A competência normativa frente aos novos atores políticos: um estudo de caso da telemedicina

The normative competence in the face of new political actors: a case study of telemedicine

Ana Romão Sobre o autor

Resumo

A regulação da prática de telemedicina no Brasil tem se mostrado tortuosa desde seu reconhecimento pela Resolução nº 1.643/2002, do Conselho Federal de Medicina (CFM), havendo questionamentos quanto à competência deste para inserção da prática. Em 2018, o conselho editou nova resolução, mas que foi revogada em função da repercussão negativa. A pandemia de covid-19 pressionou os serviços de saúde de tal forma que o Poder Legislativo Federal foi impelido ao conflito e editou a Lei nº 13.989/2020, permitindo a prática de telemedicina durante o período da crise sanitária. O art. 6º da lei delegou ao CFM a competência para regulação da prática pós-pandemia, acirrando ainda mais as discussões. Este trabalho constitui um estudo de caso sobre a regulação da telemedicina no Brasil, buscando identificar os conflitos jurídicos impostos pela atuação do CFM em substituição ao Poder Legislativo. Utiliza o modelo político de implementação de políticas públicas de William Clune como base da análise, empregando o método da pesquisa documental qualitativa. Conclui-se que a implementação da telemedicina deve considerar as forças políticas em atuação, compreendendo o papel do CFM no processo normativo, para que se obtenha, no texto legal, uma política pública compatível com a realidade e apta a ser implementada.

Palavras-chave:
Telemedicina; Regulação das Profissões em Saúde; Conflito de Competências; Elaboração Normativa

Abstract

The regulation of telemedicine in Brazil has been tortuous since its recognition by the Resolution No. 1,643/2002, of the Federal Council of Medicine (CFM), with issues regarding its competence to insert this practice. In 2018, the council issued a new resolution but it was revoked due to negative repercussions. The covid-19 pandemic put pressure on health services in such a way that the National Congress was pushed into conflict and enacted the Federal Law No. 13,989/2020, which allowed the practice of telemedicine during the period of health crisis. The article 6 of the law delegated the competence to regulate the post-pandemic practice to the CFM, further intensifying the discussions. This work is a case study on the regulation of telemedicine in Brazil, seeking to identify the legal conflicts imposed by the action of CFM in substitution of the Legislative Power. It uses the political model of implementation of public policies by William Clune as the basis for the analysis, using the qualitative documentary research method. In conclusion, the implementation of telemedicine must consider the political forces involved, understanding the CFM’s role in the normative process, to obtain, in the legal text, a public policy compatible with reality and capable of being implemented.

Keywords:
Telemedicine; Regulation of Health Professions; Conflict of Competences; Normative Elaboration

Introdução

Embora tenha seu início nos anos 1960, com notável avanço a partir da década de 1990 devido ao desenvolvimento das tecnologias da informação, a telemedicina permaneceu por muito tempo à margem da regulação estatal. Contudo, em 2020, com a pandemia de covid-19, as atenções voltaram-se ao tema, sendo a telemedicina considerada uma ferramenta útil de tratamento e orientação da população, ao mesmo tempo em que permitiria a redução da disseminação da doença (Garcia; Garcia, 2020GARCIA, M. V. F.; GARCIA, M. A. F. Telemedicine, legal certainty, and COVID-19: where are we? Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília, DF, v. 45, n. 4, e20200363, 2020. DOI: 10.36416/1806-3756/e20200363
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).

Além do benefício assistencial na situação emergencial da pandemia, que requer medidas visando evitar aglomerações, a telemedicina apresenta diversas possibilidades, agilizando a sistemática de execução de serviços, aumentando sua eficiência, ampliando a cobertura de atendimento aos pacientes e minimizando custos (Wen, 2020WEN, C. L. Telemedicina do presente para o Ecossistema de Saúde Conectada 5.0. São Paulo: IESS, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://chaowen.med.br/wp-content/uploads/2020/06/Telemedicina_Chao-IESS-23-06-2020.pdf >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). Prevê-se que serão cada vez mais populares sistemas híbridos no campo da assistência direta, possibilitando tanto exames presenciais quanto o monitoramento do paciente à distância, com ênfase na Atenção Primária (Silva et al., 2021SILVA, R. S. da et al. O papel da telessaúde na pandemia covid-19: uma experiência brasileira. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2149-2157, 2021. DOI: 10.1590/1413-81232021266.39662020
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).

A prática traz, contudo, a necessidade de alteração no arranjo regulatório. A utilização de tecnologias de informação e comunicação traz consigo a necessidade de proteção dos dados dos pacientes, considerados sensíveis, e, por isso, de tratamento restrito.11De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (Brasil, 2018), consideram-se como dado pessoal sensível aqueles “sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, […] referente à saúde ou à vida sexual, […] genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”. A lei também define que o tratamento de dados pessoais sensíveis somente será possível “quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas” ou, caso não haja o consentimento do titular, “ nas hipóteses em que for indispensável para […] tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária” (Brasil, 2018). Além disso, o uso da telemedicina implica importantes mudanças nos fluxos de trabalhos e serviços de saúde, devendo ser desenvolvida uma metodologia que reconheça as atribuições e estabeleça competências para o seu exercício. Do profissional, deve ser exigida formação específica, como vem sendo implantado em faculdades de medicina pelo país, além de definidas as responsabilidades sobre os riscos do atendimento remoto (Wen, 2020WEN, C. L. Telemedicina do presente para o Ecossistema de Saúde Conectada 5.0. São Paulo: IESS, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://chaowen.med.br/wp-content/uploads/2020/06/Telemedicina_Chao-IESS-23-06-2020.pdf >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

A necessidade premente impulsionou a disseminação da prática em serviços de saúde, levando inclusive à edição da Lei nº 13.989/2020, que, em caráter emergencial e temporário, permite a prática da telemedicina em território nacional (Brasil, 2020aBRASIL. Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (Sars-CoV-2). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 16 abr. 2020a. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.989-de-15-de-abril-de-2020-252726328 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). Trata-se da primeira menção legislativa ao tema, que foi introduzido no ordenamento nacional por meio de resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), severamente questionadas em sua legitimidade.

O presente trabalho constitui um estudo de caso sobre a regulação da telemedicina no Brasil, buscando identificar os conflitos jurídicos impostos pela atuação do CFM em substituição ao Poder Legislativo. Utiliza o modelo político de implementação de políticas públicas de William Clune como base da análise, empregando o método da pesquisa documental qualitativa.

Tendo em vista as possibilidades e os benefícios advindos da telemedicina, é imprescindível que a prática seja regulada para além do período pandêmico, devendo-se compreender as forças políticas em jogo para a construção democrática de um arcabouço jurídico adequado à promoção da atividade e proteção de direitos.

A regulação da telemedicina: estado atual

A terminologia telemedicina possui diversas definições, mas, de maneira geral, pode ser entendida como a prática da medicina à distância, em que as intervenções, o diagnóstico, as decisões terapêuticas e as recomendações para um possível tratamento se baseiam em dados clínicos do paciente, documentos e outros meios de informação transmitidos por sistemas de telecomunicação utilizados para mediar as relações médico-paciente, entre médicos ou com outros profissionais de saúde.22Posição da AMM sobre ética em telemedicina adotada pela 58ª Assembleia Geral da AMM, realizada em Copenhagen, Dinamarca, em outubro de 2007, e alterada pela 69ª Assembleia Geral da AMM, realizada em Reykjavik, Islândia, em outubro de 2018.

Internacionalmente, o marco inicial para a regulação da telemedicina é a declaração adotada pela Assembleia Geral da Assembleia Médica Mundial (AMM) realizada em Tel Aviv (Israel), no ano de 1999, a qual estabeleceu standards e responsabilidades para seu uso e disseminação (AMM, 1999AMM - ASSOCIAÇÃO MÉDICA MUNDIAL. Declaração de Tel Aviv sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da telemedicina. Adotada pela 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999. Tel Aviv, 1999.).

Apesar de seu crescente desenvolvimento, são poucos os países no mundo que regulam a prática de forma específica. A França foi o primeiro país a abordar o tema por meio da introdução da prática no Código de Saúde Pública, em 2008, no capítulo referente a serviços de saúde. Desde então, a norma sofreu numerosos acréscimos por meio de decretos do primeiro-ministro, sendo complementada por recomendações da Haute Autorité de Santé, autoridade administrativa independente francesa, semelhante às agências reguladoras nacionais brasileiras (Bodulovic; Morpurgo; Saunders, 2020BODULOVIC, G.; MORPURGO, M. de; SAUNDERS, E. J. Telehealth around the world: a global guide. DLA Piper, [s.l.], 19 nov. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.dlapiper.com/en/italy/insights/publications/2020/11/telehealth-around-the-world-global-guide/ >. Acesso em: 22 jul. 2021.
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).

Na América Latina, a telemedicina é regulada no Chile por meio da Lei nº 1.419 de 2010, e complementada pelas Resoluções nº 2654/2019 e nº 3100/2019 do Ministério da Saúde chileno. Na Argentina, a telemedicina aparece primeiramente em um guia de recomendações para a prática por meio da Resolução nº 21/2019 do Ministério da Saúde argentino. Em outubro de 2020, foi aprovado no Senado argentino um projeto de lei regulando a prática, atualmente em discussão na Câmara de Deputados (Bodulovic; Morpurgo; Saunders, 2020BODULOVIC, G.; MORPURGO, M. de; SAUNDERS, E. J. Telehealth around the world: a global guide. DLA Piper, [s.l.], 19 nov. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.dlapiper.com/en/italy/insights/publications/2020/11/telehealth-around-the-world-global-guide/ >. Acesso em: 22 jul. 2021.
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).

No Brasil, a primeira menção ao tema se deu pela Resolução CFM nº 1.643/2002, a qual, em seu reduzido texto, define a telemedicina como “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde” (CFM, 2002CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.643, de 7 de agosto de 2002. Define e disciplina a prestação de serviços através da telemedicina. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 26 ago. 2002. Seção 1, p. 205. Disponível em: <Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). A norma ainda estabelece que os serviços devem ter a infraestrutura tecnológica apropriada, obedecendo às normas técnicas do CFM sobre os tratamentos de dados do paciente, sua confidencialidade, privacidade e garantia de sigilo, além de incumbir a responsabilidade do atendimento ao médico que assiste o paciente, sendo os demais envolvidos “responsáveis solidariamente, na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo” (CFM, 2002CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.643, de 7 de agosto de 2002. Define e disciplina a prestação de serviços através da telemedicina. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 26 ago. 2002. Seção 1, p. 205. Disponível em: <Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

Apesar de autorizada, a prática da telemedicina teve implementação bastante restrita no território brasileiro, apontando-se que a generalidade do texto e a falta de uma regulamentação detalhada não forneciam parâmetros e segurança jurídica necessária à sua disseminação (Aith; Dourado; Romão, 2021AITH, F. M. A.; DOURADO, D. A.; ROMÃO, A. L. P. A. Regulación de la salud digital en Brasil: visión general y perspectivas. In: CARRANZA, G. G.; ZALAZAR, C. E. (Dir.). Nuevas perspectivas de vulnerabilidad en el derecho a la salud. Ciudad de México: Tirant lo Blanch, 2021. p. 173-188. Disponível em: <Disponível em: https://editorial.tirant.com/es/libro/nuevas-perspectivas-de-vulnerabilidad-en-el-derecho-a-la-salud-gonzalo-gabriel-carranza-9788413787879?busqueda=gonzalo+gabriel+ carranza&amp >. Acesso em: 22 jul. 2021.
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). Visando preencher tais lacunas, o CFM prepara, em 2018, uma nova resolução, admitindo explicitamente a telemedicina como prática médica e estabelecendo parâmetros de qualidade da atenção e segurança das informações transmitidas, criando múltiplas categorias de atendimento: teleconsulta (consulta médica remota); teleinterconsulta (troca de informações e opiniões entre os médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxilio diagnóstico, terapêutico, clinico ou cirúrgico); telediagnóstico (ato médico à distância para emissão de laudo ou parecer); telecirurgia (realização de procedimento cirúrgico remoto); teletriagem; telemonitoramento ou televigilância (monitoramento à distância de parâmetros de saúde e/ou doença); e teleconsultoria (ato de consultoria entre médicos e gestores, profissionais e trabalhadores da saúde a fim de esclarecer dúvidas sobre procedimentos e ações em saúde) (CFM, 2019bCFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.227, de 13 dezembro de 2018. Define e disciplina a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 6 fev. 2019b. Seção 1, p. 58. Disponível em: <Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/62181135/do1-2019-02-06-resolucao-n-2-227-de-13-de-dezembro-de-2018-62180763 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

A Resolução CFM nº 2.227 foi divulgada em 13 de dezembro de 2018, tendo o prazo de 90 dias como vacatio legis. Contudo, o texto, elaborado unilateralmente pelo CFM, sem consulta pública, foi duramente criticado pela classe médica, associações de profissionais e os próprios conselhos regionais. Destacaram-se, entre as objeções, a ideia de que o uso desproporcional da telemedicina poderia transformar médicos em “operadores de telemarketing”, causar desemprego na classe e aumentar a ocorrência de erros de diagnóstico (Santos et al., 2020SANTOS, W. S. et al. Reflexões acerca do uso da telemedicina no Brasil: oportunidade ou ameaça? Revista de Gestão em Sistemas de Saúde, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 433-453, 2020. DOI: 10.5585/rgss.v9i3.17514
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).

Em virtude da repercussão negativa, tendo recebido mais de 1.400 objeções ao texto, o CFM editou, em 6 de março de 2019, a Resolução CFM nº 2.228/2019, revogando o texto anterior - que sequer chegou a entrar em vigor - e explicitamente reestabelecendo a vigência da resolução de 2002 (CFM, 2019cCFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.228, de 26 de fevereiro de 2019. Revoga a Resolução CFM nº 2.227, publicada no D.O.U de 6 de fevereiro de 2019, Seção I, p. 58, […] e restabelece expressamente a vigência da Resolução CFM nº 1.643/2002, publicada no D.O.U de 26 de agosto de 2002, Seção I, p. 205. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 6 mar. 2019c. Seção 1, p. 91. Disponível em: <Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2228 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). O conselho ressaltou a necessidade de abrir uma nova etapa de consulta pública para construção de novo texto normativo a fim de reduzir a resistência à implementação da prática.

Com a revogação da norma, restou, como única categoria de telemedicina regularmente aceita e implementada, a telerradiologia, definida como o uso de tecnologias de informação e comunicação para o envio de dados e imagens radiológicas para emissão de relatório, como suporte às atividades desenvolvidas presencialmente (CFM, 2014CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.107, de 17 de dezembro de 2014. Define e normatiza a Telerradiologia e revoga a Resolução CFM nº 1890/09, publicada no D.O.U. de 19 de janeiro de 2009, Seção I, p. 94-5. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 17 dez. 2014. Seção 1, p. 157-158. Disponível em: < Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2014/2107 >. Acesso em: 12 jan. 2022.
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). Ademais, desde 2017, o CFM passou a regular o oferecimento de aplicativos móveis ou similares que ofereçam atendimento médico domiciliar, prática que ficou conhecida como “uberização da medicina”.

Com a decretação da pandemia de covid-19, o CFM enviou, em 19 de março de 2020, um ofício ao Ministério da Saúde (MS) reforçando o conteúdo da Resolução CFM nº 1.643/2002 e, com vistas à maximização dos serviços médicos ante a crise sanitária, reconhecendo, em caráter excepcional, enquanto perdurasse a pandemia, a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina nas modalidades de teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta.

Prontamente, o MS publicou a Portaria nº 467/2020 (Brasil, 2020cBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 467, de 20 de março de 2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de covid-19. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 23 mar. 2020c. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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), a qual dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, a fim de regulamentar e operacionalizar medidas de enfrentamento da emergência em saúde pública, instituída no país pela Lei nº 13.979/2020. O texto condicionou a adoção da prática ao período de vigência do estado de emergência em saúde pública de importância nacional e limitou o objeto à redução da propagação da covid-19, contemplando as modalidades de atendimento pré-clínico, suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnóstico, no sistema público e privado de saúde, permitindo, de maneira expressa e inédita, a emissão de atestados e receitas médicas em meio eletrônico (seguindo os requisitos estabelecidos) e a determinação de medidas de isolamento, com o devido termo de consentimento do paciente e pessoas que com ele residam.

Em 16 de abril, sancionou-se a Lei nº 13.989/2020, que, em seu reduzido número de artigos, “autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (Sars-CoV-2)” (Brasil, 2020aBRASIL. Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (Sars-CoV-2). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 16 abr. 2020a. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.989-de-15-de-abril-de-2020-252726328 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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), o qual deve seguir os mesmos parâmetros normativos e éticos do atendimento presencial. Destaque-se que o texto sofreu dois vetos presidenciais: o art. 6º, que conferia ao CFM a competência para regular a prática após o período de emergência, segundo a justificativa de que o assunto seria de competência legislativa; e o art. 2º, parágrafo único, que validava as receitas médicas em formato digital, desde que com a assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional, desconsiderando os parâmetros estabelecidos em portaria ministerial (Brasil, 2020bBRASIL. Mensagem nº 191, de 15 de abril de 2020. Encaminhamento ao Congresso Nacional do texto da Medida Provisória nº 953, de 15 de abril de 2020. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 16 abr. 2020b. Seção 1, p. 6. Disponível em: <Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=515&pagina=6&data=16/04/2020 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

Tais fatos ainda causam conflito ao observar-se que, para além da excepcionalidade pandêmica, continua sendo a Resolução CFM nº 1.643/2002, recolocada em vigor pela revogação de sua sucessora, o marco regulatório da telemedicina. A norma não só é amplamente obsoleta pela mudança tecnológica operada entre sua edição e os tempos atuais, como também tem sua legitimidade contestada, tendo em vista o órgão emissor.

Dentro da própria regulação do CFM, ainda é possível encontrar inconsistências. Nesse sentido, observa-se que o art. 37 do Código de Ética Médica, atualizado pela Resolução CFM nº 2.217/2018, veda ao médico prescrever tratamento e outros procedimentos sem o exame direto do paciente, salvo em caso de emergência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo; além disso, o parágrafo primeiro do artigo ainda condiciona a prática da telemedicina à regulamentação do CFM (CFM, 2019ª).

Passando para a análise da competência sobre práticas profissionais, tem-se como base constitucional para a regulação o art. 5º, inciso XIII, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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), de onde se extrai uma clara atribuição ao Legislativo. Neste sentido, o exercício da medicina no Brasil é regido diretamente pela Lei nº 12.842/2013, a “Lei do Ato Médico”, que disciplina as atividades a serem desenvolvidas pelo profissional da categoria de maneira comum e privativa.

O próprio CFM tem origem na Lei nº 3.268/1957, a qual lhe atribui como principal atividade a supervisão da ética profissional, podendo julgar e disciplinar os profissionais cujo comportamento infringe os parâmetros estabelecidos. No art. 5º de sua lei de criação, confere-se competência para organizar seu regimento interno e aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais; além de votar e alterar o Código de Deontologia Médica, ouvidos os Conselhos Regionais (Brasil, 1957BRASIL. Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 1 out. 1957. Seção 1, p. 23013. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3268.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). Ademais, na Lei do Ato Médico, confere-se ao CFM a competência para editar normas definindo o caráter experimental de procedimentos em medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelo médico (Brasil, 2013BRASIL. Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013. Dispõe sobre o exercício da Medicina. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 11 jul. 2013. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12842.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

Possuindo natureza de autarquia federal, o Conselho conta com personalidade jurídica e relativa autonomia quanto ao patrimônio e receitas próprios, além do desenvolvimento de suas atividades , como consta no art. 5º, inciso I, do Decreto nº 200/1967 (Brasil, 1967BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 mar. 1967. Seção 1, p. 4. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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). Enquanto ente descentralizado da Administração Pública, o CFM exerce o poder normativo do Executivo, editando regulamentos dentro de seu âmbito de atuação que complementem e permitam a execução das disposições legais, sendo-lhe vedada a inovação na ordem jurídica (Di Pietro, 2017DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.). Trata-se de uma derivação direta do princípio da legalidade aplicado à Administração Pública, como consta no art. 37 da Constituição Federal (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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), restringindo sua atuação estritamente aos limites legais existentes, as regras, princípios e objetivos neles contidos, sem ultrapassar as restrições por eles apresentadas, não podendo o agente atuar sem suporte no direito (Marrara, 2014MARRARA, T. As fontes do direito administrativo e o princípio da legalidade. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 1, n. 1, p. 23-51, 2014. DOI: 10.11606/issn.2319-0558.v1i1p23-51
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).

Nesse sentido, a atividade normativa do CFM restringe-se ao âmbito delimitado pela Lei do Ato Médico e, mais fortemente, à regulação da atividade dos profissionais sob o ponto de vista ético, conforme o Código de Ética Médica editado pela instituição. A princípio, dificilmente seria possível derivar diretamente dessas atribuições a capacidade de criação e regulação de uma nova prática profissional, tal qual tem se constituído a telemedicina no Brasil.

Ao mesmo tempo, é questionável a legitimidade de um órgão de classe para estabelecer norma ampla e geral sobre prática que não afeta somente a classe por ele regulada, mas que também impacta significativamente a própria prestação do serviço, a estrutura dos estabelecimentos de saúde e os direitos fundamentais dos próprios pacientes. Assim, a produção normativa em um Estado Democrático deve se dar em meio ao debate público, sendo o Poder Legislativo, por meio de seus representantes eleitos, o local por excelência para tal. Note-se que essa foi inclusive a principal crítica apresentada à Resolução CFM nº 2.217/2018, editada de forma unilateral pelo CFM, para a surpresa da classe médica.

Ainda assim, observa-se uma resistência do Congresso Nacional em regular a matéria desde a sua primeira inserção, em 2002. Não apenas a inatividade do Parlamento na discussão criou um vácuo normativo que permitiu que o CFM tomasse a frente nas discussões, editando normas regulatórias em sua própria esfera, como houve a tentativa de se operar uma efetiva delegação da competência regulatória ao Conselho por meio do art. 6º da Lei nº 13.989/2020, posteriormente vetado pelo Executivo.

À época das discussões do projeto de lei, muito se argumentou sobre a inconstitucionalidade do referido artigo (Bento; Gutierrez, 2020BENTO, W; GUTIERREZ, T. de S. D. Ainda a telemedicina - É inconstitucional a renúncia do Congresso em favor do CFM para legislar sobre a matéria. Migalhas, Ribeirão Preto, 3 set. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/332812/ainda-a-telemedicina---e-inconstitucional-a-renuncia-do-congresso-em-favor-do-cfm-para-legislar-sobre-a-materia >. Acesso em: 22 jul. 2021.
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), por tratar-se de uma delegação imprópria de competências constitucionais de um Poder para um órgão da Administração Direta que sequer possui independência - o que, além causar um desequilíbrio entre os Poderes, contraria o rito constitucional previsto no art. 68 (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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), segundo o qual o Legislativo só abdicaria de seu poder de legislar por meio de uma lei delegada, aprovada por resolução do Congresso, especificando exatamente seu conteúdo e os termos de seu exercício, sendo impossível a transferência de maneira geral e completa por disposição em lei ordinária. Portanto, tendo em vista a inércia legislativa e a alegada ilegitimidade do CFM para normatização, permanecem grandes incertezas quanto à operacionalização das práticas de telemedicina após o período pandêmico.

O conflito de competências enquanto conflito político

A análise dos elementos jurídicos da regulação da telemedicina empreendida até o momento parece-nos incompleta e incapaz de explicar, per se, a progressão normativa observada nos últimos 20 anos, em especial o papel destacado de uma autarquia de classe, cuja legitimidade normativa mostra-se frágil em contraposição ao ordenamento.

Durante muito tempo, perpetuou-se no pensamento jurídico a ideia de que o direito seria um sistema fechado, indivisível, de regras e conceitos, que, com ajuda de um raciocínio dedutivo, indica a solução correta para o conflito. Assim, as respostas aos casos estariam, de alguma forma, contidas no próprio sistema, limitando-se o trabalho do jurista a sua interpretação e identificação. Esse pensamento, denominado pela literatura americana como “método da elaboração racional”, rapidamente difundiu-se pelo mundo, tornando-se o mainstream jurídico e pregando uma interpretação do direito sob a melhor luz possível - ou seja, despida ao máximo dos interesses poderosos que exerceram influência na disputa política sobre o conteúdo do direito. Assim, permite-se o desenvolvimento de uma forma de razão que exibe o direito como um esquema coerente e perfectível da vida coletiva (Unger, 2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017.).

Tal concepção reduzida do pensamento jurídico impede a compreensão justamente das soluções minoritárias, entendidas como aberrações às regras impostas, o que inibe o pensamento e a reflexão verdadeira sobre a realidade e a busca por soluções jurídicas que sejam mais aderentes a ele e, portanto, mais eficazes. A eliminação do conflito político leva, invariavelmente, à aceitação inquestionada dos arranjos institucionais de política, economia e estrutura social, levando a interpretação jurídica a considerar tais elementos como dados estáticos, ao invés de fenômenos mutáveis cuja transformação impacta diretamente a resposta a ser adotada. Toma-se o que Unger (2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017., p. 16) define como “amálgama frouxo e contingente de compromissos, imposições e acidentes” como uma ordem institucional ideológica e estabelecida.

Assim, no contexto de uma sociedade em transformação, identifica-se que o direito pode desviar-se de seu modo exclusivo de produção de normas por meio do Legislativo para outros sistemas sociais. Em uma teoria jurídica tradicional, esse afastamento é percebido por meio de uma proliferação de áreas jurídicas altamente especializadas, dissimulando a questão do nomos jurídico como categoria geral. Nesse sentido, promove-se um questionamento do Estado em sua configuração tradicional, por exemplo, a partir da descentralização de fontes. Surgem novos polos de normatização, muitas vezes em nível infralegal, buscando a padronização de comportamentos a fim de permitir o funcionamento do setor a que se referem (Ferraz Jr., 2018FERRAZ JR., T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2018.).

Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2018FERRAZ JR., T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2018.) indica, como consequência, a mudança do foco dos procedimentos jurídicos de sistematização e interpretação não mais pela congruência rígida, mas pela busca de uma legitimação social por meio do impacto efetivo da norma, repousando a sua justificação em uma espécie de coerção da eficácia funcional. O grande fator para aceitação social de uma norma passa de uma legitimidade formal para a capacidade de impor comportamentos na prática, o que dá abertura ao aparecimento de novos protagonistas, que ganham voz a partir de sua capacidade de mobilização e influência política.

Ainda que o direito não se reduza ao mais recente acordo político, a influência política, no processo de legitimação, pode ser entendida como uma fonte de legitimidade, sendo o processo de discussão, estruturado pelo direito, em si próprio, uma fonte de legitimidade da norma atingida.

Dessa forma, o modelo de William Clune sobre a implementação de políticas sociais parece aderir à complexidade da análise apontada. O autor define o processo de implementação como a interação entre diversos agentes de interesse, buscando, no desenho do programa e nas escolhas administrativas, o gerenciamento não apenas das finalidades sociais abstratas, mas o atendimento na máxima medida dos interesses envolvidos, nascendo deste modelo a necessidade de uma visão instrumental da ordem sociojurídica (Clune III, 2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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). O direito passa a ser entendido como o equilíbrio atingido por forças em disputas, sendo a norma jurídica um compromisso entre estas que passa a determinar comportamentos. Unger (2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017.) segue a mesma linha ao afirmar que o direito não se apresenta como sistema, mas como conjunto de soluções dominantes, cercadas de periferias, anomalias e exceções, ideias discrepantes do que se considera “direito” em si. Este tem sua forma atual moldada pela interação entre tais soluções dominantes e periféricas.

Dessa forma, a estrutura legislativa e a história de sua formação revelam a natureza das aspirações subjacentes, podendo-se inclusive oferecer explicações para os escopos técnicos e os limites da regulação a partir da maneira como o compromisso foi atingido. Na formação de políticas bottom up, observa-se que o compromisso é atingido a partir do aumento do poder de determinados movimentos sociais, a quem o interesse é diretamente oposto por grupos de poder de interesses conflitantes, que ainda deixam suas marcas no texto normativo.

O melhor resultado para uma implementação, segundo Clune III (2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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), é justamente o compromisso entre todos os interesses. Quanto mais se aproximam do benefício para os dois lados, mais propensos estão a serem aceitos e incorporados à prática. No fundo, a controvérsia sobre os compromissos centra-se em um cálculo de custo-benefício.

No contexto brasileiro, muitos são os estudos que identificam uma posição sui generis e privilegiada da classe médica em relação ao conjunto das profissões da área, sendo capaz de influir de maneira efetiva nos elementos estruturais do sistema de saúde (Pittelli, 2002PITTELLI, S. D. O poder normativo do Conselho Federal de Medicina e o direito constitucional à saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 38-59, 2002. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v3i1p38-59
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). Assim, a atividade normativa e fiscalizadora do CFM tem peso político, capaz de impactar diretamente na organização do sistema de saúde.

Tal posição deve-se a fatores históricos e sociais. A medicina foi uma das primeiras profissões juridicamente reconhecidas no país, tendo sido o curso da primeira faculdade brasileira, fundada em 1808, com a vinda de D. João VI. O evento marca o início do movimento de institucionalização da profissão médica no Brasil, reconhecendo a importância de normatizar e disciplinar o exercício profissional (Pires, 1989PIRES, D. Hegemonia médica na saúde e a enfermagem: Brasil, 1500 a 1930. São Paulo: Cortez, 1989.). Os médicos deixam o exercício liberal para formar associações, a fim de dominar espaços, tanto da academia quanto dos hospitais, subjugando outras profissões de menor prestígio e definindo o seu âmbito de atividades exclusivas em detrimento de outras profissões. Gradualmente, as faculdades de medicina vão adquirindo um papel central na gestão da saúde a partir da autorregulação, licenciamento e fiscalização de seus profissionais, emitindo regulamentos e normas disciplinares com exclusividade (Balbinot; Falcão; Romão, 2019BALBINOT, R. A. A.; FALCÃO, M. Z.; ROMÃO, A. L. P. A. Um breve panorama da força de trabalho em saúde no Brasil. In: DALLARI, S. G.; AITH, F. M. A.; MAGGIO, M. P. (Org.). Direito sanitário: aspectos contemporâneos da tutela do direito à saúde. Curitiba: Juruá, 2019. p. 223-240.).

No governo Vargas, as organizações profissionais estruturam-se e ganham força. O Decreto-Lei nº 7.955/1945 institui o Conselho Provisório de Medicina, que só é implementado de forma efetiva em 1951, a ser substituído pelo atual CFM em 1957, com a Lei nº 3.268, sendo a primeira classe profissional fortemente organizada. A capacidade de mobilização e estruturação médica contribuiu em grande medida para a propagação de um modelo de saúde baseado na dicotomia saúde-doença e relação médico-paciente, tornando a saúde função quase exclusiva do profissional (Melo; Brant, 2005MELO, M. B. de; BRANT, L. C. Ato médico: perda da autoridade, poder e resistência. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, DF, v. 25, n. 1, p. 14-29, 2005. DOI: 10.1590/S1414-98932005000100003
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).

É importante ressaltar que a Lei do Ato Médico veio em expressa resposta à Resolução CFM nº 1.627/2001, que estabelecia categoricamente a definição do ato médico privativo e condicionava o acesso aos serviços de saúde ao profissional médico, assumindo a condição de gatekeeper da saúde. Ainda se estabelecia como função privativa a direção e coordenação das atividades médicas nos serviços de saúde (Melo; Brant, 2005MELO, M. B. de; BRANT, L. C. Ato médico: perda da autoridade, poder e resistência. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, DF, v. 25, n. 1, p. 14-29, 2005. DOI: 10.1590/S1414-98932005000100003
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).

De fato, ao se observar o processo de formação das profissões de saúde e sua regulação, estes não foram estruturados por um interesse ou política pública, mas determinados por arranjos políticos e econômicos. No caso da medicina, a regulação foi altamente influenciada por questões sociais, políticas e de mercados (Castro; Balbinot, 2020CASTRO, J. V. de; BALBINOT, R. A. A. Panorama jurídico institucional das especialidades médicas no Brasil. In: AITH, F. M. A. et al. (Org.). Regulação de profissões de saúde no Brasil e em perspectiva comparada. São Paulo: Cepedisa, 2020. p. 57-79.).

O CFM tem protagonismo notável, por exemplo, na regulação de especialidades, em contraposição à participação lateral do MS, que atua muito mais como espectador periférico do que como participante ativo, papel que inicialmente lhe caberia (Castro; Balbinot, 2020CASTRO, J. V. de; BALBINOT, R. A. A. Panorama jurídico institucional das especialidades médicas no Brasil. In: AITH, F. M. A. et al. (Org.). Regulação de profissões de saúde no Brasil e em perspectiva comparada. São Paulo: Cepedisa, 2020. p. 57-79.).

Em relação a outros Conselhos, o CFM destaca-se por sua combatividade e esforço em garantir a exclusividade sobre determinadas práticas profissionais. Nesse sentido, é o Conselho que mais judicializou conflitos contra outras autarquias profissionais, sendo responsável por 47% dos litígios judiciários sobre escopo de prática, configurando-se, ao mesmo tempo, como o conselho mais combatido por seus pares (Ferreira et al., 2020FERREIRA, A. B. et al. Judicialização dos conflitos de regulação de profissões de saúde no Brasil. In: AITH, F. M. A. et al. (Org.). Regulação de profissões de saúde no Brasil e em perspectiva comparada. São Paulo: Cepedisa , 2020. p. 80-94.). As disputas revelam-se voltadas para um interesse no monopólio econômico sobre as práticas profissionais, mais do que a defesa de um projeto social global ou mesmo a implementação de políticas de saúde, frequentemente citadas pela corporação (Guimarães; Rego, 2005GUIMARÃES, R. G. M.; REGO, S. O debate sobre a regulamentação do ato médico no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, p. 7-17, 2005. DOI: 10.1590/S1413-81232005000500002
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).

É importante ressaltar que a liderança do CFM na regulação de tema inédito em território nacional tampouco é fato isolado, mostrando-se apenas mais um passo em um movimento gradual de edição de resoluções que testam o limite de suas competências, atraindo para a instituição novos temas e práticas da saúde, reguladas a partir do interesse de classe.

A título exemplificativo, tem-se a Resolução CFM nº 1.805/2006, que, identificando o vácuo legislativo, autorizou a prática de ortotanásia no Brasil, regulamentando especificamente as chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade e os critérios formais para a sua implementação, permitindo ao paciente optar pela não instituição de suporte de vida ou realização de tratamento ou procedimento médico (CFM, 2006CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 28 nov. 2006. Seção 1, p. 169. Disponível em: <Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

Ademais, em 2021 foi publicada a Resolução CFM nº 2.294/2021, trazendo regulação específica para a prática de reprodução assistida, na ausência de texto legislativo sobre o tema. Essa é a sexta norma do Conselho sobre o tema, que começou a ser regulado pelo órgão em 1992. Entre as previsões normativas, estão disposições que dificilmente se encaixam na deontologia do profissional, como a exigência de que as clínicas mantenham um registro permanente das gestações e seus desfechos, incluindo abortamento, mudança da idade máxima para doação de gametas, necessidade de autorização judicial para descarte de embriões congelados há mais de três anos e responsabilização do paciente pela escolha dos embriões (CFM, 2021CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida - sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.168, publicada no DOU de 10 de novembro de 2017, Seção 1, pág. 73. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 jun. 2021. Seção 1, p. 60. Disponível em: <Disponível em: https://in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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).

Não há como negar, portanto, que a entidade possua um papel importante no debate e processo de implementação. Clune III (2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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) destaca que esta possui um sentido ampliado à concepção estrita de norma enquanto lei, podendo aplicar-se a ordens executivas, decisões judiciais e outros textos capazes de definir comportamentos para um grupo.

O autor, contudo, faz importantes distinções quanto ao tipo de normatização emitida por diferentes agentes, o que pode trazer consequências práticas na efetividade da implementação. Perante processos normativos de organizações reguladoras, as organizações reguladas em geral adotam como tática a obtenção da cooperação das autoridades públicas que estabelecem as responsabilidades oficiais, identificando-se um padrão de influência relativamente focalizado e argumentativo. No caso de processos legislativos, o argumento refere-se a interesses sociais gerais, apelando-se para grupos de interesse por meio de coalizões e outros movimentos dentro do processo legislativo formal (Clune III, 2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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).

A vitória legislativa difere radicalmente da vitória de um órgão regulador. Enquanto estes apresentam, em geral, melhorias incrementais na regulação já existente, as mudanças legislativas podem ser fundamentais, configurando-se como divisoras de águas. Clune III (2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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) define que as questões jurídicas de uma implementação podem ser pensadas como categorias de conflitos políticos, divisores de águas e evasivas.

Os conflitos políticos emergem justamente das posições políticas envolvidas na área social com objetivos específicos. Os principais interesses divergentes das partes afetadas são inevitavelmente os determinantes da luta política na implementação.

Divisores de águas são resoluções de grandes conflitos políticos, decisões que determinam uma forma de realização em exclusão às outras. Já as evasivas ocorrem justamente quando o processo de implementação deliberadamente evita decidir uma questão, deixando a solução para outro nível institucional, veladamente aceitando o status quo. Clune III (2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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) reforça que esses subterfúgios não são necessariamente ruins para o movimento social, podendo ser interessante deixar que outras instituições definam os detalhes da implementação.

Em geral, as decisões divisoras de águas são tomadas por pessoas do alto escalão no processo de elaboração das políticas, como o Congresso Nacional, em oposição aos chamados burocratas de rua, agentes da estrutura das organizações que operacionalizam os comandos. Embora mais baixos na estrutura, tais níveis possuem vida própria, podendo adotar orientações independentes em relação a questões jurídicas estruturais obscuras, não se podendo eliminar o conflito político de forças, ainda que em escala reduzida.

No caso da telemedicina, é possível apontar algumas peculiaridades. Nesse contexto, observa-se que a decisão divisora de águas ocorre por parte do CFM, entidade reguladora cuja competência normativa é limitada em virtude da lei. Contudo, age em resposta direta à evasiva do próprio Legislativo, que se omite no exercício de suas competências. A regulação implementada configura-se instável, posto que sua legitimidade é sujeita a contestações já apontadas.

Por um lado, estudos apontam a percepção de que a produção normativa não-legislativa seria mais simples e “ágil” quando comparada à atuação do parlamento, além da maior proximidade das autarquias corporativas aos reclamos e pressões da sociedade civil, tornando-os mais responsivos em sua atuação (Pittelli, 2002PITTELLI, S. D. O poder normativo do Conselho Federal de Medicina e o direito constitucional à saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 38-59, 2002. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v3i1p38-59
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). Nesse sentido, a atuação do CFM é vista por alguns sob uma ótica otimista como manifestação da própria sociedade civil (Pittelli, 2002PITTELLI, S. D. O poder normativo do Conselho Federal de Medicina e o direito constitucional à saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 38-59, 2002. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v3i1p38-59
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), capaz de mobilizar a máquina do Estado a favor de interesses específicos. Nesse posicionamento é possível identificar a chamada legitimidade pela efetividade mencionada por Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2018FERRAZ JR., T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2018.).

Entretanto, além dos óbices formais, é possível questionar a ação normativa do CFM a partir de sua falta de transparência e participação popular, promovendo-se, quando muito, um debate restrito aos interesses de classe. Ademais, ainda que seja uma voz importante a ser considerada na elaboração da regulação, o tema da telemedicina ultrapassa as questões éticas da prática médica, afetando uma miríade de interesses que sequer são considerados pelo Conselho, que não possui estrutura ou vontade para abarcá-los, como no caso dos gestores dos serviços, outros profissionais de saúde e, sobretudo, os pacientes. Nesse sentido, o Legislativo desponta como ambiente mais adequado para o processo de elaboração, posto que ampara e possibilita um amplo debate público.

O presente artigo não se propõe a cravar a melhor regulação a ser adotada para a telemedicina, pondo em dúvida inclusive a viabilidade de uma solução única. O que pretendemos, na verdade, é compreender o problema a partir de uma concepção jurídica ampliada, identificando seus atores, os interesses envolvidos e as implicações dos instrumentos jurídicos utilizados.

Há que se ressaltar que o direito constitui ferramenta poderosa para efetivação de direitos e transformação das estruturas sociais, uma vez que lida diretamente com a estrutura em detalhes, oferecendo uma visão e capacidade de interferência privilegiada dos equipamentos que executam as tarefas - conforme o pensamento de Unger (2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017.), que chega a defender que a apreciação do direito em todas as suas variantes, na relação entre as soluções dominantes e variantes é o caminho para reinventar a doutrina jurídica e, eventualmente, toda a estrutura.

Considerações finais

As transformações sociais das últimas décadas complexificaram as relações sociais. Novos agentes passaram a emitir normas, criando verdadeiros micro-ordenamentos altamente especializados. O processo legislativo clássico não se mostra capaz de emitir respostas rápidas e precisas o suficiente para tais setores, levando a um vácuo normativo preenchido por instituições com capacidade de mobilização e poder político. Para além das competências formais designadas, a legitimidade das normas nesse microcosmo firma-se em torno da própria eficiência prática, da capacidade de imposição e fiscalização de comportamentos.

O conflito regulatório sobre o qual nos debruçamos não constitui apenas dúvida quanto à competência normativa, mas traduz, em si, um conflito de forças políticas, em que o poder tradicional dá espaço a outra entidade, capaz de impor seus interesses por meio do histórico peso político que agregou para si. A introdução de uma nova matéria a ser regulada por meio de resolução do CFM trata-se de uma verdadeira via periférica, conforme apontam Unger (2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017.) e Clune III (2021CLUNE III, W. H. Um modelo político de implementação para as políticas públicas: os papéis do direito e dos juristas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 20-82, 2021. DOI: 10.5102/rbpp.v11i1.7329
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), à margem do pensamento clássico, que não deve ser ignorada, mas compreendida em seu contexto, para que se possa chegar a um arranjo jurídico mais adequado e, consequentemente, eficaz. Frisa Unger (2017UNGER, R. M. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior. Belo Horizonte: Letramento, 2017.): a única maneira de construir alternativas para a solução destes problemas é construí-las de dentro para fora e de baixo para cima, com o material das variações e das contradições do direito existente não como ponto de chegada, mas como ponto de partida.

O futuro da regulação da telemedicina no Brasil permanece sujeito a grandes incertezas. Contudo, qualquer arranjo normativo comprometido com a efetividade e a promoção segura da prática deve ir além da discussão leviana de competências e considerar o peso dos interesses envolvidos, não descartando o fato da norma, enquanto construção social, ser em si permeada pela política. Cabe aos juristas a construção de um pensamento regulatório não enquanto mero sistema formal, mas enquanto compromissos para a concretização de direitos.

Referências

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  • CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.228, de 26 de fevereiro de 2019. Revoga a Resolução CFM nº 2.227, publicada no D.O.U de 6 de fevereiro de 2019, Seção I, p. 58, […] e restabelece expressamente a vigência da Resolução CFM nº 1.643/2002, publicada no D.O.U de 26 de agosto de 2002, Seção I, p. 205. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 6 mar. 2019c. Seção 1, p. 91. Disponível em: <Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2228 >. Acesso em: 1 dez. 2022.
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  • 1
    De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 ago. 2018. Seção 1, p. 59. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    ), consideram-se como dado pessoal sensível aqueles “sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, […] referente à saúde ou à vida sexual, […] genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”. A lei também define que o tratamento de dados pessoais sensíveis somente será possível “quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas” ou, caso não haja o consentimento do titular, “ nas hipóteses em que for indispensável para […] tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária” (Brasil, 2018BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 15 ago. 2018. Seção 1, p. 59. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm >. Acesso em: 1 dez. 2022.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
    ).
  • 2
    Posição da AMM sobre ética em telemedicina adotada pela 58ª Assembleia Geral da AMM, realizada em Copenhagen, Dinamarca, em outubro de 2007, e alterada pela 69ª Assembleia Geral da AMM, realizada em Reykjavik, Islândia, em outubro de 2018.

  • 3
    O trabalho não recebeu financiamento de nenhuma entidade pública ou privada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2021
  • Aceito
    26 Set 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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