Fatores associados à cessação do tabagismo

Samires Avelino de Souza França Ana Ligian Feitosa das Neves Tatiane Andressa Santos de Souza Nandara Celana Negreiros Martins Saul Rassy Carneiro Edilene do Socorro Nascimento Falcão Sarges Maria de Fátima Amine Houat de Souza Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar a prevalência e fatores associados à abstinência tabágica entre pacientes atendidos em unidade de referência para cessação do tabagismo.

MÉTODOS

Estudo transversal que analisou 532 prontuários de pacientes atendidos em unidade de referência para cessação do tabagismo em Belém, PA, entre janeiro de 2010 e junho de 2012. Foram analisadas variáveis sociodemográficas e aquelas relacionadas à história tabágica e ao tratamento realizado. Considerou-se para significância estatística p < 0,05.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi 50 anos e cerca de 57,0% dos pacientes eram do sexo feminino. A carga tabágica média foi 30 maços/ano e o tempo médio de tabagismo foi aproximadamente 32 anos. A maioria dos pacientes permaneceram em tratamento por quatro meses. A taxa de abstinência tabágica foi 75,0%. Na análise de regressão, terapia de manutenção, ausência de gatilhos de recaída e dependência química mais baixa foram significativamente associados à cessação.

CONCLUSÕES

A taxa de abstinência tabágica observada foi 75,0%. O processo de cessação associou-se a diversos aspectos, como grau de dependência química, sintomas de abstinência e tempo de acompanhamento do paciente em um programa de tratamento multiprofissional. Estudos desta natureza, portanto, auxiliam na reunião de informações epidemiológicas consistentes, fundamentais à elaboração de ações de prevenção e combate ao tabagismo mais efetivas.

Síndrome de Abstinência a Substâncias; epidemiologia; Abandono do Hábito de Fumar; Abandono do Uso de Tabaco; Hábito de Fumar; terapia; Estudos Transversais


INTRODUÇÃO

O tabagismo representa importante problema de saúde pública. Dependência ao tabaco é um processo complexo que envolve a ação farmacológica da nicotina (dependência física), condicionamentos e processos comportamentais adquiridos (dependência comportamental) e fatores relacionados à personalidade, às expressões emocionais e às condições sociais (dependência psicológica).aa Rosemberg J, Rosemberg AMA, Moraes MA. Nicotina: droga universal. São Paulo: Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Centro de Vigilância Epidemiológica; 2003.

A cessação tabágica representa uma intervenção custo-efetiva satisfatória, pois promove redução significativa nas taxas de morbimortalidade.bb World Health Organization. Report on the Global Tobacco Epidemic, 2008: the MPOWER package. Geneva; 2008 [citado 2012 dez].Disponível em: http://www.who.int/tobacco/mpower/mpower_report_full_2008.pdf Dentre os manejos terapêuticos que podem ser oferecidos para a cessação do tabagismo estão o tratamento farmacológico (especialmente a reposição de nicotina e bupropiona), em conjunto com a abordagem comportamental em grupo ou individualizada, também conhecida como terapia cognitivo-comportamental.2Berretini WH, Lerman CE. Pharmacotherapy and pharmacogenetics of nicotine dependence. Am J Psychiatry. 2005;162(8):1441-51. DOI:10.1176/appi.ajp.162.8.1441,1717 Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80. DOI:10.1590/S1806-37132008001000014

Considerando-se que a maioria das pesquisas relacionadas ao controle do tabagismo no Brasil desenham perfis populacionais específicos,4Bortoluzzi MC, Kehrig RT, Loquercio AD, Traebert JL. Prevalência e perfil dos usuários de tabaco de população adulta em cidade do Sul do Brasil (Joaçaba, SC). Cienc Saude Coletiva. 2011;16(3):1953-9. DOI:10.1590/S1413-81232011000300029,2020 Sales MPU, Figueiredo MRF, Oliveira MI, Castro HN. Ambulatório de apoio ao tabagista no Ceará: perfil dos pacientes e fatores associados ao sucesso terapêutico. J Bras Pneumol. 2006;32(5):410-7. DOI:10.1590/S1806-37132006000500007 conhecer o perfil dos fumantes no conjunto das principais dificuldades relacionadas à cessação permite que a abordagem desses pacientes seja mais eficaz.

O presente estudo teve por objetivo analisar a prevalência e fatores associados à abstinência tabágica entre pacientes atendidos em unidade de referência para cessação do tabagismo.

MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido no Centro de Referência Especializado em Abordagem e Tratamento do Fumante (CREATF), em Belém, PA, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Pará. O CREATF atende pacientes por demanda espontânea ou encaminhamento pelas unidades municipais de saúde. Em 10 anos de funcionamento, o CREATF atendeu aproximadamente 3.500 pacientes.

Foi realizado estudo transversal que analisou prontuários de pacientes inscritos no programa de atendimento ao fumante do CREATF entre janeiro de 2010 e junho de 2012. Durante esse período, 593 indivíduos procuraram o CREATF para cessação do tabagismo. Prontuários com dados incompletos ou incompreensíveis foram excluídos da análise, bem como os não encontrados após três tentativas de busca. Ao todo, 61 registros foram excluídos. A amostra foi constituída, portanto, de 532 prontuários, cujos pacientes fizeram pelo menos dois atendimentos de terapia cognitivo-comportamental.

Foram coletados dados sociodemográficos de história tabágica, tratamentos realizados e desfecho obtido dentro do programa supracitado. Aspectos relacionados à história tabágica incluíram: número de cigarros/dia, nível de dependência química, tentativas de cessação e presença de gatilhos (qualquer aspecto físico, químico, psicológico ou comportamental capaz de propiciar o consumo de cigarros, levando a lapso ou recaída). As variáveis relacionadas ao tratamento e ao seu desfecho consistiram em: sintomas de abstinência relatados, tratamentos realizados (abordagem comportamental e/ou medicamentosa), prática de atividade física e desfecho do tratamento (momento no qual o paciente deixa de fazer o acompanhamento no CREATF).2020 Sales MPU, Figueiredo MRF, Oliveira MI, Castro HN. Ambulatório de apoio ao tabagista no Ceará: perfil dos pacientes e fatores associados ao sucesso terapêutico. J Bras Pneumol. 2006;32(5):410-7. DOI:10.1590/S1806-37132006000500007

Foram considerados aspectos sociodemográficos para análise estatística as variáveis: sexo, idade, escolaridade e estado ocupacional. Para facilitar a análise estatística, as seguintes variáveis foram estratificadas: escolaridade (até oito anos de estudo – incluindo analfabetos e semianalfabetos –; mais de oito anos); estado ocupacional, considerados indivíduos sem fonte de renda (desempregados); indivíduos com alguma fonte de renda (emprego formal ou informal); e aposentados.

O número de cigarros/dia foi estratificado em: até 20 cigarros/dia e mais de 20. A dependência química, de acordo com a Escala Fagerstron, foi categorizada como: dependência química muito baixa a média e elevada a muito elevada. A variável ‘tentativas de cessação’ dividiu-se entre pacientes que tentaram a cessação do tabagismo e indivíduos que nunca tentaram. Os gatilhos que se associaram ao hábito de fumar foram classificados como químicos, psicológicos, comportamentais ou associações; os que levaram à recaída foram estratificados de acordo com a ausência de gatilhos, presença de um único gatilho e associações de gatilhos. Quanto à síndrome da abstinência, os pacientes foram classificados entre aqueles com até dois sintomas relatados e aqueles com mais de duas queixas. Os tratamentos realizados foram agrupados entre pacientes que realizaram apenas terapia cognitivo-comportamental (e não necessitaram de suporte medicamentoso) e aqueles que, além de terapia cognitivo-comportamental, precisaram de outras estratégias terapêuticas (reposição nicotínica ou laserterapia). O desfecho do tratamento foi definido como o momento do último contato do paciente com o centro (registrado em prontuário): na terapia cognitivo-comportamental ou na terapia de manutenção.

Cada paciente pós-tratamento foi classificado como abstêmio ou fumante de acordo com o registro mais recente de seu prontuário, sendo a última variável de análise status ao final do tratamento, representativo da taxa de sucesso e insucesso do tratamento.

Todos os dados foram catalogados e organizados em planilha eletrônica. A análise estatística foi desenhada pelo software EpiInfo versão 3.5.2. Foram incluídas as frequências das variáveis e seus respectivos intervalos de confiança, além de análises bruta e ajustada para determinação das variáveis associadas ao status ao final dos pacientes que realizaram o tratamento, com nível de significância estatística p < 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (Protocolo 001795) e obedeceu às normas para a realização de pesquisa com seres humanos, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os pacientes foram identificados por seus respectivos números de prontuário a fim de preservar suas identidades.

RESULTADOS

A idade média dos indivíduos atendidos pelo centro foi 49,73 anos. Mulheres fumantes constituíram a maioria da amostra (56,6%). A amostra total e a prevalência de abstêmios e fumantes, segundo variáveis sociodemográficas, de história tabágica e tratamentos realizados constam na Tabela 1.

Tabela 1
Amostra total e prevalência de abstêmios e fumantes segundo variáveis sociodemográficas, história tabágica e tratamentos realizados. Belém, PA, 2012.

A carga tabágica foi, em média, 30 maços/ano e o tempo de tabagismo de 32,4 anos. A intervenção resultou em taxa de sucesso de 75,0% no período avaliado. Os pacientes abstêmios eram acompanhados em média até quatro meses após a cessação do tabagismo, atingindo um tempo de controle e manutenção de até 33 meses, quando ocorria seu último contato com o centro.

Nenhuma variável sociodemográfica mostrou significância estatística para o status, ao término do tratamento (p > 0,05) (Tabela 2). Na análise da história tabágica e de tratamentos realizados, todas as variáveis foram estatisticamente significantes, exceto tentativas de cessação e gatilhos (Tabela 3). As variáveis estratificadas pelo status ao final do tratamento (abstêmio e fumante) com p < 0,2 foram selecionadas para análise bruta (Tabela 4), na qual atividade física, desfecho, dependência a nicotina, gatilhos de recaída, números de cigarros e tratamentos realizados foram variáveis significantes (p < 0,05) e, portanto, submetidas à análise ajustada. O tempo de permanência no programa, a presença de gatilhos de recaída e a dependência química elevada ou muito elevada parecem influenciar o processo de cessação (Tabela 5).

Tabela 2
Frequência e análise das variáveis sociodemográficas de acordo com o status dos pacientes ao término do tratamento para cessação do tabagismo. Belém, PA, 2012.

Tabela 3
Frequência e análise das variáveis relacionadas a história tabágica e ao tratamento realizado de acordo com o status dos pacientes ao término do tratamento para cessação do tabagismo. Belém, PA, 2012.

Tabela 4
Análise bruta das variáveis estudadas associadas à abstinência tabágica ao final do tratamento. Belém, PA, 2012.

Tabela 5
Análise ajustada das variáveis associadas ao status ao final do tratamento (abstêmio e fumante). Belém, PA, 2012.

DISCUSSÃO

A prevalência de abstinência no CREATF-Belém foi de 75,0%, taxa considerada elevada quando comparada a outros estudos nacionais1414 Peixoto SV, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Fatores associados ao índice de cessação do hábito de fumar em duas diferentes populações adultas (Projetos Bambuí e Belo Horizonte). Cad Saude Publica. 2007;23(6):1319-28. DOI:10.1590/S0102-311X2007000600007,2020 Sales MPU, Figueiredo MRF, Oliveira MI, Castro HN. Ambulatório de apoio ao tabagista no Ceará: perfil dos pacientes e fatores associados ao sucesso terapêutico. J Bras Pneumol. 2006;32(5):410-7. DOI:10.1590/S1806-37132006000500007 e ao perfil de pacientes atendidos no centro. Os principais fatores relacionados ao sucesso ou insucesso do tratamento foram a participação nas terapias de manutenção, as quais parecem favorecer a abstinência; ao passo que a presença de gatilhos de recaída e a dependência química elevada a muito elevada mostraram-se dificultadores deste processo.

Mazoni et al1111 Mazoni CG, Fernandes S, Pierozan PS, Moreira T, Freese L, Ferigolo M, et al. A eficácia das intervenções farmacológicas e psicossociais para o tratamento do tabagismo: revisão da literatura. Estud Psicol (Natal). 2008;13(2):133-40. DOI:10.1590/S1413-294X2008000200005 (2008) observaram que a farmacoterapia dobra as chances de abstinência.3Black JH 3rd. Evidence base and strategies for successful smoking cessation. J Vasc Surg. 2010;51(6):1529-37. DOI:10.1016/j.jvs.2009.10.124,8Fiore MC, Jaén CR, Baker TB, et al. Treating tobacco use and dependence: 2008 update: clinical practice guideline. Rockville (MD): US Department of Health and Human Services; 2008. Entretanto, neste estudo, a associação medicamentosa à terapia comportamental não foi estatisticamente significante para a manutenção da abstinência.

Os pacientes que realizaramerapia comportamental de manutenção apresentaram 27 vezes mais chances de abstinência em comparação com os que realizaram apenas terapia cognitiva-comportamental. Iliceto et al9Iliceto P, Fino E, Pasquariello S, D’Angelo Di Paola ME, Enea D. Predictors of success in smoking cessation among Italian adults motivated to quit. J Subst Abuse Treat. 2013;44(5):534-40. DOI:10.1016/j.jsat.2012.12.004 (2013) reforçam a importância de o paciente ser acompanhado mesmo após a cessação, uma vez que os riscos de recaídas são maiores na fase inicial.

A terapia de manutenção tem por objetivo manter os pacientes motivados quanto à abstinência, pois as chances de recaída se associam fortemente à falta de motivação e baixa assiduidade nas terapias.1818 Reis RCM, Fortes RC. Fatores associados a não cessação do tabagismo em participantes do grupo de terapia de um centro de saúde do Distrito Federal. Revisa. 2012;1(1):3-8.

A média de acompanhamento após a cessação foi de quatro meses na população em estudo. Porém, as Diretrizes para Cessação do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia1717 Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80. DOI:10.1590/S1806-37132008001000014(2008) sugerem que o paciente em processo de cessação seja acompanhado por pelo menos seis meses subsequentes.1717 Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU, et al. Diretrizes para cessação do tabagismo - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80. DOI:10.1590/S1806-37132008001000014 Em vista disto, é importante lançar mão de estratégias que mantenham o paciente nas terapias de manutenção por tempo superior ao apresentado.

Yong et al2222 Yong HH, Borland R, Cooper J, Cummings KM. Postquitting experiences and expectations of adult smokers and their association with subsequent relapse: findings from the International Tobacoo Control (ITC) Four Country Survey.Nicotine Tob Res. 2010;12(Suppl 1):S12-9. DOI:10.1093/ntr/ntq127 (2010) enfatizam a importância do acompanhamento dos pacientes superior a seis meses após a cessação, a partir de consultas e contatos telefônicos, no intuito de monitorar as dificuldades enfrentadas e valorizar os progressos.

Os resultados mostram que a presença de um gatilho, entendido como fator motivacional ao ato de fumar, atua como dificultador da cessação tabágica, uma vez que predispõe à recaída. De acordo com Cardoso et al6Cardoso DB, Coelho APCP, Rodrigues M, Petroianu A.Fatores relacionados ao tabagismo e ao seu abandono. Rev Med (Sao Paulo). 2010;89(2):76-82. DOI:10.11606/issn.1679-9836.v89i2p76-82 (2010), a ocorrência de recaída se correlaciona a variáveis sociodemográficas e ao nível de dependência química; enquanto o presente estudo avaliou se a presença ou ausência de gatilhos, diante da recaída, relaciona-se com o status ao final do tratamento.

Ferguson & Shiffman7Ferguson SG, Shiffman S. Effect of high-dose nicotine patch on the characteristics of lapse episodes. Health Psychol.2010;29(4):358-66. DOI:10.1037/a0019367 (2010) reforçam a ideia de que a presença de gatilhos compromete as taxas de sucesso do tratamento anti-tabágico e defendem a tese de que estratégias comportamentais frente aos gatilhos devem ser estimuladas tanto para pacientes sem acompanhamento medicamentoso quanto para aqueles que recebem medicações.

Por fim, o elevado grau de dependência química também compromete as taxas de sucesso no tratamento. Essa dependência, do tipo moderada e grave, potencializa a síndrome de abstinência durante a cessação do tabagismo, favorecendo a recaída em longo prazo.5Calheiros PRV, Oliveira MS, Calheiros LB, Matos KS, Rosa Júnior S. Fatores associados à recaída em tagistas sob tratamento psicoterápico.Rev Cien FACIMED [Internet]. 2011[citado 2012 dez];3(3). Disponível em: http://www.facimed.edu.br/site/revista/pdfs/5dca9460a1914cd634969e7c7291b5f3.pdf
http://www.facimed.edu.br/site/revista/p...
,2222 Yong HH, Borland R, Cooper J, Cummings KM. Postquitting experiences and expectations of adult smokers and their association with subsequent relapse: findings from the International Tobacoo Control (ITC) Four Country Survey.Nicotine Tob Res. 2010;12(Suppl 1):S12-9. DOI:10.1093/ntr/ntq127

Pai & Prasad1313 Pai A, Prasad S. Attempting tobacco cessation: an oral physician’s perspective. Asian Pac J Cancer Prev.2012;13(10):4973-7. (2012), ao avaliarem dois grupos de indivíduos tabagistas com características sociodemográfica semelhantes, verificaram que pacientes com baixa dependência química se beneficiaram da terapia cognitivo-comportamental, enquanto pacientes com alto grau de dependência à nicotina necessitaram de reposição nicotínica para atingir a abstinência.

A taxa de sucesso do tratamento oferecido pelo CREATF foi de 75,0% o que pode ser considerada como resultado elevado quando comparado a serviços semelhantes no Brasil, com média de 40,0% a 50,0% de cessação.1414 Peixoto SV, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Fatores associados ao índice de cessação do hábito de fumar em duas diferentes populações adultas (Projetos Bambuí e Belo Horizonte). Cad Saude Publica. 2007;23(6):1319-28. DOI:10.1590/S0102-311X2007000600007,2020 Sales MPU, Figueiredo MRF, Oliveira MI, Castro HN. Ambulatório de apoio ao tabagista no Ceará: perfil dos pacientes e fatores associados ao sucesso terapêutico. J Bras Pneumol. 2006;32(5):410-7. DOI:10.1590/S1806-37132006000500007,2121 Silva RLF, Carmes LR, Schwartz AF, Blaszkowski DS, Cirino RHD, Ducci RD. Cessação de tabagismo em pacientes de um hospital universitário em Curitiba.J Bras Pneumol. 2011;37(4):480-7. DOI:10.1590/S1806-37132011000400010 Esse dado assume relevância mediante o expressivo consumo de tabaco em longo prazo apresentado pelos pacientes deste estudo. A carga tabágica e o tempo de tabagismo elevados podem ter contribuído para que os pacientes tivessem mais consciência sobre seu alto grau de dependência, engajando-se efetivamente no tratamento.

De acordo com Bortoluzzi et al4Bortoluzzi MC, Kehrig RT, Loquercio AD, Traebert JL. Prevalência e perfil dos usuários de tabaco de população adulta em cidade do Sul do Brasil (Joaçaba, SC). Cienc Saude Coletiva. 2011;16(3):1953-9. DOI:10.1590/S1413-81232011000300029(2011), idade inferior a 40 anos, baixa renda e menor escolaridade são fatores intimamente relacionados com a manutenção do hábito tabágico e maiores taxas de insucesso.1010 Kim YN, Cho YG, Kim CH, Kang JH, Park HA, Kim KW, et al. Socioeconomic indicators associated with initiation and cessation of smoking among women in Seoul. Korean J Fam Med. 2012;33(1):1-8. DOI:10.4082/kjfm.2012.33.1.1,1919 Rodríguez-Esquivel D, Cooper TV, Blow J, Resor MR. Characteristics associated with smoking in a Hispanic sample. Addict Behav. 2009;34(6-7):593-8. DOI:10.1016/j.addbeh.2009.03.030 Entretanto, o presente estudo não verificou associação significativa entre as variáveis sociodemográficas e status ao final do tratamento.

Outras análises verificaram a existência de heterogeneidade entre variáveis sociodemográficas associadas à cessação em populações distintas. Peixoto et al1414 Peixoto SV, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Fatores associados ao índice de cessação do hábito de fumar em duas diferentes populações adultas (Projetos Bambuí e Belo Horizonte). Cad Saude Publica. 2007;23(6):1319-28. DOI:10.1590/S0102-311X2007000600007 (2007), em análise comparativa entre a região metropolitana de Belo Horizonte e Bambuí, MG, encontraram taxas de abstinência bastante semelhantes (40,0% e 38,8%). Porém os fatores associados à cessação diferiram entre as populações.

Azevedo et al1Azevedo RCS, Higa CMH, Assumpção ISMA, Frazatto CRG, Fernandes RF, Goulart W, et al. Grupo terapêutico para tabagistas: resultados após seguimento de dois anos. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(5):593-6. DOI:10.1590/S0104-42302009000500025 (2009) e Morissette et al1212 Morissette SB, Tull MT, Gulliver SB, Kamholz BW, Zimering RT. Anxiety, anxiety disorders, tobacco use and nicotine: a critical review of interrelationships. Psychol Bull. 2007;133(2):245-72. DOI:10.1037/0033-2909.133.2.245 (2007) constataram que as taxas de insucesso e recaídas estão fortemente associadas à presença de sintomas psiquiátricos, como depressão e ansiedade. Contudo, os presentes resultados não mostraram associação estatisticamente significante entre presença de sintomas e insucesso do tratamento. Porém, os pacientes com distúrbios psiquiátricos não foram analisados individualmente.

Quanto à investigação da prática de atividade física em programas similares, Prochaska et al1616 Prochaska JJ, Hall SM, Humfleet G, Munoz RF, Reus V, Gorecki J, et al. Physical activity as a strategy for maintaining tobacco abstinence: a randomized trial. Prev Med. 2008;47(2):215-20. DOI:10.1016/j.ypmed.2008.05.006 (2008) defendem que o exercício físico reduz os sintomas de abstinência, favorecendo a cessação tabágica. No entanto, os resultados mostram que o registro deste dado foi incompleto. Sugere-se, portanto, que esta variável seja incluída na ficha de avaliação padrão para que a terapia possa ser otimizada.

As limitações da pesquisa se relacionam à coleta de dados secundários, o viés de sub-registro e o autorrelato de abstinência, as quais podem superestimar ou subestimar os resultados. Por fim, o caráter transversal do estudo limita o estabelecimento de relações de casualidade.1515 Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. Tais limitações são características do tipo de estudo desenvolvido, de maneira que não podem ser excluídas. Para minimizar estes vieses de informação, foram incluídos na análise apenas prontuários com dados completos.

A identificação dos principais fatores relacionados ao sucesso do tratamento permitirá repensar as estratégias em saúde direcionadas a fumantes. Pacientes com maior grau de dependência e aqueles que recaem durante o tratamento são merecedores de suporte terapêutico mais intenso. Além disso, as terapias de manutenção devem ser sempre dinamizadas a fim de aumentar a adesão ao tratamento em sua completude.

São necessários estudos frequentes para comparações e mudanças na população que influenciem no sucesso do tratamento, bem como futuras pesquisas para subsidiar as ações de prevenção e combate ao tabagismo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2014
  • Aceito
    28 Jun 2014
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