de informações para forçar o Estado a agir), sem jamais se reduzir e/ou se identificar a ele. Além disso, os agentes em operação têm um compromisso e engajamento diferenciados em relação a agentes dos setores do Estado no campo da saúde. Eles respondem a demandas dos trabalhadores como compromisso de vida que leva a um incessante “olhar” e engendra um estado de alerta constante para “não perder de vista” as situações de escravidão. Essa atividade vai muito além das ações profissionais na esfera de uma atividade regulada pelo contrato de trabalho.

Sua finalidade maior é prover conhecimentos e ações no interesse imediato da melhoria da saúde e da transformação da situação que determina adoecimentos e mortes (BROWN, 1992BROWN, P. Popular Epidemiology and Toxic Waste Contamination: Lay and Professional Ways of Knowing Source. Journal of Health and Social Behavior, v. 33, n. 3, p. 267-281, 1992.; BREILH, 2006______. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.) e, por isso, pode ser considerada uma epidemiologia alternativa que procura identificar focos de ocorrências, regiões afetadas, características da população envolvida, formas de manifestação para abrir caminhos de libertação dessa condição social.

Isso reforça a noção de que a produção de saúde se dá para além da esfera do Estado, no engajamento e ações de MS (BREILH, 2003BREILH, J. De la vigilancia convencional al monitoreo participativo. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n.4, p. 937-951, 2003.). Essa ação coletiva de desmonte das opressões e violências da EC na direção da emancipação, equidade e qualidade de vida é primordial para construção de sociedades saudáveis. Essa é, portanto, uma vigilância em sentido emancipatório que abre novos horizontes e paradigmas transformadores, superando atividades estatais burocráticas restritas ao controle biopolítico das populações (FOUCAULT, 2008______. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). Coleção Tópicos. São Paulo: Martins Fontes, 2008.).

Quanto aos meios do que chamados aqui de VPTEC, destacamos o fato de ela estar baseada e pautada no saber da experiência dos agentes dos MS. Aliás, esse é o sentido de “popular” aqui empregado: pessoas não especialistas em epidemiologia e vigilância liderando processos de produção de dados e intervenções. Trata-se aqui do olhar crítico da sociedade, o saber crítico que faz uma leitura abrangente do problema do TEC considerando suas causas e determinações estruturais e direcionando ações de diferentes níveis de desvelamento e transformação.

A nosso ver, portanto, o discurso dos MS aponta aproximações com o que tem sido intitulado de epidemiologia popular (EP) (BROWN, 1992BROWN, P. Popular Epidemiology and Toxic Waste Contamination: Lay and Professional Ways of Knowing Source. Journal of Health and Social Behavior, v. 33, n. 3, p. 267-281, 1992.). Uma epidemiologia popular da escravidão contemporânea. A EP inicia com um grupo de pessoas que observa os efeitos de uma dada situação e começa a compartilhar informações entre si, num processo sucessivo de investigação e diálogo com representantes do Estado, especialistas, pesquisadores e leigos que correlacionam exposições e efeitos à saúde comunitária (BROWN, 1992; 1993; 1997).

Na EP, os saberes dos “leigos” são fundamentais pelas suas capacidades de apreensão e transformação da realidade (NOVOTNY, 1994NOVOTNY, P. Popular epidemiology and the struggle for community health: alternative perspectives from the environmental justice movement. Capitalism Nature Socialism, v. 5, n. 2, p. 29-42, 1994.). Nesse sentido, os agentes dos MS, ao mobilizarem seus saberes, experiências e formas de ver o mundo materializadas também em práticas de escuta dos trabalhadores, solidariedade, partilha, acolhimento etc., fazem emergir “evidências tangíveis” (SCAMELL et al., 2009SCAMELL, M. K. et al. Tangible evidence, trust and power: Public perceptions of community environmental health studies. Social Science e Medicine, v. 68, n. 1, p. 143-153, 2009., p. 145) pela sua abertura ao encontro com trabalhadores escravizados. Com base nisso, esses MS são capazes de produzir conhecimentos inéditos sem a dependência de especialistas. Seus “achados” têm base na história concreta dos sujeitos que narram sua experiência no TEC e suas percepções sensoriais de exposição às violências, jornadas exaustivas, condições degradantes etc. Essas “evidências tangíveis” conferem certa legitimidade ampliando as possiblidades de reconhecimento público-Estatal e acesso às políticas públicas (FASSIN, 2009FASSIN, D. Another Politics of Life is Possible. Theory, Culture e Society, v. 26, n. 5, p. 44-60, 2009.). Note-se que as práticas da VPTEC, com denúncias, coleta de evidências e formulações de estratégias interventivas em múltiplos níveis, forçaram o Estado a agir e resultaram na inserção do tema na agenda de políticas públicas e ações de diversos setores estatais.

O reconhecimento do lugar de relevância dos saberes dos MS e de grupos sociais nesse processo merece destaque porque sabemos que na vigilância em saúde, instituída nas esferas do Estado, existem muitas barreiras que distanciam suas práticas do conjunto da sociedade (PORTO, 2017PORTO, M. F. de S. Pode a Vigilância em Saúde ser emancipatória? Um pensamento alternativo de alternativas em tempos de crise. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3149-3159, out. 2017.), por desvalorizar saberes e práticas de grupos sociais, reforçando assim processos excludentes atravessados pelo colonialismo, patriarcalismo e capitalismo do projeto moderno (PORTO, 2007). É preciso, portanto, emancipar o próprio pensamento em saúde e “descolonizar a Saúde Coletiva, a vigilância e as práticas de promoção” (PORTO, 2017, p. 3.157), operando deslocamentos de uma ciência positivista que é base de sustentação de práticas de vigilância especializadas, hierarquizadas e fechadas ao diálogo com setores da sociedade e movimentos sociais.

Reconhecer a validade dos conhecimentos externos aos serviços de saúde, Universidades e centros de pesquisa, que se expressam nas lutas sociais contra a escravidão no Brasil e atuam na lógica oposta à exploração capitalista e ao latifúndio, deixa entrever potenciais para avançarmos na direção dessa vigilância emancipatória (PORTO, 2017PORTO, M. F. de S. Pode a Vigilância em Saúde ser emancipatória? Um pensamento alternativo de alternativas em tempos de crise. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3149-3159, out. 2017.) conectada a um projeto popular. A VPTEC reforça justamente a democratização para desfazer dominações contribuindo para romper com visões hegemônicas no campo da saúde (BREILH, 2006______. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.).

Dada a própria limitação e a vulnerabilidade programática-institucional do setor saúde, a vigilância popular amplia a perspectiva para além do tecnicismo e incorpora maior diálogo e escuta do ponto de vista dos sujeitos em seu contexto social (ALVES, 2013ALVES, P. A. Vigilância popular da saúde: cartografia dos riscos e vulnerabilidades socioambientais no contexto de implantação da mineração de urânio e fosfato no Ceará. 2013. 243 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Medicina, Fortaleza, 2013.). Assim, a VPTEC valoriza a horizontalidade e a colaboração em uma aliança de MS para além de uma vigilância no sentido de fiscalização punitiva, buscando ser uma rede contra-hegemônica de defesa dos trabalhadores frente a outras redes e alianças do Capital em seus processos de exploração.

Como aponta Alves (2013ALVES, P. A. Vigilância popular da saúde: cartografia dos riscos e vulnerabilidades socioambientais no contexto de implantação da mineração de urânio e fosfato no Ceará. 2013. 243 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Medicina, Fortaleza, 2013.), a vigilância popular proporciona a promoção de ações dialógicas cuja intenção é “ter um potencial libertador da opressão ideológica da civilização do capital” (p. 186) e propicia políticas públicas de caráter popular.

Sabemos que a vigilância em saúde institucionalizada historicamente remonta a um contexto estatal militarizado da guerra fria e ainda carrega tensões que a tornam fechada à maior “participação direta nos direitos de notificação, avaliação e direito de saber para cidadãos que não são trabalhadores dos sistemas de saúde” (CORREA FILHO, 2019CORREA FILHO, H. R. A utopia do debate democrático na Vigilância em Saúde. Saúde debate. Rio de Janeiro, v. 43, n. 123, p. 979-986, 2019., p. 980). Ressaltamos aqui que quando os MS, na luta contra a EC, criam o ciclo de VPTEC e constroem as redes de informação, estratégias metodológicas de formação, apoiam comunidades vulneráveis ao TEC, dialogam com a sociedade, pressionam autoridades e investigam in loco condições de trabalho, eles põem em funcionamento uma relevante responsabilidade sanitária popular que reforça a importância da participação desses coletivos para a garantia do direito à saúde de trabalhadore(a)s. Afinal, como Correa Filho (2019, p. 981) expressa muito bem: “sem democracia e comitês populares participativos, não há Vigilância em Saúde”.

Conclusão

Este artigo demonstrou a existência de saberes e práticas de MS organizados como uma vigilância popular da escravidão contemporânea, que se manifesta em um ciclo de geração de informação e formas múltiplas de intervenção, ora pressionando o Estado, ora colaborando com ele na defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Ela é pautada no saber da experiência dos MS e valoriza a horizontalidade em detrimento da hierarquia e se organiza como rede de MS espalhados pelo território brasileiro, com a finalidade de revelar situações de escravidão e erradicá-las.

Particularmente, essa vigilância é realizada na detecção-identificação de situações de escravidão, no acolhimento de trabalhadores, na articulação de grupos/estratégias em defesa dos trabalhadores, na formulação de denúncias, registros, análise e na publicação de informações sobre ocorrências e impactos do trabalho escravo, nas ações de fiscalização dos ambientes de trabalho, de prevenção de novos casos e de fortalecimento das comunidades vulneráveis e vítimas da escravidão, organização de redes e fóruns coletivos de ação. A atuação desses MS no centro do conflito de terra e ao lado de camponeses, assentados e população trabalhadora do campo, é parte do processo emancipatório e produz informações e ações de modo organizado e sistematizado em concepção e fluxo com essa finalidade.

Essa vigilância demonstra um comprometimento com a causa da libertação das opressões cujas estratégias funcionam como sentinela alerta, representando o olhar crítico da sociedade, com a capacidade de se unirem em espaços de discussão e formulação de ações de fiscalização e fóruns de potencial político, a partir de concepções e práticas alinhadas à Vigilância em Saúde do Trabalhador.

Essas ações pioneiras de enfrentamento da escravidão registram práticas de saúde do trabalhador no cenário social brasileiro fundamentais que devem ser reconhecidas por não deixar uma população de trabalhadores na invisibilidade e em fragilidade social. Ao mesmo tempo, elas desafiam o SUS a inserir a temática em suas ações de VISAT, a ampliar seus elos conectivos com os MS e a aumentar os diálogos com os diferentes saberes e grupos socais a partir dos múltiplos pontos de entrada e conexão com essa importante prática sanitária popular no Brasil.

A visão panorâmica das experiências dos MS na luta pela erradicação do TEC e as linhas gerais da Vigilância Popular aqui delineadas comportam muitas nuances e especificidades espaço-temporais - dado que o TEC e as lutas antiescravidão não são homogêneas e são permeadas por tensões das conjunturas histórias e políticas - que merecem novas investigações que aprofundem a temática e contribuam para o fortalecimento da vigilância popular das relações saúde-trabalho.11 L. Leão: concebeu a pesquisa, realizou a análise e redação do artigo. T. A. Ribeiro: realizou trabalho de campo, análise e redação do artigo.

Referências bibliográficas

  • ALVES, P. A. Vigilância popular da saúde: cartografia dos riscos e vulnerabilidades socioambientais no contexto de implantação da mineração de urânio e fosfato no Ceará. 2013. 243 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Medicina, Fortaleza, 2013.
  • BALES, K. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1999.
  • ______. Ending Slavery. How we free today´s slaves. London, University of California Press, 2007.
  • BENACH, J. et al. The challenge of monitoring employment-related health inequalities. Journal Epidemiology Community Health, v. 66, n. 12, p. 1085-1087, 2012.
  • BRASIL. Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 2003. Seção I, p. 1.
  • ______. Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 ago. 2012. Seção I, p. 46.
  • ______. Portaria nº 3.120, de 1º de julho de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 jul. 1998. Seção I, p. 60.
  • BREILH, J. De la vigilancia convencional al monitoreo participativo. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n.4, p. 937-951, 2003.
  • ______. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.
  • BROWN, P. Popular Epidemiology and Toxic Waste Contamination: Lay and Professional Ways of Knowing Source. Journal of Health and Social Behavior, v. 33, n. 3, p. 267-281, 1992.
  • ______. Popular epidemiology revisited. Current Sociology, v. 45, n. 7, p. 137-156, 1997.
  • ______. When the Public Knows Better: Popular Epidemiology Challenges the System. Environment: Science and Policy for Sustainable Development, v. 35, n. 8, p. 16-41, 1993.
  • CENTRO DE DEFESA DA VIDA E DOS DIREITOS HUMANOS CARMEN BASCARÁN; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (Orgs.). Por debaixo da floresta: Amazônia Paraense saqueada com trabalho escravo. São Paulo: Urutu-Branco, 2017.
  • CORREA FILHO, H. R. A utopia do debate democrático na Vigilância em Saúde. Saúde debate. Rio de Janeiro, v. 43, n. 123, p. 979-986, 2019.
  • COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). Conflitos no Campo: Brasil - 2017. Goiânia: CPT Nacional, 2017.
  • ______. Conflitos no campo: Brasil - 2019. Goiânia: CPT Nacional, 2020.
  • ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
  • FASSIN, D. Another Politics of Life is Possible. Theory, Culture e Society, v. 26, n. 5, p. 44-60, 2009.
  • FIGUEIRA, R. R. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
  • FIGUEIRA, R. R.; PRADO, A. Trabalhadores denunciam o trabalho escravo. Hendu, v. 4, n. 1, p. 22-40, 2014.
  • FONTANELLA, B. J. B.; et.al. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro. v. 27, n. 2, p. 389-394, 2011.
  • FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
  • ______. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). Coleção Tópicos. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • FREITAS, E. O.; RIBEIRO, A. M. M. O trabalho escravo contemporâneo e a CPT na Amazônia: memória e luta pela libertação. In: Encontro Anual da ANPOCS, 41., 2017, Caxambu-MG. Anais, 2017.
  • GOHN, M. G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, 2011.
  • LEÃO, L. H. C. Trabalho escravo contemporâneo como um problema de saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 12, p. 3927-3936, 2016.
  • MARTINS, J. de S. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
  • MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. OBSERVATÓRIO DIGITAL DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL. Smartlab de Trabalho Decente MPT-OIT. Disponível em: http://observatorioescravo.mpt.mp Acesso em: 12 abr. 2019.
    » http://observatorioescravo.mpt.mp
  • NOVOTNY, P. Popular epidemiology and the struggle for community health: alternative perspectives from the environmental justice movement. Capitalism Nature Socialism, v. 5, n. 2, p. 29-42, 1994.
  • PATTERSON, O. Slavery and Social Death. A comparative Study. Massachusetts: Harvard University Press, 1982.
  • PORTO, M. F. de S. Pode a Vigilância em Saúde ser emancipatória? Um pensamento alternativo de alternativas em tempos de crise. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3149-3159, out. 2017.
  • SCAMELL, M. K. et al. Tangible evidence, trust and power: Public perceptions of community environmental health studies. Social Science e Medicine, v. 68, n. 1, p. 143-153, 2009.
  • SEVALHO, G. Apontamentos críticos para o desenvolvimento da vigilância civil da saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 611-632, 2016.
  • SILVA, M. P. O trabalho escravo contemporâneo e a atuação da CPT no campo (1970-1995). 264fl. Tese (Doutorado em História Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 2016.
  • TODRES, J. Moving Upstream: The Merits of a Public Health Law Approach to Human Trafficking. North Carolina Law Review, v. 89, n. 2, p. 447-506, 2011.
  • TOGNONI, G. Manual de Epidemiologia Comunitaria. Edición CECOMET, 1997.
  • TOURAINE A. Na Fronteira dos Movimentos Sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, p. 17-28, 2006.
  • VASCONCELLOS, L. C. F.; PAIVA, M. J. Modelo Operário Italiano: o surgimento do campo da saúde do trabalhador. In: VASCONCELLOS, L. C. F.; OLIVEIRA, M. H. B. de. (Orgs.). Saúde, Trabalho e Direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam, 2011.
  • ZIMMERMAN, C.; HOSSAIN, M.; WATTS, C. Human trafficking and health: A conceptual model to inform policy, intervention and research. Social Science e Medicine, v. 73, n. 2, p. 327-335, 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2020
  • Aceito
    15 Out 2020
  • Revisado
    29 Mar 2021
PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: publicacoes@ims.uerj.br