Fatores associados ao acesso à reabilitação física para vítimas de acidentes de trânsito

Kelienny de Meneses Sousa Wagner Ivan Fonsêca de Oliveira Emanuel Augusto Alves Zenewton André da Silva Gama Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar o nível de acesso à reabilitação física para sobreviventes de acidentes de trânsito e seus fatores associados.

MÉTODOS

Estudo transversal realizado em Natal, Nordeste do Brasil, com inquérito telefônico a 155 vítimas de acidentes de trânsito atendidos no hospital de emergência, entre janeiro e agosto de 2013, com diagnóstico de fratura, traumatismo cranioencefálico ou amputação. Os participantes foram identificados no banco de dados do hospital referência para atendimentos de acidentes de trânsito. Calculou-se a estimativa pontual e o intervalo de confiança (IC95%) da porcentagem de acesso e tempo para acesso, além de análise multivariada (regressão logística) entre o acesso (variável dependente) e as variáveis sociodemográficas, clínicas e assistenciais.

RESULTADOS

Entre os 155 entrevistados, predominaram jovens e adultos de 15–29 anos (47,7%), sexo masculino (82,6%), escolaridade até o ensino médio (92,3%), renda de até dois salários mínimos (78,0%) e motociclistas (75,5%). Embora 85,8% dos sobreviventes de acidentes de trânsito tivessem relatado a necessidade de reabilitação física, houve baixo acesso geral (51,6%; IC95% 43,7–59,4) e demora para início da reabilitação física (média = 67 dias). Os fatores associados ao acesso à reabilitação física classificaram-se em: (i) individuais não modificáveis em curto prazo – renda familiar maior que dois salários mínimos (OR = 3,7), ser trabalhador informal (OR = 0,11) ou desempregado (OR = 0,15) e ter plano privado de saúde (OR = 0,07); e (ii) assistenciais modificáveis pela gestão do serviço – encaminhamento escrito para reabilitação física (OR = 27,5) e necessidade percebida de reabilitação física (OR = 10).

CONCLUSÕES

Este estudo encontrou um baixo e demorado acesso à reabilitação física para indivíduos potencialmente necessitados. Os fatores associados foram os processos organizativos dos cuidados em saúde (encaminhamento e informação em saúde) e os determinantes sociais (renda, ocupação e plano privado de saúde).

Acidentes de Trânsito; Serviços de Reabilitação; Acesso aos Serviços de Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trânsito (AT), considerados um problema de saúde pública global, causam aproximadamente 1,24 milhões de mortes e 20 a 50 milhões de lesões físicas e deficiências anualmente2929. World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Geneva: WHO; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/en/
http://www.who.int/violence_injury_preve...
. O Brasil tem ocupado a quarta posição entre 101 nações com maiores taxas de mortalidade por esse tipo de violência urbana (23 óbitos/100 mil habitantes)2828. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília (DF): Secretaria-Geral da Presidência da República; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf201...
, cujas vítimas são, principalmente, homens, trabalhadores jovens, idosos, motociclistas e pedestres22. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saude Publica. 2011;45(5):949-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
,1111. Gawryszewski VP, Coelho HMM, Scarpelini S, Zan R, Jorge MHPM, Rodrigues EMS. Land transport injuries among emergency department visits in the state of São Paulo, in 2005. Rev Saude Publica. 2009;43(2):275-82. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200008.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
,2828. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília (DF): Secretaria-Geral da Presidência da República; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf201...
.

A vítima de AT requer assistência à saúde integral, do tipo urgente, para salvar a vida, e de reabilitação, para o pleno restabelecimento clínico e funcional. O sobrevivente de AT costuma sofrer sequelas físicas, psicológicas e sociais. Fisicamente, restrições de mobilidade podem diminuir ou inibir totalmente sua funcionalidade e independência e gerar incapacidade para o trabalho44. Boff BM, Leite DF, Azambuja MIR. Morbidade subjacente à concessão de benefício por incapacidade temporária para o trabalho. Rev Saude Publica. 2002;36(3):337-42. https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000300013.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200200...
. Além disso, doenças psicossomáticas1212. Glina DMR, Rocha LE, Batista ML, Mendonça MGV. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o diagnóstico, com base na prática. Cad Saude Publica. 2001;17(3):607-16. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300015.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200100...
e isolamento social são consequências individuais inter-relacionadas com os danos físicos que também têm repercussão coletiva.

No entanto, muitos sobreviventes dos AT enfrentam outro tipo de violência: a omissão do Estado e a ineficiência dos sistemas de saúde em assegurar o direito à saúde, incluindo a reabilitação física (RF). Privar as vítimas dos serviços de RF aumenta desnecessariamente a sua dor e sofrimento; agrava as consequências da lesão para a saúde2424. Stucki G, Stier-Jarmer M, Grill E, Melvin J. Rationale and principles of early rehabilitation care after an acute injury or illness. Disabil Rehabil. 2005;27(7-8):353-9. https://doi.org/10.1080/09638280400014105 .
https://doi.org/10.1080/0963828040001410...
; limita atividades e participação social44. Boff BM, Leite DF, Azambuja MIR. Morbidade subjacente à concessão de benefício por incapacidade temporária para o trabalho. Rev Saude Publica. 2002;36(3):337-42. https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000300013.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200200...
; reduz a qualidade de vida; e aumenta gastos em serviços de saúde e previdenciários99. Feijó MC, Portela MC. Variação no custo de internações hospitalares por lesões: os casos dos traumatismos cranianos e acidentes por armas de fogo. Cad Saude Publica. 2001;17(3):627-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300017.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200100...
. Esses problemas são consistentes na literatura e evidenciam que o acesso a esses serviços é crucial para assegurar a igualdade de oportunidades e qualidade de vida dos sobreviventes.

O acesso fácil e em tempo oportuno é uma dimensão prioritária para um sistema de saúde de boa qualidade3030. World Health Organization. Quality of care: a process for making strategic choices in health systems. Geneva: WHO; 2006 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43470/1/9241563249_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
e implica que uma população de risco utilize os serviços de saúde em razões proporcionais e ajustadas às necessidades existentes11. Aday LA, Andersen R. A framework for the study of access to medical care. Health Serv Res. 1974 [cited 2015 Apr 12];9(3):208-20. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1071804/pdf/hsresearch00560-0030
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
. Sua presença é prévia ao recebimento da atenção individual e possibilita outras dimensões-chave da qualidade (segurança, atenção centrada no usuário, efetividade e eficiência). Assim, o pior sistema de saúde é aquele que não garante sequer o acesso à população necessitada.

A qualidade dos serviços de RF ainda é um tema pouco abordado na Saúde Pública, persistindo lacunas sobre o acesso e outras dimensões da qualidade. Alguns estudos constataram certa desvalorização da RF por parte dos gestores, além de insuficiente oferta e irregular distribuição geográfica88. Deslandes SF, Souza ER, Minayo MCS, Costa CRBSF, Krempel M, Cavalcanti ML, et al. Diagnostic characterization of services providing care to victims of accidents and violence in five Brazilian state capitals. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(2):385-96. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000500017.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200600...
,1414. Lima MLLT, Lima MLC, Deslandes SF, Souza ER, Barreira AK. Assistência em reabilitação para vítimas de acidentes e violência: a situação dos municípios em Pernambuco, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(1):33-42. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000100006.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
. Esse é um dado preocupante quando se reflete sobre a importância da RF para o enfrentamento da pandemia dos AT.

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso à RF para sobreviventes de AT depende da adequada transição entre a atenção hospitalar e a reabilitação ambulatorial, previsto na Rede de Atenção às Urgências e Emergências1717. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS) [citado 2015 jan 20]. Diario Oficial Uniao. 8 jul 2011 [cited 2015 Jan 20]; Seção 1. Avaialable from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Portaria_n_1600_de_07_07_11_Politica_Nac_Urg_Emerg.pdf
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File...
e na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência1616. Ministério da Saúde (BR). Portaria GM nº 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema [cited 2015 Jan 20]. Brasília (DF); 2012. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. No entanto, a implantação e coordenação dessas redes ainda é incipiente, prejudicando a integralidade do cuidado.

Apesar dos esforços das leis de tráfego brasileiras para reduzir os óbitos por AT, sua incidência ainda é acentuada, especialmente na população jovem. O município de Natal, RN, possui dados consistentes com a realidade brasileira no tocante à mortalidade juvenil, a qual obteve, em 2012, um aumento expressivo de 98,3% em relação a 20112828. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília (DF): Secretaria-Geral da Presidência da República; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf201...
.

Considerando esses antecedentes, este estudo objetivou estimar o nível de acesso à RF para vítimas de AT e os fatores associados em uma capital brasileira especialmente afetada pelo problema. A estimativa de acesso proporciona parâmetro para julgar a capacidade do sistema de atender esta população e os fatores associados, quando modificáveis, podem representar oportunidades de intervenção para melhoria da qualidade do sistema de saúde.

MÉTODOS

Estudo observacional transversal, realizado em 2014, mediante inquérito telefônico a sobreviventes de AT atendidos na urgência no hospital de referência para traumas do estado do Rio Grande do Norte, localizado no município de Natal. Segundo o banco de dados do hospital pesquisado, de janeiro a agosto de 2013, foram registrados 5.367 AT, dos quais 2.795 ocorreram com residentes de Natal. A população de estudo incluiu vítimas de AT residentes em Natal, RN, atendidos no hospital do estudo, com diagnóstico de fratura, traumatismo cranioencefálico ou amputação, condições que justificam a necessidade de RF. O total da população de estudo foi de 612 sujeitos.

O tamanho amostral para estimar a proporção de indivíduos com acesso a RF foi calculado para obter uma precisão de 5%, com índice de confiança de 95%. Após ajuste para populações finitas, o número de sujeitos pretendido foi de 235. Realizou-se amostragem aleatória para garantir a representatividade da amostra em relação à população de estudo. Sujeitos com contatos telefônicos inexistentes ou indisponíveis após quatro tentativas foram aleatoriamente substituídos para completar o tamanho amostral desejado.

A coleta de dados realizou-se entre março e julho de 2014. Os indivíduos e seus contatos telefônicos foram identificados por meio do banco de dados disponibilizado pelo hospital. Os pacientes de alta ou seus responsáveis foram localizados por chamadas telefônicas para aplicação do questionário por dois pesquisadores. O tempo médio de duração de cada entrevista telefônica foi de 13 minutos e 30 segundos.

O instrumento utilizado foi elaborado pelos pesquisadores após estudo qualitativo prévio, no qual se identificaram possíveis barreiras para o acesso à RF2323. Sousa KM, Oliveira WIF, Melo LOM, Alves EA, Piuvezam G, Gama ZAS. A qualitative study analyzing access to physical rehabilitation for traffic accident victims with severe disability in Brazil. Disabil Rehabil. 2016;39(6):568-77. https://doi.org/10.3109/09638288.2016.1152606.
https://doi.org/10.3109/09638288.2016.11...
. Continha 25 questões objetivas acerca de aspectos sociodemográficos, do acidente, clínicos e assistenciais. O instrumento foi testado em estudo piloto com parcela da amostra pretendida (8,9%; 21 sujeitos) a fim de averiguar sua viabilidade, relevância e adequação da terminologia.

A partir do questionário, foram coletadas a(s) seguintes variáveis de interesse: (1) dependentes: acesso geral à RF, que incluía acesso ao serviço público ou privado, e acesso público à RF (sim; não); (2) independentes: sociodemográficas (sexo; idade; escolaridade; renda familiar; situação conjugal; plano privado de saúde e atividade ocupacional), do acidente de trânsito (tipo de vítima; de transporte e de acidente), clínicas (autocuidado; locomoção; mobilidade; tipo e localização da lesão; necessidade percebida de RF) e assistenciais (tratamento clínico; tempo de internação hospitalar; reabilitação hospitalar; informações sobre RF; encaminhamento à RF).

As informações coletadas foram analisadas no software estatístico SPSS, versão 22.0. Após estatística descritiva, calcularam-se as estimativas pontuais e intervalares (IC95%) para a frequência de sujeitos que obtiveram acesso (público ou não) e o tempo médio para o início da reabilitação.

As associações entre as variáveis categóricas foram quantificadas com o teste de Qui-quadrado de Pearson. As variáveis associadas ao acesso com p < 0,20 na análise bivariada foram incluídas em modelos de regressão logística, stepwise, com p < 0,05 e IC95%. Construiu-se dois modelos de regressão logística: “acesso geral à RF” e “acesso público à RF”. Como os desfechos são binários, as associações foram medidas por razão de chances (odds ratio, OR). A qualidade do ajuste dos modelos de regressão foi avaliada pelos testes Hosmer e Lemeshow e R22. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saude Publica. 2011;45(5):949-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
de Nagelkerke.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Protocolo 611.492/2014).

RESULTADOS

Atendiam aos critérios de inclusão 612 sujeitos. O tamanho amostral estimado foi de 235 indivíduos. Mesmo com a ampliação das chamadas telefônicas para toda população de estudo (n = 612), foram entrevistados 155 sujeitos (porcentagem de resposta de 66%). Houve apenas uma recusa. Os dados detalhados sobre as características da amostra estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra (n = 155) quanto às variáveis sociodemográficas, do acidente, clínico-funcionais e da assistência clínica. Natal, RN, 2014.

Os mais frequentes entre as vítimas foram jovens de 15 a 29 anos, do sexo masculino, solteiros, com escolaridade até o ensino médio, renda de até dois salários mínimos e ativos economicamente. Quase todos os entrevistados dependiam exclusivamente do sistema público de saúde (Tabela 1).

Os acidentes mais frequentes foram de motocicleta e a lesão mais recorrente foi a fratura, repercutindo em limitações nas atividades de autocuidado e locomoção. Em conformidade com os critérios de inclusão da amostra, que se basearam na potencial necessidade de RF, a maioria dos entrevistados relatou essa necessidade (Tabela 1).

Quanto à assistência em saúde, a maioria necessitou de cirurgia ortopédica. A fixação cirúrgica foi a intervenção mais indicada (70,9% dos casos). Embora 75,6% dos entrevistados tivessem permanecido internados por um período de até 22 dias, apenas 17,4% realizaram reabilitação hospitalar. Pouco mais da metade (51,6%) dos pacientes receberam encaminhamento para RF no momento da alta hospitalar e um número ligeiramente maior (55,5%) recebeu da equipe hospitalar orientações sobre a RF (Tabela 1).

Também foram identificados prejuízos ocupacionais, pois 1/4 dos trabalhadores perderam o emprego ou tornaram-se incapacitados para atividade laboral. Dentre os que exerciam alguma atividade laboral (n = 106), a maior parcela da amostra, quase a totalidade (95,2%) referiu dificuldade para retornar ao trabalho. O tempo médio para retornar ao trabalho foi de 146 dias (IC95% 134–157) (Tabela 1).

Em relação ao acesso geral aos serviços de RF, aproximadamente metade dos entrevistados (51,6%; IC95% 43,7–59,4) conseguiu acessá-los, dos quais 32,9% acessaram pela rede pública e 18,7% pelo serviço privado. O tempo para este acesso foi de 74 dias no serviço público e de 56 dias no privado (Tabela 2).

Tabela 2
Estimativa do acesso e tempo de acesso à reabilitação física para vítimas de acidentes de trânsito. Natal, RN, 2014.

A análise bivariada identificou 11 variáveis associadas ao acesso (p < 0,05), sendo três da condição social, uma relacionada ao tipo de acidente, três relacionadas à condição clínica e cinco relativas à assistência em saúde (Tabela 3).

Tabela 3
Estimativa do acesso geral e público à RF para cada variável da análise bivariada. Natal, RN, 2014. (n = 155)

O modelo de regressão acesso geral à RF mostrou maior chance de acesso para os indivíduos com renda maior que dois salários mínimos (SM) em relação àqueles com renda de até dois SM (OR = 3,7). As chances de conseguir tratamento reabilitador também foram maiores para os indivíduos com necessidade percebida de RF (OR = 10,0) e encaminhamento para RF (OR = 27,5). No entanto, os indivíduos desempregados (OR = 0,15) ou trabalhadores informais (OR = 0,11) apresentaram menor chance de acesso à RF em relação aos empregados. A qualidade do ajuste desse modelo obteve significância estatística de 0,981 no teste de Hosmer e Lemeshow e explica 62,1% da variabilidade do acesso (Tabela 4).

Tabela 4
Modelos de regressão logística dos fatores associados ao acesso geral e público à reabilitação física. Natal, RN, 2014. (n = 155)

Quanto ao acesso público à RF, o modelo apresentou o encaminhamento com forte associação positiva (OR = 23,0) e o plano privado de saúde com associação negativa (OR = 0,07). Esse modelo também apresentou boa qualidade no ajuste ao teste de Hosmer e Lemeshow, com significância estatística de 0,989, e a proporção de variabilidade explicada pelo modelo foi de 45,1% (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo contribui para a compreensão do acesso à RF para vítimas de acidentes de trânsito de uma cidade do nordeste brasileiro. Diante da escassez de estudos nessa área, apresenta informação original que indica problemas de acesso e fatores associados à ineficiência do sistema de saúde para atender as vítimas dessa epidemia global. Indica também fatores modificáveis que podem melhorar a qualidade da assistência, a partir de intervenções sociais e reorientação das ações em saúde pelos gestores públicos.

O perfil da vítima de AT deste estudo (adultos jovens, motociclistas, economicamente ativos, de baixa renda e baixa escolaridade) é consistente com o cenário nacional e confirma sua vulnerabilidade social22. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saude Publica. 2011;45(5):949-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
,1111. Gawryszewski VP, Coelho HMM, Scarpelini S, Zan R, Jorge MHPM, Rodrigues EMS. Land transport injuries among emergency department visits in the state of São Paulo, in 2005. Rev Saude Publica. 2009;43(2):275-82. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200008.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
,2828. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília (DF): Secretaria-Geral da Presidência da República; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf201...
. Mesmo com o incentivo das leis de trânsito, a morbimortalidade nesse perfil populacional vulnerável continua alta22. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saude Publica. 2011;45(5):949-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
,1111. Gawryszewski VP, Coelho HMM, Scarpelini S, Zan R, Jorge MHPM, Rodrigues EMS. Land transport injuries among emergency department visits in the state of São Paulo, in 2005. Rev Saude Publica. 2009;43(2):275-82. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200008.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200900...
, pois o prejuízo da capacidade funcional e participação social dessa população exacerba as iniquidades sociais existentes1515. Mendoza-Sassi R, Béria JU, Barros AJD. Outpatient health service utilization and associated factors: a population-based study. Rev Saude Publica. 2003;37(3):372-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000300017.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200300...
.

Os níveis de acesso foram baixos, pois apenas metade dos que necessitavam RF conseguiu o serviço. Não se encontraram estudos com estimativa de acesso para essa população, mas apenas abordando o acesso em outras áreas (saúde da mulher e saúde do idoso)1818. Oliveira EXG, Pinheiro RS, Melo ECP, Carvalho MS. Condicionantes socioeconômicos e geográficos do acesso à mamografia no Brasil, 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3649-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000002.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
,2121. Ribeiro KSQS, Neves RF, Brito GEG, Sousa KM, Lucena EMF, Batista HRL. Acesso à reabilitação no pós-AVC na cidade de João Pessoa, Paraíba. Rev Baiana Saude Publica. 2012;36(3):699-712. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/548.
http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rb...
ou em especialidade distinta (reabilitação cardíaca)2222. Salzwedel A, Nosper M, Röhrig B, Linck-Eleftheriadis S, Strandt G, Völler H. Outcome quality of in-patient cardiac rehabilitation in elderly patients: identification of relevant parameters. Eur J Prev Cardiol. 2014;21(2):172-80. htttps://doi.org/10.1177/2047487312469475.
htttps://doi.org/10.1177/204748731246947...
. Por exemplo, em pacientes com acidente vascular cerebral (AVC), encontrou-se maior percentual de acesso à reabilitação (67,1%) em estudo transversal realizado em João Pessoa, PB2121. Ribeiro KSQS, Neves RF, Brito GEG, Sousa KM, Lucena EMF, Batista HRL. Acesso à reabilitação no pós-AVC na cidade de João Pessoa, Paraíba. Rev Baiana Saude Publica. 2012;36(3):699-712. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/548.
http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rb...
e ainda maior (90%) em estudo de coorte realizado nos Estados Unidos2020. Prvu Bettger JA, Kaltenbach L, Reeves MJ, Smith EE, Fonarow GC, Schwamm LH, et al. Assessing stroke patients for rehabilitation during the acute hospitalization: findings from the get with the guidelines-stroke program. Arch Phys Med Rehabil. 2013;94(1):38-45. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2012.06.029.
https://doi.org/10.1016/j.apmr.2012.06.0...
, mostrando que esses dados podem variar entre diferentes sistemas de saúde.

Os resultados sinalizam para o papel secundário dos serviços de RF no SUS, algo contraditório com seu princípio de integralidade da atenção. Somente um de cada três pacientes conseguiu acesso no sistema público, um resultado sempre menor que aqueles identificados para outros serviços de saúde: 50,9% para atendimento na zona urbana, em posto de saúde1313. Kassouf AL. Acesso aos serviços de saúde nas áreas urbana e rural do Brasil. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(1):29-44. https://doi.org/10.1590/S0103-20032005000100002.
https://doi.org/10.1590/S0103-2003200500...
; 71,5% para acesso a exames1818. Oliveira EXG, Pinheiro RS, Melo ECP, Carvalho MS. Condicionantes socioeconômicos e geográficos do acesso à mamografia no Brasil, 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3649-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000002.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
; e 93,5% para atendimento em centros de saúde de São Paulo, SP33. Barata RB. Acesso e uso de serviços de saúde: considerações sobre os resultados da Pesquisa de Condições de Vida 2006. Sao Paulo Perspect. 2008 [cited 2015 Apr 12];22(2):19-29. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
http://produtos.seade.gov.br/produtos/sp...
.

Outro problema é a demora para o início da reabilitação. Para pacientes de AVC e crianças com paralisia cerebral, o tempo para o acesso variou de um até seis meses2121. Ribeiro KSQS, Neves RF, Brito GEG, Sousa KM, Lucena EMF, Batista HRL. Acesso à reabilitação no pós-AVC na cidade de João Pessoa, Paraíba. Rev Baiana Saude Publica. 2012;36(3):699-712. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/548.
http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rb...
,2525. Tôrres AKV, Sarinho SW, Feliciano KVO, Kovacs MH. Acessibilidade organizacional de crianças com paralisia cerebral à reabilitação motora na cidade do Recife. Rev Bras Saude Mater Infant. 2011;11(4):427-36. https://doi.org/10.1590/S1519-38292011000400009.
https://doi.org/10.1590/S1519-3829201100...
, mostrando que a longa espera é um aspecto normalmente instituído em RF. Atrasar o início da RF, seja no serviço público ou privado, fere o conceito de acesso baseado na oferta dos serviços em tempo e condições oportunas para impactar positivamente nos resultados de saúde3030. World Health Organization. Quality of care: a process for making strategic choices in health systems. Geneva: WHO; 2006 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43470/1/9241563249_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
. Além de gerar insatisfação dos usuários, a demora para iniciar a reabilitação pode repercutir em outras dimensões da qualidade, como na efetividade clínica2424. Stucki G, Stier-Jarmer M, Grill E, Melvin J. Rationale and principles of early rehabilitation care after an acute injury or illness. Disabil Rehabil. 2005;27(7-8):353-9. https://doi.org/10.1080/09638280400014105 .
https://doi.org/10.1080/0963828040001410...
e na segurança do paciente, pois complicações pela demora são danos desnecessários associados à assistência que prejudicam os resultados em saúde e aumentam os custos3030. World Health Organization. Quality of care: a process for making strategic choices in health systems. Geneva: WHO; 2006 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43470/1/9241563249_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
.

A dificuldade de acesso pode ser consequência de um modelo de atenção incompleto, que não contempla todas as necessidades da população sujeita a AT (promoção e proteção da saúde, prevenção dos AT, atenção urgente e reabilitação das lesões). Iniciativas como a Rede de Atenção às Urgências e Emergências1717. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS) [citado 2015 jan 20]. Diario Oficial Uniao. 8 jul 2011 [cited 2015 Jan 20]; Seção 1. Avaialable from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Portaria_n_1600_de_07_07_11_Politica_Nac_Urg_Emerg.pdf
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File...
e a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência1616. Ministério da Saúde (BR). Portaria GM nº 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema [cited 2015 Jan 20]. Brasília (DF); 2012. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
são componentes parciais de um modelo de atenção integral; no entanto, a implantação e articulação dessas políticas ainda são incipientes no contexto deste estudo. As consequências do não acesso à RF são muitas, desde prolongamento inadmissível da dor e sofrimento dessas vítimas até a geração de desemprego e instabilidade familiar e social, situações que configuram a perpetuação da violência após os AT e a insuficiente proteção desses indivíduos pelo Estado brasileiro.

Os fatores associados ao acesso à RF classificaram-se em individuais não modificáveis em curto prazo (renda familiar, ocupação, plano privado de saúde) e assistenciais modificáveis pela gestão do serviço (encaminhamento escrito e necessidade percebida) (Figura).

Figura
Modelo de análise dos fatores determinantes do acesso à reabilitação física. Natal, RN, 2014.

Os aspectos individuais denominaram-se “não modificáveis em curto prazo” por se tratarem de dificuldades peculiares dos usuários, cujas soluções envolvem maior nível de complexidade. Consistente com estudos pupulacionais33. Barata RB. Acesso e uso de serviços de saúde: considerações sobre os resultados da Pesquisa de Condições de Vida 2006. Sao Paulo Perspect. 2008 [cited 2015 Apr 12];22(2):19-29. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
http://produtos.seade.gov.br/produtos/sp...
,1515. Mendoza-Sassi R, Béria JU, Barros AJD. Outpatient health service utilization and associated factors: a population-based study. Rev Saude Publica. 2003;37(3):372-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000300017.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200300...
,2626. Travassos C, Viacava F, Fernades C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(1):133-49. https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200000...
, a baixa renda relacionou-se com menor utilização dos serviços de saúde. Outro aspecto envolvido é o dos indivíduos desempregados e trabalhadores informais, que possuem maior dificuldade de acesso, provavelmente pela precarização dos direitos trabalhistas para cuidado da própria saúde. Essa influência negativa da atividade ocupacional sobre o acesso também foi encontrada no estudo de Travassos et al.2626. Travassos C, Viacava F, Fernades C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(1):133-49. https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200000...
Isso expõe que não é suficiente a gratuidade dos serviços, mas é preciso considerar limitações particulares das vítimas, como gastos financeiros e dispêndio de tempo por afastamento das atividades laborais ou por deslocamento até o tratamento.

O plano privado de saúde não se relacionou com o acesso geral. Este resultado contrapõe-se à literatura, pois o plano privado costuma se relacionar com maior acesso aos serviços de saúde33. Barata RB. Acesso e uso de serviços de saúde: considerações sobre os resultados da Pesquisa de Condições de Vida 2006. Sao Paulo Perspect. 2008 [cited 2015 Apr 12];22(2):19-29. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
http://produtos.seade.gov.br/produtos/sp...
,66. Chiavegatto Filho ADP, Wang YP, Malik AM, Takaoka J, Viana MC, Andrade LH. Determinants of the use of health care services: multilevel analysis in the metropolitan region of Sao Paulo. Rev Saude Publica. 2015;49(1):15. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005246.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20150...
,1313. Kassouf AL. Acesso aos serviços de saúde nas áreas urbana e rural do Brasil. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(1):29-44. https://doi.org/10.1590/S0103-20032005000100002.
https://doi.org/10.1590/S0103-2003200500...
,2626. Travassos C, Viacava F, Fernades C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(1):133-49. https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200000...
, podendo esta ser uma realidade local ou dessa população específica. Porém, ter plano privado associou-se significativamente ao menor acesso ao serviço público, um resultado esperado pela possibilidade de escolha dos pacientes.

Embora alguns estudos tenham constatado redução das iniquidades no acesso ao sistema de saúde brasileiro1919. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60...
,2727. Travassos C, Viacava F, Pinheiro R, Brito A. Utilização dos serviços de saúde no Brasil: gênero, características familiares e condição social. Rev Panam Salud Publica. 2002;11(5-6):365-73. https://doi.org/10.1590/S1020-49892002000500011.
https://doi.org/10.1590/S1020-4989200200...
, nossos resultados sugerem que esse cenário ainda é marcante na capital estudada, especialmente quanto à reabilitação. Modificar fatores individuais como os mencionados acima envolve intervenções em questões sociais baseadas nos determinantes sociais da saúde, ações complexas que demandam esforço intersetorial e diferentes planos de administração pública55. Buss PM, Pellegrini Filho A. Iniqüidades em saúde no Brasil, nossa mais grave doença: comentários sobre o documento de referência e os trabalhos da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cad Saude Publica. 2006;22(9):2005-8. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006000900033.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200600...
,2929. World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Geneva: WHO; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/en/
http://www.who.int/violence_injury_preve...
.

Relativo aos aspectos modificáveis, a autopercepção da necessidade de reabilitação aumenta a probabilidade de acesso. Isso corrobora estudos nacionais33. Barata RB. Acesso e uso de serviços de saúde: considerações sobre os resultados da Pesquisa de Condições de Vida 2006. Sao Paulo Perspect. 2008 [cited 2015 Apr 12];22(2):19-29. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
http://produtos.seade.gov.br/produtos/sp...
,1313. Kassouf AL. Acesso aos serviços de saúde nas áreas urbana e rural do Brasil. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(1):29-44. https://doi.org/10.1590/S0103-20032005000100002.
https://doi.org/10.1590/S0103-2003200500...
,1818. Oliveira EXG, Pinheiro RS, Melo ECP, Carvalho MS. Condicionantes socioeconômicos e geográficos do acesso à mamografia no Brasil, 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3649-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000002.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
, em que a necessidade percebida influencia a procura e utilização dos serviços. Um estudo envolvendo indivíduos com deficiência na China encontrou que, entre os que expressaram alguma necessidade de reabilitação (75%), apenas 27% obtiveram acesso3131. Zongjie Y, Hong D, Zhongxin X, Hui X. A research study into the requirements of disabled residents for rehabilitation services in Beijing. Disabil Rehabil. 2007;29(10):825-33. https://doi.org/10.1080/09638280600919657.
https://doi.org/10.1080/0963828060091965...
. Em nosso estudo, 85,8% dos participantes relataram essa necessidade e 58,6% desses conseguiram o tratamento que procuravam.

Apesar de a necessidade percebida ser uma caraterística do usuário, neste estudo foi considerada como aspecto dos serviços pela sua estreita relação com as informações em saúde ofertadas pelos profissionais. Informar o usuário é preceito ético de todo profissional de saúde e facilita a circulação adequada e ágil dos usuários nos diversos níveis do sistema, tornando-os agentes reguladores do próprio acesso77. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Regulação em Saúde. Brasília (DF): CONASS; 2011 [cited 2015 Jan 20]. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS, 10). Available from: http://www.conass.org.br/biblioteca/regulacao-em-saude
http://www.conass.org.br/biblioteca/regu...
. A gestão do serviço deve normatizar a oferta de informações em RF, mediante uma atenção humanizada e centrada no usuário, além de monitorar a adesão dos profissionais a essas normas.

O encaminhamento médico foi o principal determinante do acesso, sendo este um fator modificável pela gestão do serviço. Trata-se do histórico problema da referência e contrarreferência77. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Regulação em Saúde. Brasília (DF): CONASS; 2011 [cited 2015 Jan 20]. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS, 10). Available from: http://www.conass.org.br/biblioteca/regulacao-em-saude
http://www.conass.org.br/biblioteca/regu...
,1010. Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis (Rio J). 2012;22(1):119-40. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100007.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201200...
. Disso, observa-se que os profissionais, embora inseridos em um sistema de saúde, não se percebem em um “sistema” de fato, mas isolados das redes de atenção à saúde. A fim de garantir o acesso e uma assistência integral às vítimas de AT, é preciso ampliar o olhar dos gestores e profissionais para o planejamento da coordenação do cuidado entre os diferentes pontos de atenção da rede (atenção primária, hospitalar, de emergência e de reabilitação).

Este estudo tem algumas limitações. Apesar de sua utilidade para identificar o insuficiente acesso, a margem de erro da estimativa do acesso foi relativamente grande devido ao tamanho amostral não ter sido o inicialmente idealizado, mesmo com a ampliação das chamadas telefônicas a toda população de estudo. É possível também que tenha ocorrido algum viés de memória quanto ao tempo para acesso, embora na amostra predominassem adultos jovens entrevistados em um tempo recente em relação ao AT. Adicionalmente, a coleta por inquérito telefônico viabilizou a pesquisa, porém limitou o número de variáveis coletadas, sendo necessários futuros estudos com métodos de coleta de dados complementares. Quanto à inclusão somente dos sujeitos com contatos telefônicos, esse procedimento pode ter superestimado o acesso, uma vez que o telefone pode ser considerado um indicador social. Ainda, em função das diversidades sociais e econômicas entre capitais e regiões brasileiras, a extrapolação dos resultados torna-se limitada.

Futuras pesquisas são necessárias para conhecer a qualidade dos serviços de RF em relação a outras dimensões da qualidade além do acesso, como efetividade, segurança do paciente, equidade, eficiência e atenção centrada no usuário. Ademais, sugere-se desenvolver estudos de intervenção sobre os fatores associados ao acesso à RF identificados neste estudo, especialmente aqueles considerados modificáveis. Também são necessários estudos sobre os resultados clínicos e econômicos relacionados à qualidade da RF.

Em conclusão, o acesso aos serviços de reabilitação física foi insuficiente para atender às necessidades das vítimas de acidentes de trânsito. Os fatores que devem ser modificados para melhorar o acesso incluem situações complexas e outras de possível resolução com uma efetiva gestão da qualidade da assistência. Assim, o embate para se alcançar a integralidade da assistência à saúde, que inclui o fácil acesso à reabilitação, transcende o plano da conscientização e envolvimento dos interessados (usuários, profissionais e gestores da saúde). É necessário o aproveitamento de análises de situação baseadas nas estimativas de acesso e fatores associados para um planejamento racional, eficaz e viável de intervenções e modelos de atenção para as vítimas de acidentes de trânsito.

Referências bibliográficas

  • 1
    Aday LA, Andersen R. A framework for the study of access to medical care. Health Serv Res 1974 [cited 2015 Apr 12];9(3):208-20. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1071804/pdf/hsresearch00560-0030
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1071804/pdf/hsresearch00560-0030
  • 2
    Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saude Publica. 2011;45(5):949-63. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000069
  • 3
    Barata RB. Acesso e uso de serviços de saúde: considerações sobre os resultados da Pesquisa de Condições de Vida 2006. Sao Paulo Perspect. 2008 [cited 2015 Apr 12];22(2):19-29. Available from: http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
    » http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v22n02/v22n02_02.pdf
  • 4
    Boff BM, Leite DF, Azambuja MIR. Morbidade subjacente à concessão de benefício por incapacidade temporária para o trabalho. Rev Saude Publica 2002;36(3):337-42. https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000300013
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000300013
  • 5
    Buss PM, Pellegrini Filho A. Iniqüidades em saúde no Brasil, nossa mais grave doença: comentários sobre o documento de referência e os trabalhos da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cad Saude Publica 2006;22(9):2005-8. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006000900033
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006000900033
  • 6
    Chiavegatto Filho ADP, Wang YP, Malik AM, Takaoka J, Viana MC, Andrade LH. Determinants of the use of health care services: multilevel analysis in the metropolitan region of Sao Paulo. Rev Saude Publica 2015;49(1):15. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005246
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005246
  • 7
    Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Regulação em Saúde. Brasília (DF): CONASS; 2011 [cited 2015 Jan 20]. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS, 10). Available from: http://www.conass.org.br/biblioteca/regulacao-em-saude
    » http://www.conass.org.br/biblioteca/regulacao-em-saude
  • 8
    Deslandes SF, Souza ER, Minayo MCS, Costa CRBSF, Krempel M, Cavalcanti ML, et al. Diagnostic characterization of services providing care to victims of accidents and violence in five Brazilian state capitals. Cienc Saude Coletiva 2006;11(2):385-96. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000500017
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000500017
  • 9
    Feijó MC, Portela MC. Variação no custo de internações hospitalares por lesões: os casos dos traumatismos cranianos e acidentes por armas de fogo. Cad Saude Publica 2001;17(3):627-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300017
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300017
  • 10
    Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis (Rio J). 2012;22(1):119-40. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100007
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100007
  • 11
    Gawryszewski VP, Coelho HMM, Scarpelini S, Zan R, Jorge MHPM, Rodrigues EMS. Land transport injuries among emergency department visits in the state of São Paulo, in 2005. Rev Saude Publica 2009;43(2):275-82. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200008
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000200008
  • 12
    Glina DMR, Rocha LE, Batista ML, Mendonça MGV. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o diagnóstico, com base na prática. Cad Saude Publica 2001;17(3):607-16. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300015
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2001000300015
  • 13
    Kassouf AL. Acesso aos serviços de saúde nas áreas urbana e rural do Brasil. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(1):29-44. https://doi.org/10.1590/S0103-20032005000100002
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20032005000100002
  • 14
    Lima MLLT, Lima MLC, Deslandes SF, Souza ER, Barreira AK. Assistência em reabilitação para vítimas de acidentes e violência: a situação dos municípios em Pernambuco, Brasil. Cienc Saude Coletiva 2012;17(1):33-42. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000100006
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000100006
  • 15
    Mendoza-Sassi R, Béria JU, Barros AJD. Outpatient health service utilization and associated factors: a population-based study. Rev Saude Publica 2003;37(3):372-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000300017
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000300017
  • 16
    Ministério da Saúde (BR). Portaria GM nº 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema [cited 2015 Jan 20]. Brasília (DF); 2012. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html
  • 17
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS) [citado 2015 jan 20]. Diario Oficial Uniao 8 jul 2011 [cited 2015 Jan 20]; Seção 1. Avaialable from: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Portaria_n_1600_de_07_07_11_Politica_Nac_Urg_Emerg.pdf
    » http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Portaria_n_1600_de_07_07_11_Politica_Nac_Urg_Emerg.pdf
  • 18
    Oliveira EXG, Pinheiro RS, Melo ECP, Carvalho MS. Condicionantes socioeconômicos e geográficos do acesso à mamografia no Brasil, 2003-2008. Cienc Saude Coletiva 2011;16(9):3649-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000002
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000002
  • 19
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011;377(9779):1778-97. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8
  • 20
    Prvu Bettger JA, Kaltenbach L, Reeves MJ, Smith EE, Fonarow GC, Schwamm LH, et al. Assessing stroke patients for rehabilitation during the acute hospitalization: findings from the get with the guidelines-stroke program. Arch Phys Med Rehabil 2013;94(1):38-45. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2012.06.029
    » https://doi.org/10.1016/j.apmr.2012.06.029
  • 21
    Ribeiro KSQS, Neves RF, Brito GEG, Sousa KM, Lucena EMF, Batista HRL. Acesso à reabilitação no pós-AVC na cidade de João Pessoa, Paraíba. Rev Baiana Saude Publica 2012;36(3):699-712. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/548
    » http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/548
  • 22
    Salzwedel A, Nosper M, Röhrig B, Linck-Eleftheriadis S, Strandt G, Völler H. Outcome quality of in-patient cardiac rehabilitation in elderly patients: identification of relevant parameters. Eur J Prev Cardiol 2014;21(2):172-80. htttps://doi.org/10.1177/2047487312469475
    » htttps://doi.org/10.1177/2047487312469475
  • 23
    Sousa KM, Oliveira WIF, Melo LOM, Alves EA, Piuvezam G, Gama ZAS. A qualitative study analyzing access to physical rehabilitation for traffic accident victims with severe disability in Brazil. Disabil Rehabil. 2016;39(6):568-77. https://doi.org/10.3109/09638288.2016.1152606
    » https://doi.org/10.3109/09638288.2016.1152606
  • 24
    Stucki G, Stier-Jarmer M, Grill E, Melvin J. Rationale and principles of early rehabilitation care after an acute injury or illness. Disabil Rehabil 2005;27(7-8):353-9. https://doi.org/10.1080/09638280400014105 .
    » https://doi.org/10.1080/09638280400014105
  • 25
    Tôrres AKV, Sarinho SW, Feliciano KVO, Kovacs MH. Acessibilidade organizacional de crianças com paralisia cerebral à reabilitação motora na cidade do Recife. Rev Bras Saude Mater Infant 2011;11(4):427-36. https://doi.org/10.1590/S1519-38292011000400009
    » https://doi.org/10.1590/S1519-38292011000400009
  • 26
    Travassos C, Viacava F, Fernades C, Almeida CM. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva 2000;5(1):133-49. https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100012
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100012
  • 27
    Travassos C, Viacava F, Pinheiro R, Brito A. Utilização dos serviços de saúde no Brasil: gênero, características familiares e condição social. Rev Panam Salud Publica 2002;11(5-6):365-73. https://doi.org/10.1590/S1020-49892002000500011
    » https://doi.org/10.1590/S1020-49892002000500011
  • 28
    Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília (DF): Secretaria-Geral da Presidência da República; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
    » http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf
  • 29
    World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Geneva: WHO; 2013 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/en/
    » http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/en/
  • 30
    World Health Organization. Quality of care: a process for making strategic choices in health systems. Geneva: WHO; 2006 [cited 2015 Jan 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43470/1/9241563249_eng.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43470/1/9241563249_eng.pdf
  • 31
    Zongjie Y, Hong D, Zhongxin X, Hui X. A research study into the requirements of disabled residents for rehabilitation services in Beijing. Disabil Rehabil 2007;29(10):825-33. https://doi.org/10.1080/09638280600919657
    » https://doi.org/10.1080/09638280600919657

  • Financiamento: Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES – bolsa de mestrado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    26 Maio 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br