Mortalidade hospitalar em pacientes idosos no Sistema Único de Saúde, região Sudeste

Paula Cordeiro Mônica Martins Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar fatores associados ao óbito hospitalar em idosos internados por doenças do aparelho circulatório específicas no Sistema Único de Saúde, considerando a mortalidade hospitalar ajustada como indicador de efetividade.

MÉTODOS

As informações foram extraídas do Sistema de Informações Hospitalares. Foram selecionadas 385.784 internações de idosos por doenças hipertensivas, doença isquêmica do coração, insuficiência cardíaca congestiva e doenças cerebrovasculares, na região Sudeste entre 2011 e 2012. Idade, sexo, admissão de emergência, diagnóstico principal e dois índices de comorbidade foram incluídos na regressão logística para o ajuste do risco de óbito. As análises foram desenvolvidas em dois níveis: internação e hospital.

RESULTADOS

Observou-se maior chance de morrer nas idades mais avançadas, nas internações de urgência, por doenças cerebrovasculares, com registro de comorbidade, especialmente pneumonia e perda de peso, nas internações para cuidado clínico e com uso de unidades de terapia intensiva. A taxa de mortalidade hospitalar ajustada foi 11,1% nos hospitais privados, 12,3% nos filantrópicos e 14,4% nos públicos, mas houve grande variabilidade entre hospitais. A razão de mortalidade hospitalar ajustada (razão entre óbitos observados e preditos) variou entre 103,3% nos hospitais filantrópicos e 118,2% nos hospitais privados.

CONCLUSÕES

Embora haja insuficiências na fonte de informação, a capacidade de discriminação do modelo de ajuste de risco mostrou-se razoável. A variabilidade na mortalidade hospitalar ajustada foi ampla e comparativamente maior nos hospitais privados. Apesar dos limites, os resultados favorecem o uso da mortalidade hospitalar ajustada por risco no monitoramento da qualidade do cuidado hospitalar prestado ao idoso.

Idoso; Doenças Cardiovasculares; Mortalidade Hospitalar; Fatores de Risco; Qualidade da Assistência à Saúde; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

Na maioria dos países, o crescimento da população idosa é uma das transformações sociais mais significativas do século XXI, com implicações para a sociedade em diversos âmbitos, do mercado de trabalho e previdência até a demanda crescente por assistência social, cuidados e serviços de saúde11. World Health Organization. Global health and aged. Geneva: WHO; 2011 [cited 2016 Jun 16]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/global_health.pdf
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,22. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2015). World Population Ageing 2015 - Highlights (ST/ESA/SER.A/368). New York; 2015 [cited 2016 Jun 16]. Available from: http://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/ageing/WPA2015_Highlights.pdf
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. No tocante ao sistema de saúde brasileiro, o modelo de atenção à saúde do idoso enfrenta desafios, sobretudo dificuldades de coordenação e integração dos cuidados, carência de profissionais qualificados, demanda reprimida por serviços ambulatoriais especializados e insuficiente oferta de cuidados domiciliares33. Veras RP. Prevenção de doenças em idosos: os equívocos dos atuais modelos. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1834-40. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001000003
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,44. Louvison MCP. Avaliação da atenção às condições crônicas em idosos: hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus como condições traçadoras [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2011.. Além disso, o modelo centrado na queixa principal associa todos os sinais e sintomas a apenas um diagnóstico, comprometendo a efetividade do cuidado prestado a esses pacientes, o que pode resultar em internações evitáveis ou agravamento do quadro33. Veras RP. Prevenção de doenças em idosos: os equívocos dos atuais modelos. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1834-40. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001000003
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Nesse cenário, marcado pelo aumento da expectativa de vida e prevalência de doenças crônicas11. World Health Organization. Global health and aged. Geneva: WHO; 2011 [cited 2016 Jun 16]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/global_health.pdf
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, notoriamente a agenda da melhoria da qualidade dos serviços de saúde incorporou essas duas temáticas ao rol de problemas e desafios. Consequentemente, é reconhecida como crucial a necessidade de abordagens metodológicas para dimensionar os efeitos da multiplicidade de doenças crônicas que acometem, não exclusivamente, mais intensamente os idosos55. Doorn C, Bogardus ST, Williams SC, Concato J, Towle VR, Inouye SK. Risk adjustment for older hospitalized persons: a comparison of two methods of data collection for the Charlson index. J Clin Epidemiol. 2001;54(7):694-701. https://doi.org/10.1016/S0895-4356(00)00367-X
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,66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
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As altas taxas de hospitalização e a tendência a internações mais frequentes e prolongadas sublinham a importância do monitoramento visando à melhoria da qualidade do cuidado hospitalar prestado à população idosa44. Louvison MCP. Avaliação da atenção às condições crônicas em idosos: hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus como condições traçadoras [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2011.. Nessa perspectiva, a análise de indicadores de desempenho clínico fornece elementos iniciais às ações de melhoria. Entre esses indicadores, o óbito hospitalar é uma medida indireta do resultado, indicativa de problemas na qualidade do cuidado prestado, e amplamente difundido em diversos países77. McCormick B, Pearson M, White J. Hospital mortality rates and place of death. J Public Health. 2016;38(4):800-5. https://doi.org/10.1093/pubmed/fdv188
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. Contudo, a validade desse tipo de indicador está condicionada, entre outros aspectos, ao ajuste de risco para controlar fatores de confundimento relacionados à maior gravidade do caso e ao pior prognóstico66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
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,77. McCormick B, Pearson M, White J. Hospital mortality rates and place of death. J Public Health. 2016;38(4):800-5. https://doi.org/10.1093/pubmed/fdv188
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Particularmente, o adequado ajuste de risco de indicadores de desempenho clínico construídos para a população idosa ganhou importância devido à sobreposição de morbidade, às debilidades fisiológicas, ao maior tempo de internação e ao uso intenso de recursos e serviços de saúde55. Doorn C, Bogardus ST, Williams SC, Concato J, Towle VR, Inouye SK. Risk adjustment for older hospitalized persons: a comparison of two methods of data collection for the Charlson index. J Clin Epidemiol. 2001;54(7):694-701. https://doi.org/10.1016/S0895-4356(00)00367-X
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. Embora seja reconhecida sua relevância, poucos métodos de ajuste de risco foram concebidos e testados nesse grupo etário55. Doorn C, Bogardus ST, Williams SC, Concato J, Towle VR, Inouye SK. Risk adjustment for older hospitalized persons: a comparison of two methods of data collection for the Charlson index. J Clin Epidemiol. 2001;54(7):694-701. https://doi.org/10.1016/S0895-4356(00)00367-X
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,66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
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,88. Campbell SE, Seymour DG, Primrose WR. A systematic literature review of factors affecting outcome in older medical patients admitted to hospital. Age Ageing. 2003;33(2):110-5. https://doi.org/10.1093/ageing/afh036
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. Ademais, outras questões metodológicas emergem, como a necessidade de empregar indicadores específicos e epidemiologicamente pertinentes99. Lima e Costa MFF, Guerra HL, Barreto SM, Guimarães RM. Diagnóstico de saúde da população idosa brasileira: um estudo da mortalidade e das internações hospitalares públicas. Inf Epidemiol SUS. 2000;9(1):23-41. https://doi.org/10.5123/S0104-16732000000100003
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No Brasil, há mais de 10 anos, estudos sublinharam a importância da mortalidade hospitalar para avaliar e monitorar a qualidade da assistência hospitalar prestada a pessoas com 60 anos ou mais99. Lima e Costa MFF, Guerra HL, Barreto SM, Guimarães RM. Diagnóstico de saúde da população idosa brasileira: um estudo da mortalidade e das internações hospitalares públicas. Inf Epidemiol SUS. 2000;9(1):23-41. https://doi.org/10.5123/S0104-16732000000100003
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,1010. Guerra HL, Giatti L, Lima e Costa MFF. Mortalidade em internações de longa duração como indicador de qualidade da assistência hospitalar ao idoso. Epidemiol Serv Saude. 2004;13(4):247-53. https://doi.org/10.5123/S1679-49742004000400007
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,1111. Amaral ACS, Coeli CM, Costa MCE, Cardoso VS, Toledo ALA, Fernandes CR. Perfil de morbidade e de mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1617-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600020
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. Porém, apesar da relevância do tema, há poucos estudos em nosso país. Informações sobre a morbidade hospitalar indicam as doenças do aparelho circulatório como a principal causa de internação de idosos. Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi avaliar fatores associados ao óbito hospitalar em idosos internados por doenças do aparelho circulatório específicas no Sistema Único de Saúde (SUS), na região Sudeste, explorando a mortalidade hospitalar ajustada como indicador da qualidade, dimensão da efetividade do cuidado hospitalar prestado.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, observacional, com base em dados secundários. O óbito hospitalar, medida de resultado do cuidado, foi o principal desfecho; este também foi trabalhado como indicador de desempenho clínico – taxa de mortalidade hospitalar ajustada (número de óbitos preditos dividido pelas internações por 100), expressando a dimensão da efetividade do cuidado prestado. No delineamento do estudo, o tempo de permanência (medida da eficiência técnica) foi considerado variável explicativa da mortalidade hospitalar, pois pode expressar maior gravidade, ocorrência de complicações evitáveis e variações nas práticas entre os hospitais ou oferta de cuidado pós-hospitalar1212. Martins M, Blais R, Leite IC. Mortalidade hospitalar e tempo de permanência: comparação entre hospitais públicos e privados na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl 2:S268-82. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800021
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A fonte de dados utilizada foi o Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do SUS. Esse sistema consiste na principal base de dados secundários sobre produção hospitalar de abrangência nacional. Apesar de vinculado ao repasse de recursos financeiros e das insuficiências reportadas na literatura, o SIH é utilizado para avaliar o desempenho clínico e traçar o perfil da morbidade hospitalar da população atendida1313. Machado JP, Martins ACM, Martins MS. Avaliação da qualidade do cuidado hospitalar do Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saude Publica. 2013;29(6):1063-82. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600004
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. O SIH contém informações sobre as características demográficas dos pacientes (idade, sexo), os diagnósticos principal e secundário, a especialidade, o tipo de admissão, os dias de permanência, o uso de unidade de terapia intensiva (UTI), o tipo de saída e o valor pago pelo procedimento realizado1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle, Coordenação-Geral de Sistemas de Informação. Manual técnico operacional do Sistema de Informações Hospitalares: orientações técnicas. Versão 01-2011. Brasília (DF); 2011 [cited 2011 Jun 16]. Available from: ftp://ftp2.datasus.gov.br/public/sistemas/dsweb/SIHD/Manuais/Manual_SIH_Abril_2011.pdf
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. As informações necessárias ao desenvolvimento deste estudo estavam armazenadas nos arquivos do tipo reduzido, acessíveis no portal do Datasus (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/). Desses arquivos, foram extraídos somente os registros denominados “Autorização de Internação Hospitalar (AIH) do tipo 1, definida como normal, que corresponderiam às internações cujo tempo de permanência é inferior a 45 dias1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle, Coordenação-Geral de Sistemas de Informação. Manual técnico operacional do Sistema de Informações Hospitalares: orientações técnicas. Versão 01-2011. Brasília (DF); 2011 [cited 2011 Jun 16]. Available from: ftp://ftp2.datasus.gov.br/public/sistemas/dsweb/SIHD/Manuais/Manual_SIH_Abril_2011.pdf
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. Contudo, entre as AIH tipo 1 incluídas havia internação com estadia acima de 45 dias (2.835 casos – 0,7%). As informações registradas na AIH tipo 5, correspondente aos cuidados de longa duração, foram excluídas para evitar duplicidade de registros, sobretudo nos idosos devido à maior probabilidade de internações sequenciais ou reinternação.

O recorte inicial do universo incluiu as internações de idosos (≥ 60 anos) ocorridas no SUS, na região Sudeste, entre 2011 e 2012 (Figura). Considerando o perfil da morbidade hospitalar da população idosa e o volume de internações e de óbitos, foram selecionadas aquelas cujo diagnóstico principal correspondia ao capitulo IX das Doenças do Aparelho Circulatório da Classificação Internacional de Doenças, décima revisão (CID-10). Sequencialmente, o mesmo critério (volume) foi aplicado às internações do capitulo IX, assim o universo de estudo deteve-se sobre os seguintes motivos de internação específicos: doenças hipertensivas (CID-10: I10, I11, I15); doenças isquêmicas do coração (CID-10: I20, I21, I22, I24, I25); insuficiência cardíaca congestiva (CID-10: I50); e as doenças cerebrovasculares: (CID-10: I60, I61, I62, I63, I64). Além desses recortes, o universo de estudo incluiu somente as internações eletivas e de urgência, nas especialidades cirúrgicas e clínicas e cujo tipo de saída foi alta ou óbito. Esses critérios visaram à maior homogeneidade da população de estudo, composta por 385.784 internações, que representavam 17,8% do total de internações de idosos na região (Figura).

Figura
Delimitação do universo do estudo.

A análise descritiva considerou as características demográficas (idade e sexo), os diagnósticos principal e secundário, o tipo de admissão (eletiva ou de urgência), alguns elementos do processo de cuidado (uso de terapia intensiva [UTI], cuidado clínico ou cirúrgico e tempo de permanência), resultado do cuidado (alta e óbito), a natureza jurídica (público, privado e privado filantrópico) e localização (unidade da federação) dos hospitais, bem como o local de residência do paciente e o valor do reembolso.

A regressão logística foi aplicada para investigar a associação entre a ocorrência de óbitos e os fatores de risco do paciente e, posteriormente, incluiu as características do processo de cuidado. A modelagem ocorreu em duas etapas: (a) construção do modelo para ajuste de risco da mortalidade hospitalar considerando a gravidade do caso (modelo 1) e (b) avaliação das demais variáveis associadas à ocorrência de óbito hospitalar ajustado por risco (modelos 2 e 3).

Na primeira etapa, foram testadas as seguintes variáveis: idade, sexo, diagnóstico principal, tipo de admissão (eletiva ou urgência) e presença de comorbidade (diagnóstico secundário). Tratadas como variáveis categóricas, as categorias de referência da idade (seis categorias) e do diagnóstico principal (14 categorias) foram, respectivamente, 60–64 anos e insuficiência cardíaca congestiva (CID 10: I50). O sexo e o tipo de admissão foram empregados como variáveis dicotômicas, cujas referências foram, respectivamente, sexo masculino e admissão eletiva.

Dada a insuficiência de diagnóstico secundário no SIH, a presença de comorbidades foi trabalhada de três formas: (i) aplicação do Índice de Comorbidade de Charlson (ICC), (ii) contabilização da presença das comorbidades propostas por Elixhauser não contempladas pelo ICC e (iii) o registro de outro diagnóstico secundário independente das duas medidas mencionadas. Essas duas medidas foram selecionadas por seu amplo uso em estudos com abordagem semelhante. O ICC, composto por 19 condições clínicas, pondera o efeito das comorbidades sobre o prognóstico do paciente1515. Martins M. Uso de medidas de comorbidades para predição de risco de óbito em pacientes brasileiros hospitalizados. Rev Saude Publica. 2010;44(3):448-56. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010005000003 Fa
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. O método de Elixhauser, composto por 30 condições clínicas, foi desenvolvido para aplicação em base de dados administrativos, buscando completitude na mensuração da comorbidade para o ajuste de risco1616. Elixhauser A, Steiner C, Harris DR, Coffey RM. Comorbidity measures for use with administrative data. Med Care. 1998;36(1):8-27. https://doi.org/10.1097/00005650-199801000-00004
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. Há sobreposição entre as condições clínicas incluídas nessas duas medidas de gravidade do caso1717. Quan H, Sundarajan V, Halfon P, Fong A, Burnand B, Luthi JC, et al. Coding algorithms for defining comorbidities in ICD-9-CM and ICD-10 administrative data. Med Care. 2005;43(11):1130-9. https://doi.org/10.1097/01.mlr.0000182534.19832.83
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. O cálculo do escore do ICC e a presença das comorbidades de Elixhauser foram baseados no algoritmo desenvolvido por Quan et al.1717. Quan H, Sundarajan V, Halfon P, Fong A, Burnand B, Luthi JC, et al. Coding algorithms for defining comorbidities in ICD-9-CM and ICD-10 administrative data. Med Care. 2005;43(11):1130-9. https://doi.org/10.1097/01.mlr.0000182534.19832.83
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, que codifica cada condição clínica segundo os códigos da CID-10. O ICC foi agrupado de acordo com a frequência, da seguinte forma: escore igual a zero (categoria de referência), que significa ausência de gravidade; escore igual a um; e escore igual ou superior a dois. As comorbidades de Elixhauser foram tratadas separadamente como variáveis dicotômicas (ausência = 0; presença = 1); destas, permaneceram no modelo final as estatisticamente significativas (p < 0,05), a saber: anemia, arritmia, hipertensão arterial, hipertireoidismo, perda de peso e outra doença neurológica (modelo 1). Apesar de excluída das duas medidas de comorbidade, a pneumonia (CID-10: J18) foi incluída no modelo 1 em função de sua frequência e importância na população de estudo. O registro dos demais diagnósticos secundários foi tratado como variável dicotômica.

Na segunda etapa da modelagem, considerando a distribuição de frequência, incluímos o tempo de permanência, tratado como variável categórica com seis faixas: até um dia (categoria de referência), 2–7 dias, 8–15 dias, 16–30 dias, 31–45 dias, 45–309 dias (modelo 2). Posteriormente, foram incluídas as demais variáveis do processo do cuidado: realização de cirurgia (sim; não) e uso de unidade de terapia intensiva (sim; não) (modelo 3). A capacidade de predição dos modelos foi avaliada com base na estatística C, segundo a qual valores entre 0,70–0,80 representam um razoável poder de discriminação entre óbitos preditos e observados1818. Aylin P, Bottle A, Majeed A. Use of administrative data or clinical databases as predictors of risk of death in hospital: comparison of models. BMJ. 2007;334(7602):1044. https://doi.org/10.1136/bmj.39168.496366.55
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.

A taxa de mortalidade ajustada (número de óbitos preditos dividido pelas internações por 100) foi analisada de modo agregado no nível do hospital, utilizando os óbitos preditos nos modelos 1 e 2 da regressão logística. As taxas de mortalidade hospitalar bruta (TMHB) e ajustada por risco (TMHA) foram descritas quanto a sua variação por natureza jurídica do hospital e unidade de federação. Com base nos óbitos preditos no modelo 1 da regressão logística, foi ainda calculada a razão de mortalidade hospitalar ajustada (razão entre óbitos observados e preditos por 100), em que valores acima de 100 indicam pior desempenho e abaixo, melhor desempenho. Nessa etapa, a análise ateve-se à comparação entre hospitais que apresentaram razão de mortalidade maior que zero.

Para análise dos dados, utilizamos o pacote estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 17.0.

Embora utilize fonte de informação de acesso público e livre, esse estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (Parecer 4 em abril de 2015).

RESULTADOS

Das 385.784 internações analisadas, 87% resultaram em alta e 13% em óbito (Tabela 1). A idade média foi 72,9 anos e 51,1% dos internados eram homens. A TMHB foi ligeiramente superior no sexo feminino (13,6%), e mais expressiva nas faixas etárias de 85–90 anos (20,7%) e 91 anos ou mais (25,4%) (Tabela 1). A Insuficiência cardíaca foi responsável pelo maior volume de hospitalizações entre os diagnósticos selecionados (36,8%); porém, as maiores TMHB ocorreram entre as doenças cerebrovasculares hemorrágicas (Tabela 1).

Tabela 1
Características das internações em idosos e taxa de mortalidade hospitalar bruta. Doenças do aparelho circulatório específicas, região Sudeste, Brasil, 2011–2012.

A maioria das admissões ocorreu em caráter de urgência (90,3%), cuja TMHB (13,7%) foi superior às eletivas (6,5%). A maioria das internações (96,6%) apresentou menor perfil de gravidade segundo o escore do ICC e 92% não registraram nenhuma das comorbidades de Elixhauser. Porém, em ambas, a TMHB foi superior quando as condições estavam presentes (Tabela 1). Apesar disso, o registro do diagnóstico secundário (13,8%) foi baixo.

Houve predomínio de idosos internados para cuidado clínico (86,6%) com TMHB (14,0%) maior do que no cirúrgico (6,6%). Cerca de 60% das hospitalizações permaneceram internados entre dois e sete dias. O tempo médio de permanência foi 6,9 dias, mas foi maior nos óbitos; comparativamente, a TMHB foi maior nas internações que permaneceram mais de 45 dias (37,3%). O uso da UTI foi baixo (1,2%), mas a TMHB foi maior nos casos que usaram UTI (22,4%). O valor médio do reembolso foi maior nos óbitos (R$2.548,60) do que no conjunto das internações (R$2.020,75).

A maioria das internações ocorreu em hospitais privados filantrópicos (55,9%) e públicos (37,3%), entretanto a TMHB foi maior nos hospitais públicos (17,1%) (Tabela 1). As internações ocorreram majoritariamente nos estados de São Paulo (51,0%) e Minas Gerais (30,5%), mas o Rio de Janeiro apresentou a maior TMHB (16,7%) (Tabela 1).

Na modelagem para predição de óbitos, o modelo de risco (modelo 1) apresentou uma boa capacidade de discriminação (C = 0,720) e todas as variáveis relacionadas ao risco do paciente foram significativas (Tabela 2). Esse modelo mostrou maior risco de óbito proporcional ao avanço da idade, ao escore do ICC e às admissões de emergência (Tabela 2). O risco de morte ajustado foi maior nas internações cujo diagnóstico principal foi outras hemorragias intracranianas não traumáticas (OR = 4,198), hemorragia subaracnóide (OR = 4,034) e hemorragia intracerebral (OR = 3,799). A chance de morrer ajustada foi, também, maior naquelas internações com registro de comorbidade (OR = 2,136), de baixo peso (OR = 1,82) e pneumonia (OR = 1,494) (Tabela 2).

Tabela 2
Modelo de regressão logística: fatores preditivos e associados ao óbito intra-hospitalar por doenças selecionadas do aparelho circulatório em idosos. Região Sudeste, Brasil, 2011–2012.

No modelo 2, observou-se efeito protetor para as internações cuja permanência foi superior a um dia, mas esse efeito diminui gradativamente em função do aumento do número de dias internado. As demais variáveis se mantiveram significativas quando comparadas ao modelo 1 (Tabela 2) e não houve diferença expressiva quanto à razão de chance de morrer entre os dois modelos. Essa modelagem apresentou uma capacidade preditiva melhor que o modelo anterior (C = modelo 2 = 0,768) (Tabela 2).

Na etapa final da modelagem (modelo 3), após a inclusão da realização de cirurgia e uso de UTI, somente a razão de chance do infarto do miocárdio recorrente perdeu significância (IC95% 0,890–1,293). As variáveis de processo analisadas indicaram maior chance de morte nas internações que usaram UTI (OR = 4,095) e efeito protetor para o cuidado cirúrgico (OR = 0,390), o que parecem refletir maior gravidade dos casos (Tabela 2).

Dos 1.247 hospitais responsáveis pelas internações analisadas, 1.115 apresentaram razão de mortalidade hospitalar padronizada (RMHP) diferente de zero. Nesses 1.115 hospitais, a RMHP foi maior nas instituições privadas (118,2) (Tabela 3). Nos hospitais públicos, a TMHB diminuiu após o ajuste, inclusive quando ajustada pelos dias de permanência (Tabela 3). Em todos os tipos de hospital, houve variação importante na taxa de mortalidade hospitalar ajustada (TMHA): para hospitais públicos, entre 2,7% a 34,2%; para hospitais privados, entre 2,3% e 19,2%; e para hospitais filantrópicos, entre 1,3% e 31,8%. A introdução do tempo de permanência no ajuste da mortalidade hospitalar diminuiu as taxas em todos os tipos de hospital. Esses hospitais também apresentaram heterogeneidade com relação ao volume de internações; contudo, a mortalidade hospitalar não foi estratificada por categoria de volume (Tabela 3).

Tabela 3
Variação da taxa de mortalidade hospitalar bruta e ajustada segundo natureza jurídica dos hospitaisa, em idosos internados por doenças do aparelho circulatório específicas. Região Sudeste, Brasil, 2011–2012.

No tocante à variação da mortalidade hospitalar entre os estados do Sudeste, os estados Rio de Janeiro e São Paulo apresentaram as maiores TMHB, bem como maior variação dessas taxas (Tabela 4). Após ajuste de risco, a variação na TMHB entre 10,3% (Espírito Santo) e 17,7% (Rio de Janeiro) diminuiu; a TMHA passou a variar entre 12,1% e 13,1% (Tabela 4). O ajuste de risco aproximou os valores estaduais, invertendo o quadro anterior que indicava Rio de Janeiro e São Paulo com as maiores TMHB, ressaltando novamente a importância do ajuste (Tabela 4).

Tabela 4
Variação da mortalidade hospitalar bruta e ajustada por Unidade da Federação, em idosos internados por doenças do aparelho circulatório específicas. Região Sudeste, Brasil, 2011–2012.

DISCUSSÃO

Além da análise dos fatores associados ao resultado do cuidado hospitalar prestado a idosos internados na região Sudeste no SUS, explorou-se a TMHA como um indicador de efetividade do cuidado1313. Machado JP, Martins ACM, Martins MS. Avaliação da qualidade do cuidado hospitalar do Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saude Publica. 2013;29(6):1063-82. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600004
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. A despeito dos limites, dada a insuficiência de informações, o modelo de ajuste de risco apresentou capacidade de discriminação razoável. Ademais, a análise indicou que o tempo de estadia predisse o risco de morte. Houve clara melhora comparando a capacidade preditiva dos modelos com a inclusão do tempo de permanência: a estatística C aumentou de 0,72 no modelo 1 para 0,77 no modelo 2. Apesar desse achado diferir do encontrado por estudo no Japão, cuja inclusão do tempo de permanência diminuiu o poder de discriminação do modelo1919. Miyata H, Hashimoto H, Horiguchi H, Matsuda N, Takamoto S. Performance of in-hospital mortality prediction models for acute hospitalization: hospital standardized mortality ratio in Japan. BMC Health Serv Res. 2008;8:229. https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-229
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, os resultados ilustram a complexidade e dificuldade de interpretação da relação entre óbito e estadia hospitalar. Observou-se efeito protetor para as internações cuja permanência foi superior a um dia, possivelmente relacionado à gravidade do caso no momento de admissão ou à inadequação do cuidado de emergência, que a rigor requerem ações oportunas no tempo adequado. Esse efeito diminuiu gradativamente à medida que os dias de internação aumentavam; resultados semelhantes foram observados em idosos internados no Japão1919. Miyata H, Hashimoto H, Horiguchi H, Matsuda N, Takamoto S. Performance of in-hospital mortality prediction models for acute hospitalization: hospital standardized mortality ratio in Japan. BMC Health Serv Res. 2008;8:229. https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-229
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e entre beneficiários do programa Medicare nos Estados Unidos2020. Drye EE, Normand SLT, Wang Y, Ross JS, Schreiner GC, Han L, et al. Comparison of hospital risk-standardized mortality rates using in-hospital and 30-day models: implications for hospital profiling. Ann Intern Med. 2012;156(1 Pt 1):19-26. https://doi.org/10.1059/0003-4819-156-1-201201030-00004
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.

Encontrou-se chance de morrer ligeiramente maior nas mulheres (OR = 1,04). Este resultado difere de Amaral et al.1111. Amaral ACS, Coeli CM, Costa MCE, Cardoso VS, Toledo ALA, Fernandes CR. Perfil de morbidade e de mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1617-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600020
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e um dos motivos para isso são as diferenças metodológicas de ambos os estudos. Esses autores não encontraram associação significativa na TMHA por sexo em idosos internados em quatro unidades hospitalares do Rio de Janeiro. O aumento das chances de morrer em função da idade guardou conformidade com o esperado e reportado em vários estudos1111. Amaral ACS, Coeli CM, Costa MCE, Cardoso VS, Toledo ALA, Fernandes CR. Perfil de morbidade e de mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1617-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600020
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,1919. Miyata H, Hashimoto H, Horiguchi H, Matsuda N, Takamoto S. Performance of in-hospital mortality prediction models for acute hospitalization: hospital standardized mortality ratio in Japan. BMC Health Serv Res. 2008;8:229. https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-229
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.

Comparativamente aos demais motivos selecionados, as doenças cerebrovasculares apresentaram as maiores TMHB e maior razão de chance, coerente com a gravidade da patologia e descrito em estudos brasileiros12,21–23. Em relação aos índices de comorbidade, a maior chance de óbito quando o escore do ICC foi igual ou superior a dois indicou maior gravidade, à semelhança de estudos anteriores1515. Martins M. Uso de medidas de comorbidades para predição de risco de óbito em pacientes brasileiros hospitalizados. Rev Saude Publica. 2010;44(3):448-56. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010005000003 Fa
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,1919. Miyata H, Hashimoto H, Horiguchi H, Matsuda N, Takamoto S. Performance of in-hospital mortality prediction models for acute hospitalization: hospital standardized mortality ratio in Japan. BMC Health Serv Res. 2008;8:229. https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-229
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. Das comorbidades de Elixhauser, a presença de baixo peso (OR = 1,82) destacou-se, pois as demais apresentaram efeito protetor. Entretanto, a qualidade das informações impacta a precisão desse tipo de índice. Ademais, a pneumonia (OR = 1,49) apresentou maior risco de óbito, mas não pudemos precisar se esta estava presente na admissão ou ocorreu durante a internação, ou seja, seria difícil afirmar se era uma comorbidade ou complicação evitável.

Ainda, conforme esperado, foi evidenciado maior de risco de morte em idosos que usaram UTI (OR = 4,095), em acordo com o descrito em outro estudo2121. Machado JP, Martins M, Leite IC. O arranjo público privado e a mortalidade hospitalar por fontes de pagamento. Rev Saude Publica. 2016;50:42. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006330
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. Este achado pode expressar a maior gravidade dos casos encaminhados para UTI. No entanto, aspectos relacionados ao acesso a esses leitos e ao processo de cuidado influenciam o uso desse tipo de recurso2121. Machado JP, Martins M, Leite IC. O arranjo público privado e a mortalidade hospitalar por fontes de pagamento. Rev Saude Publica. 2016;50:42. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006330
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. Em geral, estudos têm reportado associação significativa e efeito protetor entre as admissões encaminhadas diretamente para a UTI e maiores chances de sobrevida na população adulta2424. Simchen E, Sprung CL, Galai N, Zitser-Gurevich Y, Bar-Lavi Y, Gurman G, et al. Survival of critically ill patients hospitalized in and out of intensive care units under paucity of intensive care unit beds. Crit Care Med. 2004;32(8):1654-61. https://doi.org/10.1097/01.CCM.0000133021.22188.35
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,2525. Cardoso LT, Grion CM, Matsuo T, Anami EH, Kauss IA, Seko L, et al. Impact of delayed admission to intensive care units on mortality of critically ill patients: a cohort study. Crit Care. 2011;15(1):R928. https://doi.org/10.1186/cc9975
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.

Em nível hospitalar, a TMHB foi maior nos hospitais públicos (16,7%) do que nos filantrópicos (11,6%) e privados (10,0%). O ajuste desse indicador diminuiu a TMHA somente nos hospitais públicos, sublinhando a importância do ajuste de risco. Há grande variabilidade na TMHA entre hospitais, o que levanta a hipótese de possíveis problemas relacionados à qualidade dos serviços hospitalares. Quanto à RMHP, nos hospitais privados (118,2%) esta foi ligeiramente maior que nos públicos (116,4%), mas ambos apresentaram desempenho pior que o esperado (> 100). Estes resultados demonstram a necessidade de análises detalhadas dessa variação e de monitoramento contínuo do desempenho.

Contudo, é preciso considerar os limites do presente trabalho, principalmente no que diz respeito à robustez da mortalidade hospitalar como indicador da qualidade do cuidado, relacionada, sobretudo, à validade causal entre processo e resultado e a precisão do ajuste de risco66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
http://www.euro.who.int/__data/assets/pd...
,77. McCormick B, Pearson M, White J. Hospital mortality rates and place of death. J Public Health. 2016;38(4):800-5. https://doi.org/10.1093/pubmed/fdv188
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. Discriminar a variação decorrente da gravidade do caso daquela atribuível ao processo de cuidado e desempenho clínico dos profissionais e da organização é tarefa ainda mais complexa quando se trata da população idosa, na qual esses elementos podem estar mais imbricados5–7. Todavia, esse tipo de abordagem é compreendido como ferramenta de rastreamento, sinal de alerta que exige análises subsequentes, a fim de promover melhoria na efetividade do cuidado e, consequentemente, na qualidade66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
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,1212. Martins M, Blais R, Leite IC. Mortalidade hospitalar e tempo de permanência: comparação entre hospitais públicos e privados na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl 2:S268-82. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800021
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.

Outra limitação importante refere-se à estrutura do SIH, que no período do estudo continha apenas um campo para o registro do diagnóstico secundário, além da subnotificação, cobertura e qualidade dos dados disponibilizados. No presente trabalho, observou-se baixo preenchimento do diagnóstico secundário, a saber, 13,8%. Esse valor foi inferior ao descrito por Amaral et al.1111. Amaral ACS, Coeli CM, Costa MCE, Cardoso VS, Toledo ALA, Fernandes CR. Perfil de morbidade e de mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1617-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600020
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, que encontrou registro em 19,5% das internações do estado do Rio de Janeiro; porém, superior ao encontrado por Martins1515. Martins M. Uso de medidas de comorbidades para predição de risco de óbito em pacientes brasileiros hospitalizados. Rev Saude Publica. 2010;44(3):448-56. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010005000003 Fa
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(5,4%) nas hospitalizações ocorridas em todo território nacional. Essas insuficiências, principalmente relativas à descrição das comorbidades e complicações, impactam as análises realizadas.

No Brasil, a avaliação do cuidado hospitalar empregando dados administrativos e indicadores de desempenho ajustados por risco é tema ainda pouco tratado1313. Machado JP, Martins ACM, Martins MS. Avaliação da qualidade do cuidado hospitalar do Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saude Publica. 2013;29(6):1063-82. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600004
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. Acrescenta-se a escassez de estudos, especificamente, sobre o cuidado hospitalar prestado aos idosos. Assim, emerge a necessidade de elaboração de novas metodologias e análises dos efeitos da multiplicidade de doenças crônicas, que acometem mais intensamente as pessoas idosas66. Iezzoni LI. Risk adjustment for performance measurement. In: Smith PC, Mossialos E, Papanicolas I, Leatherman S, editors. Performance measurement for health system improvement: experiences, challenges and prospects: Cambridge: Cambridge University Press; 2009 [cited 2016 Jun 16]. p.251-85. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/135962/E94887_prelims.pdf
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. Diante desse contexto, o presente trabalho contribui para a produção brasileira nessa linha, ao analisar a qualidade da assistência hospitalar para a população idosa utilizando dados do SIH e explorando no ajuste de risco da mortalidade hospitalar o ICC e, de modo complementar, as comorbidades de Elixhauser. Embora a fonte de informação apresentasse problemas no período de estudo, o uso desses índices junto às outras variáveis predisse aceitavelmente o óbito hospitalar de idosos, podendo futuramente ser aprimorado para monitorar a qualidade do cuidado prestado.

Por outro lado, apesar da contribuição aportada, o desenvolvimento de novas pesquisas é essencial para ampliar o conhecimento do perfil das intervenções hospitalares realizadas em pacientes idosos no Brasil e sua efetividade. Há carência de análises sobre a integração dos cuidados voltados a esse grupo etário, considerando a prevalência de multicomorbidade, a efetividade da atenção primária e o acesso aos serviços especializados, cujas ações são fundamentais para prevenir o agravamento dos casos e mesmo a hospitalização. Portanto, novos estudos e iniciativas de avaliação e monitoramento ajudariam a identificar problemas no manejo de cuidado hospitalar, além de subsidiar e incentivar as boas práticas e programas que possam tornar o modelo de atenção à saúde mais adequado às necessidades e demandas da pessoa idosa em toda a linha de cuidado – antes e após a internação.

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  • Financiamento: Fundação Oswaldo Cruz (Bolsa de Mestrado), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Bolsa PQ 306023/2016-4) e Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/Fiocruz.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2017
  • Aceito
    18 Out 2017
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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