Excesso de peso pré-gestacional e ácidos graxos poli-insaturados no leite humano: modelo teórico de causalidade

Yasmin Notarbartolo di Villarosa do Amaral Daniele Marano Mariza Miranda Theme Filha Maria Elisabeth Lopes Moreira Sobre os autores

Resumo

Inúmeros estudos têm se detido na avaliação da associação entre o excesso de peso pré-gestacional e os ácidos graxos poli-insaturados no leite humano. Todavia, diante da complexidade de fatores de risco potencialmente confundidores, é recomendável a utilização de ferramentas gráficas para identificar possíveis vieses. O objetivo deste artigo é propor um modelo teórico de causalidade utilizando o gráfico acíclico direcionado entre o excesso de peso pré-gestacional e os ácidos graxos poli-insaturados no leite humano. Foi realizada ampla revisão da literatura para identificar as variáveis com relações causais com a exposição e/ou desfecho. A escolha das variáveis para ajuste seguiu o algoritmo gráfico que compreende seis critérios para a seleção de um conjunto mínimo de variáveis potencialmente confundidoras. Condições socioeconômicas, intervalo interpartal, idade materna e padrão de consumo alimentar foram as variáveis ajustadas a fim de se estimar o efeito total do excesso de peso pré-gestacional sobre o conteúdo dos ácidos graxos poli-insaturados no leite humano. O conjunto mínimo de variáveis encontrado pelo presente estudo pode ser utilizado na análise de outros estudos que avaliem essa associação.

Palavras-chave:
Alterações do peso corporal; Ácidos graxos ômega-3 e ácidos graxos ômega-6; Grafos acíclicos dirigidos

Introdução

A elevada prevalência de desvios no estado nutricional pré-gestacional (sobrepeso e obesidade) têm sido foco de diversos estudos devido seu papel determinante sobre os desfechos negativos tanto para o feto (hemorragias, macrossomia, asfixia) como para a mulher (diabetes mellitus gestacional, síndromes hipertensivas gestacionais, maior retenção de peso pós-parto)11 Campos CAS, Malta MB, Neves PAR, Lourenço BH, Castro MC, Cardoso MA. Gestational weight gain, nutritional status and blood pressure in pregnant women. Rev Saude Publica 2019; 53:57..

Além dos efeitos negativos mencionados, estudos revelam que o excesso de peso é considerado um determinante da composição nutricional do leite humano, aumentando o seu conteúdo lipídico e alterando o perfil dos ácidos graxos poli-insaturados e o equilíbrio entre o ômega 6 e 322 Collado MC, Laitinen K, Salminen S, Isolauri E. Maternal weight and excessive weight gain during pregnancy modify the immunomodulatory potential of breast milk. Pediatr Res 2012; 72(1):77-85.

3 Andreas NJ, Hyde MJ, Herbert BR, Jeffries S, Santhakumaran S, Mandalia S, Holmes E, Modi N. Impact of maternal BMI and sampling strategy on the concentration of leptin, insulin, ghrelin and resistin in breast milk across a single feed: a longitudinal cohort study. BMJ Open 2016; 6(7):e010778.

4 Oliveira E, Marano D, Amaral YNV, Abranches A, Soares FVM, Moreira MEL. O excesso de peso modifica a composição nutricional do leite materno? Uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2020; 25(10):3969-3980.
-55 Larsen JK, Bode L. Obesogenic programming effects during lactation: a narrative review and conceptual model focusing on underlying mechanisms and promising future research avenues. Nutrients 2021; 13(2):299..

Entretanto, recente revisão sistemática sobre o tema revelou resultados inconsistentes nessa associação. Os autores destacaram limitações nos métodos para identificação de potenciais fatores confundidores ou mediadores que comprometeriam o estabelecimento da relação causal entre essas duas variáveis66 Amaral Y, Marano D, Oliveira E, Moreira ME. Impact of pre-pregnancy excessive body weight on the composition of polyunsaturated fatty acids in breast milk: a systematic review. Int J Food Sci Nutr 2020; 71(2):186-192.. Embora deixar de identificar fatores de confusão possa ameaçar a validade das descobertas, o inverso, identificar inadequadamente outras variáveis como fatores de confusão, também pode afetar as estimativas.

Nas pesquisas dos efeitos causais em estudos observacionais na área da saúde, tem se destacado o uso de gráficos acíclicos dirigidos (directed acyclic graph - DAG) como a abordagem mais adequada para identificação de variáveis de confusão, viés de seleção (colisores) e mediadores. É uma ferramenta visual e qualitativa para seleção de variáveis de ajuste em modelos múltiplos, identificadas a partir de um modelo teórico de causalidade. Uma característica fundamental do DAG é que ele se baseia no conhecimento a priori e não nos dados do estudo, explicitando o papel de cada variável na relação entre exposição e desfecho77 Tennant PWG, Murray EJ, Arnold KF, Berrie L, Fox MP, Gadd SC, Harrison WJ, Keeble C, Ranker LR, Textor J, Tomova GD, Gilthorpe MS, Ellison GTH. Use of directed acyclic graphs (DAGs) to identify confounders in applied health research: review and recommendations. Int J Epidemiol 2021; 50(2):620-632..

Os DAGs são representações diagramáticas não paramétricas do processo de geração de dados em um contexto especificado. Eles fornecem uma estrutura flexível para explorar os determinantes multidimensionais e os complexos mecanismos causais que suportam as relações hipotéticas entre as variáveis88 Pearl J, Glymour M, Jewell NP. Causal inference in statistics: a primer. Nova York: Wiley; 2016., identificando aquelas que precisam ser controladas para obter uma estimativa de efeito não viesada99 Greenland S, Pearl J, Robins JM. Causal diagrams for epidemiologic research. Epidemiology 1999; 10(1):37-48.. Todavia, estudos de causalidade envolvendo a composição do leite que utilizam o DAG ainda são escassos na literatura e isso pode ser parcialmente explicado pela falta de conhecimento e orientações práticas limitadas disponíveis sobre o uso dessa ferramenta.

Com o intuito de colaborar com os estudos sobre a relação entre excesso de peso pré-gestacional e a relação ômega-6/ômega-3 no leite materno, foi proposto um DAG a partir da revisão da literatura sobre o tema, e identificado o conjunto mínimo de variáveis de ajuste a serem utilizadas em modelos múltiplos para estimativa do efeito causal entre estas duas variáveis.

Métodos

O DAG consiste em três elementos principais: nós ou vértices que representam as variáveis; arestas ou setas que representam as relações entre as variáveis; e ainda a ausência de setas que denota um forte pressuposto de que não há efeito causal direto1010 Elwert F. Handbook of causal analysis for social research. In: Morgan SL, editor. Handbook of causal analysis for social research. Frankfurt: Springer; 2013. p. 245-274.,1111 Pearl J. Causality: models, reasoning, and inference. New York: Cambridge University Press; 2009.. Variáveis antecessoras são ditas pais, e seus descendentes, denominadas filhas. Entre essas variáveis existem caminhos diretos - seta apontando do primeiro para o segundo vértice - e indiretos - aqueles que são interceptados por variáveis ditas mediadoras1212 Cortes TR, Faerstein E, Struchiner CJ. Utilização de diagramas causais em epidemiologia: um exemplo de aplicação em situação de confusão. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00103115..

Existem três estruturas possíveis (cadeia, garfo e garfo invertido) representando, respectivamente, causação, confundimento e colisão. Uma variável em um caminho onde duas pontas de seta se encontram (garfo invertido) é chamada de colisor, e nenhuma intervenção deverá ser realizada (as variáveis não devem ser consideradas na análise). Por outro lado, quando estamos diante de uma estrutura de garfo (confundimento), será necessário condicionar para a causa comum99 Greenland S, Pearl J, Robins JM. Causal diagrams for epidemiologic research. Epidemiology 1999; 10(1):37-48..

Os caminhos em um DAG podem ser pela porta da frente, que podem ser ou não causais, ou pela porta de trás, que não são causais, podendo transmitir associações espúrias1010 Elwert F. Handbook of causal analysis for social research. In: Morgan SL, editor. Handbook of causal analysis for social research. Frankfurt: Springer; 2013. p. 245-274.. Caminhos pela porta da frente são aqueles em que as setas partem da exposição para o desfecho, enquanto caminhos pela porta de trás são definidos como um caminho da exposição até o resultado que começa com uma seta apontando para a exposição1313 Ogburn EL, Vanderweele TJ. Causal diagrams for interference. Stat Sci 2014; 29(4):559-578.. Um caminho entre duas variáveis é dito bloqueado se todos os caminhos pela porta de trás estiverem fechados. Por outro lado, um caminho entre duas variáveis é dito desbloqueado quando há entre elas pelo menos um caminho aberto pela porta de trás, o que leva a uma associação estatística espúria, não causal. Isso pode ser provocado por uma causa comum ou por uma intervenção do pesquisador ao ajustar desnecessariamente por um colisor ou por um descendente do colisor e abrir um caminho pela porta de trás antes fechado1010 Elwert F. Handbook of causal analysis for social research. In: Morgan SL, editor. Handbook of causal analysis for social research. Frankfurt: Springer; 2013. p. 245-274..

O processo de escolha das variáveis para ajuste seguiu o algoritmo gráfico1414 Pearl J. Causality: models, reasoning and inference. New York: Cambridge University Press; 2000. e compreendeu seis critérios até a seleção de um conjunto mínimo de variáveis potencialmente confundidoras1515 Shrier I, Platt RW. Reducing bias through directed acyclic graphs. BMC Med Res Methodol 2008; 8:70..

Os critérios são descritos da seguinte maneira: (1) as covariáveis escolhidas para reduzir o viés não devem ser descendentes da exposição; (2) exclusão de todas as variáveis: (a) não-ancestrais da exposição, (b) não-ancestrais do desfecho e (c) não-ancestrais das covariáveis que foram selecionadas para o modelo para reduzir o viés; (3) exclusão de todas as linhas que partem da exposição; (4) conexão, através de linhas pontilhadas, de dois pais que compartilham um filho (variável) comum; (5) retirada de todas as pontas de setas; (6) exclusão de todas as linhas entre as covariáveis no modelo (variáveis selecionadas) e quaisquer outras covariáveis.

O diagrama causal foi elaborado no programa DAGitty (de domínio público, disponível na página www.dagitty.net), desenvolvido para criar, editar e analisar modelos causais1616 Textor J, Hardt J, Knuppel S. Dagitty: a graphical tool for analyzing causal diagrams. Epidemiology 2011; 22(5):745.,1717 Silva AAM. Introdução à inferência causal em epidemiologia: uma abordagem gráfica e contrafatual. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.. O DAGitty segue regras estritas do DAG para identificar o ajuste mínimo suficiente para o DAG fornecido. Primeiro, todas as covariáveis causadas diretamente pela exposição são detectadas. Depois, ciclos fechados são detectados no gráfico. Se um ciclo fechado for encontrado, o programa irá parar (tal gráfico viola uma suposição necessária de diagramas causais). Se o gráfico for acíclico, o algoritmo de backtracking identifica todos os caminhos da porta de trás e, em seguida, identifica os que estão bloqueados e desbloqueados. O conjunto de ajuste para variáveis potencialmente confundidoras são derivados de forma que todos os caminhos da porta de trás sejam bloqueados. O conjunto de ajuste suficiente com o menor número de covariáveis é chamado de conjunto mínimo de variáveis potencialmente confundidoras1414 Pearl J. Causality: models, reasoning and inference. New York: Cambridge University Press; 2000..

Para a construção do presente DAG foi realizado um amplo levantamento bibliográfico que resultou uma revisão sistemática em 202066 Amaral Y, Marano D, Oliveira E, Moreira ME. Impact of pre-pregnancy excessive body weight on the composition of polyunsaturated fatty acids in breast milk: a systematic review. Int J Food Sci Nutr 2020; 71(2):186-192., a fim de estabelecer a relação causal entre o excesso de peso pré-gestacional (exposição) e a relação ômega6/ômega3 no leite humano (desfecho) e possíveis covariáveis.

A partir desse levantamento bibliográfico, foram detectadas as variáveis preditoras da exposição, tais como: padrão de consumo alimentar (alimentação rica em alimentos ultraprocessados categorizada em Não e Sim); idade da gestante (categorizado em maior ou menor de 35 anos); escolaridade (categorizada em ensino fundamental, ensino médio ou ensino superior); renda (variável contínua); paridade (categorizada número de filhos maior ou igual a 3); atividade física (categorizada em Não e Sim); menarca (variável contínua); situação marital (categorizada em solteira, casada, separada/desquitada/divorciada ou viúva); uso de contraceptivos (categorizada em Não e Sim); cor ou raça (autorreferida e categorizada em branca, parda, preta, amarela ou indígena); genética (fatores genéticos impactam no excesso de peso, categorizado em Não e Sim); ganho de peso maior do que o recomendado em outras gestações (categorizado em adequado, insuficiente ou excessivo, a partir do índice de massa corporal pré-gestacional) bem como as variáveis preditoras do desfecho: estado nutricional materno (categorizado em baixo peso, peso adequado, excesso de peso ou obesidade); idade da gestante (categorizado em maior ou menor de 35 anos); escolaridade (categorizada em ensino fundamental, ensino médio ou ensino superior); renda (variável contínua); paridade (categorizada número de filhos maior ou igual a três); idade gestacional no nascimento (categorizada em maior ou menor de 37 semanas); mães com asma atual ou prévia/ alergias asmáticas ou inalante (categorizada em Não e Sim); regionalidade (categorizada em regiões costeiras Não e Sim); padrão de consumo alimentar (alimentação rica em alimentos ultraprocessados categorizada em Não e Sim); estoque maternos (variável contínua); suplementação fontes de ômega 3 (categorizada em Não e Sim); estatura materna (variável contínua); período de lactação (categorizado em colostro, trasição ou maduro); classificação ALEX (categorizado em pequeno para idade gestacional - PIG, adequado para idade gestacional - AIG ou grande para idade gestacional - AIG); estado nutricional gestacional (categorizado em adequado, insuficiente ou excessivo, a partir do índice de massa corporal pré-gestacional) (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis preditoras da exposição (excesso de peso pré gestacional) e do desfecho (razão de ômega 6 para ômega 3 no leite humano), 2021.

Já as variáveis preditoras tanto da exposição quanto do desfecho estão descritas na Tabela 2.

Tabela 2
Variáveis preditoras tanto da exposição (excesso de peso pré gestacional) quanto do desfecho (razão de ômega 6 para ômega 3 no leite humano), 2021.

Resultados

Vinte e duas covariáveis formaram quatro possíveis caminhos causais (Figura 1). Após aplicação das regras do DAG foi identificado um conjunto mínimo de cinco potenciais confundidores a ser utilizado no ajuste da relação causal entre excesso de peso pré-gestacional e relação ômega6/ômega3 no leite materno: intervalo interpartal, condição socioeconômica (renda e escolaridade), idade, padrão de consumo alimentar e paridade. Essas variáveis cumpriram com os critérios da porta de trás, bloqueando todos os caminhos abertos entre a exposição e o desfecho (Figura 2).

Figura 1
Diagrama causal entre excesso de peso pré-gestacional e razão ômega 6 e 3.

Figura 2
Conjunto mínimo dos potenciais confundidores a ser utilizado no ajuste da relação causal entre excesso de peso pré-gestacional e relação ômega 3/ômega 6 no leite materno.

Quadro 1
Código gráfico acíclico direcionado (DAG)-Dagitty.

Discussão

Os diagramas causais têm tido uso crescente como técnica unificada para lidar com uma série de questões na pesquisa epidemiológica1818 Glymour MM, Greenland S. Causal diagrams. In: Rothman KJ, Greenland S, Lash TL, editors. Modern epidemiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p. 183-209.. Esses modelos gráficos proporcionaram novas formalizações para alguns conceitos epidemiológicos importantes, como a noção de confundimento99 Greenland S, Pearl J, Robins JM. Causal diagrams for epidemiologic research. Epidemiology 1999; 10(1):37-48. e o viés de seleção1919 Hernán MA, Hernandez-Diaz S, Robins JM. A structural approach to selection bias. Epidemiology 2004; 15(5):615-625.,2020 Hernán MA, Cole SR. Invited commentary: causal diagrams and measurement bias. Am J Epidemiol 2009; 170(8):959-962, permitindo que os pesquisadores utilizem critérios gráficos relativamente simples e sistemáticos para identificar um conjunto de variáveis confundidoras que precisa ser ajustado99 Greenland S, Pearl J, Robins JM. Causal diagrams for epidemiologic research. Epidemiology 1999; 10(1):37-48..

A utilização dos critérios propostos por Pearl1414 Pearl J. Causality: models, reasoning and inference. New York: Cambridge University Press; 2000. na construção deste DAG permitiu identificar as estruturas causais e não causais da relação entre excesso de peso pré-gestacional e relação ômega6/ômega3 no leite materno. Foram selecionadas as variáveis condições socioeconômicas (escolaridade e renda), intervalo interpartal, idade materna e padrão de consumo alimentar como o conjunto mínimo de ajuste para estimar o efeito total do excesso de peso pré-gestacional sobre a relação ômega6/ômega3 no leite humano. A menor escolaridade e renda, o reduzido intervalo interpartal, a idade materna maior ou igual a 35 anos, o padrão de consumo alimentar rico em alimentos ultraprocessados e a paridade (número de filhos maior ou igual a três) são fatores de risco descritos na literatura que podem causar tanto a exposição como o desfecho estudados e, portanto, confundir a investigação de interesse66 Amaral Y, Marano D, Oliveira E, Moreira ME. Impact of pre-pregnancy excessive body weight on the composition of polyunsaturated fatty acids in breast milk: a systematic review. Int J Food Sci Nutr 2020; 71(2):186-192..

Caso optássemos por métodos de análise múltipla, como estimadores de Mantel-Haenszel, regressão logística ou regressão de Cox modificada, para avaliar a relação causal entre excesso de peso pré-gestacional e a razão ômega6/ômega3, diversos fatores de confusão, tais como ganho de peso gestacional, idade gestacional no nascimento, regionalidade (local de moradia), estoques maternos (sangue), estatura materna, período de lactação e classificação ALEX, seriam controlados, podendo subestimar ou superestimar a relação entre a exposição e o desfecho. Por exemplo, o ganho de peso acima do recomendado2121 Institute of Medicine. National Research Council. Weight gain during pregnancy: reexamining the guidelines. Washington (DC): National Academy of Science; 2009. é uma variável intermediária (mediadora) na relação causal entre excesso de peso pré- gestacional e a razão ômega6/ômega3 no leite humano. Caso fosse realizado o condicionamento ou ajuste por esta variável, os resultados seriam enviesados, pois parte do efeito causal total da relação de interesse não seria considerado. Portanto, o presente DAG identificou as variáveis que de fato precisam ser controladas para obter uma estimativa de efeito não viesada.

Embora os diagramas causais tenham sido cada vez mais utilizados na pesquisa epidemiológica aplicada à saúde, revisão sistemática recente sobre estudos observacionais que utilizaram o DAG destacou alguns problemas, como a não explicitação da sua construção, das relações entre as variáveis e da inclusão de variáveis não medidas. É importante notar que o DAG, ao representar graficamente relações causais, não deve se limitar às variáveis aferidas no estudo, mas deve incluir todas as variáveis relevantes do modelo teórico de causalidade que subjaz esta relação77 Tennant PWG, Murray EJ, Arnold KF, Berrie L, Fox MP, Gadd SC, Harrison WJ, Keeble C, Ranker LR, Textor J, Tomova GD, Gilthorpe MS, Ellison GTH. Use of directed acyclic graphs (DAGs) to identify confounders in applied health research: review and recommendations. Int J Epidemiol 2021; 50(2):620-632.. Portanto, a construção de um DAG é um exercício desafiador, dado que a estrutura causal entre uma exposição e um desfecho é o passo essencial quando se quer saber se a inclusão de uma covariável pode reduzir ou aumentar o viés na estimativa do efeito1212 Cortes TR, Faerstein E, Struchiner CJ. Utilização de diagramas causais em epidemiologia: um exemplo de aplicação em situação de confusão. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00103115..

Conforme dito anteriormente, os DAG são utilizados para descrever três possíveis fontes de associação estatística entre duas variáveis: causa e efeito, confundimento e viés de seleção. Há confundimento quando a associação entre exposição e doença inclui um componente não-causal atribuível a uma variável comum não controlada. Há viés de seleção quando a associação entre exposição e doença inclui um componente não-causal determinado pelos níveis de um efeito comum de exposição e doença. Em ambos os casos, o exposto e o não exposto no estudo não são comparáveis ou permutáveis, que são a fonte última do viés. Assim, os critérios estatísticos são insuficientes para caracterizar o viés de confusão ou seleção2222 Hernán MA, Hernández-Diaz S, Werler MM, Mitchell AA. Causal knowledge as a prerequisite for confounding evaluation: an application to birth defects epidemiology. Am J Epidemiol 2002; 155(2):176-184.. O uso apenas de recursos estatísticos pode conduzir a erros, uma vez que diferentes tipos de variáveis, como aquelas mediadoras ou colisoras, podem se comportar como variáveis confundidoras, que pela definição tradicional devem estar associadas tanto à exposição quanto ao desfecho, e não ser um passo intermediário na investigação de interesse1212 Cortes TR, Faerstein E, Struchiner CJ. Utilização de diagramas causais em epidemiologia: um exemplo de aplicação em situação de confusão. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00103115..

Os resultados encontrados nesse modelo causal enfatizam que esse conjunto mínimo exerce um importante impacto na relação causal entre a exposição e o desfecho. No entanto, é importante destacar que estudos envolvendo relações causais com o leite humano são complexos e desafiadores, pois o leite precisa ser compreendido enquanto um sistema dinâmico passível de influência de fatores individuais e biológicos maternos, e de fatores ambientais e externos, dificilmente controlados em sua completude, e o DAG não é capaz de avaliar a qualidade das informações coletadas, podendo persistir limitações das medidas utilizadas para ajustar diferenças1212 Cortes TR, Faerstein E, Struchiner CJ. Utilização de diagramas causais em epidemiologia: um exemplo de aplicação em situação de confusão. Cad Saude Publica 2016; 32(8):e00103115..

Entre os pontos fortes dessa proposta está uma vasta pesquisa na literatura mais atualizada sobre preditores da exposição, do desfecho e de ambos, e da interrelação entre essas variáveis, permitindo uma abordagem gráfica clara sobre as variáveis que deverão ser coletadas em pesquisas empíricas para o adequado ajuste de confundimento. Apesar de todos os desafios das pesquisas causais, esta proposta de DAG pode ser um passo importante para estudos que pretendam estimar o efeito causal do ganho de peso gestacional sobre a razão ômega-6/ômega-3 no leite materno em estudos observacionais.

Considerações finais

Estimar os efeitos causais é um dos principais objetivos da pesquisa aplicada em saúde. Portanto, é observado que a utilização dos diagramas causais, por deter conceitos epidemiológicos rigorosos, é uma maneira de utilizar dados observacionais para inferência causal de forma mais segura.

O DAG proposto no presente estudo resultou no conjunto mínimo de ajuste composto pelas variáveis condições socioeconômicas (escolaridade e renda), intervalo interpartal, idade materna e padrão de consumo alimentar para estimar o efeito total do excesso de peso pré-gestacional sobre a razão de ômega-6 para ômega-3 no leite humano.

Vale destacar que os achados do presente diagrama causal são de suma importância para que outros estudos possam utilizá-lo para avaliar a relação causal entre o excesso de peso pré-gestacional e relação ômega-6/ômega-3 no leite humano.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2022
  • Aceito
    07 Jun 2023
  • Publicado
    09 Jun 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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