Estratégias para abordar a Judicialização da Saúde no Brasil: uma síntese de evidências

Fabiana Raynal Floriano Laura Boeira Carla de Agostino Biella Viviane Cássia Pereira Marcel Carvalho Jorge Otávio Maia Barreto Sandra Maria do Valle Leone de Oliveira Sobre os autores

Resumo

A fim de identificar e discutir opções informadas por evidências para abordar a judicialização da saúde no Brasil, utilizou-se as Ferramentas SUPPORT (Supporting Policy Relevant Reviews and Trials). A busca foi realizada nas bases PubMed; Health Systems Evidence; Campbell Collaboration; Cochrane Library; Rx for Change Database e PDQ-Evidence. A seleção e avaliação da qualidade metodológica foi feita por dois revisores independentes. Os resultados foram apresentados numa síntese narrativa. Dezenove revisões sistemáticas apontam quatro opções: 1) Serviço de respostas rápidas; 2) Programa de educação permanente; 3) Serviço de mediação entre as partes envolvidas; e 4) Adoção de ferramenta online (baseada em computador) de suporte à decisão e de intervenções mediadas por pacientes. Conclusões: Apresentamos e caracterizamos quatro opções que podem ser consideradas para abordar a judicialização da saúde. A implementação dessas opções deve garantir a participação de diferentes atores, refletindo sobre variados contextos. Recursos humanos e financeiros, capacitação das equipes, são os principais pontos críticos.

Palavras-chave:
Judicialização da saúde; Políticas informadas por evidências; Políticas de saúde

Introdução

O direito de todos à saúde é uma garantia na Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, e que define o Estado como responsável pela sua garantia11 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União 1988; 5 out.. O Sistema Único de Saúde (SUS), normatizado pela Lei Federal 8.080/1990, traz como princípios a universalidade, a igualdade e a integralidade22 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set..

Com a afirmação desse direito universal à saúde, os cidadãos, por vezes, necessitam recorrer ao campo jurídico para garanti-lo, fenômeno que vem sendo denominado de judicialização da saúde33 Vargas-Peláez C, Rover M, Leite S, Buenaventura F, Farias M. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines-a scoping study. Soc Sci Med 2014; 121:48-55.,44 Vargas-Pelaez C, Rover M, Soares L, Blatt R, Mantel-Teeuwisse A, Rossi F, Restrepo L, Latorre MC, López J, Bürgin M, Silva C, Leite S, Farias M. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health 2019; 18(1):68.. O crescimento das ações judiciais tem sido motivo de preocupação para gestores da saúde e operadores do direito em toda América Latina44 Vargas-Pelaez C, Rover M, Soares L, Blatt R, Mantel-Teeuwisse A, Rossi F, Restrepo L, Latorre MC, López J, Bürgin M, Silva C, Leite S, Farias M. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health 2019; 18(1):68. por causar impactos significativos na estruturação, no financiamento e na organização do sistema de saúde, e consequentemente, na oferta de serviços e tecnologias à população brasileira.

O Brasil é o país com mais estudos sobre a judicialização do acesso a medicamentos44 Vargas-Pelaez C, Rover M, Soares L, Blatt R, Mantel-Teeuwisse A, Rossi F, Restrepo L, Latorre MC, López J, Bürgin M, Silva C, Leite S, Farias M. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health 2019; 18(1):68.,55 Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). Orçamento temático de acesso a medicamentos 2019 [Internet]. Brasília: INESC; 2020 [acessado 2022 jan 3]. Disponível em: https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2020/12/OTMED-2020.pdf., e os gastos do Governo Federal no Brasil com a judicialização da saúde ultrapassaram 1,3 bilhão de reais (US$ 260 milhões), entretanto os gastos com medicamentos concedidos por via judicial caíram 4,1%, em termos reais, em 201955 Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). Orçamento temático de acesso a medicamentos 2019 [Internet]. Brasília: INESC; 2020 [acessado 2022 jan 3]. Disponível em: https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2020/12/OTMED-2020.pdf..

No Brasil, o SUS tem buscado a efetividade na oferta de serviços e tecnologias seguras e eficazes à população brasileira, através de políticas farmacêuticas, que fomentem o uso e a atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME); da definição de Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT), que guiem a incorporação de novos medicamentos, produtos e procedimentos66 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial União 2011; 29 abr 2011., e da implantação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC)66 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial União 2011; 29 abr 2011., órgão colegiado de caráter permanente77 Guimarães R. Judicialização na Saúde: o que há de novo? [Internet]. Abrasco; 2014 [acessado 2022 jul 20]. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/site/2014/03/judicializacao-na-saude-o-que-ha-de-novo/.
http://www.abrasco.org.br/site/2014/03/j...
que assessora o Ministério da Saúde através de recomendações acerca das intervenções de saúde.

No entanto, a judicialização da saúde no país engloba demandas com diferentes objetivos, desde a garantia de direitos individuais e coletivos, até a busca de expansão mercadológica pela indústria do complexo produtivo da saúde. Dessa forma, a judicialização pode, por vezes, interferir nas políticas de saúde para a incorporação de tecnologias sobre as quais não há evidências científicas robustas quanto aos seus efeitos benéficos ou riscos33 Vargas-Peláez C, Rover M, Leite S, Buenaventura F, Farias M. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines-a scoping study. Soc Sci Med 2014; 121:48-55.,88 Reveiz L, Chapman E, Torres R, Fitzgerald JF, Mendoza A, Bolis M, Salgado O. Litigios por derecho a la salud en tres países de América Latina: revisión sistemática de la literatura. Rev Panam Salud Publica 2013; 33(3):213-22..

Ao ser acionado para a garantia do direito à saúde, o Poder Judiciário preza pelo cumprimento imediato da Constituição Federal, adotando geralmente a perspectiva normativa no atendimento às demandas, sem necessariamente recorrer aos dados e às evidências científicas (estudos os quais espera-se que tenham qualidade metodológica e que demonstrem eficácia) disponíveis acerca das tecnologias de saúde demandadas, sejam tratamentos ou tecnologias. Embora já tenha sido identificada a necessidade de capacitar magistrados quanto à análise dos pedidos em saúde, envolvendo, no debate, os gestores públicos das áreas99 Gomes DF, Souza CR, Silva FL, Pôrto JA, Morais IA, Ramos MC, Silva EN. Judicialização da saúde e a audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009: o que mudou de lá para cá? Saude Debate 2014; 38(100):139-156.,1010 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução nº 107, de 6 de abril de 2010. Institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde. Diário Oficial da União; 2010. estudos demonstram limitada consideração das evidências científicas sobre as tecnologias de saúde1111 Wang DWL, Vasconcelos NP, Oliveira VE, Terrazas FV. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Rev Adm Publica 2014; 48(5):1191-1206.

12 Oliveira MRM, Delduque MC, Sousa MF, Mendonça AVM. Judicialização da saúde: para onde caminham as produções científicas? Saude Debate 2015; 39(105):525-535.

13 Nunes CFO, Ramos Júnior AN. Judicialização do direito à saúde na região Nordeste, Brasil: dimensões e desafios. Cad Saude Colet 2016; 24(2):192-199.

14 Leitão LCA, Silva PCD, Simões AEO, Barbosa IC, Pinto MEB, Simões MOS. Análise das demandas judiciais para aquisição de medicamentos no estado da Paraíba. Saude Soc 2016; 25(3):800-807.
-1515 Lopes L, Barberato-Filho S, Costa A, Osorio-de-Castro C. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de São Paulo. Rev Saude Publica 2010; 44(4):620-628., justificando a importância das ferramentas de tradução de conhecimento para amparar a tomada de decisão judicial e em políticas públicas.

Assim, o objetivo desta síntese de evidências foi identificar opções para abordar a judicialização da saúde no Brasil e discutir suas principais características (benefícios, danos potenciais e incertezas), a fim de subsidiar a tomada de decisão em diferentes contextos de implementação.

Materiais e métodos

Adotaram-se as Ferramentas Supporting Policy Relevant Reviews and Trials (SUPPORT) para Políticas Informadas por Evidências, que orientam a sistematização da busca, avaliação, adaptação e aplicação dos resultados de pesquisas científicas como subsídio da formulação e implementação de políticas de saúde1616 Oxman A, Lavis J, Fretheim A, Lewin S. SUPPORT Tools for evidence-informed health Policymaking (STP). Introduction. Health Res Policy Sys 2009; 7(Supl. 1):1.,1717 Lavis J, Davies H, Oxman A, Denis J, Golden-Biddle K, Ferlie E. Towards systematic reviews that inform health care management and policy-making. J Health Serv Res Policy 2005; 10:35-48.. As Ferramentas SUPPORT propõem métodos que abrangem desde a caracterização de problemas de saúde relevantes, até a descrição de intervenções, chamadas de “opções para enfrentamento dos problemas”1616 Oxman A, Lavis J, Fretheim A, Lewin S. SUPPORT Tools for evidence-informed health Policymaking (STP). Introduction. Health Res Policy Sys 2009; 7(Supl. 1):1.,1717 Lavis J, Davies H, Oxman A, Denis J, Golden-Biddle K, Ferlie E. Towards systematic reviews that inform health care management and policy-making. J Health Serv Res Policy 2005; 10:35-48., considerando o contexto local, incluindo valores sociais envolvidos, recursos disponíveis e necessidades de saúde. A caracterização das opções também inclui os seus potenciais benefícios e danos, bem como as incertezas identificadas. Essa metodologia produz o que conceituamos como síntese de evidências.

Na primeira etapa, o problema da judicialização foi definido, considerando sua definição, relevância e magnitude. Após, foi realizado, junto a atores-chave do Ministério da Saúde, em especial a equipe da CONITEC, a qual demandou evidências sobre o tópico da judicialização, um levantamento durante reunião de alinhamento, no modelo chuva de ideias, das potenciais palavras-chave para identificar opções para abordar o problema. As palavras-chave identificadas estão disponíveis no Quadro 1.

Quadro 1
Bases de dados e estratégias de busca utilizadas para levantar as revisões sistemáticas das opções para o problema.

Foram incluídos estudos de revisões sistemáticas e overviews de revisões sistemáticas que abordaram os efeitos de intervenções para abordar o problema da judicialização. As informações destes estudos foram usadas para caracterizar as opções e seus elementos. As buscas foram realizadas em março de 2016, e atualizadas em dezembro de 2021, nas seguintes bases: PubMed; Health Systems Evidence; Campbell Collaboration; Cochrane Library; Rx for Change Database e PDQ-Evidence. As estratégias de buscas específicas para cada uma das três opções, estão descritas no Quadro 1. Para Opção 4, não foi estruturada uma estratégia de busca específica, sendo identificada a partir dos estudos incluídos.

Em todas as bases revistadas, a estratégia de busca foi adaptada e foram aplicados filtros para revisão sistemática, obtendo-se um total de 2.128 estudos (Figura 1). Os artigos foram selecionados e avaliados por dois revisores independentes.

Figura 1
Fluxograma das etapas de inclusão, seleção de artigos.

Foram excluídos 446 estudos duplicados, restando 1.682 estudos para leitura dos títulos e resumos, dos quais 2.099 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão. Vinte e nove artigos foram selecionados para leitura completa com base nos critérios de inclusão e exclusão pré-definidos. Após a leitura completa dos textos, 10 artigos foram excluídos por não serem revisões sistemáticas, não atenderem ao objetivo desta síntese de evidência. Um último estudo foi excluído após a extração de informações, por não atender aos objetivos da síntese. (Figura 1).

Para a Opção 1, um issue brief1818 Wilson M, Lavis J, Gauvin F. Developing a rapid-response program for health system decision-makers in Canada: findings from an issue brief and stakeholder dialogue. Syst Rev 2015; 4(1):25. informou as buscas e uma overview foi identificada e incluída depois, totalizando 19 estudos selecionados para extração de dados. Um artigo foi recuperado para a Opção 1 e 3, dois artigos foram incluídos por busca manual na lista de referências de um dos artigos da Opção 2.

Não houve restrição quanto ao idioma de publicação, mas o filtro de ano foi aplicado para publicações entre 2010 e 2021. As revisões sistemáticas selecionadas foram avaliadas quanto à qualidade metodológica utilizando-se a ferramenta AMSTAR (Assessment of Multiple Systematic Reviews)1919 Shea J, Grimshaw J, Wells G, Boers M, Andersson N, Hamel C, Porter A, Tugwell P, Moher D, Bouter L. Development of AMSTAR: a measurement tool to assess the methodological quality of systematic reviews. BMC Med Res Methodol 2007; 7:10.. No Quadro 2, estão caracterizados os estudos, os elementos da opção, a avaliação da qualidade para abordar a judicialização e o AMSTAR de cada estudo incluído.

Quadro 2
Características dos estudos, elementos da opção, e avaliação da qualidade para abordar a judicialização.

Resultados

Considerando a priorização prévia e os estudos selecionados, foram identificadas quatro opções para abordar o tema da judicialização da saúde: 1) Serviço de respostas rápidas para apoiar o uso das melhores evidências científicas como subsídio das decisões envolvendo tecnologias em saúde2020 Best A, Greenhalgh T, Lewis S, Saul J, Carroll S, Bitz J. Large-System Transformation in Health Care: A Realist Review. Milbank Q 2012; 90(3):421-456.

21 Haby M, Chapman E, Clark R, Barreto J, Reveiz L, Lavis J. Designing a rapid response program to support evidence-informed decision-making in the Americas region: using the best available evidence and case studies. Implement Sci 2016; 11(1):117.

22 Ganann R, Ciliska D, Thomas H. Expediting systematic reviews: methods and implications of rapid reviews. Implement Sci 2010; 5(1):56.
-2323 Yamauti S M, Barreto J, Barberato-Filho S, Lopes LC. Strategies Implemented by Public Institutions to Approach the Judicialization of Health Care in Brazil: A Systematic Scoping Review. Front Pharmacol 2020; 11:1128.; 2) Programa de educação permanente, endereçado aos operadores do direito, para o desenvolvimento de habilidades para compreensão e entendimento do SUS, suas políticas e a importância da avaliação de tecnologias em saúde (ATS) nesse contexto2424 Marinopoulos S, Dorman T, Ratanawongsa N, Wilson L, Ashar B, Magaziner J, Miller RG, Thomas PA, Prokopowicz GP, Qayyum R, Bass EB. Effectiveness of continuing medical education. Evid Rep Technol Assess (Full Rep) 2007; 56(149):1-69.

25 O'Brien MA, Rogers S, Jamtvedt G, Oxman AD, Odgaard-Jensen J, Kristoffersen DT, Forsetlund L, Bainbridge D, Freemantle N, Davis DA, Haynes RB, Harvey EL. Educational outreach visits: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2007; 4:CD000409.

26 Forsetlund L, Bjørndal A, Rashidian A, Jamtvedt G, O'Brien M, Wolf F, Wolf F, Davis D, Odgaard-Jensen J, Oxman AD. Continuing education meetings and workshops: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2021; 9:CD003030.

27 Vaona A, Banzi R, Kwag K, Rigon G, Cereda D, Pecoraro V, Tramacere I, Moja L. E-learning for health professionals. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 1(1):CD011736.

28 Rowe M, Osadnik C, Pritchard S, Maloney S. These may not be the courses you are seeking: a systematic review of open online courses in health professions education. BMC Med Educ 2019; 19:356.

29 Radcliffe K, Lyson H, Barr-Walker J, Sarkar U. Collective intelligence in medical decision-making: a systematic scoping review. BMC Med Inform Decis Mak 2019; 19(1):158.

30 Giguère A, Zomahoun H, Carmichael P, Uwizeye C, Légaré F, Grimshaw J, Gagnon M, Auguste DU, Massougbodji J. Printed educational materials: effects on professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2020; 8(8):CD004398.
-3131 Flodgren G, O'Brien MA, Parmelli E, Grimshaw JM. Local opinion leaders: effects on professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2019; 6(6):CD000125.; 3) Serviço de mediação, entre as partes envolvidas, quanto à instauração e continuidade de processos judiciais envolvendo tecnologias em saúde2323 Yamauti S M, Barreto J, Barberato-Filho S, Lopes LC. Strategies Implemented by Public Institutions to Approach the Judicialization of Health Care in Brazil: A Systematic Scoping Review. Front Pharmacol 2020; 11:1128.,3232 McCoy D, Hall J, Ridge M. A systematic review of the literature for evidence on health facility committees in low- and middle-income countries. Health Policy Plan 2012; 27(6):449-466.,3333 Street J, Duszynski K, Krawczyk S, Braunack-Mayer A. The use of citizens' juries in health policy decision-making: A systematic review. Soc Sci Med 2014; 109:1-9.; e 4) Adoção de ferramenta online (baseada em computador) de suporte à decisão e de intervenções mediadas por pacientes para melhorar a prática clínica3434 Légaré F, Adekpedjou R, Stacey D, Turcotte S, Kryworuchko J, Graham I, Lyddiatt A, Politi MC, Thomson R, Elwyn G, Donner-Banzhof N. Interventions for increasing the use of shared decision making by healthcare professionals. Cochrane Database Syst Rev 2018; 7(7):CD006732.

35 Syrowatka A, Krömker D, Meguerditchian A, Tamblyn R. Features of Computer-Based Decision Aids: Systematic Review, Thematic Synthesis, and Meta-Analyzes. J Med Internet Res 2016; 18(1):e20.
-3636 Fønhus M, Dalsbø T, Johansen M, Fretheim A, Skirbekk H, Flottorp S. Patient-mediated interventions to improve professional practice. Cochrane Database Syst Rev 2018; 9(9):CD012472..

No Quadro 3, encontra-se a descrição detalhada de cada opção de política.

Quadro 3
Estratégias para abordar a judicialização da saúde no Brasil.

Também foi realizado o levantamento de possíveis barreiras de implementação e opções para abordá-las, desde o nível dos indivíduos até o nível dos sistemas jurídicos e de saúde.

Opção 1 - Serviço de respostas rápidas para apoiar o uso das melhores evidências científicas como subsídio das decisões envolvendo tecnologias em saúde

Os serviços de respostas rápidas são entendidos como um serviço que desenvolve revisões rápidas de evidências de alta qualidade, de forma oportuna, promovendo a interação entre pesquisadores e tomadores de decisão e customizada às necessidades dos últimos1818 Wilson M, Lavis J, Gauvin F. Developing a rapid-response program for health system decision-makers in Canada: findings from an issue brief and stakeholder dialogue. Syst Rev 2015; 4(1):25.,2020 Best A, Greenhalgh T, Lewis S, Saul J, Carroll S, Bitz J. Large-System Transformation in Health Care: A Realist Review. Milbank Q 2012; 90(3):421-456..O tempo de realização de produção de uma resposta rápida pode variar de alguns dias até seis meses2222 Ganann R, Ciliska D, Thomas H. Expediting systematic reviews: methods and implications of rapid reviews. Implement Sci 2010; 5(1):56., se aplicados atalhos para acelerar o processo, tais como: limitação das buscas por ano, bases de dados, idiomas e outras fontes além de buscas eletrônicas; e definição de apenas um revisor para revisão de título e resumo, revisão de texto completo, avaliação de qualidade metodológica e/ou extração de dados. Há necessidade de maior atenção à transparência e à especificação e descrição minuciosa dos métodos utilizados na revisão para resposta rápida2222 Ganann R, Ciliska D, Thomas H. Expediting systematic reviews: methods and implications of rapid reviews. Implement Sci 2010; 5(1):56., de modo a permitir uma avaliação da qualidade, bem como o desenvolvimento de outras estratégias para facilitar a aceitação e o uso dessas revisões.

Entre as questões operacionais que precisam ser consideradas na elaboração de uma resposta rápida2121 Haby M, Chapman E, Clark R, Barreto J, Reveiz L, Lavis J. Designing a rapid response program to support evidence-informed decision-making in the Americas region: using the best available evidence and case studies. Implement Sci 2016; 11(1):117. estão a conciliação entre o tempo de desenvolvimento do produto e seu pagamento, e o recrutamento de recursos humanos qualificados para o trabalho. Os aspectos facilitadores relatados com mais frequência para o uso das respostas rápidas na tomada de decisão são: a colaboração entre pesquisadores e formuladores de políticas, bom relacionamento e boas habilidades entre os participantes, e pesquisas que estejam de acordo com as crenças, valores, interesses ou objetivos práticos e estratégias dos tomadores de decisão2020 Best A, Greenhalgh T, Lewis S, Saul J, Carroll S, Bitz J. Large-System Transformation in Health Care: A Realist Review. Milbank Q 2012; 90(3):421-456..

No que tange aos desafios de implementação, estima-se que o público-alvo pode ter pouca familiarização e baixo interesse pela ATS como subsídio da tomada de decisão. Alternativas para enfrentar essa barreira incluem organizar atividades educativas (conferências, palestras, oficinas ou estágios) e distribuir materiais educativos (recomendações publicadas ou impressas sobre cuidados clínicos, incluindo diretrizes de prática clínica, materiais audiovisuais e publicações eletrônicas, entregues pessoalmente ou através de correspondências em massa).

Já a implantação de serviços em nível local pode requerer alocação de recursos e padronização de métodos. Pode, também, existir baixa disponibilidade de profissionais aptos a desenvolverem produtos de resposta rápida em ATS, sendo necessário envolver diferentes atores no processo de decisão, facilitar a comunicação e adotar padrões metodológicos sistemáticos e transparentes no desenvolvimento de respostas rápidas sobre tecnologias em saúde. A adesão aos serviços de respostas rápidas no âmbito das organizações do Poder Judiciário poderá ser heterogênea e dependente de posicionamentos individuais, a despeito de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça poderem atuar no sentido de criar políticas de gestão dos tribunais e uniformizar a tomada de decisão de juízes e juízas. Atividades educativas e de engajamento dos atores podem facilitar a implantação de um serviço de resposta rápida.

Por fim, nos ecossistemas jurídicos e de saúde, que envolvem a arena política, a população em geral e a mídia, grupos de interesse podem apresentar contraposições à elevação da importância das evidências científicas nos processos judiciais envolvendo acesso à saúde. Estratégias efetivas incluem ajudar os usuários dos sistemas de saúde a tomar decisões sobre o uso de medicamentos, tais como intervenções de tomada de decisão compartilhada3737 Albuquerque A, Antunes CMTB. Tomada de decisão compartilhada na saúde: aproximações e distanciamentos entre a ajuda decisional e os apoios de tomada de decisão. Cad Ibero Am Direito Sanit 2021; 10:203-223. e apoios à decisão de pacientes (patient decision aids)3838 Abreu MM, Kowalski SC, Ciconelli RM, Ferraz MB. Apoios de decisão: instrumento de auxílio à medicina baseada em preferências. Uma revisão conceitual. Rev Bras Reumatol 2006; 46(4):266-272. que ajudam usuários a considerar as evidências disponíveis em conjunto com suas crenças, valores e preferências sobre tratamentos e cuidados, optando, assim, por formas de cuidado melhor informadas; e/ou para otimizar a comunicação com os usuários sobre o uso de medicamentos e questões relacionadas.

Opção 2 - Programa de educação permanente, endereçado aos operadores do direito, para o desenvolvimento de habilidades para compreensão e entendimento do SUS, suas políticas e a importância da avaliação de tecnologias em saúde nesse contexto

Consiste no desenvolvimento de estratégias de educação permanente junto aos operadores do direito, de modo a promover mudanças nas habilidades e práticas de compreensão e entendimento do SUS, suas políticas e interpretação do conhecimento técnico-científico na área de ATS nos processos de judicialização na área da saúde2424 Marinopoulos S, Dorman T, Ratanawongsa N, Wilson L, Ashar B, Magaziner J, Miller RG, Thomas PA, Prokopowicz GP, Qayyum R, Bass EB. Effectiveness of continuing medical education. Evid Rep Technol Assess (Full Rep) 2007; 56(149):1-69.,2525 O'Brien MA, Rogers S, Jamtvedt G, Oxman AD, Odgaard-Jensen J, Kristoffersen DT, Forsetlund L, Bainbridge D, Freemantle N, Davis DA, Haynes RB, Harvey EL. Educational outreach visits: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2007; 4:CD000409..

Intervenções com uso de mídias ao vivo mostraram-se mais efetivas do que as de material impresso. Materiais educativos impressos têm um efeito positivo sobre a prática dos profissionais de saúde, mas faz pouca ou nenhuma diferença para a saúde do paciente em comparação com nenhuma intervenção. As versões computadorizadas podem fazer pouca ou nenhuma diferença na prática dos profissionais de saúde em comparação com as versões impressas do mesmo material educacional impresso3030 Giguère A, Zomahoun H, Carmichael P, Uwizeye C, Légaré F, Grimshaw J, Gagnon M, Auguste DU, Massougbodji J. Printed educational materials: effects on professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2020; 8(8):CD004398.. O uso de multimídias também se mostrou mais efetivo do que as intervenções com mídia individuais. Por fim, o uso de múltiplas exposições ao material educativo mostrou-se mais efetivo do que uma única exposição2525 O'Brien MA, Rogers S, Jamtvedt G, Oxman AD, Odgaard-Jensen J, Kristoffersen DT, Forsetlund L, Bainbridge D, Freemantle N, Davis DA, Haynes RB, Harvey EL. Educational outreach visits: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2007; 4:CD000409.. Visitas educacionais também se mostraram efetivas em provocar mudanças positivas nas práticas de profissionais de saúde e nos desfechos relacionados aos pacientes2525 O'Brien MA, Rogers S, Jamtvedt G, Oxman AD, Odgaard-Jensen J, Kristoffersen DT, Forsetlund L, Bainbridge D, Freemantle N, Davis DA, Haynes RB, Harvey EL. Educational outreach visits: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2007; 4:CD000409.. O termo “visitas educacionais” foi usado para descrever uma visita, por uma pessoa externa treinada, a profissionais de saúde em seus ambientes de trabalho, de modo a promover mudanças nas práticas profissionais.

Encontros educacionais, isoladamente ou combinados com outras intervenções, podem melhorar a prática profissional e os resultados de saúde dos pacientes2626 Forsetlund L, Bjørndal A, Rashidian A, Jamtvedt G, O'Brien M, Wolf F, Wolf F, Davis D, Odgaard-Jensen J, Oxman AD. Continuing education meetings and workshops: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev 2021; 9:CD003030.. Estratégias para aumentar o comparecimento em reuniões educacionais, usando formatos mistos, interativos e didáticos, e com foco em resultados que provavelmente serão percebidos como graves, podem aumentar a efetividade das reuniões educacionais.

Discussões coletivas de caso, chamados de “inteligência coletiva” ou “sabedoria da multidão”, “crowdsourcing”, “inovação coletiva” ou “visão coletiva” na medicina, aparecem como esforços para tomar decisões médicas quando os especialistas contribuem com seu insight coletivo para um caso. A Tecnologia da Informação (TI) facilita a inteligência coletiva agregando opiniões médicas individuais por meio de tecnologias móveis ou baseadas na web (processos individuais) ou fornecendo uma plataforma virtual para discussão e consenso de especialistas (processos de grupo). O estudo não investigou a precisão da inteligência coletiva ou seu benefício sobre a tomada de decisão individual2929 Radcliffe K, Lyson H, Barr-Walker J, Sarkar U. Collective intelligence in medical decision-making: a systematic scoping review. BMC Med Inform Decis Mak 2019; 19(1):158..

Programas educativos, no formato e-learning ou Cursos Online Abertos para profissionais de saúde, é um campo emergente2828 Rowe M, Osadnik C, Pritchard S, Maloney S. These may not be the courses you are seeking: a systematic review of open online courses in health professions education. BMC Med Educ 2019; 19:356.. Entretanto, o ensino a distância quando comparado ao ensino tradicional, não se observa melhora notável em relação a desfechos de saúde dos pacientes ou mudanças nos comportamentos e conhecimentos dos profissionais da saúde, e não está claro se o formato e-learning aumenta ou reduz as habilidades dos profissionais de saúde2828 Rowe M, Osadnik C, Pritchard S, Maloney S. These may not be the courses you are seeking: a systematic review of open online courses in health professions education. BMC Med Educ 2019; 19:356..

No que tange aos desafios de implementação, reflete-se que os membros do Poder Judiciário podem apresentar níveis de conhecimento muito variáveis sobre o funcionamento do SUS. É possível usar líderes de opinião e envolver pessoas e instituições líderes no público-alvo para disseminar a importância de um programa de educação permanente sobre ATS, além de organizar atividades educativas (conferências, palestras, oficinas ou estágios) e distribuir materiais educativos, com linguagem adaptada para este público específico, sobre ATS e decisão informada por evidências.

Um programa de educação permanente para membros do Poder Judiciário pode requerer uma abordagem didática diferenciada e adaptada ao público-alvo. O modelo educacional e a linguagem adaptada podem ser determinantes para o sucesso da opção. Assim, estratégias para facilitar a comunicação e a tomada de decisão compartilhada no desenvolvimento do programa podem ampliar sua adequação ao público-alvo e obter melhores resultados.

No âmbito da organização dos serviços, a implementação dessa opção pode requerer o estabelecimento de parcerias institucionais e justificativas para a alocação de recursos do SUS para esta finalidade. O envolvimento das organizações interessadas desde a concepção do programa pode ajudar o estabelecimento e manutenção das parcerias institucionais necessárias.

No espectro mais amplo dos sistemas jurídicos e de saúde, que envolve a arena política, a população em geral e a mídia, o sistema normativo pode ser usado para questionar a legalidade do desenvolvimento da opção, em face dos limites de aplicação de recursos para finalidades distintas das previstas. Pode ser necessário garantir o apoio das instâncias de controles interno, externo e social à implementação da opção. Nesse caso, o uso de líderes de opinião e facilitar a comunicação e a tomada de decisão compartilhada pode ser uma estratégia útil.

Opção 3 - Serviço de mediação, entre as partes envolvidas, à instauração e continuidade de processos judiciais envolvendo tecnologias em saúde

A comunicação limitada entre as partes envolvidas (usuário do sistema de saúde, gestor e profissional de saúde) nos processos judiciais envolvendo tecnologias em saúde sugere a necessidade de um mecanismo com potencial para solucionar eventuais conflitos, e permitir sua interação, previamente à instauração de um processo judicial litigioso3333 Street J, Duszynski K, Krawczyk S, Braunack-Mayer A. The use of citizens' juries in health policy decision-making: A systematic review. Soc Sci Med 2014; 109:1-9..

A mediação é um recurso extrajudicial de resolução de conflito, utilizado para solucionar ou prevenir situações de litígio ou de impasse na comunicação3939 Oliveira A, Caixeta FA. Conciliação como forma de dar efetividade ao princípio da celeridade. Rev Perquirere 2013; 10(1):95-104., inclusive prevista na Lei 13.140/2015, orientada por princípios como os de imparcialidade do mediador, isonomia e autonomia de vontade entre as partes, busca do consenso e boa-fé. Neste sentido, a mediação deve ser entendida como uma conversa/negociação intermediada por alguém imparcial que favorece e organiza a comunicação entre os envolvidos no conflito. É a criação da oportunidade para que as partes discutam, questionem e contestem os seus conflitos abertamente, com fins de identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos, independentemente de ser melhor para um ou para outro.

Na operacionalização de serviços de mediação, há modelos de júris de cidadãos3232 McCoy D, Hall J, Ridge M. A systematic review of the literature for evidence on health facility committees in low- and middle-income countries. Health Policy Plan 2012; 27(6):449-466., que são processos de deliberação com duração curta e pré-definida, realizados por pequenos grupos de representantes da comunidade mediados por facilitadores, bem como comitês de serviços de saúde3232 McCoy D, Hall J, Ridge M. A systematic review of the literature for evidence on health facility committees in low- and middle-income countries. Health Policy Plan 2012; 27(6):449-466., entendidos como estruturas formalmente constituídas, com representação comunitária, ligadas explicitamente a uma unidade de saúde, de modo a permitir a participação de cidadãos na melhoria da prestação de serviços e dos resultados em saúde.

Ao levantar possíveis barreiras de implementação, compreende-se que a baixa familiarização entre os usuários sobre as funções e objetivos dos serviços de mediação, bem como potenciais conflitos de interesse individuais dos advogados envolvidos, em face dos ganhos financeiros decorrentes de processos judiciais instaurados, podem ser barreiras importantes para a implementação efetiva da opção. A difusão em massa deste recurso, mediante o uso variado da comunicação para atingir um grande número de pessoas (televisão, rádio, jornais, cartazes, folhetos e livretos), pode ser necessária para informar e favorecer a adesão do público a esta opção, como alternativa ao processo judicial.

Não parece existir disponibilidade de profissionais de saúde habilitados a desenvolverem atividades de mediação no seu próprio nível de atuação, de modo que a implantação de serviços de mediação pode requerer a realocação de recursos para sua implantação e operação contínua. Além disso, a mediação poderá ser vista como uma oportunidade adicional de exercer pressão sobre o SUS, a fim de produzir a flexibilização dos gestores, sem considerar as evidências científicas. O apoio das instâncias de controles interno, externo e social à implementação da opção poderá ser novamente necessário, a fim de produzir máxima transparência sobre os processos.

Por fim, a instalação de instâncias de mediação pode requerer a definição de marcos normativos adicionais, para que possam ser consideradas legítimas. Grupos de interesse podem utilizar a opção para aumentar sua capacidade de intervir diretamente sobre decisões individualizadas no SUS. Pode ser necessário garantir o apoio das instâncias normativas à implementação da opção. Nesse caso, o uso de líderes de opinião e facilitar a comunicação e a tomada de decisão compartilhada pode ser uma estratégia útil. O apoio das instâncias de controles interno, externo e social para a máxima transparência sobre os processos pode ser uma alternativa.

Opção 4 - Adoção de ferramenta online (baseada em computador) de suporte à decisão e de intervenções mediadas por pacientes para melhorar a prática clínica

A informação, a educação do paciente, e as decisões clínicas na prática dos profissionais de saúde, como auxílios à decisão, é um campo emergente e gradualmente estão sendo deslocados para ambientes on-line baseados em computador3535 Syrowatka A, Krömker D, Meguerditchian A, Tamblyn R. Features of Computer-Based Decision Aids: Systematic Review, Thematic Synthesis, and Meta-Analyzes. J Med Internet Res 2016; 18(1):e20.. Os auxílios à decisão são ferramentas de apoio destinadas a ajudar os pacientes a se envolverem na tomada de decisão. A integração de recursos interativos e multimídias em auxílios de decisão baseados em computador podem melhorar a qualidade da tomada de decisão sensível às preferências, embora, as evidências científicas tenham limitações para orientar o uso3535 Syrowatka A, Krömker D, Meguerditchian A, Tamblyn R. Features of Computer-Based Decision Aids: Systematic Review, Thematic Synthesis, and Meta-Analyzes. J Med Internet Res 2016; 18(1):e20..

Intervenções mediadas por pacientes englobam desde a oferta de informações ou atividades educativas para os pacientes, até a promoção de interações que facilitem que pacientes forneçam informações para os profissionais de saúde3636 Fønhus M, Dalsbø T, Johansen M, Fretheim A, Skirbekk H, Flottorp S. Patient-mediated interventions to improve professional practice. Cochrane Database Syst Rev 2018; 9(9):CD012472.. Tais intervenções têm o potencial de aumentar a adesão de profissionais às diretrizes e recomendações para prática clínica, todavia seu impacto na saúde e na satisfação dos pacientes, bem como seus possíveis eventos adversos, ainda são incertos e devido à baixa qualidade dos estudos, não é possível tirar conclusões sobre seus efeitos3636 Fønhus M, Dalsbø T, Johansen M, Fretheim A, Skirbekk H, Flottorp S. Patient-mediated interventions to improve professional practice. Cochrane Database Syst Rev 2018; 9(9):CD012472..

Discussão

A equidade possibilita igualdade de direito à saúde. Sob esta perspectiva, as ações que visem a atuar sobre a judicialização da saúde, devem buscar reduzir as iniquidades, garantindo o direito à saúde e a sustentabilidade do sistema. As opções, priorizadas a partir do problema e estabelecidas amparadas nas evidências disponíveis, buscam utilizar a ATS como ferramenta para a atuar sobre a judicialização da saúde e minimizar suas causas. Na implementação das opções deve-se considerar a possibilidade de prejuízos ao sistema, que interferem de forma negativa na organização do SUS, deslocando recursos públicos das políticas de saúde.

A implantação de um serviço de respostas rápidas para apoiar as instâncias judiciais e gestoras do SUS, nas três esferas de governo, poderia possibilitar o suporte ao uso das melhores evidências científicas como subsídio técnico para a decisão das demandas judiciais em saúde4040 Silva MT, Silva EN, Barreto JOM. Rapid response in health technology assessment: a Delphi study for a Brazilian guideline. BMC Med Res Methodol 2018; 18:51., consistentes com os resultados de pesquisas científicas e considerando as tecnologias disponíveis pelo SUS como alternativas terapêuticas seguras e eficazes. Neste sentido, a utilização dos estudos de ATS, no formato de respostas rápidas, documentos concisos que tragam informações apresentadas objetivamente, apresenta elevado potencial de uso pelo Poder Judiciário como fonte de consulta para respaldar técnico-cientificamente as decisões das ações judiciais em saúde.

Nas decisões judiciais sobre saúde, os operadores do direito podem considerar as evidências científicas como um subsídio relevante para apoiar o processo de convencimento jurisdicional. Neste sentido, a implantação de um programa de educação permanente ou de mediação deve considerar a participação de diferentes atores, a fim de superar a barreira dos limites técnicos-científicos entre os envolvidos4141 Wallace J, Byrne C, Clarke M. Making evidence more wanted: a systematic review of facilitators to enhance the uptake of evidence from systematic reviews and meta-analyses. Int J Evid Based Healthc 2012; 10(4):338-346..

Outro ponto importante a ser considerado é a disponibilidade de recursos humanos e financeiros e a necessidade de adaptação das estratégias propostas às diferentes realidades. Programas de educação permanente voltados a operadores do direito são uma opção interessante à medida que promovem intercâmbio entre os profissionais e podem ser adaptados para diferentes disponibilidades de tempo e metodologias de ensino. No entanto, não raro necessitam ampliação e capacitação da equipe, bem como a verificação de possível provisão dos dispositivos e estruturas necessários. Municípios pequenos, por exemplo, com recursos humanos e financeiros restritos, poderão estar em desvantagem devido à dificuldade de acesso às opções ofertadas na síntese, sendo necessário adotar e adaptar as estratégias de forma regional.

Se considerada a implementação de um serviço de mediação entre as partes, proposta inovadora para a área da judicialização em saúde, com perspectiva de maior envolvimento da sociedade, é necessário, também, levar em conta as barreiras sociais e econômicas à participação da comunidade que podem ser agravadas por barreiras físicas associadas às características topográficas da região e à distância de viagem e disponibilidade de transporte. O serviço de mediação também pode ser implementado, se possível, utilizando recursos de conectividade virtual e lançando mão de fóruns com a participação de diversos cidadãos, de modo a fomentar a construção de uma agenda comum entre os diferentes atores.

As opções aqui apresentadas para abordar o problema da judicialização não são mutuamente excludentes, podendo ser usadas de forma complementar entre si e exigem uma ação intersetorial e integrada localmente. A implementação das opções deve considerar a participação de diferentes atores, como tomadores de decisão, operadores do direito, empresas do complexo industrial da saúde, profissionais de saúde, sociedade civil e seus representantes. Outro ponto importante a ser analisado é a disponibilidade de recursos humanos e financeiros, adaptando as intervenções às diferentes realidades, bem como a verificando a possível provisão dos dispositivos necessários.

O fato de ter sido encontrado apenas um estudo específico sobre opções para abordar o tema de judicialização em saúde é uma limitação dessa síntese, à medida em que as opções apresentadas estão relacionadas com o público-alvo dos profissionais de saúde e não com os operadores da lei. Da mesma forma, a maior parte dos estudos incluídos foi realizada em países de alta renda. Nesse sentido, a implementação das opções descritas deve ser acompanhada de práticas de monitoramento e avaliação. O desenvolvimento de futuras pesquisas específicas na área da judicialização da saúde, focadas na tomada de decisão desses atores, também é necessário.

Considerações finais

A judicialização em saúde, caso não seja gerida de forma intersetorial e considerando as melhores evidências de efetividade disponíveis, representa uma grande ameaça à sustentabilidade dos sistemas de saúde. A implementação das opções descritas neste artigo pode favorecer processos de tomada de decisão judicial mais transparentes e equânimes. Para tanto, é relevante assegurar que diferenças regionais e eventuais barreiras de implementação e equidade sejam abordadas adequadamente, abarcando o desenvolvimento de estratégias para lidar com eventuais desafios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2022
  • Aceito
    12 Ago 2022
  • Publicado
    14 Ago 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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