Intersetorialidade na saúde no Brasil no início do século XXI: um retrato das experiências

Intersectorality in health in Brazil at the beginning of the XXI century: a portrait of experiences

Leandro Martin Totaro Garcia Iadya Gama Maio Taynã Ishii dos Santos Catarina Bourlinova de Jesus Cunha Folha Helena Akemi Wada Watanabe Sobre os autores

Resumos

O objetivo foi investigar experiências de intersetorialidade voltadas aos problemas de saúde pública, iniciadas a partir de 2001, no Brasil. Para tanto, fez-se uma revisão utilizando a base de referências Lilacs, por meio de seleção de relatos de ações intersetoriais que abordassem problemas de saúde pública no País e que envolvessem o setor saúde. Onze artigos foram incluídos, em que se observaram falta de definição de intersetorialidade, parceria com o setor educação em dez projetos e raras avaliações de impacto e sustentabilidade. Mais informações sobre ações intersetoriais são urgentes para avaliar seu impacto, entender barreiras e limitações comuns e caminhos que as tornem mais efetivas.

Ação intersetorial; Administração de serviços de saúde; Políticas, planejamento e administração em saúde


The aim was to investigate intersectorality experiences directed to public health problems, initiated from 2001 in Brazil. Therefore, a review was conducted using the Lilacs reference basis, selecting intersectoral action descriptions that had approached public health problems in the country and that had involved the Health sector. Eleven articles were included, in which were observed lack of intersectorality definition, partnership with the Education sector in ten projects and rare impact and sustainability assessments. More information about intersectoral actions are urgent in order to evaluate their impact, to understand common barriers and limitations, and ways to make them more effective.

Intersectoral action; Health services administration; Health policy, planning and management


Introdução

Para muitas pessoas, ter saúde costuma ser a ausência de uma enfermidade ou doença. Esse enfoque evoca um conceito reducionista, ou seja, a reprodução do modelo biologicista, monopolizado pela medicina. Em contrapartida, diversos esforços vêm sendo realizados no sentido de posicionar a saúde a partir de outro olhar, mais ampliado e mais articulado com a complexidade da realidade. Embora existam discussões sobre a viabilidade da aplicação dessas definições de saúde, um conceito amplo de saúde evoca muito mais do que simplesmente garantir a disponibilidade e o acesso aos serviços de saúde. Enquanto fenômeno ampliado, a saúde depende da articulação que é produzida entre os seus diversos determinantes, tais como as condições de vida, de trabalho, do meio ambiente e da cultura, entre outros (NARVAI; FRAZÃO, 2008NARVAI, P. C.; FRAZÃO, P. Práticas de saúde pública. In: ROCHA, A. A.; CESAR, C. L. G. (Ed.). Saúde pública: bases conceituais. São Paulo: Atheneu, 2008. p. 269-295.; DALMOLIN 2011DALMOLIN, B. B. et al. Significados do conceito de saúde na perspectiva de docentes da área da saúde. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 389-394, 2011.), sendo imprescindível, assim, considerar a promoção da saúde como o processo resultante de um conjunto de ações intersetoriais (BUSS, 2000BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000.).

A intersetorialidade pode ser definida como a integração de diversos saberes e experiências de diferentes sujeitos e serviços sociais que contribuem nas decisões de processos administrativos para o enfrentamento de problemas complexos, com ações voltadas aos interesses coletivos que melhoram a eficiência da gestão política e dos serviços prestados (JUNQUEIRA, 2000JUNQUEIRA, L. A. P. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 35-45, 2000.; INOJOSA, 2001INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001.; NASCIMENTO, 2010NASCIMENTO, S. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 101, p. 95-120, 2010.). Logo, desenvolver estratégias e ações intersetoriais envolve atuar com diferentes sujeitos e serviços sociais, que, por meio de saberes, poderes e vantagens para resolver problemas complexos (INOJOSA, 2001INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001.), constroem uma nova concepção de planejamento, execução e controle dos serviços prestados, que objetiva garantir tratamento equânime às pessoas (JUNQUEIRA, 2000JUNQUEIRA, L. A. P. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 35-45, 2000.). Trabalhar de modo intersetorial significa superar a fragmentação do conhecimento e da prática e buscar a unidade e a diversidade para melhor compreensão da realidade (MENDES; ACKERMAN, 2007MENDES, R.; ACKERMAN, M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: FERNANDES, J.; MENDES, R. (Ed.). Promoção da saúde e gestão local.São Paulo: CEPEDOC, 2007.).

A construção da intersetorialidade se dá a partir da articulação de vários setores e envolve distintos atores sociais, tais como: governo, sociedade civil organizada, movimentos sociais, universidades, autoridades locais, setor econômico e mídia, tendo como preceito a reunião de vários saberes e possiblidades de atuação, no sentido de viabilizar um olhar mais amplo sobre a complexidade do objeto, a fim de possibilitar a análise dos problemas e das necessidades, no âmbito de um dado território e contexto (JUNQUEIRA, 1997JUNQUEIRA, L. A. P. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 35-45, 2000.), bem como a busca de soluções compartilhadas. A intersetorialidade é operacionalizada por meio da criação de uma rede de compromisso social, estruturada por vínculos e uma ‘presença viva’, na qual instituições, organizações e pessoas se articulam em torno de uma questão da sociedade em um determinado território, programam e realizam ações integradas e articuladas, avaliam juntos os resultados e reorientam a ação. Trata-se de um processo dialético e dinâmico, tendo a necessidade de se pôr em prática diferentes tipos de habilidades de negociação e de mediação de conflitos (PORTO; LACAZ; MACHADO, 2003PORTO, M. F. S.; LACAZ, F. A. C.; MACHADO, J. M. H. Promoção da saúde e intersetorialidade: contribuições e limites da vigilância em saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, 2003.), que implicam a abertura de cada setor envolvido para dialogar, formar vínculos, estabelecer corresponsabilidades e cogestão pela melhora da qualidade de vida da população (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004CAMPOS, G. W.; BARROS, R. B.; CASTRO, A. M. Avaliação de política nacional de promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 745-749, 2004.).

Para tanto, faz-se necessária a mudança de paradigmas, de concepções, de práticas e de valores, para que o processo fragmentado seja alterado para a forma intersetorial, envolvendo, também, a população que vivencia o problema na busca de soluções compartilhadas. É preciso estar ciente de que nada acontecerá de potente pela simples junção de diferentes setores convocados por conta de uma situação problemática ou com a simples delegação de responsabilidade de um setor para o outro. Deve haver não só a partilha de conhecimentos e de experiências, mas, sobretudo, um compromisso de fato, pois uma rede não pode ser meramente protocolar(COUTO; DELGADO, 2010COUTO, M. C. V.; DELGADO, P. G. G. Intersetorialidade: uma exigência da clínica com crianças na atenção psicossocial: considerações preliminares. In: LAURIDSEN-RIBEIRO, E.; TANAKA, O. Y. (Ed.). Atenção em saúde mental para crianças e adolescentes no SUS. São Paulo: Hucitec, 2010.).

A vida atual demonstra como cada indivíduo e coletividade têm necessidades relativas a várias áreas: segurança, saneamento, moradia, alimentação, saúde, educação etc. Mais ainda, demonstra como essas áreas se influenciam. Como Inojosa (2001)INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001. e Mendes e Akerman (2007)MENDES, R.; ACKERMAN, M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: FERNANDES, J.; MENDES, R. (Ed.). Promoção da saúde e gestão local.São Paulo: CEPEDOC, 2007. mencionam, os determinantes da saúde são diversos e interdependentes. Se essas necessidades/determinantes formassem um simples somatório para a saúde e a qualidade de vida, uma mudança ou a falta em uma delas não alteraria a influência das restantes. No entanto, o ser humano é um todo, com os seus sistemas, segmentos, emoções, expetativas e memórias, e o seu bem-estar, desenvolvimento e qualidade de vida estão relacionados com todos esses componentes.

Desta forma, não é apenas a complexidade dos problemas que impõe a necessidade de ações intersetoriais. Pretende-se a complementariedade da ação humana, pois “a intersetorialidade [...] reconhece os domínios temáticos, comunicando-os para a construção de uma síntese” (MENDES, 1996MENDES, E. Uma agenda para a saúde. São Paulo: Hucitec, 1996., p. 253). Setores isolados não dão conta do que está tecido em conjunto, da complexidade ou da diversidade articulada (INOJOSA, 2001INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001.). Sem dúvida, as necessidades e expectativas das pessoas e dos grupos sociais, referentes à saúde e à qualidade de vida, são integradas.

Com a intersetorialidade, busca-se a superação de uma visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade. O reconhecimento dos domínios temáticos propicia a sua comunicação para a construção de uma síntese. Esse seria o caminho para a sinergia nas políticas públicas (MENDES; ACKERMAN, 2007MENDES, R.; ACKERMAN, M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: FERNANDES, J.; MENDES, R. (Ed.). Promoção da saúde e gestão local.São Paulo: CEPEDOC, 2007.), para que haja unidade na diversidade, para que se procure um objetivo comum. Sem uma lógica de articulação e de coordenação entre setores, cada um irá propor seu próprio projeto, baseado em sua visão de realidade, e estabelecerá seus próprios objetivos e métodos. Desta forma, os resultados de uma ação apenas setorial são o agravamento de distorções, desigualdades e exclusão social (INOJOSA, 2001INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001.; MENDES; ACKERMAN, 2007MENDES, R.; ACKERMAN, M. Intersetorialidade: reflexões e práticas. In: FERNANDES, J.; MENDES, R. (Ed.). Promoção da saúde e gestão local.São Paulo: CEPEDOC, 2007.).

No entanto, não obstante a reconhecida importância da intersetorialidade para o enfretamento dos problemas e das desigualdades em saúde, ainda pouco se sabe sobre a real operacionalização e os resultados de experiências mais recentes desse tipo no Brasil. Tal informação é necessária para que seja possível avaliar o impacto dessas ações no País, assim como entender barreiras e limitações comuns a serem superadas e identificar caminhos que tornem tais ações mais efetivas. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi investigar as experiências de intersetorialidade dedicadas a problemas de saúde pública que tenham sido realizadas desde 2001, no Brasil, assim como suas características e seus resultados.

Método

Trata-se de um trabalho de revisão, que seguiu procedimentos sugeridos pela Cochrane Collaboration (HIGGINS; GREEN, 2011HIGGINS, J. P. T.; GREEN, S. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions - version 5.1.0., 2011. Disponível em: <http://handbook.cochrane.org>. Acesso em: 05 nov. 2014.
http://handbook.cochrane.org...
). Os critérios de inclusão dos documentos analisados foram: abordar um problema de saúde pública; envolver o setor saúde; ter como objetivo relatar uma experiência de intersetorialidade; ocorrer no Brasil, em qualquer esfera da federação, podendo envolver mais de uma delas; referir-se a uma ação com início a partir de 2001; ter seu resumo disponível na base de referências Lilacs; estar publicado na forma de artigo completo, num periódico acadêmico; estar escrito no idioma português, espanhol ou inglês.

Decidiu-se, unicamente, pela utilização da base de referências Lilacs por ser “[...] o mais importante e abrangente índice da literatura científica e técnica da América Latina e Caribe” (LILACS, 2014LILACS. Disponível em: <http://lilacs.bvsalud.org>. Acesso em: 05 nov. 2014.
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). Na época em que a revisão ocorreu, mais de 850 periódicos e de 650 mil registros estavam disponíveis na base. Seu índice inclui periódicos indexados em outras bases importantes para a literatura acadêmica nacional, como a SciELO, mas sua abrangência vai além delas. A busca dos documentos foi realizada em 27 de março de 2013, utilizando o seguinte comando de busca, sem delimitação de índices: (intersectiona$ OR intersetoria$ OR intersectoria$ OR transectoria$ OR transetoria$) AND (health OR saúde OR salud). Como filtros, foram escolhidos o ano de publicação (2001 a 2013), o tipo de documento (artigos) e o assunto principal (ação intersetorial).

Na primeira etapa após a busca, foram lidos os títulos e resumos da totalidade dos textos. Os artigos que preencheram os critérios de inclusão ou que suscitaram dúvidas nos revisores quanto à sua exclusão imediata foram triados. Na etapa seguinte, os artigos triados foram obtidos na íntegra e examinados de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos. Por fim, foram selecionados para a revisão os artigos que atingiram os critérios após a leitura integral dos manuscritos. Todo o processo ocorreu com cada artigo sendo avaliado por um par de revisores. Em qualquer etapa, nos casos em que estes tiveram opiniões discordantes sobre a manutenção de um determinado artigo para a etapa seguinte, uma reunião entre ambos foi realizada, e um consenso alcançado.

Dos artigos selecionados para a revisão, as seguintes informações foram obtidas: autores e ano de publicação do artigo; ação relatada; local e ano (ou período) da ação; principais objetivos da ação; setores/atores envolvidos; como a intersetorialidade ocorreu; resultados obtidos.

Resultados e discussão

A busca retornou 94 artigos. Desses, 31 (33%) foram considerados elegíveis após a leitura de títulos e resumos. Após a leitura integral dos textos, verificou-se que 11 (12%) preenchiam os critérios de elegibilidade, sendo incluídos na revisão. As poucas experiências descritas indicam que a construção de trabalhos compartilhados ainda é uma realidade pouco verificada. A tendência ainda é a da fragmentação e da descontinuidade política, com pouca participação popular, o que denota que a construção de redes e de ações interinstitucionais implica, também, a construção de uma nova linguagem integradora entre os campos profissionais e institucionais envolvidos.

O quadro 1 apresenta as informações obtidas de cada artigo. Pode-se observar que as publicações se referem a projetos de temas e objetivos variados, sendo três relacionados mais diretamente com o meio ambiente (PADULA 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; PALÁCIOS 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.), três cujo problema principal foi a violência (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.) e três mais direcionados ao empowerment pessoal e comunitário (BECKER ., 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; SPERANDIO 2006SPERANDIO, A. M. G. et al. A universidade colaborando na construção de um projeto de promoção da saúde: relato de experiência de um grupo de alunos de medicina da Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p. 200-208, 2006.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.). Os outros dois trabalhos tiveram foco no controle da dengue (FREITAS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011FREITAS, R. M.; RODRIGUES, C. S.; ALMEIDA, M. C. M. Estratégia intersetorial para o controle da dengue em Belo Horizonte (Minas Gerais), Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 773-785, 2011.) e na redução das desigualdades sociais de forma mais ampla (DOBASHI , 2005DOBASHI, B. F. et al. Viva Seu Bairro: em Campo Grande/MS a promoção da saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 32, p. 28-35, 2005.).

Quadro 1
Características das ações intersetoriais com foco em problemas de saúde pública no Brasil, realizadas e publicadas de 2001 a 2013

Os estudos incluídos nesta revisão apresentam importantes contribuições da intersetorialidade para a população e para o enfrentamento dos problemas que pretendiam resolver, pois trazem estratégias que são planejadas de forma compartilhada e de acordo com a necessidade sentida. Podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população à qual são destinadas, respondendo às necessidades de saúde de uma coletividade, mobilizando os setores necessários para realizar essas ações (CAMPOS; BARROS; CASTRO, 2004CAMPOS, G. W.; BARROS, R. B.; CASTRO, A. M. Avaliação de política nacional de promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 745-749, 2004.). Uma parte da importância de se trabalhar de forma intersetorial está relacionada com a amplitude e a magnitude das ações. Os projetos alcançaram um grande número de pessoas, abrangeram diversos temas, diferentes territórios, realizaram processos educativos e informativos, com mudanças muitas vezes ambientais, mobilização comunitária, e ampliaram a discussão sobre cidadania e direitos constitucionais, também havendo uma preocupação do poder público em buscar alternativas de articulação e parcerias com outros setores.

Todas as experiências relatadas tiveram o município ou uma localidade intramunicipal como território. No entanto, é interessante notar que em duas experiências (MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PADULA ., 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.) houve parceria com a Secretaria de Estado da Saúde, e em cinco (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; PADULA , 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.) os Ministérios da Saúde ou da Educação e Cultura foram apontados como atores envolvidos na ação. Em um dos casos (PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.), referente à implantação do Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis, no município de São Paulo, houve também a participação de entidades supranacionais, como a Organização Panamericana de Saúde e as Nações Unidas.

Excetuando o setor saúde (por conta da natureza dos projetos levantados), o setor educação é o que mais aparece vinculado às ações intersetoriais levantadas, dez (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; DOBASHI ., 2005DOBASHI, B. F. et al. Viva Seu Bairro: em Campo Grande/MS a promoção da saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 32, p. 28-35, 2005.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PADULA ., 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.; SPERANDIO , 2006SPERANDIO, A. M. G. et al. A universidade colaborando na construção de um projeto de promoção da saúde: relato de experiência de um grupo de alunos de medicina da Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p. 200-208, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.; FREITAS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011FREITAS, R. M.; RODRIGUES, C. S.; ALMEIDA, M. C. M. Estratégia intersetorial para o controle da dengue em Belo Horizonte (Minas Gerais), Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 773-785, 2011.; PALÁCIOS 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.), o que reforça a sua importância no âmbito da promoção da saúde. Ao se considerar, especificamente, as escolas, é possível ver que são espaços potenciais de transformações sociais e de construção de conhecimentos e valores, facilitando toda e qualquer atividade de promoção da saúde e de redução de vulnerabilidades, sejam estas de ordem individual, social ou institucional, como, por exemplo, a intervenção em situações de violência que coloquem em risco o crescimento e o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes.

No mais, organizações do terceiro setor apareceram em seis projetos (BECKER , 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; DOBASHI , 2005DOBASHI, B. F. et al. Viva Seu Bairro: em Campo Grande/MS a promoção da saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 32, p. 28-35, 2005.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; PALÁCIOS ., 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.). Por outro lado, os moradores do território apareceram explicitamente como atores envolvidos somente em quatro (BECKER , 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; SPERANDIO , 2006SPERANDIO, A. M. G. et al. A universidade colaborando na construção de um projeto de promoção da saúde: relato de experiência de um grupo de alunos de medicina da Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p. 200-208, 2006.; PALÁCIOS ., 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.) das onze ações revisadas.

Percebe-se que os artigos consideraram a intersetorialidade uma estratégia essencial para se promover saúde; no entanto, nenhum deles explicita em qual definição de intersetorialidade o projeto se embasa, o que revela importante lacuna. Por outro lado, algumas características dos projetos são mais comumente citadas, desvelando as crenças dos autores sobre o que seriam projetos intersetoriais. Costuma-se caracterizar o projeto como um conjunto de ações com diferentes participações, enfatizando as redes de compromisso, a corresponsabilidade e a cooperação de distintos setores. Também é comum a citação de espaços coletivos para discussão, o compartilhamento de saberes com horizontalidade e a integração de diferentes profissionais para o planejamento de ação em conjunto, articulado e contínuo durante os programas.

As formas de se operacionalizar a intersetorialidade variaram de acordo com o objetivo, a amplitude e a complexidade das ações pretendidas. De modo geral, percebem-se a utilização de reuniões regulares entre os atores envolvidos, a realização de uma ou mais etapas diagnósticas para entender o problema em questão, em dois casos, envolvendo a participação dos próprios moradores do território na coleta dos dados (BECKER 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.), o desenvolvimento conjunto das estratégias a serem implantadas e a criação de grupos de trabalho.

Percebe-se que algumas das dificuldades encontradas para a operacionalização da intersetorialidade são, ao menos em parte, consequências do modelo de intersetorialidade que se adota: ascendente ou descendente. Segundo Nascimento (2010)NASCIMENTO, S. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 101, p. 95-120, 2010., a intersetorialidade ascendente ocorre quando os representantes da gestão, que são a cúpula administrativa, articulam-se e se integram para atingir ações de metas únicas, que serão aplicadas em âmbito local. Já a intersetorialidade descendente é caracterizada como uma atuação que surge da base da gestão, dos sujeitos/técnicos de organismos públicos e da sociedade civil, que formula propostas para conduzir as ações. A intersetorialidade ascendente, mais comum entre os documentos analisados, além de reduzir a participação popular, dá maior margem às disputas de poder nos diferentes níveis de governo, que, em função de mudanças na sua condução, tornam vulneráveis as instituições pela descontinuidade de políticas em curso e pela tendência de traçar ações identificadas com a nova equipe gestora (MACHADO; PORTO, 2003MACHADO, J. M. H.; PORTO, M. F. S. Promoção da saúde e intersetorialidade: a experiência da vigilância em saúde do trabalhador na construção de redes. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 12, n. 3, p. 121-130, 2003.).

É interessante notar que os artigos selecionados somente descrevem as ações dos projetos, faltando comparação com outras estratégias ou projetos similares. Ademais, não são todos os manuscritos que apresentaram resultados finalísticos das ações, ou seja, que avaliaram o impacto da ação sobre o problema-alvo, o alcance dos objetivos e suas implicações em médio ou longo prazo. Por vezes, os autores consideraram como resultados as propostas futuras, e houve dificuldade em se avaliar o impacto do trabalho intersetorial. A avaliação vai além da descrição da ação, e as razões para a incompletude desse item, tão importante para analisar o impacto das ações, residem no fato de a intersetorialidade ocorrer em diferentes níveis, de os objetivos dos projetos se transformarem durante o processo, de haver dificuldades em negociar e decidir quais questões são prioritárias - por incompatibilidade e diferenças das agendas entre os diferentes agentes - e de os resultados sofrerem interferência em função de disputas políticas e interesses eleitorais (MAGALHÃES; BODSTEIN, 2009MAGALHÃES, R.; BODSTEIN, R. Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: desafios e aprendizados. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 861-868, 2009.).

Por outro lado, resultados intermediários e decorrentes de avaliações do processo de implantação da ação são mais comuns. Vale destacar que nenhum dos trabalhos encontrados apresentou os resultados planejados, mas não alcançados, ou mesmo se referiu a experiências sem êxito. Dados sobre capacidade de sustentabilidade econômica, política etc., importantes para a avaliação de uma ação de longo prazo, não foram apresentados.

Observou-se que em seis artigos (BECKER , 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.; PALÁCIOS, 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.)houve uma proposta de continuidade do projeto desenvolvido, frequentemente, para a sua ampliação. Este é um dado relevante, uma vez que a continuidade de políticas de promoção de saúde é importante por estas envolverem processos coletivos de transformação, com impactos em médio e longo prazos (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003SÍCOLI, J. L.; NASCIMENTO, P. R. Promoção de saúde: concepções, princípios e operacionalização. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 7, n. 12, p. 101-22, 2003.). No entanto, não ficou claro nos artigos analisados como a sustentabilidade do projeto será operacionalizada. Existe uma ideia do que se pretende e propõe realizar, porém, sem apresentar, concretamente, por exemplo, os próximos passos, a consolidação de parcerias e suas funções, compromissos de reuniões periódicas e de financiamento. Ademais, nenhum dos artigos lidos reportava ser sobre a continuação de uma iniciativa ou a segunda fase de um projeto de promoção de saúde. Parecem ser mais iniciativas pontuais ou iniciais, sem informações sobre ‘frutos’ que se prolonguem no tempo.

Vale destacar que a sustentabilidade de ações de promoção de saúde equaciona fatores diversos, sendo central a questão econômica. Como referem Sícoli e Nascimento (2003SÍCOLI, J. L.; NASCIMENTO, P. R. Promoção de saúde: concepções, princípios e operacionalização. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 7, n. 12, p. 101-22, 2003., p. 118):

[...] o desenvolvimento sustentável pressupõe considerar a viabilidade econômica e ambiental das ações e iniciativas. Está ligado à busca de alteração do modelo predatório de desenvolvimento, à ampliação de práticas educativas e ao fortalecimento do sentimento de co-responsabilização e instituição de valores éticos.

Nesse sentido, promover a saúde de forma integrada com a população e com os setores das esferas federal, estadual e municipal é mais vantajoso economicamente do que investir unicamente na resolução dos problemas. Então, por que deixar os projetos de lado depois de terem sido iniciados, depois de ter havido a junção de objetivos e de parcerias e de terem sido demonstrados resultados iniciais? Em seis artigos revisados (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PADULA 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.), verificou-se a participação de entidades estaduais e/ou federais, e em apenas um (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.) foi encontrada referência à evolução do projeto. Os projetos restantes apenas mencionaram o seu tempo de atuação ou ser parte de uma primeira fase de implantação. Parece, então, haver um conjunto de projetos com apoios pontuais de instituições públicas e, portanto, com alcance muito limitado no tempo. Mas qual a possibilidade de real impacto se a maioria das propostas em andamento no País se restringe a projetos ou parcerias transitórias? Muitos projetos se tornam pontuais porque não lhes é garantida a continuidade, em virtude, sobretudo, do financiamento. Isso acaba por ocasionar experiências que não chegam a se consolidar, produzindo impactos bastante restritos no tocante às problemáticas para as quais direcionaram sua atenção. Essa é uma realidade para a maioria dos projetos sociais no Brasil, atualmente (LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.).

Por fim, vale apontar duas características das publicações em si. Dos onze artigos, oito se referem a ações ocorridas na região Sudeste (BECKER 2004BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 655-667, 2004.; LOPES; MALFITANO, 2006LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre saúde, educação e cultura. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 505-515, 2006.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PADULA 2006PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais para o enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.; SPERANDIO 2006SPERANDIO, A. M. G. et al. A universidade colaborando na construção de um projeto de promoção da saúde: relato de experiência de um grupo de alunos de medicina da Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p. 200-208, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; MORI; OGATA, 2010MORI, A. Y.; OGATA, M. N. Cuidado intersetorial: promovendo a articulação entre a Equipe de Saúde da Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.; FREITAS; RODRIGUES, ALMEIDA, 2011FREITAS, R. M.; RODRIGUES, C. S.; ALMEIDA, M. C. M. Estratégia intersetorial para o controle da dengue em Belo Horizonte (Minas Gerais), Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 773-785, 2011.) e um nas regiões Sul (PALÁCIOS 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.), Nordeste (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.)e Centro-Oeste (DOBASHI , 2005DOBASHI, B. F. et al. Viva Seu Bairro: em Campo Grande/MS a promoção da saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 32, p. 28-35, 2005.). Isso pode indicar que a intersetorialidade ainda é uma prática ou pouco desenvolvida nas demais regiões ou pouco compartilhada no meio acadêmico. A segunda hipótese parece mais plausível aos autores deste manuscrito, uma vez que tais práticas normalmente nascem e se desenvolvem nos serviços à população, setor em que a publicação acadêmica das experiências e dos resultados não é um produto tão importante. Talvez tal escassez indique que a academia precise ir mais a campo conhecer as experiências e que os operadores de políticas públicas sejam incentivados a publicizar suas experiências intersetoriais.

A segunda característica das publicações que merece destaque é o fato de que cinco manuscritos (CARNEIRO; GOMES, 2004CARNEIRO, A. O.; GOMES, N. P. Ações intersetoriais para a promoção da saúde. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 30, p. 88-90, 2004.; DOBASHI 2005DOBASHI, B. F. et al. Viva Seu Bairro: em Campo Grande/MS a promoção da saúde percorre os caminhos da intersetorialidade. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 32, p. 28-35, 2005.; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006MAGALHÃES JUNIOR, H. M.; OLIVEIRA, R. C. A violência urbana em Belo Horizonte: o olhar da saúde e as possibilidades de intervenção intersetorial. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 35, p. 92-99, 2006.; PARREIRA; SOUSA; NEVES, 2007PARREIRA, C.; SOUSA, M. F.; NEVES, H. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis: integrando políticas públicas na cidade de São Paulo. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 39, p. 59-67, 2007.; PALÁCIOS , 2012PALÁCIOS, A. R. O. et al. O projeto Hortas Comunitárias no município de Maringá. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 48, p. 33-41, 2012.) foram publicados no periódico Divulgação em Saúde para Debate, editado e distribuído pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Talvez isso tenha ocorrido por conta de sua política editorial e seu escopo, uma vez que pretende difundir o conhecimento produzido na experiência cotidiana dos sistemas municipais de saúde, divulgando documentos resultantes de eventos promovidos por instituições ou entidades do setor saúde (CEBES, 2014CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. Divulgação em Saúde para Debate. Disponível em: <http://cebes.com.br/publicacao-tipo/revista-divulgacao/>. Acesso em: 05 nov. 2014.
http://cebes.com.br/publicacao-tipo/revi...
). Isso pode indicar a necessidade de mais espaço nos periódicos científicos da área para o relato de tais experiências.

Ao considerar os resultados desta revisão, é necessário lembrar que somente uma base de referências foi utilizada para a busca. Apesar da atual abrangência da base Lilacs - mais de 850 periódicos e de 650 mil registros, em março de 2013 - é possível que alguns artigos disponíveis somente em outras bases não tenham sido avaliados quanto à sua elegibilidade para esta revisão. Por outro lado, não é do conhecimento dos autores trabalho similar sobre o tema, e acredita-se que os resultados aqui apresentados oferecem um bom panorama sobre as ações intersetoriais recentes.

Considerações finais

O escopo deste estudo foi a identificação de artigos nacionais sobre programas intersetoriais que envolvessem o setor saúde. Todos consideraram a intersetorialidade como fundamental para a promoção da saúde, mas nenhum deles explicitou a definição de intersetorialidade em que se embasaram. Assim, a partir desta revisão se pode concluir que as ações intersetoriais realizadas nos primeiros anos do século atual ainda parecem incipientes no Brasil, se considerarmos os trabalhos publicados em periódicos científicos, no que diz respeito à sua descrição, execução e avaliação. As experiências relatadas indicam a grande potencialidade desse tipo de ação para o enfrentamento de problemas em saúde pública, tendo como partida a visão ampliada do processo saúde-doença, bem como para a promoção da saúde em nosso País. Em todas as iniciativas, pelo menos quatro serviços ou setores foram envolvidos. O setor educação foi um grande parceiro nessas ações, e as Instituições de Ensino Superior participaram de sete delas.

Todos os estudos apresentam o potencial das ações intersetoriais para a transformação da realidade local e dos serviços, mas as experiências analisadas carecem de informações sobre sua continuidade e, portanto, da sustentabilidade dos programas.

Ações intersetoriais deveriam ser resultantes ou, ainda, ter grande potencial para o desenvolvimento de políticas públicas. O acompanhamento dessas experiências possibilitariam verificar a transformação desse potencial em resultados duradouros do ponto de vista dos serviços e de seus participantes. Ressaltamos, ainda, a importância de uma contínua avaliação dessas iniciativas, do compartilhamento das experiências, das estratégias de avaliação e de busca de sustentabilidade, utilizadas visando à efetiva concretização das mudanças de médio e longo prazos.

É imprescindível o desenvolvimento de um olhar e de um fazer intersetoriais, em que os vários atores e setores dialoguem, tendo como norte as necessidades da população e a perspectiva de desenvolvimento de políticas públicas duradouras.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Dez 2013
  • Aceito
    Out 2014
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